Processo nº 5009711-34.2022.4.03.6181
ID: 326698881
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. Vice Presidência
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 5009711-34.2022.4.03.6181
Data de Disponibilização:
16/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANA CAROLINA ELOI DE LIMA
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região Vice Presidência APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5009711-34.2022.4.03.6181 RELATOR: Gab. Vice Presidência APELANTE: ANDRE LUIS SALES CUNHA Advogado …
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região Vice Presidência APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5009711-34.2022.4.03.6181 RELATOR: Gab. Vice Presidência APELANTE: ANDRE LUIS SALES CUNHA Advogado do(a) APELANTE: ANA CAROLINA ELOI DE LIMA - SP486298 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: D E C I S Ã O Trata-se de RECURSOS ESPECIAIS interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e por ANDRÉ LUIS SALES CUNHA, com fulcro no artigo 105, III, a, da Constituição Federal, contra o v. acórdão proferido pela Quinta Turma deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3R), assim ementado: PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE PESSOAS, REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PLURALIDADE DE VÍTIMAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. CONSUNÇÃO ENTRE OS CRIMES DE TRÁFICO DE PESSOAS E REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. INAPLICABILIDADE. CRIMES AUTÔNOMOS. DOSIMETRIA DA PENA PARA O CRIME DE TRÁFICO DE PESSOAS. REFORMA DA SENTENÇA PARA REDUZIR A PENA-BASE FIXADA. MANUTENÇÃO DA AGRAVANTE DE PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA. MANUTENÇÃO DA MAJORANTE PREVISTA NO ART. 149-A, § 1º, IV, DO CÓDIGO PENAL. MANUTENÇÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA. REFORMA DA SENTENÇA, DE OFÍCIO, PARA REDUZIR A FRAÇÃO DE AUMENTO DECORRENTE DA CONTINUIDADE DELITIVA PARA 1/4 (UM QUARTO). REFORMA DA SENTENÇA PARA REDUZIR A PENA DE MULTA. DOSIMETRIA DA PENA PARA O CRIME DE REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. REFORMA DA SENTENÇA PARA REDUZIR A PENA-BASE FIXADA. MANUTENÇÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA. REFORMA DA SENTENÇA, DE OFÍCIO, PARA REDUZIR A FRAÇÃO DE AUMENTO DECORRENTE DA CONTINUIDADE DELITIVA PARA 1/4 (UM QUARTO). REFORMA DA SENTENÇA PARA REDUZIR A PENA DE MULTA. DOSIMETRIA DA PENA PARA O CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. REFORMA DA SENTENÇA PARA REDUZIR A PENA-BASE FIXADA. MANUTENÇÃO DA MAJORANTE PREVISTA NO ART. 2º, § 4º, V, DA LEI N. 12.850/13. REFORMA DA SENTENÇA PARA REDUZIR A PENA DE MULTA. MANUTENÇÃO DO CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. MANUTENÇÃO DO REGIME INICIAL FECHADO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Materialidade comprovada pela documentação juntada aos autos, especialmente Termos de Entrevista; Termo de Depoimento prestado pela vítima Patrick; depoimentos audiovisuais prestados por outras 11 (onze) vítimas; Laudo de Perícia Criminal Federal n. 4335/2022 - NUCRIM/SETEC/SR/PF/SP, referente à extração e categorização de dados dos aparelhos de telefonia celular apreendidos em posse do réu; e Informação Policial n. 003/2023 - UADIP/DELINST/DRCOR/SR/PF/SP, com análise do conteúdo extraído dos celulares apreendidos com o réu. 2. Autoria comprovada. Segundo os depoimentos colhidos das 12 (doze) vítimas resgatadas e repatriadas ao Brasil, o réu foi o responsável pelo recrutamento de todas elas, utilizando-se de contatos pessoais, contatos eletrônicos e anúncios em suas redes sociais, com falsas ofertas de emprego na Tailândia na área de telemarketing e vendas, mediante passagem e hospedagem pagas pelo contratante. 3. As vítimas narraram que, ao chegarem à Tailândia, foram conduzidas ao complexo paramilitar denominado “KK Park”, localizado no país vizinho, Mianmar, sob controle de máfia internacional, e obrigadas a trabalhar exaustivamente para a organização na prática de delitos cibernéticos, em condições insalubres e sujeitas a ameaças e agressões físicas e morais, com severas restrições à liberdade. 4. Da análise dos autos, constata-se que as alegações do réu de que as condições de trabalho no KK Park não fugiam à normalidade, sendo que todos recebiam salários; bem como de que haveria desídia por parte dos brasileiros que lá chegaram posteriormente, os quais teriam simulado circunstâncias degradantes para forçar a rescisão dos contratos de trabalho, restaram isoladas e não se coadunam com o conjunto probatório carreado ao presente feito. 5. Todas as vítimas, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, foram uníssonas ao descrever o processo de recrutamento promovido por André para que elas trabalhassem no sudeste asiático, atribuindo ao réu tanto a oferta das vagas, quanto a intermediação realizada com os contratantes chineses, via aplicativo de conversas (WhatsApp). 6. De acordo com os depoimentos prestados, André mentiu quanto ao local da prestação de serviços (dizendo tratar-se da Tailândia, não de Mianmar), ocultando, ainda, as reais condições nas quais o trabalho (ilícito e exaustivo) seria executado, com salário abaixo do prometido e período de contrato além do combinado (as vítimas Carlos Diego e Antonio anuíram com contratos de trabalho pelo prazo de 12 meses). 7. Verifica-se que as vítimas tiveram que entrar ilegalmente em Mianmar, e permaneceram confinadas em complexo de condomínios que contava com segurança armada, só podendo deixar o local após o pagamento de vultosas dívidas contraídas com os empregadores. 8. É possível extrair das declarações prestadas que André recebeu gratificação por pessoa indicada aos membros chineses da organização criminosa - o que não foi refutado pelo réu ao ser ouvido em Juízo, tendo admitido que recebia comissão de US$ 500 (quinhentos dólares) por brasileiro levado para trabalhar em Mianmar. Verifica-se, ainda, que no dia 15.10.22, o réu enviou ao chinês “Cat Black” (Akon) o código de endereço de depósito de sua carteira de criptomoedas, a fim de que este lhe pagasse a comissão de US$ 1.000 (mil dólares) por dois novos brasileiros recrutados. 9. Deve ser ressaltada, ainda, a confiança que a organização depositava no réu, seja pelo contato que os membros chineses mantinham diretamente com ele (pessoalmente ou por meio do celular), seja pelo fato de confiarem a ele o recrutamento de novos brasileiros para serem enviados ao complexo KK Park. 10. Conquanto o réu afirme que era tratado da mesma forma que os demais brasileiros, as provas dos autos apontam que André, na realidade, detinha confiança dos demais membros da organização criminosa, tanto para o recrutamento de novas pessoas quanto para a solução de conflitos que porventura viessem a ocorrer, promovendo negociação entre as partes. Evidencia-se, dos relatos mencionados, a tentativa de André em manter as vítimas nas condições em que se encontravam, seja reportando aos chineses as intenções dos brasileiros em buscar ajuda da embaixada, seja negociando a permanência destes por meio de aditivo contratual. 11. Quanto à alegação do réu de que algumas vítimas foram convidadas por outras, é cediço que o fizeram com o aval de André, que intermediou a ida de todas elas a Mianmar, mantendo-as em erro quanto às condições de trabalho. 12. O reconhecimento da consunção é inviável quando não há relação de dependência ou subordinação entre as condutas, ou seja, relação de parte e todo, de meio a fim, de minus e plus, de continente e conteúdo, de inteiro e fração. No caso em análise, está-se diante de crimes autônomos, independentes, razão pela qual afastada a aplicação do princípio da consunção entre os crimes de tráfico de pessoas e redução à condição análoga à de escravo. 13. Manutenção da condenação do réu pela prática do crime previsto no art. 2º, § 4º, V, da Lei n. 12.850/13; pela prática do crime previsto no art. 149-A, II, do Código Penal, por 2 (duas) vezes; pela prática do crime previsto no art. 149-A, II, § 1º, IV, do Código Penal, por 10 (dez) vezes; e pela prática do crime previsto no art. 149, caput, c. c. art. 29, ambos do Código Penal, por 12 (doze) vezes. 14. Dosimetria da pena para o crime de tráfico de pessoas. Redução da pena-base e da pena de multa. Manutenção da agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal. Manutenção da majorante prevista no inciso IV do § 1º do art. 149-A do Código Penal. Manutenção da continuidade delitiva. Reforma da sentença, de ofício, para reduzir a fração de aumento decorrente da continuidade delitiva para 1/4 (um quarto). 15. Dosimetria da pena para o crime de redução à condição análoga à de escravo. Redução da pena-base e da pena de multa. Manutenção da continuidade delitiva. Reforma da sentença, de ofício, para reduzir a fração de aumento decorrente da continuidade delitiva para 1/4 (um quarto). 16. Dosimetria da pena para o crime de organização criminosa. Redução da pena-base e da pena de multa. Manutenção da majorante prevista no art. 2º, § 4º, V, da Lei n. 12.850/13. 17. Manutenção do concurso material de crimes (CP, art. 69) e do regime inicial fechado (CP, art. 33, § 2º, a, e § 3º). 18. Redução, de ofício, da fração de aumento pelo reconhecimento da continuidade delitiva para 1/4 (um quarto), em relação aos crimes de tráfico de pessoas e redução à condição análoga à de escravo. 19. Apelação criminal parcialmente provida. DO RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Nas razões de recurso alega-se, em apertada síntese, violação aos artigos 59 e 71 do Código Penal, (1) quanto ao crime de tráfico de pessoas, ao afastar o vetor negativo da culpabilidade e reduzir a pena-base; as circunstâncias do crime revelam dolo intenso e consciência plena da ilicitude e da gravidade dos atos, o que justifica a valoração negativa da culpabilidade, sendo nesse sentido a jurisprudência do STJ; (2) quanto ao crime de tráfico de pessoas, ao reduzir o patamar de aumento pela continuidade delitiva de 2/3 para ¼, ...sem reexaminar o número de condutas e a extensão da reiteração criminosa, o que implica violação direta aos critérios técnicos e jurisprudenciais consolidados...; (3) quanto ao crime de tráfico de pessoas, ao reduzir a pena-base e a fração de aumento pela continuidade delitiva sem apresentar fundamentação idônea e proporcional às circunstâncias concretas do caso, notadamente o número de infrações cometidas e o contexto da reiteração delitiva; (4) quanto ao crime de tráfico de pessoas, na redução da pena de multa; (5) quanto ao crime de de redução à condição análoga à de escravo, devido à redução da pena-base simplesmente por entender proporcional e razoável, em que pese ter fundamento a gravidade do delito e das circunstâncias; (6) quanto ao crime de de redução à condição análoga à de escravo, ao reduzir o patamar de aumento pela continuidade delitiva de 2/3 para ¼, ...desconsiderando o número expressivo de crimes praticados: 12 (doze) vítimas distintas submetidas à escravidão moderna em contexto internacional...; (7) quanto ao crime de redução à condição análoga à de escravo, na redução da pena de multa sem fundamentação idônea e desconsiderando a gravidade concreta dos fatos; (8) quanto ao crime de organização criminosa, ao reconhecer a presença de apenas uma circunstância judicial desfavorável, da conduta social, para reduzir a pena-base; (9) quanto ao crime de organização criminosa, na redução da multa, desconsiderando a liderança funcional exercida pelo recorrente (ID 327438259). Contrarrazões pela inadmissão do recurso (ID 327778269). DECIDO Presentes os pressupostos genéricos de admissibilidade (ID 328793435). A Quinta Turma dessa Corte, soberana na análise das questões fático-processuais, assim dispôs sobre a dosimetria das penas aplicadas a ANDRÉ LUIS SALES CUNHA: ...Dosimetria. a) Tráfico de pessoas. O Juízo a quo fixou a pena do réu da seguinte forma: ... A defesa pugna pela reforma da sentença, para que a pena-base seja fixada no mínimo legal, ou para que seja exasperada em 1/6 (um sexto), na medida em que, quanto à culpabilidade, a premeditação não encontra lastro probatório nos autos e, ainda que reconhecida, não torna a conduta mais reprovável. Argumenta que não foram indicados elementos concretos que demonstrem o “dolo intenso” do réu; quanto à conduta social, aduz que inexiste prova inequívoca de que André enganou pessoas de seu círculo social para serem traficadas, já que foram estas que procuraram pelo réu, solicitando vaga de emprego; quanto às consequências do crime, sustenta que estas não destoam na normalidade do tipo penal, porquanto André também ficou detido em Mianmar por uma semana, após deixar o KK Park, tendo sido obrigado a entrar irregularmente naquele País. Razão lhe assiste, em parte. A pena-base do réu foi fixada em 6 (seis) anos de reclusão, ante o reconhecimento de quatro circunstâncias judiciais desfavoráveis, quais sejam: culpabilidade, conduta social, circunstâncias e consequências do crime. No que diz respeito à culpabilidade do réu, tenho que se mostra normal à espécie delitiva. A premeditação, nesse contexto, não torna mais reprovável a conduta, figurando comum ao tipo penal em tela, não se justificando, assim, o aumento da pena-base de André por essa circunstância judicial, razão pela qual reformo a respeitável sentença no ponto. Quanto à conduta social, entendo que deve ser considerada desfavorável, na medida em que, como bem decidido pela Magistrada a quo, o conjunto probatório demonstrou que o réu ludibriou amigos e conhecidos, inclusive de sua cidade natal, no Ceará, valendo-se da confiança que essas pessoas depositavam nele para ter êxito na empreitada criminosa. A valoração das circunstâncias do crime não foi alvo direto de impugnação pela defesa, a qual resta mantida, à míngua de constatação de irregularidades sanáveis de ofício. Por fim, as consequências do crime foram graves, ao contrário das alegações defensivas. O fato de as vítimas terem permanecido detidas em Mianmar após deixarem o KK Park e antes de serem entregues às autoridades brasileiras somente ocorreu porque o réu as enganou quanto ao real destino da viagem, fazendo-as entrar de maneira ilegal naquele País, sem visto. André era conhecedor dessa circunstância, vez que chegou antes ao local, não podendo se valer de sua própria torpeza para afastar circunstância judicial que lhe é desfavorável. Assim, reformo a sentença para reconhecer três circunstâncias judiciais desfavoráveis, quais sejam: conduta social, circunstâncias e consequências do crime, o que conduz à redução da pena-base do réu, a qual fixo em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão, por entender proporcional e adequada ao caso em análise. Na segunda fase, foi reconhecida a agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal, na fração de 1/6 (um sexto). Considerando que André agenciou, aliciou e recrutou doze brasileiros, mediante fraude, com a finalidade de submetê-los a trabalho em condições análogas à de escravo, mediante promessa de que receberia recompensa no valor de US$ 500 (quinhentos dólares) por vítima, tenho que deve ser mantida a aplicação da agravante, não merecendo prosperar o pleito defensivo de seu afastamento. Nesse sentido, colaciono os ensinamentos de Cleber Masson: ... Assim, com a incidência da agravante, a pena totaliza 6 (seis) anos e 5 (cinco) meses de reclusão. Na terceira fase, em relação às vítimas Maria Jhulia e William Wallace, não foram reconhecidas causas de aumento ou de diminuição de pena, razão pela qual a pena perfaz o total de 6 (seis) anos e 5 (cinco) meses de reclusão. Quanto às demais vítimas, retiradas do território nacional, foi reconhecida a causa de aumento prevista no inciso IV do § 1º do art. 149-A do Código Penal. A majorante foi aplicada na fração mínima de 1/3 (um terço), a qual resta mantida, e conduz à pena de 8 (oito) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão. Mantenho a sentença recorrida quanto ao reconhecimento da continuidade delitiva. A pena mais grave aplicada - 8 (oito) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão – deve ser aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), nos termos do art. 71 do Código Penal. Tendo em vista a quantidade de vítimas (doze), a Magistrada a quo aumentou a pena em 2/3 (dois terços). Reformo a respeitável decisão no ponto, de ofício, para aplicar a fração de aumento de 1/4 (um quarto), por entender suficiente à reprovação e prevenção do crime, o que conduz à pena definitiva, para o crime de tráfico de pessoas, de 10 (dez) anos, 8 (oito) meses e 10 (dez) dias de reclusão. A defesa pleiteia, ainda, a readequação e redução da pena de multa, para que guarde proporcionalidade à pena privativa de liberdade imposta. O recurso merece provimento no ponto. Nos termos do art. 49 do Código Penal, reformo a sentença recorrida para fixar a pena de multa em 14 (quatorze) dias-multa. Com os aumentos proporcionais à pena privativa de liberdade, a pena de multa totalizará 26 (vinte e seis) dias-multa para o crime de tráfico de pessoas, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. b) Redução à condição análoga à de escravo. O Juízo a quo fixou a pena do réu da seguinte forma: ... A defesa pugna pela reforma da sentença, para que a pena-base seja fixada no mínimo legal, ou para que seja exasperada em 1/6 (um sexto), na medida em que a circunstância judicial da culpabilidade deve ser considerada normal à espécie, uma vez que o apelante trabalhava nas mesmas condições que as testemunhas ouvidas na presente ação penal e não desempenhava papel ativo na definição de tais condições, tendo partido dele a ideia de expor a situação à mídia. Argumenta que as circunstâncias do crime não destoam da normalidade, porque o réu também foi vítima da organização criminosa; bem como que a conduta social e as consequências do crime também não devem ser consideradas em desfavor do apelante, pelos mesmos motivos expostos para o delito de tráfico de pessoas. Verifica-se que a pena-base do réu foi fixada em 5 (cinco) anos de reclusão, ante o reconhecimento de quatro circunstâncias judiciais desfavoráveis, quais sejam: culpabilidade, conduta social, circunstâncias e consequências do crime. No que se refere à culpabilidade do réu, tenho que a sentença recorrida não merece reparo. Diferente do alegado pela defesa, não foi provado que a decisão de expor a situação degradante à mídia tenha partido de André. As vítimas informaram que o réu, inclusive, delatou esse plano aos líderes da organização criminosa. Ademais, comprometeu-se perante aqueles chineses a encerrar movimento grevista dos demais brasileiros, convencendo os ofendidos a assinarem termo aditivo para que permanecessem nas condições em que estavam. Quanto à conduta social, entendo que deve ser considerada desfavorável, na medida em que, como bem decidido pela Magistrada a quo, o conjunto probatório demonstrou que o réu ludibriou amigos e conhecidos, inclusive de sua cidade natal, no Ceará, valendo-se da confiança que essas pessoas depositavam nele para ter êxito na empreitada criminosa. As consequências do crime foram graves, ao contrário das alegações defensivas. O fato de as vítimas terem permanecido detidas em Mianmar após deixarem o KK Park e antes de serem entregues às autoridades brasileiras somente ocorreu porque o réu as enganou quanto ao real destino da viagem, fazendo-as entrar de maneira ilegal naquele País, sem visto. André era conhecedor dessa circunstância, vez que chegou antes ao local, não podendo se valer de sua própria torpeza para afastar circunstância judicial que lhe é desfavorável. Por fim, em relação às circunstâncias do crime, tenho que a decisão recorrida deve ser mantida por seus próprios fundamentos, acima transcritos. Ressalto o fato de as vítimas terem sido forçadas a participar de crimes cibernéticos, o que certamente extrapola a normalidade do tipo penal em apreço. Assim, mantenho o reconhecimento das circunstâncias judicias desfavoráveis (culpabilidade, conduta social, circunstâncias e consequências do crime), mas reformo a sentença para reduzir a pena-base fixada ao réu para 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, por entender proporcional e razoável ao caso em tela. Na segunda fase, não foram reconhecidas circunstâncias agravantes ou atenuantes. Na terceira fase, ausentes causas de aumento ou de diminuição de pena. Mantenho a sentença recorrida quanto ao reconhecimento da continuidade delitiva. A pena de um só dos crimes - 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão – deve ser aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), nos termos do art. 71 do Código Penal. Tendo em vista a quantidade de vítimas (doze), a Magistrada a quo aumentou a pena em 2/3 (dois terços). Reformo a respeitável decisão no ponto, de ofício, para aplicar a fração de aumento de 1/4 (um quarto), por entender suficiente à reprovação e prevenção do crime, o que conduz à pena definitiva, para o crime de redução à condição análoga à de escravo, de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão. A defesa pleiteia, ainda, a readequação e redução da pena de multa, para que guarde proporcionalidade à pena privativa de liberdade imposta. O recurso merece provimento no ponto. Nos termos do art. 49 do Código Penal, reformo a sentença recorrida para fixar a pena de multa em 17 (dezessete) dias-multa. Com os aumentos proporcionais à pena privativa de liberdade, a pena de multa totalizará 21 (vinte e um) dias-multa para o crime de redução à condição análoga à de escravo, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. c) Organização criminosa. O Juízo a quo fixou a pena do réu da seguinte forma: ... A defesa pugna pela reforma da sentença, para que a pena-base seja fixada no mínimo legal, ou para que seja exasperada em 1/6 (um sexto), na medida em que o Juízo a quo atribuiu ao réu uma postura ativa de adesão voluntária à organização, situação não demonstrada nos autos. Argumenta que as ações do apelante tiveram por único objetivo a garantia de sua sobrevivência e o retorno ao Brasil, razão pela qual a culpabilidade deve ser considerada normal à espécie; bem como que a circunstância judicial da conduta social também não deve ser considerada em desfavor do réu, pelos mesmos motivos expostos para os delitos anteriores. Razão lhe assiste, em parte. Verifica-se que a pena-base do réu foi fixada em 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de reclusão, ante o reconhecimento de duas circunstâncias judiciais desfavoráveis, quais sejam: culpabilidade e conduta social. No que diz respeito à culpabilidade do réu, tenho que se mostra normal à espécie delitiva, contrariamente ao entendimento da Magistrada sentenciante. O fato de André buscar a confiança dos chefes chineses e passar a integrar a organização não torna mais reprovável a conduta, figurando comum ao tipo penal em tela, principalmente porque, como decidido pelo Juízo a quo, o réu inicialmente foi vítima do tráfico de pessoas. Assim, não se justifica, a meu ver, o aumento da pena-base por essa circunstância judicial. Quanto à conduta social, entendo que deve ser considerada desfavorável, na medida em que o conjunto probatório demonstrou que o réu ludibriou amigos e conhecidos, inclusive de sua cidade natal, no Ceará, valendo-se da confiança que essas pessoas depositavam nele para ter êxito na empreitada criminosa. Assim, reformo a sentença para reconhecer apenas uma circunstância judicial desfavorável, qual seja, a conduta social, o que conduz à redução da pena-base do réu, a qual fixo em 3 (três) anos e 6 (seis) meses, por entender proporcional e adequada ao caso em tela. Na segunda fase, não foram reconhecidas circunstâncias agravantes ou atenuantes. Na terceira fase, foi reconhecida a causa de aumento prevista no art. 2º, § 4º, V, da Lei n. 12.850/13 (transnacionalidade da organização), na fração mínima de 1/6 (um sexto), a qual resta mantida e conduz à pena definitiva, para o crime de organização criminosa, de 4 (quatro) anos e 1 (um) mês de reclusão. A defesa pleiteia, ainda, a readequação e redução da pena de multa, para que guarde proporcionalidade à pena privativa de liberdade imposta. O recurso merece provimento no ponto. Nos termos do art. 49 do Código Penal, reformo a sentença recorrida para fixar a pena de multa em 12 (doze) dias-multa. Com os aumentos proporcionais à pena privativa de liberdade, a pena de multa totalizará 14 (quatorze) dias-multa para o crime de organização criminosa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Mantenho a aplicação do concurso material de crimes (CP, art. 69). A soma das penas privativas de liberdade resulta em 18 (dezoito) anos, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 61 (sessenta e um) dias-multa. O regime inicial de cumprimento de pena será o fechado, tal como fixado na respeitável sentença, nos termos do art. 33, § 2º, a, e § 3º, do Código Penal. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos (CP, art. 44)... (ID 325855086) E considerando que a dosimetria da pena está atrelada às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, qualquer incursão nessa seara é inviável em sede de recurso especial por força da Súmula 7 do STJ. A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. (STJ - Súmula 7, Corte Especial, julgado em 28/6/1990, DJ de 3/7/1990, p. 6478) Nesse sentido: STJ - AgRg no AREsp n. 1.955.976/RS, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 12/3/2024, DJe de 15/3/2024; AgRg no HC n. 879.108/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 7/3/2024; AgRg no AREsp n. 2.169.349/GO, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 27/6/2023, DJe de 30/6/2023; AgRg no AREsp n. 2.154.006/DF, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 13/6/2023, DJe de 16/6/2023. Ante o exposto, não admito o recurso especial do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. DO RECURSO ESPECIAL DE ANDRÉ LUIS SALES CUNHA Nas razões de recurso alega-se, em apertada síntese, (1) violação aos artigos 59 e 62, IV, do Código Penal, pela manutenção da valoração negativa das circunstâncias judicias sem a devida fundamentação; pela manutenção da agravante, desconsiderando que a finalidade lucrativa é inerente ao delito de tráfico de pessoas; (2) violação ao princípio da consunção, não aplicado entre os crimes de tráfico de pessoas e de redução à condição análoga à escravidão; (3) violação ao artigo 93, IX, da Constituição Federal, pois ...O acórdão recorrido, ao proceder à valoração negativa das circunstâncias judiciais (art. 59 do Código Penal), à aplicação da agravante do art. 62, IV do Código Penal e à manutenção do concurso material de crimes (art. 69 do Código Penal), deixou de apresentar fundamentação concreta, individualizada e suficiente quanto aos elementos fáticos que justificariam tais conclusões, limitando-se a afirmar genericamente a gravidade dos fatos e o modus operandi do agente... (ID 327778239). Contrarrazões pela inadmissão do recurso (ID 329673791). DECIDO Presentes os pressupostos genéricos de admissibilidade (ID 328793435). Primeiramente, não conheço a arguição de violação ao artigo 93, IX, da Constituição Federal, que foge ao objeto do recurso especial, restrito à matéria infraconstitucional. Decerto, ...o Superior Tribunal de Justiça não é competente para se manifestar sobre suposta violação de dispositivo constitucional, sequer para o fim de prequestionamento. Precedentes... (STJ - AgRg no AREsp n. 2.424.997/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 27/2/2024, DJe de 1/3/2024). Também não conheço a arguição de violação ao princípio da consunção, em virtude da manifesta e intransponível deficiência de fundamentação, com destaque à ausência de indicação clara e coesa da norma infraconstitucional contrariada, sendo aplicável na espécie – por analogia – a Súmula 284 do STF: É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia. (STF - Súmula 284, aprovação 13/12/1963) Nesse sentido, confira-se o seguinte arresto do STJ: PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. NÃO INDICAÇÃO EXPRESSA DOS DISPOSITIVOS DE LEI FEDERAL VIOLADOS. DEFICIDÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA N. 284 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO REGIONAL NÃO IMPUGNADO. SÚMULA N. 283/STF. CRIMES DA LEI N. 8.666/93. ABOLITIO CRIMINIS. INOCORRÊNCIA. CONTINUIDADE DELITIVA. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Os recorrentes não indicaram expressamente os dispositivos de lei federal que foram objeto da violação, não sendo possível afastar a incidência da Súmula n. 284/STF, por deficiência de fundamentação. 2. A ausência de impugnação, nas razões do recurso especial, de fundamento autônomo e suficiente à manutenção do acórdão recorrido atrai o óbice da Súmula 283 do STF, segundo a qual: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles." 3. "Não há se falar em abolitio criminis com relação aos crimes da Lei n. 8.666/1993, porquanto houve a continuidade típico-normativa, por meio da inserção do Capítulo II-B no Código Penal, intitulado 'Dos Crimes em Licitações e Contratos Administrativos' (AgRg no AREsp n. 2.073.726/PA, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 27/6/2022.)" (AgRg no REsp n. 1.981.227/TO, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 16/11/2022). 4. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no REsp n. 2.032.505/CE, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 27/11/2023, DJe de 29/11/2023) E ainda: STJ – AgRg no AREsp n. 1.812.515/PE, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 5/9/2023, DJe de 11/9/2023; AgRg no AREsp n. 2.181.871/MA, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 6/6/2023, DJe de 12/6/2023; AgRg no AREsp n. 1.793.805/SC, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022. No mais, a Quinta Turma dessa Corte, soberana na análise das questões fático-processuais, após detido estudo do caso concreto assim dispôs sobre a dosimetria das penas aplicadas ao recorrente: ...Dosimetria. a) Tráfico de pessoas. O Juízo a quo fixou a pena do réu da seguinte forma: ... A defesa pugna pela reforma da sentença, para que a pena-base seja fixada no mínimo legal, ou para que seja exasperada em 1/6 (um sexto), na medida em que, quanto à culpabilidade, a premeditação não encontra lastro probatório nos autos e, ainda que reconhecida, não torna a conduta mais reprovável. Argumenta que não foram indicados elementos concretos que demonstrem o “dolo intenso” do réu; quanto à conduta social, aduz que inexiste prova inequívoca de que André enganou pessoas de seu círculo social para serem traficadas, já que foram estas que procuraram pelo réu, solicitando vaga de emprego; quanto às consequências do crime, sustenta que estas não destoam na normalidade do tipo penal, porquanto André também ficou detido em Mianmar por uma semana, após deixar o KK Park, tendo sido obrigado a entrar irregularmente naquele País. Razão lhe assiste, em parte. A pena-base do réu foi fixada em 6 (seis) anos de reclusão, ante o reconhecimento de quatro circunstâncias judiciais desfavoráveis, quais sejam: culpabilidade, conduta social, circunstâncias e consequências do crime. No que diz respeito à culpabilidade do réu, tenho que se mostra normal à espécie delitiva. A premeditação, nesse contexto, não torna mais reprovável a conduta, figurando comum ao tipo penal em tela, não se justificando, assim, o aumento da pena-base de André por essa circunstância judicial, razão pela qual reformo a respeitável sentença no ponto. Quanto à conduta social, entendo que deve ser considerada desfavorável, na medida em que, como bem decidido pela Magistrada a quo, o conjunto probatório demonstrou que o réu ludibriou amigos e conhecidos, inclusive de sua cidade natal, no Ceará, valendo-se da confiança que essas pessoas depositavam nele para ter êxito na empreitada criminosa. A valoração das circunstâncias do crime não foi alvo direto de impugnação pela defesa, a qual resta mantida, à míngua de constatação de irregularidades sanáveis de ofício. Por fim, as consequências do crime foram graves, ao contrário das alegações defensivas. O fato de as vítimas terem permanecido detidas em Mianmar após deixarem o KK Park e antes de serem entregues às autoridades brasileiras somente ocorreu porque o réu as enganou quanto ao real destino da viagem, fazendo-as entrar de maneira ilegal naquele País, sem visto. André era conhecedor dessa circunstância, vez que chegou antes ao local, não podendo se valer de sua própria torpeza para afastar circunstância judicial que lhe é desfavorável. Assim, reformo a sentença para reconhecer três circunstâncias judiciais desfavoráveis, quais sejam: conduta social, circunstâncias e consequências do crime, o que conduz à redução da pena-base do réu, a qual fixo em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão, por entender proporcional e adequada ao caso em análise. Na segunda fase, foi reconhecida a agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal, na fração de 1/6 (um sexto). Considerando que André agenciou, aliciou e recrutou doze brasileiros, mediante fraude, com a finalidade de submetê-los a trabalho em condições análogas à de escravo, mediante promessa de que receberia recompensa no valor de US$ 500 (quinhentos dólares) por vítima, tenho que deve ser mantida a aplicação da agravante, não merecendo prosperar o pleito defensivo de seu afastamento. Nesse sentido, colaciono os ensinamentos de Cleber Masson: ... Assim, com a incidência da agravante, a pena totaliza 6 (seis) anos e 5 (cinco) meses de reclusão. Na terceira fase, em relação às vítimas Maria Jhulia e William Wallace, não foram reconhecidas causas de aumento ou de diminuição de pena, razão pela qual a pena perfaz o total de 6 (seis) anos e 5 (cinco) meses de reclusão. Quanto às demais vítimas, retiradas do território nacional, foi reconhecida a causa de aumento prevista no inciso IV do § 1º do art. 149-A do Código Penal. A majorante foi aplicada na fração mínima de 1/3 (um terço), a qual resta mantida, e conduz à pena de 8 (oito) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão. Mantenho a sentença recorrida quanto ao reconhecimento da continuidade delitiva. A pena mais grave aplicada - 8 (oito) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão – deve ser aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), nos termos do art. 71 do Código Penal. Tendo em vista a quantidade de vítimas (doze), a Magistrada a quo aumentou a pena em 2/3 (dois terços). Reformo a respeitável decisão no ponto, de ofício, para aplicar a fração de aumento de 1/4 (um quarto), por entender suficiente à reprovação e prevenção do crime, o que conduz à pena definitiva, para o crime de tráfico de pessoas, de 10 (dez) anos, 8 (oito) meses e 10 (dez) dias de reclusão. A defesa pleiteia, ainda, a readequação e redução da pena de multa, para que guarde proporcionalidade à pena privativa de liberdade imposta. O recurso merece provimento no ponto. Nos termos do art. 49 do Código Penal, reformo a sentença recorrida para fixar a pena de multa em 14 (quatorze) dias-multa. Com os aumentos proporcionais à pena privativa de liberdade, a pena de multa totalizará 26 (vinte e seis) dias-multa para o crime de tráfico de pessoas, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. b) Redução à condição análoga à de escravo. O Juízo a quo fixou a pena do réu da seguinte forma: ... A defesa pugna pela reforma da sentença, para que a pena-base seja fixada no mínimo legal, ou para que seja exasperada em 1/6 (um sexto), na medida em que a circunstância judicial da culpabilidade deve ser considerada normal à espécie, uma vez que o apelante trabalhava nas mesmas condições que as testemunhas ouvidas na presente ação penal e não desempenhava papel ativo na definição de tais condições, tendo partido dele a ideia de expor a situação à mídia. Argumenta que as circunstâncias do crime não destoam da normalidade, porque o réu também foi vítima da organização criminosa; bem como que a conduta social e as consequências do crime também não devem ser consideradas em desfavor do apelante, pelos mesmos motivos expostos para o delito de tráfico de pessoas. Verifica-se que a pena-base do réu foi fixada em 5 (cinco) anos de reclusão, ante o reconhecimento de quatro circunstâncias judiciais desfavoráveis, quais sejam: culpabilidade, conduta social, circunstâncias e consequências do crime. No que se refere à culpabilidade do réu, tenho que a sentença recorrida não merece reparo. Diferente do alegado pela defesa, não foi provado que a decisão de expor a situação degradante à mídia tenha partido de André. As vítimas informaram que o réu, inclusive, delatou esse plano aos líderes da organização criminosa. Ademais, comprometeu-se perante aqueles chineses a encerrar movimento grevista dos demais brasileiros, convencendo os ofendidos a assinarem termo aditivo para que permanecessem nas condições em que estavam. Quanto à conduta social, entendo que deve ser considerada desfavorável, na medida em que, como bem decidido pela Magistrada a quo, o conjunto probatório demonstrou que o réu ludibriou amigos e conhecidos, inclusive de sua cidade natal, no Ceará, valendo-se da confiança que essas pessoas depositavam nele para ter êxito na empreitada criminosa. As consequências do crime foram graves, ao contrário das alegações defensivas. O fato de as vítimas terem permanecido detidas em Mianmar após deixarem o KK Park e antes de serem entregues às autoridades brasileiras somente ocorreu porque o réu as enganou quanto ao real destino da viagem, fazendo-as entrar de maneira ilegal naquele País, sem visto. André era conhecedor dessa circunstância, vez que chegou antes ao local, não podendo se valer de sua própria torpeza para afastar circunstância judicial que lhe é desfavorável. Por fim, em relação às circunstâncias do crime, tenho que a decisão recorrida deve ser mantida por seus próprios fundamentos, acima transcritos. Ressalto o fato de as vítimas terem sido forçadas a participar de crimes cibernéticos, o que certamente extrapola a normalidade do tipo penal em apreço. Assim, mantenho o reconhecimento das circunstâncias judicias desfavoráveis (culpabilidade, conduta social, circunstâncias e consequências do crime), mas reformo a sentença para reduzir a pena-base fixada ao réu para 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, por entender proporcional e razoável ao caso em tela. Na segunda fase, não foram reconhecidas circunstâncias agravantes ou atenuantes. Na terceira fase, ausentes causas de aumento ou de diminuição de pena. Mantenho a sentença recorrida quanto ao reconhecimento da continuidade delitiva. A pena de um só dos crimes - 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão – deve ser aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), nos termos do art. 71 do Código Penal. Tendo em vista a quantidade de vítimas (doze), a Magistrada a quo aumentou a pena em 2/3 (dois terços). Reformo a respeitável decisão no ponto, de ofício, para aplicar a fração de aumento de 1/4 (um quarto), por entender suficiente à reprovação e prevenção do crime, o que conduz à pena definitiva, para o crime de redução à condição análoga à de escravo, de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão. A defesa pleiteia, ainda, a readequação e redução da pena de multa, para que guarde proporcionalidade à pena privativa de liberdade imposta. O recurso merece provimento no ponto. Nos termos do art. 49 do Código Penal, reformo a sentença recorrida para fixar a pena de multa em 17 (dezessete) dias-multa. Com os aumentos proporcionais à pena privativa de liberdade, a pena de multa totalizará 21 (vinte e um) dias-multa para o crime de redução à condição análoga à de escravo, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. c) Organização criminosa. O Juízo a quo fixou a pena do réu da seguinte forma: ... A defesa pugna pela reforma da sentença, para que a pena-base seja fixada no mínimo legal, ou para que seja exasperada em 1/6 (um sexto), na medida em que o Juízo a quo atribuiu ao réu uma postura ativa de adesão voluntária à organização, situação não demonstrada nos autos. Argumenta que as ações do apelante tiveram por único objetivo a garantia de sua sobrevivência e o retorno ao Brasil, razão pela qual a culpabilidade deve ser considerada normal à espécie; bem como que a circunstância judicial da conduta social também não deve ser considerada em desfavor do réu, pelos mesmos motivos expostos para os delitos anteriores. Razão lhe assiste, em parte. Verifica-se que a pena-base do réu foi fixada em 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de reclusão, ante o reconhecimento de duas circunstâncias judiciais desfavoráveis, quais sejam: culpabilidade e conduta social. No que diz respeito à culpabilidade do réu, tenho que se mostra normal à espécie delitiva, contrariamente ao entendimento da Magistrada sentenciante. O fato de André buscar a confiança dos chefes chineses e passar a integrar a organização não torna mais reprovável a conduta, figurando comum ao tipo penal em tela, principalmente porque, como decidido pelo Juízo a quo, o réu inicialmente foi vítima do tráfico de pessoas. Assim, não se justifica, a meu ver, o aumento da pena-base por essa circunstância judicial. Quanto à conduta social, entendo que deve ser considerada desfavorável, na medida em que o conjunto probatório demonstrou que o réu ludibriou amigos e conhecidos, inclusive de sua cidade natal, no Ceará, valendo-se da confiança que essas pessoas depositavam nele para ter êxito na empreitada criminosa. Assim, reformo a sentença para reconhecer apenas uma circunstância judicial desfavorável, qual seja, a conduta social, o que conduz à redução da pena-base do réu, a qual fixo em 3 (três) anos e 6 (seis) meses, por entender proporcional e adequada ao caso em tela. Na segunda fase, não foram reconhecidas circunstâncias agravantes ou atenuantes. Na terceira fase, foi reconhecida a causa de aumento prevista no art. 2º, § 4º, V, da Lei n. 12.850/13 (transnacionalidade da organização), na fração mínima de 1/6 (um sexto), a qual resta mantida e conduz à pena definitiva, para o crime de organização criminosa, de 4 (quatro) anos e 1 (um) mês de reclusão. A defesa pleiteia, ainda, a readequação e redução da pena de multa, para que guarde proporcionalidade à pena privativa de liberdade imposta. O recurso merece provimento no ponto. Nos termos do art. 49 do Código Penal, reformo a sentença recorrida para fixar a pena de multa em 12 (doze) dias-multa. Com os aumentos proporcionais à pena privativa de liberdade, a pena de multa totalizará 14 (quatorze) dias-multa para o crime de organização criminosa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Mantenho a aplicação do concurso material de crimes (CP, art. 69). A soma das penas privativas de liberdade resulta em 18 (dezoito) anos, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 61 (sessenta e um) dias-multa. O regime inicial de cumprimento de pena será o fechado, tal como fixado na respeitável sentença, nos termos do art. 33, § 2º, a, e § 3º, do Código Penal. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos (CP, art. 44)... (ID 325855086) E considerando que a dosimetria da pena está atrelada às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, qualquer incursão nessa seara é inviável em sede de recurso especial por força da Súmula 7 do STJ. A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. (STJ - Súmula 7, Corte Especial, julgado em 28/6/1990, DJ de 3/7/1990, p. 6478) Nesse sentido: STJ - AgRg no AREsp n. 1.955.976/RS, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 12/3/2024, DJe de 15/3/2024; AgRg no HC n. 879.108/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 7/3/2024; AgRg no AREsp n. 2.169.349/GO, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 27/6/2023, DJe de 30/6/2023; AgRg no AREsp n. 2.154.006/DF, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 13/6/2023, DJe de 16/6/2023. Ante o exposto, não admito o recurso especial de ANDRÉ LUIS SALES CUNHA. Intime-se. São Paulo, 14 de julho de 2025.
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