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Prefeitura Municipal De Tatuí x Felicio Donisete Nunes Corrêa

ID: 276928703

Tribunal: TJSP Órgão: Foro de Tatuí - 1ª Vara Cível Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL Nº Processo: 1003329-08.2022.8.26.0624

Data de Disponibilização: 23/05/2025

Polo Ativo:

PREFEITURA MUNICIPAL DE TATUí

Polo Passivo:

FELICIO DONISETE NUNES CORRêA

Intimação

Advogados:

RANUZIA COUTINHO MARTINS

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LUIZ DOS SANTOS NETTO

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

EDUARDO AUGUSTO BACHEGA GONÇALVES

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ADV: Luiz dos Santos Netto (OAB 233465/SP), Eduardo Augusto Bachega Gonçalves (OAB 241520/SP), Ranuzia Coutinho Martins (OAB 263501/SP) Processo 1003329-08.2022.8.26.0624 - Ação Civil Pública - Reqte… ADV: Luiz dos Santos Netto (OAB 233465/SP), Eduardo Augusto Bachega Gonçalves (OAB 241520/SP), Ranuzia Coutinho Martins (OAB 263501/SP) Processo 1003329-08.2022.8.26.0624 - Ação Civil Pública - Reqte: Prefeitura Municipal de Tatuí - Reqdo: Felicio Donisete Nunes Corrêa - Vistos. O MUNICÍPIO DE TATUÍ ajuizou ação civil pública em face de FELICIO DONISETE NUNES CORREA, qualificados nos autos, sede em que sustenta, na essência, que: (i) após diligências administrativas, por meio de expediente encaminhado em 17.05.2022, constatou-se a implantação de loteamento clandestino no imóvel objeto da matrícula nº 70.147, do CRI de Tatuí/SP, localizado no Bairro dos Mirandas, nesta cidade, levado a cabo pelo réu (que seria proprietário fiduciante do imóvel, cf. R/6, fl. 46/47); (ii) embora notificado, constataram em diligência do dia 12.04.2022 que o parcelador continuava alienando lotes e os ocupantes a edificar no terreno; (iii) o parcelamento irregular em tela consistiria no fatiamento de imóvel sito em área rural, com destinação que provoca incidência do ITR, fatias tais preparadas e voltadas para fins urbanos, de índole residencial, o que é vedado pelo artigo 3º, caput, da Lei 6766/79, não havendo possibilidade de regularização da área, nos termos, ainda, dos artigos 4º, I e 65, ambos da Lei 4504/64 (Estatuto da Terra), tudo sem a prévia autorização dos órgãos públicos responsáveis. Pretende, em sede de antecipação dos efeitos da tutela que o Juízo: (a) determine a colocação de aviso (por placa ou faixa, com medidas mínimas de 2 X 2 m), no prazo de 15 dias, na entrada do imóvel, de modo bem visível aos transeuntes, informando que o desmembramento é clandestino, estando proibida a compra, venda e edificação nos lotes; (b) fixe a obrigação de não-fazer consistente em abstenção de realizar vendas, transferências, reservas ou quaisquer outros negócios jurídicos que manifestem a intenção de vender ou renegociar lotes oriundos da matrícula imobiliária em comento (imóvel maior em fatiamento), bem como de eventuais matrículas dela decorrentes, enquanto subsistirem as irregularidades; (c) abster-se de receber prestações vencidas e vincendas, oriundas de contratos relativos ao parcelamento ou renegociar o preço dos imóveis, pena de aplicação de multa diária, sugerida em R$ 1.000,00 (mil reais) por negócio; (d) fixe a obrigação de fazer para que informe a relação dos compradores e compromissários compradores, cessionários, donatários, possuidores, ocupantes de terrenos do desmembramento, bem como o nome e qualificação dos atuais ocupantes, informando a situação dos referidos negócios, se quitados ou com parcelas em andamento. Ao final, pugna pela condenação do réu: (e) [...] para que promova, às suas expensas, o DESFAZIMENTO do parcelamento de solo, restaurando a área ao seu estado primitivo, retirando do local todos os vestígios do parcelamento, notadamente lotes e construções, reparando danos ambientais eventualmente causados, bem como todo o necessário para o que o imóvel retorne ao seu estado anterior, [...] no prazo de 180 (cento e oitenta) dias; (fl. 10/11) ou, sucessivamente, (f) [...] na obrigação de fazer consistente em providenciar, às suas expensas, as medidas legais para a regularização do desmembramento realizado sobre o imóvel objeto da matrícula 70.147 do Cartório de Registro de Imóveis de Tatuí, [...], no mesmo prazo (fl. 11) e (g) [...] na obrigação de fazer consistente em providenciar a implantação das obras de infraestrutura nos imóveis resultantes do desmembramento, conforme constar no projeto de regularização fundiária a ser submetido à aprovação pela municipalidade; especialmente quanto aos equipamentos urbanos e serviços de abastecimento de água potável e esgoto sanitário, a ser atendido pela concessionária prestadora de tais serviços ou mediante solução alternativa, devidamente homologada pela autoridade ambiental, e de energia elétrica domiciliar (fl. 11); (h) [...] na obrigação de não fazer consistente em se abster de: receber prestações, vencidas e vincendas, previstas nos contratos celebrados relativos ao desmembramento ou renegociar o preço dos imóveis nesse loteamento, sob pena de pagamento de multa de R$ 1.000,00 por negócio realizado; (fl. 11/12); (i) [...] ao pagamento de multa diária de R$ 1.000,00 em favor do Município de Tatuí, devida somente se, ao término do prazo fixado na sentença, houver o descumprimento da obrigação de fazer pretendida, quantia sujeita a correção monetária, pelos índices oficiais, desde a distribuição da petição inicial até o efetivo adimplemento; (fl. 12). Documentos à fl. 14/54. Sobreveio manifestação do MD. Representante do Ministério Público pelo deferimento da tutela de urgência (fl. 58/60). Decisão de fl. 61/68 determinou o bloqueio da matrícula, a expedição de edital para ciência de terceiros eventualmente interessados e deferiu, em parte, a tutela de urgência almejada, pena de multa diária de R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais) por qualquer ato/omissão que importe em descumprimento, limitada a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Edital à fl. 74. Manifestação do Sr. Oficial do Registro de Imóveis informando o bloqueio da matrícula (fl. 76/77, doc. à fl. 78/82). Após diversas diligências infrutíferas, o réu compareceu espontaneamente aos autos (fl. 121, instrumento de procuração à fl. 128) e ofereceu resposta, sob a forma de contestação, à fl. 129/134 (docs. à fl. 135/156), sede em que sustenta, na essência: (i) que não deu destinação urbana ao imóvel, sendo que não haveria nenhuma moradia no local, e sim, apenas um muro e benfeitorias, não especificadas, [...] já tinha intenção de fazer do local aérea de lazer familiar. [...] (fl. 131), ao que parece durante o ano de 2021; (ii) contraditoriamente, afirma que [...] se viu obrigado a mudar de ideia, já que não conseguiria manter o local sozinho, foi quando decidiu criar uma associação em meados de 2022 (fl. 131); (iii) insiste que não haveria casas ou moradores no local, mas, ao mesmo tempo, afirma que E de fato, a pessoa de Rodrigo juntamente com outras 6 pessoas e o requerido, decidiram por fazer do local uma Associação de Moradores Amigos do Miranda, o que de fato deram inicio em Junho de 2022 (fl. 131) e que [...] todos os 6 associados, podem realizar benfeitorias no imóvel da matricula nº 70.147, a associação está aprovada desde 18/08/2022 (fl. 131); (iv) faz sustentações genéricas de perseguição por parte da Prefeitura Municipal, já que vem sofrendo diversas penalidades e corre outro processo judicial em seu desfavor, sendo que haveria outras chácaras no local em situação idêntica; (v) alega, por fim, que houve desmembramento, abertura de ruas ou danos ambientais. Manifestação sobre a contestação à fl. 161/167 (doc. à fl. 168/175). Instadas as partes à especificação probatória (fl. 176), a Municipalidade se desinteressou de sua produção (fl. 179), enquanto que o réu não se manifestou (certidão de fl. 180). Parecer do MP pelo julgamento do feito nos termos do art. 355, inc. I, do CPC, favorável à procedência dos pedidos (fl. 186/189). Ordenação processual à fl. 190/191, determinando a constatação do cumprimento da liminar no local dos fatos, por Oficial de Justiça, com a colaboração do poder de polícia administrativo da Municipalidade. Seguiu-se manifestação da Municipalidade (fl. 196, doc. à fl. 197/198). Certidão do Sr. Oficial de Justiça à fl. 202, com fotografias à fl. 203/210, do que foi facultada manifestação às partes e ao MP (fl. 211). Nova manifestação da Municipalidade, noticiando descumprimento da liminar, requerendo, à guisa de tutela de urgência, [...] a determina ão judicial de cancelamento de registro da associação mencionada na certidão fiscalizatória, corte da energia elétrica no local e que o imóvel seja lacrado até o final da presente ação civil pública (fl. 214/216, doc. à fl. 217/222). O réu não se manifestou (certidão de fl. 223). O MP requereu apresentação de cópia do estatuto da associação de moradores (fl. 227), deferida à fl. 228. A Municipalidade acostou cópia do documento à fl. 234/241. Nova manifestação do MP pelo parcial deferimento das liminares (fl. 245/247). Decisão de fl. 248/253 indeferiu o verdadeiro pedido de dissolução de associação civil (nas palavras do autor, cancelamento de registro), remetendo o Município autor às vias próprias de discussão, contra quem de Direito e deferiu em parte a tutela de urgência para autorizar a lacração da obra e determinou a averbação da existência da presente ação junto aos atos constitutivos da associação de moradores. Noticiada a averbação à fl. 270 (doc. à fl. 271). Manifestações do Município (fl. 264, doc. à fl. 265/266; fl. 273, doc. à fl. 274/277). Os terceiros MARTINHO RODRIGUES DE JESUS e ANDREIA RIBEIRO requereram sua habilitação nos autos (fl. 283/285, instrumento de procuração à fl. 286), seguindo-se manifestações do Município (fl. 291), do réu (fl. 293) e do MP (fl. 304), deferido cadastro na qualidade de terceiros interessados (fl. 294). O Município noticiou novo descumprimento da liminar à fl. 314 (doc. à fl. 315/319). Manifestação do MP à fl. 326. Determinada intimação do réu para se manifestar, pena de majoração das astreintes e aplicação de multas por litigância de má-fé e atentado processual (fl. 327/328), vindo aquela à fl. 332/333 (doc. à fl. 334). O MP reiterou o parecer de fl. 186/189 (fl. 351/355). Indeferido o requerimento de citação dos demais associados, majorada as astreintes para R$ 8.000,00 (oito mil reais) por ato de descumprimento, dia a dia, limitada a R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais) e aplicada multa por litigância de má-fé, no importe de 20% do valor da causa (fl. 339/340), do que o réu noticiou a interposição de agravo de instrumento à fl. 360 (doc. à fl. 361/362). V. Acórdão do agravo de instrumento nº 2197470-68.2024.8.26.0000 (fl. 369/381) deu parcial provimento ao recurso, tão somente para reduzir a multa por litigância de má-fé para 10% (dez por cento) sobre o valor da causa. Certidão do trânsito em julgado em 04.02.2025 (fl. 382). O réu não se manifestou (certidão de fl. 387), o Município requereu o julgamento do processo no estado (fl. 391/392), bem assim, o MP (fl. 395/396). Os autos vieram à conclusão. É O RELATO DO ESSENCIAL. FUNDAMENTO E DECIDO. Não havendo matéria processual a dirimir, a lide comporta julgamento no estado do processo, nos termos do art. 355, inc. I, do CPC/2015, vez que a questão, objetivamente, tem solução por documentos e envolve matéria de Direito. Pugna o Município, em apertadíssima síntese, pela condenação dos réus na obrigação de desfazer o parcelamento do imóvel objeto da matrícula 70.147 do CRI de Tatuí ou, sucessivamente, a regularizarem o parcelamento, tudo sem prejuízo de determinar que se abstenham de cobrar parcelas vencidas e vincendas de contratos referentes ao parcelamento irregular. Ao que o réu opõe que não haveria moradias ou ocupantes no local, e sim, associação de moradores (por ele próprio fundada) e que os associados poderiam, a seu ver, edificar benfeitorias no local. E neste passo, os pedidos iniciais são parcialmente procedentes. A única sustentação da parte ré não convence ninguém: trata a matéria que é de especial gravidade como se não passasse de um mero jogo de palavras. Assim, em seu dizer, não haveria moradores ou ocupantes no local, simplesmente porque esses seriam associados de uma associação de moradores que ele próprio o réu fundou. Ora, a terminologia empregada pelo réu não muda a realidade. Pelo contrário, as sustentações vertidas em contestação configuram, na prática, confissão, tudo corroborado por farta coleção de documentos públicos. Assim, o réu foi notificado do loteamento irregular aos 12.04.2022 (fl. 42) e, inclusive, manifestou-se na seara administrativa, representado pela mesma I. Advogada que ora o representa nestes autos (fl. 38/41). Nada obstante, em uma vã tentativa de emprestar ares de legalidade ao parcelamento manifestamente irregular, cerca de 03 meses após, fundou a Associação dos Moradores Amigos do Miranda (estatuto à fl. 234/241) e passou a distribuir (ou já havia distribuído informalmente) lotes do imóvel (do qual é proprietário fiduciante) para esses ditos associados. E inclusive, durante a tramitação do presente, chegou a insinuar que eles seriam os responsáveis pelo descumprimento reiterado da liminar. Seja como for que tenha distribuído esses lotes: compra e venda, cessão, comodato, aluguel ou até mesmo doação, não importa: tratam-se de negócios simulados sob o véu de associação, todos irremediavelmente nulos. O fato é que os distribuiu, caracterizando a contestação confissão indisfarçada. Embora a associação tenha se dado para claros fins de simulação, a dissolução da entidade, como consignado à fl. 248/253, depende de ação própria, por expressa disposição de estatura constitucional (art. 5º, incs. XVII e XVIII, da CRFB/88). Nada obstante, tal não interfere no curso da presente ação, cujo objeto é diverso, embora a situação fática em tela possa sim ser levada em conta na fundamentação. Tudo o mais encontra reforço nos elementos de instrução contidos na petição inicial, corroborados por farto registro fotográfico (fl. 18/20, 24/28, 29/34, 35, 36 e 49/54), nas demais fiscalizações da Prefeitura Municipal realizadas durante a tramitação do feito (fl. 168/175, 217/222, 274/277 e 315/319) e no auto de constatação do Sr. Oficial de Justiça (fl. 202/210). Há, inclusive, terceiros que se habilitaram nos autos (fl. 283/285, instrumento de procuração à fl. 286), que dizem ser possuidores e ocupantes de área dentro do imóvel. Nada do que foi impugnado pelo réu. Dos elementos fotográficos coligidos aos autos, resulta que o imóvel foi parcelado irregularmente, havendo várias edificações, em diversos estágios, do que parecem ser chácaras de recreio, cuja construção não foi coibida pela liminar concedida no despacho da inicial e, inclusive, após determinada a lacração do imóvel. E, neste passo, dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88): Art. 30. Compete aos Municípios: [...] VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; [...] Antes de proceder ao loteamento ou desmembramento de terrenos, para fins urbanos, o proprietário/loteador deve sujeitar-se a uma série de procedimentos administrativos, com vistas ao preenchimento dos requisitos legais, previstos tanto na legislação federal, quanto municipal: Art. 2º. O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes. [...] Art. 3º Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal. (Redação dada pela Lei nº 9.785, de 1999) (Lei nº 6.766, de 19.12.1979, destaques nossos) O procedimento em tela possui diversas fases, por exemplo: Art. 6º. Antes da elaboração do projeto de loteamento, o interessado deverá solicitar à Prefeitura Municipal, ou ao Distrito Federal quando for o caso, que defina as diretrizes para o uso do solo, traçado dos lotes, do sistema viário, dos espaços livres e das áreas reservadas para equipamento urbano e comunitário, apresentando, para este fim, requerimento e planta do imóvel contendo, pelo menos: [...] Art. 10. Para a aprovação de projeto de desmembramento, o interessado apresentará requerimento à Prefeitura Municipal, ou ao Distrito Federal quando for o caso, acompanhado de certidão atualizada da matrícula da gleba, expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis competente, ressalvado o disposto no § 4º do art. 18, e de planta do imóvel a ser desmembrado contendo: (Redação dada pela Lei nº 9.785, de 1999) [...] Art. 12. O projeto de loteamento e desmembramento deverá ser aprovado pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, a quem compete também a fixação das diretrizes a que aludem os arts. 6º e 7º desta Lei, salvo a exceção prevista no artigo seguinte. [...] Art. 18. Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo ao registro imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação, acompanhado dos seguintes documentos: [...] (Lei nº 6.766, de 19.12.1979) E restou amplamente comprovado nestes autos que o réu não se submeteu a nenhum dos trâmites administrativos próprios. Mais: confessa expressamente que não o fez, em sede de contestação, preferiu instituir uma associação de moradores com o manifesto intuito de escapar das determinações legais, imaginando sem lastro no artigo 3º da LINDB, que não escusa aquele que pretende ignorar a lei , que teria um direito de propriedade absoluto e à margem da função social da propriedade e de direitos sociais de segunda e terceira gerações (típica visão egoística de vantagens indevidas e marginal à consciência do coletivo). A circunstância de existir outra ação civil pública contra o réu (nº 1002731-25.2020.8.26.0624), versando sobre as mesmas práticas, em outro imóvel, depõe em seu desfavor, de modo que não poderia alegar desconhecimento da Lei. E ainda que eventualmente existisse alguma omissão ilegal por parte da Municipalidade nos procedimentos administrativos próprios, a solução para o entrave jamais seria a de parcelar irregularmente o solo e vender/ceder lotes à revelia do Poder Público como feito pelo réu, e sim, ajuizar a competente ação judicial. De outra vertente, a questão concernente a constar o imóvel na matrícula como urbano ou rural, não possui o relevo que o réu lhe pretende emprestar. É que, independentemente do que consta da matrícula, ficou suficientemente caracterizado que o parcelamento consistiu no desmembramento do imóvel originário em vários lotes, com áreas inferiores à fração mínima de parcelamento (rural), para abrigar chácaras ou sítios de recreio, os quais, conforme o Estatuto da Terra e a Lei do Parcelamento do Solo Urbano, possuem fins urbanos, isto é, de moradia: Art. 61. Os projetos de colonização particular, quanto à metodologia, deverão ser previamente examinados pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, que inscreverá a entidade e o respectivo projeto em registro próprio. Tais projetos serão aprovados pelo Ministério da Agricultura, cujo órgão próprio coordenará a respectiva execução. [...] § 2º O proprietário de terras próprias para a lavoura ou pecuária, interessados em loteá-las para fins de urbanização ou formação de sítios de recreio, deverá submeter o respectivo projeto à prévia aprovação e fiscalização do órgão competente do Ministério da Agricultura ou do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, conforme o caso. [...] (Lei 4.504, de 30.11.1964, destaques nossos) Art. 53. Todas as alterações de uso do solo rural para fins urbanos dependerão de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, do Órgão Metropolitano, se houver, onde se localiza o Município, e da aprovação da Prefeitura municipal, ou do Distrito Federal quando for o caso, segundo as exigências da legislação pertinente. (Lei nº 6.766, de 19.12.1979, destaques nossos) Ainda assim não fosse, caso o intuito do réu fosse mesmo o de desmembrar imóveis para fins exclusivamente rurais (exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial), remanesce a irregularidade, porquanto, por onde quer que toque a retina, não se sujeitou aos trâmites legais. Ademais, os lotes possuem metragem inferior ao do módulo fiscal, gerando objetos contratuais nulos, vez que ilícitos/ao arrepio da lei (CC/2002, artigo 104, inc. II). Vide, ainda, disposição específica da Lei de Parcelamento do Solo Urbano: Art. 37. É vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado. (Lei nº 6.766, de 19.12.1979, destaque nosso) Vale dizer, o parcelamento é irregular por qualquer ângulo que se examine a questão, seja rural, seja urbano. Poderia ser aplicado o disposto no art. 40 da Lei de Parcelamento do Solo Urbano: Art. 40. A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes. [...] § 2º As importâncias despendidas pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, para regularizar o loteamento ou desmembramento, caso não sejam integralmente ressarcidas conforme o disposto no parágrafo anterior, serão exigidas na parte faltante do loteador, aplicando-se o disposto no art. 47 desta Lei. (Lei nº 6.766, de 19.12.1979) E bem é verdade que a Municipalidade cumulou, em ordem sucessiva, pedido vacilante para [...] caso o item acima não seja o entendimento do Ministério Público do Estado de São Paulo e de Vossa Excelência (sic, fl. 11), regularização da área. Porém, em nenhuma das diligências promovidas na seara administrativa ou com a petição inicial foi apresentado algum plano viável de regularização, nem o réu se dispôs a realizá-la. Sem um caminho certo para a regularização, resta apenas o desfazimento das obras. De rigor, por conseguinte, a (parcial) procedência dos pedidos, vez que não há como justificar, à luz do Direito, a existência desse loteamento clandestino, e que, como exposto por aqui, deve ser mesmo desfeito, de modo a reconduzir ao status quo ante. No que tange ao pedido de condenação na obrigação de não-fazer [...] consistente em se abster de: receber prestações, vencidas e vincendas, previstas nos contratos celebrados relativos ao desmembramento ou renegociar o preço dos imóveis [...], de fazer as seguintes ponderações: É certo que a Lei nº 6.766, de 19.12.1979 prevê a nulidade de venda de parcelas de loteamento ou desmembramento não registrado, bem assim, procedimento administrativo para retenção (por intermédio do Cartório de Registro de Imóveis) das parcelas pagas pelos adquirentes, até a regularização do loteamento. No mesmo sentido, como visto, o artigo 104, inc. II, do CC/2002. E dentro desse consectário do nulo, ou seja, da logicidade que há entre os elementos da própria petição inicial e o pedido de fl. 11, item C, retira-se do réu, pena de enriquecimento sem causa, a possibilidade de recebimento válido de contraprestação por tudo o que o referido nulo, assim, compreende, preservando-se toda uma coletividade suscetível da realização de pagamentos indevidos e sujeitas a uma gama de outras ações, inclusive de evicção. E tal não é o mesmo que, pura e simplesmente, determinar ao réu a abstenção de recebimento de pagamentos de contratos que, por inteira omissão autoral, quanto descrição dos termos e cláusulas desses contratos e dos terceiros por eles envolvidos como sujeitos contratantes, escapam ao objeto desta lide, notando-se que o Município não está autorizado a pleitear em nome próprio, supostos direitos de terceiros (art. 18, CPC/2015), contudo, permanece o viés coletivo acima, para além da referida dimensão individual, que marca de nulidade os mesmos recebimentos pelo réu, conferindo-se publicidade e contenção, sob esse viés, a tanto. Com relação ao pedido sucessivo de regularização da área, como visto, inviável, este resta prejudicado, diante da procedência do pedido principal, antecedente, de desfazimento do parcelamento irregular. DISPOSITIVO. Diante de todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos autorais para CONDENAR o réu: (a) na obrigação de desfazer o parcelamento do solo, restaurando a área ao seu estado primitivo, nos termos do item A, de fl. 10, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, pena de multa a ser aplicada em sede de cumprimento de sentença, sem prejuízo das multas decorrentes da confirmação das medidas liminares deferidas, bem assim, da multa por litigância de má-fé e, sob o viés metaindividual acima posto, (b) na obrigação de não-fazer consistente em abster-se de receber, sob o crivo da nulidade retro, prestações vencidas e vincendas de contratos e de renegociar o valor dos imóveis relativos ao parcelamento irregular. Confirmo as liminares. Em consequência, dou por encerrada a fase de conhecimento do presente feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inc. I do CPC/2015. Normalmente, não haveria condenação em custas ou honorários advocatícios em ação civil pública, porém, havendo condenação por litigância de má-fé, confirmada em V. Acórdão de agravo de instrumento, custas e despesas processuais pelo réu. Fixo os honorários advocatícios devidos ao I. Procurador Municipal em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 18, caput, in fine, da Lei 7.347/85. Ciência ao Ministério Público. P.R.I.C. e, após as formalidades legais, arquivem-se os autos.

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Processo nº 1003022-95.2025.8.11.0000

ID: 298516509

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 1003022-95.2025.8.11.0000

Data de Disponibilização: 13/06/2025

Polo Ativo:

TECNIMONT S.P.A.

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

GABRIEL JOSE DE ORLEANS E BRAGANCA

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1003022-95.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Causas Supervenientes à Sentença] Relat… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1003022-95.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Causas Supervenientes à Sentença] Relator: Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA Turma Julgadora: [DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES, DES(A). TATIANE COLOMBO] Parte(s): [GABRIEL JOSE DE ORLEANS E BRAGANCA - CPF: 091.683.717-30 (ADVOGADO), TECNIMONT S.P.A. - CNPJ: 05.487.736/0001-50 (AGRAVANTE), JURUENA PARTICIPACOES E INVESTIMENTOS S.A - CNPJ: 07.655.515/0001-79 (AGRAVADO), TELEGRAFICA ENERGIA S.A. - CNPJ: 07.655.514/0001-24 (AGRAVADO), SAPEZAL ENERGIA S.A. - CNPJ: 07.655.521/0001-26 (AGRAVADO), RONDON ENERGIA S.A. - CNPJ: 07.655.516/0001-13 (AGRAVADO), PARECIS ENERGIA S.A. - CNPJ: 07.655.520/0001-81 (AGRAVADO), CAMPOS DE JULIO ENERGIA S.A. - CNPJ: 07.655.513/0002-60 (AGRAVADO), ANA MARIA DE FATIMA PASTORE registrado(a) civilmente como ANA MARIA DE FATIMA PASTORE - CPF: 911.150.008-53 (ADVOGADO), EDUARDO MENDES DE OLIVEIRA PECORARO - CPF: 250.262.038-41 (ADVOGADO), KARINA GOLDBERG BRITTO - CPF: 307.939.158-64 (ADVOGADO), TIAGO DE CASTILHO MUNOZ registrado(a) civilmente como TIAGO DE CASTILHO MUNOZ - CPF: 369.182.948-14 (ADVOGADO), LOUISE SALINA WALVIS - CPF: 460.044.138-95 (ADVOGADO), ADRIANO CARRELO SILVA - CPF: 513.122.801-82 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO. E M E N T A Direito Empresarial. Desconsideração da Personalidade Jurídica. Tese não Analisada Pelo Juiz Singular não Conhecida. Grupo Econômico Internacional. Desvio de Finalidade e Confusão Patrimonial Comprovados. Responsabilização da Controladora Estrangeira. Decisão Mantida. Recurso De Agravo de Instrumento parcialmente conhecido e, na parte conhecida, Desprovido. Recurso de Agravo Interno Prejudicado. I. Caso em exame: 1. Recurso de Agravo de Instrumento interposto em virtude de decisão que deferiu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica da empresa Executada e determinou a inclusão da Recorrente, empresa do mesmo grupo econômico, no polo passivo do cumprimento de sentença arbitral. II. Questões em discussão: 2. São quatro: i) verificar se é possível, em Agravo de Instrumento, a análise de tese defensiva que não foi apreciada pelo Juízo singular; ii) analisar se há provas de práticas caracterizadoras de desvio de finalidade e confusão patrimonial; iii) averiguar a legalidade das operações societárias e financeiras intra-grupo; iv) examinar se é possível responsabilizar a Agravante, controladora estrangeira, por obrigações da subsidiária brasileira. III. Razões de decidir: 3. Em Agravo de Instrumento não se conhece de matéria que não foi objeto de análise pelo Juízo a quo sob pena de supressão de instância e ofensa ao duplo grau de jurisdição. 4. Ao caso aplica-se a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, que exige comprovação de abuso, fraude, desvio de finalidade ou confusão patrimonial (art. 50 do CC). 5. As provas documentais e testemunhais demonstram ingerência direta da Agravante nas decisões técnicas, financeiras e operacionais da subsidiária, descaracterizando sua autonomia. 6. As operações de mútuo superiores a R$ 200 milhões, posteriormente convertidas em capital sem contrapartida proporcional, revelam confusão patrimonial e esvaziamento da executada. 7. A diluição da participação societária da subsidiária brasileira em outra empresa do grupo econômico, antes de acordo milionário, privou a Executada de receitas relevantes em benefício exclusivo da Agravante. IV. Dispositivo e tese: 7. Recuso de Agravo de Instrumento parcialmente conhecido e, na parte conhecida, desprovido. Recurso de Agravo Interno, prejudicado. Tese de julgamento: “A atuação abusiva da controladora estrangeira, com esvaziamento patrimonial da subsidiária e interferência direta na gestão, autoriza a desconsideração da personalidade jurídica para responsabilização pelos débitos decorrentes de sentença arbitral.” _______________ Legislação aplicada: CC, art. 50 Jurisprudência relevante aplicada: STJ, AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.692.724/SP, rel. Min. Raul Araújo, DJe de 13/9/2024; REsp n. 1.965.982/SP, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 8/4/2022; AgInt no AgInt no AREsp n. 1.580.544/RJ, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 19/8/2021. R E L A T Ó R I O RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 1003022-95.8.11.0000 Trata-se de Recurso de Agravo de Instrumento interposto pela empresa Tecnimont S.P.A. em virtude de decisão proferida pela Juíza da 4ª Vara Cível da Capital nos autos do Cumprimento de Sentença Arbitral promovido pela Juruena Participações e Investimentos S.A. e outros em face de Tecnimont do Brasil Construção e Administração de Projetos Ltda. O Julgador singular acolheu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica e determinou a inclusão Agravante, pessoa jurídica constituída sob as leis da República da Itália, no polo passivo do Cumprimento de Sentença n. 1004687-04.2017.8.11.0041 e determinou que fossem realizadas as anotações necessárias. Inconformada, a Agravante alega que o crédito exequendo foi integralmente quitado pela seguradora Swiss RE Corporate Solutions Brasil Seguros S.A. que, nos autos de Ação Securitária, celebrou acordo com as Exequentes (Grupo Juruena) para pagamento da indenização derivada da rescisão do Contrato de Empreitada celebrado entre as partes. Argumenta que o pagamento extinguiu a obrigação objeto do cumprimento de sentença; de conseguinte, a execução perdeu seu objeto. Ressalta que a quitação não foi comunicada ao Julgador singular, o que pode indicar má-fé das Agravadas, na tentativa de obterem dupla indenização pelo mesmo prejuízo. Afirma que a desconsideração da personalidade jurídica foi deferida com base em meras suposições e indícios frágeis, sem que houvesse demonstração dos requisitos exigidos pelo artigo 50, do Código Civil, especialmente depois das alterações promovidas pela Lei da Liberdade Econômica (Lei n. 13.874/2019). Sustenta que não está caracterizado o alegado desvio de finalidade, tampouco confusão patrimonial entre a controladora italiana e sua subsidiária brasileira. Aduz que a situação de insolvência da Tecnimont do Brasil é reflexo da crise econômica enfrentada pelo setor da construção civil à época e do insucesso de projetos específicos, e não resultado de qualquer manobra fraudulenta de sua controladora. Alega que, sem os investimentos aportados por ela (Agravante), a subsidiária brasileira sequer teria condições de manter suas atividades. Requer a reforma integral da decisão que acolheu o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Alternativamente, que a decisão seja anulada, com o retorno dos autos à origem para reabertura da fase de instrução probatória. Pugna, por fim, pela expedição de ofício à 5ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá-MT para verificar se houve o pagamento integral pela seguradora Swiss RE e, se confirmada tal quitação, a imediata extinção do cumprimento de sentença por perda superveniente do objeto, com a consequente exoneração da Agravante. O pedido liminar foi indeferido pelo Relator em substituição legal (Id. 267357779), o que motivou a interposição de Recurso de Agravo Interno pela Agravante (Id. 271990869). Contraminuta do Agravo de Instrumento no Id. 272729449 e do Agravo Interno no Id. 274089368. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMA. SRA. DESA. CLARICE CLAUDINO DA SILVA (RELATORA) Egrégia Câmara: Desde logo, registro que com o julgamento do mérito do Recurso de Agravo de Instrumento, o Recurso de Agravo Interno, tirado em virtude da decisão do Relator em substituição legal que indeferiu o pedido de efeito suspensivo, perdeu seu objeto. Em 17/02/2017, as Agravadas promoveram Cumprimento de Sentença Arbitral em desfavor da empresa Tecnimont do Brasil Construção e Administração de Projetos Ltda., com o intuito de receber o crédito de R$ 58.864.843,87 (cinquenta e oito milhões, oitocentos e sessenta e quatro mil, oitocentos e quarenta e três reais e oitenta e sete centavos). A Executada apresentou Impugnação e, em 24/04/2018, o Julgador a quo suspendeu o trâmite processual até o julgamento definitivo da Ação de Anulação de Sentença Arbitral. Em 12/02/2020, a Segunda Câmara de Direito Privado julgou o Recurso de Apelação interposto em virtude da sentença proferida na Ação Anulatória de Sentença Arbitral (RAC n. 32133/2019). O Colegiado proveu parcialmente o Recurso, afastou a decadência no que tange à segunda fase do procedimento arbitral e determinou o retorno dos autos à instância de origem para o regular processamento do feito. Inconformada com a suspensão do Cumprimento de Sentença, as Agravadas interpuseram Recurso de Agravo de Instrumento que, depois de ser desprovido por meio de decisão unipessoal de minha lavra, foi provido em 24/02/2021, no julgamento do Recurso de Agravo Interno n. 1017247-96.2020.8.11.0000, pois prevaleceu o voto da Desembargadora Marilsen Andrade Addario, que autorizou o prosseguimento do Cumprimento de Sentença. Assim, em 07/06/2021, a Juíza singular determinou o prosseguimento do feito pelo valor apresentado no cálculo anterior, qual seja: R$ 149.734.116,66 (cento e quarenta e nove milhões, setecentos e trinta e quatro mil, cento e dezesseis reais e sessenta e seis centavos). Depois de diversas tentativas de localizar bens para o pagamento da dívida, as Agravadas requereram a desconsideração da personalidade jurídica da empresa Tecnimont do Brasil. Argumentaram que depois da condenação arbitral, a Executada esvaziou seu patrimônio, inviabilizando a satisfação do crédito exequendo. Aduziram que a controladora italiana, ora Agravante, atuou diretamente na condução das negociações contratuais e nas tratativas que levaram à rescisão do contrato com o Grupo Juruena, o que demonstra que não se trata de mera investidora, mas de empresa com participação direta e estratégica nos negócios da subsidiária brasileira. Sustentaram que foram promovidas manobras societárias e financeiras que resultaram na transferência de ativos relevantes do grupo econômico, inclusive no contexto de reestruturação societária envolvendo a Tecnimont Chile, das quais a empresa brasileira foi excluída. Tais fatos, segundo alegou as Agravadas, evidenciam abuso da personalidade jurídica, por meio de desvio de finalidade e confusão patrimonial. Fundamentaram o pedido de desconsideração da personalidade jurídica da Executada no artigo 50, do Código Civil, que permite a superação da autonomia patrimonial em caso de abuso da personalidade jurídica, configurado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Asseverou que estão presentes ambos os requisitos. Em relação ao desvio de finalidade, alegou que a Agravante utilizou sua controlada brasileira como mero instrumento para captar contratos e repassar obrigações, sem se responsabilizar por seus compromissos. No que tange à confusão patrimonial, afirmou que as finanças do grupo foram conduzidas de modo a tornar indistinguível o patrimônio das diversas empresas que o compõem, com práticas que impediram a subsistência da subsidiária no Brasil. As Agravadas aduziram, ainda, que a controladora estrangeira usufruiu dos benefícios econômicos das operações da subsidiária brasileira, sem assegurar a ela a autonomia financeira necessária para arcar com suas obrigações, o que revela intenção deliberada de evitar a responsabilidade. Assim, requereram a desconsideração da personalidade jurídica da Tecnimont do Brasil e a autorização de constrição de bens da controladora Tecnimont Itália para a satisfação do crédito reconhecido no Cumprimento de Sentença Arbitral. Antes de analisar o pedido, a Julgadora a quo determinou a citação da Agravante. Em defesa, a Recorrente sustentou que o pedido é absolutamente improcedente, pois está amparado em alegações infundadas e distorções fáticas que não se amoldam aos requisitos do artigo 50, do Código Civil. Aduziu que não há falar em abuso da personalidade jurídica, por meio de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, muito menos há provas de que a utilização indevida da pessoa jurídica resultou em prejuízo aos credores. Argumentou que as credoras fundamentam o pedido em indícios e interpretações subjetivas de dados contábeis e societários, e a tese de que ocorreu esvaziamento patrimonial, diluição societária e encerramento informal das atividades da subsidiária brasileira são destituídas de suporte fático e jurídico. Asseverou que, ao contrário do alegado pelas credoras, realizou vultosos investimentos na subsidiária brasileira, inclusive mediante concessão de mútuos, parte dos quais foram posteriormente convertidos em aumento de capital. Sustentou que esses aportes visaram a manutenção das atividades da empresa, e não há qualquer indício de blindagem patrimonial ou de transferência irregular de ativos. Insistiu que as operações foram devidamente registradas e atestadas em laudo técnico independente elaborado pela KPMG, que concluiu não haver irregularidades contábeis ou financeiras. Quanto à alegação de confusão patrimonial, argumentou que a mera existência de mútuos entre empresas do mesmo grupo econômico não autoriza a desconsideração da personalidade jurídica, especialmente quando tais operações se destinaram à capitalização da sociedade brasileira e não produziram qualquer tipo de prejuízo aos credores. Seguiu argumentando que a imputação de abuso à controladora por fatos que, em verdade, revelam seu esforço de sustentação da subsidiária, demonstra o desvirtuamento do pedido. Além disso, alegou que a tentativa de responsabilizá-la ocorreu depois da frustração das medidas de execução contra a devedora principal, o que demonstra o caráter substitutivo e indevido do pedido. Ou seja, alegou que as Agravadas passaram a buscar patrimônio em outro ente jurídico sem a devida prova de que tenha havido utilização fraudulenta da autonomia patrimonial, apenas porque ficaram insatisfeitas com o insucesso da penhora. Sustentou que as Agravadas ocultaram a existência de Ações paralelas, a exemplo da Ação Anulatória da Sentença Arbitral e a Ação de Cobrança ajuizada em face da seguradora, cujo valor pleiteado ultrapassa o valor da própria execução em curso, postura que revela tentativa de duplicidade de cobrança e afronta à boa-fé objetiva que deve reger o processo. A Agravante aduziu que não há qualquer demonstração de que agiu com dolo, fraude ou intenção de lesar credores. Ao contrário, argumenta que a documentação contábil e societária revela transparência e regularidade nas operações do grupo, além de compatibilidade com o contexto de recessão econômica que atingiu o setor de infraestrutura nos últimos anos. A Executada Tecnimont do Brasil Construção e Administração de Projetos Ltda. também apresentou Contestação. As peças de defesa foram impugnadas e, depois da análise dos autos, sobreveio a decisão recorrida que acolheu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica da Executada, determinou a inclusão Agravante no polo passivo do Cumprimento de Sentença e que fossem realizadas as anotações necessárias. Inconformada, a Agravante alega que o crédito exequendo foi integralmente quitado pela seguradora Swiss RE Corporate Solutions Brasil Seguros S.A. que, nos autos de Ação Securitária, celebrou acordo com as Exequentes (Grupo Juruena) para pagamento da indenização derivada da rescisão do Contrato de Empreitada celebrado entre as partes. Argumenta que o pagamento extinguiu a obrigação objeto do cumprimento de sentença; de conseguinte, a execução perdeu seu objeto. Ressalta que a quitação não foi comunicada ao Julgador singular, o que pode indicar má-fé das Agravadas, na tentativa de obterem dupla indenização pelo mesmo prejuízo. Conforme mencionado pela própria Agravante, a Julgadora a quo não enfrentou a questão do seguro como óbice à desconsideração da personalidade jurídica, tampouco afastou ou reconheceu eventual enriquecimento ilícito por parte do Grupo Juruena. Portanto, a questão não pode ser dirimida por esta Câmara, haja vista que o objeto do Agravo de Instrumento é limitado à questão jurídica objeto da decisão interlocutória impugnada, o que impede a apreciação pelo Tribunal de Justiça de matéria ali não examinada sob pena de supressão de instância. (AgInt nos EDcl na PET no REsp n. 1.894.764/PR, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 17/2/2025, DJEN de 21/2/2025). Ressalto que esse posicionamento “está em consonância com a pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça assente no sentido da impossibilidade de análise de questão que ainda não foi apreciada pelo juízo de origem, a qual não pode ser objeto de deliberação pela instância ad quem, sob pena de supressão de instância e ofensa ao duplo grau de jurisdição.” (AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.692.724/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 2/9/2024, DJe de 13/9/2024). Assim, não conheço desse capítulo recursal. A Agravante afirma que a desconsideração da personalidade jurídica foi deferida com base em meras suposições e indícios frágeis, sem que houvesse demonstração dos requisitos exigidos pelo artigo 50, do Código Civil, especialmente depois das alterações promovidas pela Lei da Liberdade Econômica (Lei n. 13.874/2019). Sustenta que não está caracterizado o alegado desvio de finalidade nem a confusão patrimonial entre a controladora italiana e sua subsidiária brasileira. Aduz que a situação de insolvência da Tecnimont do Brasil é reflexo da crise econômica enfrentada pelo setor da construção civil à época e do insucesso de projetos específicos, e não resultado de qualquer manobra fraudulenta da Agravante. Argumenta que, sem os investimentos aportados por ela (Agravante), a subsidiária brasileira sequer teria condições de manter suas atividades. Inobstante todo esforço jurídico da Recorrente, não vejo motivos para a reforma da decisão agravada. Não há dúvida de que a desconsideração da personalidade jurídica é medida de caráter excepcional, admitida apenas quando configurado o abuso da autonomia patrimonial, por meio de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, com prejuízo a terceiros. Trata-se de hipótese regida pela teoria maior da desconsideração, que exige demonstração concreta da utilização indevida da pessoa jurídica como instrumento de fraude ou de violação à boa-fé. Na espécie, o conjunto fático-probatório evidencia, de forma clara e contundente, a prática de atos que caracterizam tanto o desvio de finalidade quanto a confusão patrimonial, legitimando, assim, a aplicação da medida excepcional postulada. A Agravante quer fazer crer que as operações financeiras e societárias praticadas no âmbito do grupo decorreram de uma reestruturação legítima, motivada por razões econômicas, e que não houve qualquer manobra para prejudicar credores da subsidiária brasileira. Aduz que os mútuos firmados com a Tecnimont do Brasil representaram tentativas de sustentar sua operação, e que a simples inexistência de bens ou a presença de grupo econômico não são suficientes para justificar a desconsideração. Tais alegações, no entanto, não resistem à análise detalhada dos fatos e documentos constantes dos autos. Em primeiro lugar, os depoimentos prestados por Pietro Castelli e Enzo Caetani, em processo de discovery nos Estados Unidos, revelam que a Agravante exercia domínio total sobre as decisões estratégicas, técnicas e financeiras da subsidiária brasileira, em clara subversão da autonomia societária formal. Com efeito, os depoimentos de Pietro Castelli, ex-diretor-presidente da Tecnimont do Brasil, e de Enzo Caetani, executivo da Agravante, corroboram que as decisões financeiras e operacionais da subsidiária brasileira estavam subordinadas à aprovação da controladora italiana, o que caracteriza um modelo de gestão centralizada que extrapola os limites da coordenação típica de grupo econômico. Não há apenas a supervisão administrativa, mas uma ingerência direta e contínua, que constitui confusão funcional e hierárquica entre as empresas. Ou seja, está comprovado que decisões cruciais relativas a projetos, contratos, aquisições e inclusive definição de preços em propostas comerciais dependiam da chancela da Agravante, dentro de um modelo de gestão matricial e centralizado, em que os diretores da Tecnimont do Brasil reportavam-se funcionalmente aos executivos da controladora. Conforme já exposto, esse contexto demonstra não uma mera supervisão de grupo, mas uma ingerência direta, com supressão da independência administrativa e financeira da subsidiária, em nítida confusão patrimonial funcional e estrutural, nos termos do §2º, III, do art. 50 do Código Civil. Ademais, há provas da diluição societária da Tecnimont do Brasil na Tecnimont Chile Ltda. A documentação societária e contábil demonstra que, em 2014, a Tecnimont do Brasil teve sua participação de 99,92% na Tecnimont Chile reduzida para apenas 4%, por meio de integralizações realizadas exclusivamente pela Agravante, sem contrapartida econômica proporcional e sem justificativa legítima. Essa diluição antecedeu à celebração de acordo milionário com a Endesa Chile, no qual foram pagos cerca de US$ 139,4 milhões ao Grupo Tecnimont e resultou na exclusão da subsidiária brasileira da repartição dos valores recebidos, apesar de sua atuação no desenvolvimento do projeto Bocamina II. Isso quer dizer que a integralidade desses valores foi destinada à Agravante, com a exclusão deliberada da subsidiária brasileira, embora esta tivesse atuado na execução do projeto Bocamina II e detivesse originalmente a maior participação societária no empreendimento. Tal operação, articulada em momento estratégico, privou a Executada de recursos que poderiam ser utilizados para solver suas obrigações, dentre as quais a dívida objeto do cumprimento de sentença, o que caracteriza desvio de finalidade e evidente esvaziamento patrimonial, com prejuízo direto aos credores. Em outras palavras, a diluição societária, somada à falta de contrapartidas econômicas à Tecnimont do Brasil, à sua incapacidade financeira atual, e à comprovação de que não tem bens penhoráveis, configura verdadeiro esvaziamento patrimonial para prejudicar os credores da Executada. A alegação da Agravante de que sustentou financeiramente a Executada por meio de mútuos também não se sustenta, pois está comprovado que esses mútuos, que somaram mais de R$ 200 milhões, foram convertidos em aportes de capital sob condições não paritárias, sem geração de quotas com valor econômico equivalente, o que corrobora o desequilíbrio contratual em benefício exclusivo da Agravante. A prática de transferir recursos sem contrapartida à mutuária, em volume elevado e sem qualquer indício de retorno ou benefício econômico direto, configura, nesse contexto, não um simples investimento, mas um mecanismo de esvaziamento disfarçado de suporte financeiro. Além disso, destaca-se o episódio ocorrido na Assembleia de Quotistas da Tecnimont Chile em 27/01/2015, em que o Adolfo Giovanni Giaretti atuou simultaneamente como representante da Tecnimont do Brasil e da Agravante. Essa dupla representação, vedada pelos princípios da boa-fé e da lealdade societária, resultou em decisão que negou à subsidiária brasileira participação no produto da transação com a Endesa Chile, beneficiando exclusivamente a Agravante. A Recorrente também sustenta que essas deliberações são legítimas e que não houve qualquer violação à autonomia da pessoa jurídica. No entanto, ao analisar o conjunto das práticas societárias, contratuais e financeiras, percebe-se a formação de um quadro sistemático de instrumentalização da pessoa jurídica, cuja finalidade era concentrar ganhos na matriz e blindar a subsidiária de responsabilidade patrimonial, frustrando a satisfação de créditos legítimos. Assim, está devidamente comprovado que a Tecnimont do Brasil foi utilizada como escudo para práticas abusivas da Agravante, com prejuízo concreto à parte exequente, aqui Agravada. Diante desse cenário, é impositiva a manutenção da decisão recorrida, pois “comprovado o abuso de direito, caracterizado pelo desvio de finalidade (ato intencional dos sócios com intuito de fraudar terceiros), e/ou confusão patrimonial, é possível desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa para atingir o patrimônio de outras pertencentes ao mesmo grupo econômico.” (REsp n. 1.965.982/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 5/4/2022, DJe de 8/4/2022). Com essas considerações, conheço parcialmente do Recurso de Agravo de Instrumento e, na parte conhecida, nego-lhe provimento. Julgo prejudicado o Recurso de Agravo Interno. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 10/06/2025

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Processo nº 1003022-95.2025.8.11.0000

ID: 298516513

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 1003022-95.2025.8.11.0000

Data de Disponibilização: 13/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

CAMPOS DE JULIO ENERGIA S.A. JURUENA PARTICIPACOES E INVESTIMENTOS S.A PARECIS ENERGIA S.A. RONDON ENERGIA S.A. SAPEZAL ENERGIA S.A. TELEGRAFICA ENERGIA S.A.

Acórdão

Advogados:

ADRIANO CARRELO SILVA

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LOUISE SALINA WALVIS

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TIAGO DE CASTILHO MUNOZ REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO TIAGO DE CASTILHO MUNOZ

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KARINA GOLDBERG BRITTO

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EDUARDO MENDES DE OLIVEIRA PECORARO

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1003022-95.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Causas Supervenientes à Sentença] Relat… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1003022-95.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Causas Supervenientes à Sentença] Relator: Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA Turma Julgadora: [DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES, DES(A). TATIANE COLOMBO] Parte(s): [GABRIEL JOSE DE ORLEANS E BRAGANCA - CPF: 091.683.717-30 (ADVOGADO), TECNIMONT S.P.A. - CNPJ: 05.487.736/0001-50 (AGRAVANTE), JURUENA PARTICIPACOES E INVESTIMENTOS S.A - CNPJ: 07.655.515/0001-79 (AGRAVADO), TELEGRAFICA ENERGIA S.A. - CNPJ: 07.655.514/0001-24 (AGRAVADO), SAPEZAL ENERGIA S.A. - CNPJ: 07.655.521/0001-26 (AGRAVADO), RONDON ENERGIA S.A. - CNPJ: 07.655.516/0001-13 (AGRAVADO), PARECIS ENERGIA S.A. - CNPJ: 07.655.520/0001-81 (AGRAVADO), CAMPOS DE JULIO ENERGIA S.A. - CNPJ: 07.655.513/0002-60 (AGRAVADO), ANA MARIA DE FATIMA PASTORE registrado(a) civilmente como ANA MARIA DE FATIMA PASTORE - CPF: 911.150.008-53 (ADVOGADO), EDUARDO MENDES DE OLIVEIRA PECORARO - CPF: 250.262.038-41 (ADVOGADO), KARINA GOLDBERG BRITTO - CPF: 307.939.158-64 (ADVOGADO), TIAGO DE CASTILHO MUNOZ registrado(a) civilmente como TIAGO DE CASTILHO MUNOZ - CPF: 369.182.948-14 (ADVOGADO), LOUISE SALINA WALVIS - CPF: 460.044.138-95 (ADVOGADO), ADRIANO CARRELO SILVA - CPF: 513.122.801-82 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO. E M E N T A Direito Empresarial. Desconsideração da Personalidade Jurídica. Tese não Analisada Pelo Juiz Singular não Conhecida. Grupo Econômico Internacional. Desvio de Finalidade e Confusão Patrimonial Comprovados. Responsabilização da Controladora Estrangeira. Decisão Mantida. Recurso De Agravo de Instrumento parcialmente conhecido e, na parte conhecida, Desprovido. Recurso de Agravo Interno Prejudicado. I. Caso em exame: 1. Recurso de Agravo de Instrumento interposto em virtude de decisão que deferiu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica da empresa Executada e determinou a inclusão da Recorrente, empresa do mesmo grupo econômico, no polo passivo do cumprimento de sentença arbitral. II. Questões em discussão: 2. São quatro: i) verificar se é possível, em Agravo de Instrumento, a análise de tese defensiva que não foi apreciada pelo Juízo singular; ii) analisar se há provas de práticas caracterizadoras de desvio de finalidade e confusão patrimonial; iii) averiguar a legalidade das operações societárias e financeiras intra-grupo; iv) examinar se é possível responsabilizar a Agravante, controladora estrangeira, por obrigações da subsidiária brasileira. III. Razões de decidir: 3. Em Agravo de Instrumento não se conhece de matéria que não foi objeto de análise pelo Juízo a quo sob pena de supressão de instância e ofensa ao duplo grau de jurisdição. 4. Ao caso aplica-se a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, que exige comprovação de abuso, fraude, desvio de finalidade ou confusão patrimonial (art. 50 do CC). 5. As provas documentais e testemunhais demonstram ingerência direta da Agravante nas decisões técnicas, financeiras e operacionais da subsidiária, descaracterizando sua autonomia. 6. As operações de mútuo superiores a R$ 200 milhões, posteriormente convertidas em capital sem contrapartida proporcional, revelam confusão patrimonial e esvaziamento da executada. 7. A diluição da participação societária da subsidiária brasileira em outra empresa do grupo econômico, antes de acordo milionário, privou a Executada de receitas relevantes em benefício exclusivo da Agravante. IV. Dispositivo e tese: 7. Recuso de Agravo de Instrumento parcialmente conhecido e, na parte conhecida, desprovido. Recurso de Agravo Interno, prejudicado. Tese de julgamento: “A atuação abusiva da controladora estrangeira, com esvaziamento patrimonial da subsidiária e interferência direta na gestão, autoriza a desconsideração da personalidade jurídica para responsabilização pelos débitos decorrentes de sentença arbitral.” _______________ Legislação aplicada: CC, art. 50 Jurisprudência relevante aplicada: STJ, AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.692.724/SP, rel. Min. Raul Araújo, DJe de 13/9/2024; REsp n. 1.965.982/SP, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 8/4/2022; AgInt no AgInt no AREsp n. 1.580.544/RJ, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 19/8/2021. R E L A T Ó R I O RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 1003022-95.8.11.0000 Trata-se de Recurso de Agravo de Instrumento interposto pela empresa Tecnimont S.P.A. em virtude de decisão proferida pela Juíza da 4ª Vara Cível da Capital nos autos do Cumprimento de Sentença Arbitral promovido pela Juruena Participações e Investimentos S.A. e outros em face de Tecnimont do Brasil Construção e Administração de Projetos Ltda. O Julgador singular acolheu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica e determinou a inclusão Agravante, pessoa jurídica constituída sob as leis da República da Itália, no polo passivo do Cumprimento de Sentença n. 1004687-04.2017.8.11.0041 e determinou que fossem realizadas as anotações necessárias. Inconformada, a Agravante alega que o crédito exequendo foi integralmente quitado pela seguradora Swiss RE Corporate Solutions Brasil Seguros S.A. que, nos autos de Ação Securitária, celebrou acordo com as Exequentes (Grupo Juruena) para pagamento da indenização derivada da rescisão do Contrato de Empreitada celebrado entre as partes. Argumenta que o pagamento extinguiu a obrigação objeto do cumprimento de sentença; de conseguinte, a execução perdeu seu objeto. Ressalta que a quitação não foi comunicada ao Julgador singular, o que pode indicar má-fé das Agravadas, na tentativa de obterem dupla indenização pelo mesmo prejuízo. Afirma que a desconsideração da personalidade jurídica foi deferida com base em meras suposições e indícios frágeis, sem que houvesse demonstração dos requisitos exigidos pelo artigo 50, do Código Civil, especialmente depois das alterações promovidas pela Lei da Liberdade Econômica (Lei n. 13.874/2019). Sustenta que não está caracterizado o alegado desvio de finalidade, tampouco confusão patrimonial entre a controladora italiana e sua subsidiária brasileira. Aduz que a situação de insolvência da Tecnimont do Brasil é reflexo da crise econômica enfrentada pelo setor da construção civil à época e do insucesso de projetos específicos, e não resultado de qualquer manobra fraudulenta de sua controladora. Alega que, sem os investimentos aportados por ela (Agravante), a subsidiária brasileira sequer teria condições de manter suas atividades. Requer a reforma integral da decisão que acolheu o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Alternativamente, que a decisão seja anulada, com o retorno dos autos à origem para reabertura da fase de instrução probatória. Pugna, por fim, pela expedição de ofício à 5ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá-MT para verificar se houve o pagamento integral pela seguradora Swiss RE e, se confirmada tal quitação, a imediata extinção do cumprimento de sentença por perda superveniente do objeto, com a consequente exoneração da Agravante. O pedido liminar foi indeferido pelo Relator em substituição legal (Id. 267357779), o que motivou a interposição de Recurso de Agravo Interno pela Agravante (Id. 271990869). Contraminuta do Agravo de Instrumento no Id. 272729449 e do Agravo Interno no Id. 274089368. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMA. SRA. DESA. CLARICE CLAUDINO DA SILVA (RELATORA) Egrégia Câmara: Desde logo, registro que com o julgamento do mérito do Recurso de Agravo de Instrumento, o Recurso de Agravo Interno, tirado em virtude da decisão do Relator em substituição legal que indeferiu o pedido de efeito suspensivo, perdeu seu objeto. Em 17/02/2017, as Agravadas promoveram Cumprimento de Sentença Arbitral em desfavor da empresa Tecnimont do Brasil Construção e Administração de Projetos Ltda., com o intuito de receber o crédito de R$ 58.864.843,87 (cinquenta e oito milhões, oitocentos e sessenta e quatro mil, oitocentos e quarenta e três reais e oitenta e sete centavos). A Executada apresentou Impugnação e, em 24/04/2018, o Julgador a quo suspendeu o trâmite processual até o julgamento definitivo da Ação de Anulação de Sentença Arbitral. Em 12/02/2020, a Segunda Câmara de Direito Privado julgou o Recurso de Apelação interposto em virtude da sentença proferida na Ação Anulatória de Sentença Arbitral (RAC n. 32133/2019). O Colegiado proveu parcialmente o Recurso, afastou a decadência no que tange à segunda fase do procedimento arbitral e determinou o retorno dos autos à instância de origem para o regular processamento do feito. Inconformada com a suspensão do Cumprimento de Sentença, as Agravadas interpuseram Recurso de Agravo de Instrumento que, depois de ser desprovido por meio de decisão unipessoal de minha lavra, foi provido em 24/02/2021, no julgamento do Recurso de Agravo Interno n. 1017247-96.2020.8.11.0000, pois prevaleceu o voto da Desembargadora Marilsen Andrade Addario, que autorizou o prosseguimento do Cumprimento de Sentença. Assim, em 07/06/2021, a Juíza singular determinou o prosseguimento do feito pelo valor apresentado no cálculo anterior, qual seja: R$ 149.734.116,66 (cento e quarenta e nove milhões, setecentos e trinta e quatro mil, cento e dezesseis reais e sessenta e seis centavos). Depois de diversas tentativas de localizar bens para o pagamento da dívida, as Agravadas requereram a desconsideração da personalidade jurídica da empresa Tecnimont do Brasil. Argumentaram que depois da condenação arbitral, a Executada esvaziou seu patrimônio, inviabilizando a satisfação do crédito exequendo. Aduziram que a controladora italiana, ora Agravante, atuou diretamente na condução das negociações contratuais e nas tratativas que levaram à rescisão do contrato com o Grupo Juruena, o que demonstra que não se trata de mera investidora, mas de empresa com participação direta e estratégica nos negócios da subsidiária brasileira. Sustentaram que foram promovidas manobras societárias e financeiras que resultaram na transferência de ativos relevantes do grupo econômico, inclusive no contexto de reestruturação societária envolvendo a Tecnimont Chile, das quais a empresa brasileira foi excluída. Tais fatos, segundo alegou as Agravadas, evidenciam abuso da personalidade jurídica, por meio de desvio de finalidade e confusão patrimonial. Fundamentaram o pedido de desconsideração da personalidade jurídica da Executada no artigo 50, do Código Civil, que permite a superação da autonomia patrimonial em caso de abuso da personalidade jurídica, configurado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Asseverou que estão presentes ambos os requisitos. Em relação ao desvio de finalidade, alegou que a Agravante utilizou sua controlada brasileira como mero instrumento para captar contratos e repassar obrigações, sem se responsabilizar por seus compromissos. No que tange à confusão patrimonial, afirmou que as finanças do grupo foram conduzidas de modo a tornar indistinguível o patrimônio das diversas empresas que o compõem, com práticas que impediram a subsistência da subsidiária no Brasil. As Agravadas aduziram, ainda, que a controladora estrangeira usufruiu dos benefícios econômicos das operações da subsidiária brasileira, sem assegurar a ela a autonomia financeira necessária para arcar com suas obrigações, o que revela intenção deliberada de evitar a responsabilidade. Assim, requereram a desconsideração da personalidade jurídica da Tecnimont do Brasil e a autorização de constrição de bens da controladora Tecnimont Itália para a satisfação do crédito reconhecido no Cumprimento de Sentença Arbitral. Antes de analisar o pedido, a Julgadora a quo determinou a citação da Agravante. Em defesa, a Recorrente sustentou que o pedido é absolutamente improcedente, pois está amparado em alegações infundadas e distorções fáticas que não se amoldam aos requisitos do artigo 50, do Código Civil. Aduziu que não há falar em abuso da personalidade jurídica, por meio de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, muito menos há provas de que a utilização indevida da pessoa jurídica resultou em prejuízo aos credores. Argumentou que as credoras fundamentam o pedido em indícios e interpretações subjetivas de dados contábeis e societários, e a tese de que ocorreu esvaziamento patrimonial, diluição societária e encerramento informal das atividades da subsidiária brasileira são destituídas de suporte fático e jurídico. Asseverou que, ao contrário do alegado pelas credoras, realizou vultosos investimentos na subsidiária brasileira, inclusive mediante concessão de mútuos, parte dos quais foram posteriormente convertidos em aumento de capital. Sustentou que esses aportes visaram a manutenção das atividades da empresa, e não há qualquer indício de blindagem patrimonial ou de transferência irregular de ativos. Insistiu que as operações foram devidamente registradas e atestadas em laudo técnico independente elaborado pela KPMG, que concluiu não haver irregularidades contábeis ou financeiras. Quanto à alegação de confusão patrimonial, argumentou que a mera existência de mútuos entre empresas do mesmo grupo econômico não autoriza a desconsideração da personalidade jurídica, especialmente quando tais operações se destinaram à capitalização da sociedade brasileira e não produziram qualquer tipo de prejuízo aos credores. Seguiu argumentando que a imputação de abuso à controladora por fatos que, em verdade, revelam seu esforço de sustentação da subsidiária, demonstra o desvirtuamento do pedido. Além disso, alegou que a tentativa de responsabilizá-la ocorreu depois da frustração das medidas de execução contra a devedora principal, o que demonstra o caráter substitutivo e indevido do pedido. Ou seja, alegou que as Agravadas passaram a buscar patrimônio em outro ente jurídico sem a devida prova de que tenha havido utilização fraudulenta da autonomia patrimonial, apenas porque ficaram insatisfeitas com o insucesso da penhora. Sustentou que as Agravadas ocultaram a existência de Ações paralelas, a exemplo da Ação Anulatória da Sentença Arbitral e a Ação de Cobrança ajuizada em face da seguradora, cujo valor pleiteado ultrapassa o valor da própria execução em curso, postura que revela tentativa de duplicidade de cobrança e afronta à boa-fé objetiva que deve reger o processo. A Agravante aduziu que não há qualquer demonstração de que agiu com dolo, fraude ou intenção de lesar credores. Ao contrário, argumenta que a documentação contábil e societária revela transparência e regularidade nas operações do grupo, além de compatibilidade com o contexto de recessão econômica que atingiu o setor de infraestrutura nos últimos anos. A Executada Tecnimont do Brasil Construção e Administração de Projetos Ltda. também apresentou Contestação. As peças de defesa foram impugnadas e, depois da análise dos autos, sobreveio a decisão recorrida que acolheu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica da Executada, determinou a inclusão Agravante no polo passivo do Cumprimento de Sentença e que fossem realizadas as anotações necessárias. Inconformada, a Agravante alega que o crédito exequendo foi integralmente quitado pela seguradora Swiss RE Corporate Solutions Brasil Seguros S.A. que, nos autos de Ação Securitária, celebrou acordo com as Exequentes (Grupo Juruena) para pagamento da indenização derivada da rescisão do Contrato de Empreitada celebrado entre as partes. Argumenta que o pagamento extinguiu a obrigação objeto do cumprimento de sentença; de conseguinte, a execução perdeu seu objeto. Ressalta que a quitação não foi comunicada ao Julgador singular, o que pode indicar má-fé das Agravadas, na tentativa de obterem dupla indenização pelo mesmo prejuízo. Conforme mencionado pela própria Agravante, a Julgadora a quo não enfrentou a questão do seguro como óbice à desconsideração da personalidade jurídica, tampouco afastou ou reconheceu eventual enriquecimento ilícito por parte do Grupo Juruena. Portanto, a questão não pode ser dirimida por esta Câmara, haja vista que o objeto do Agravo de Instrumento é limitado à questão jurídica objeto da decisão interlocutória impugnada, o que impede a apreciação pelo Tribunal de Justiça de matéria ali não examinada sob pena de supressão de instância. (AgInt nos EDcl na PET no REsp n. 1.894.764/PR, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 17/2/2025, DJEN de 21/2/2025). Ressalto que esse posicionamento “está em consonância com a pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça assente no sentido da impossibilidade de análise de questão que ainda não foi apreciada pelo juízo de origem, a qual não pode ser objeto de deliberação pela instância ad quem, sob pena de supressão de instância e ofensa ao duplo grau de jurisdição.” (AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.692.724/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 2/9/2024, DJe de 13/9/2024). Assim, não conheço desse capítulo recursal. A Agravante afirma que a desconsideração da personalidade jurídica foi deferida com base em meras suposições e indícios frágeis, sem que houvesse demonstração dos requisitos exigidos pelo artigo 50, do Código Civil, especialmente depois das alterações promovidas pela Lei da Liberdade Econômica (Lei n. 13.874/2019). Sustenta que não está caracterizado o alegado desvio de finalidade nem a confusão patrimonial entre a controladora italiana e sua subsidiária brasileira. Aduz que a situação de insolvência da Tecnimont do Brasil é reflexo da crise econômica enfrentada pelo setor da construção civil à época e do insucesso de projetos específicos, e não resultado de qualquer manobra fraudulenta da Agravante. Argumenta que, sem os investimentos aportados por ela (Agravante), a subsidiária brasileira sequer teria condições de manter suas atividades. Inobstante todo esforço jurídico da Recorrente, não vejo motivos para a reforma da decisão agravada. Não há dúvida de que a desconsideração da personalidade jurídica é medida de caráter excepcional, admitida apenas quando configurado o abuso da autonomia patrimonial, por meio de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, com prejuízo a terceiros. Trata-se de hipótese regida pela teoria maior da desconsideração, que exige demonstração concreta da utilização indevida da pessoa jurídica como instrumento de fraude ou de violação à boa-fé. Na espécie, o conjunto fático-probatório evidencia, de forma clara e contundente, a prática de atos que caracterizam tanto o desvio de finalidade quanto a confusão patrimonial, legitimando, assim, a aplicação da medida excepcional postulada. A Agravante quer fazer crer que as operações financeiras e societárias praticadas no âmbito do grupo decorreram de uma reestruturação legítima, motivada por razões econômicas, e que não houve qualquer manobra para prejudicar credores da subsidiária brasileira. Aduz que os mútuos firmados com a Tecnimont do Brasil representaram tentativas de sustentar sua operação, e que a simples inexistência de bens ou a presença de grupo econômico não são suficientes para justificar a desconsideração. Tais alegações, no entanto, não resistem à análise detalhada dos fatos e documentos constantes dos autos. Em primeiro lugar, os depoimentos prestados por Pietro Castelli e Enzo Caetani, em processo de discovery nos Estados Unidos, revelam que a Agravante exercia domínio total sobre as decisões estratégicas, técnicas e financeiras da subsidiária brasileira, em clara subversão da autonomia societária formal. Com efeito, os depoimentos de Pietro Castelli, ex-diretor-presidente da Tecnimont do Brasil, e de Enzo Caetani, executivo da Agravante, corroboram que as decisões financeiras e operacionais da subsidiária brasileira estavam subordinadas à aprovação da controladora italiana, o que caracteriza um modelo de gestão centralizada que extrapola os limites da coordenação típica de grupo econômico. Não há apenas a supervisão administrativa, mas uma ingerência direta e contínua, que constitui confusão funcional e hierárquica entre as empresas. Ou seja, está comprovado que decisões cruciais relativas a projetos, contratos, aquisições e inclusive definição de preços em propostas comerciais dependiam da chancela da Agravante, dentro de um modelo de gestão matricial e centralizado, em que os diretores da Tecnimont do Brasil reportavam-se funcionalmente aos executivos da controladora. Conforme já exposto, esse contexto demonstra não uma mera supervisão de grupo, mas uma ingerência direta, com supressão da independência administrativa e financeira da subsidiária, em nítida confusão patrimonial funcional e estrutural, nos termos do §2º, III, do art. 50 do Código Civil. Ademais, há provas da diluição societária da Tecnimont do Brasil na Tecnimont Chile Ltda. A documentação societária e contábil demonstra que, em 2014, a Tecnimont do Brasil teve sua participação de 99,92% na Tecnimont Chile reduzida para apenas 4%, por meio de integralizações realizadas exclusivamente pela Agravante, sem contrapartida econômica proporcional e sem justificativa legítima. Essa diluição antecedeu à celebração de acordo milionário com a Endesa Chile, no qual foram pagos cerca de US$ 139,4 milhões ao Grupo Tecnimont e resultou na exclusão da subsidiária brasileira da repartição dos valores recebidos, apesar de sua atuação no desenvolvimento do projeto Bocamina II. Isso quer dizer que a integralidade desses valores foi destinada à Agravante, com a exclusão deliberada da subsidiária brasileira, embora esta tivesse atuado na execução do projeto Bocamina II e detivesse originalmente a maior participação societária no empreendimento. Tal operação, articulada em momento estratégico, privou a Executada de recursos que poderiam ser utilizados para solver suas obrigações, dentre as quais a dívida objeto do cumprimento de sentença, o que caracteriza desvio de finalidade e evidente esvaziamento patrimonial, com prejuízo direto aos credores. Em outras palavras, a diluição societária, somada à falta de contrapartidas econômicas à Tecnimont do Brasil, à sua incapacidade financeira atual, e à comprovação de que não tem bens penhoráveis, configura verdadeiro esvaziamento patrimonial para prejudicar os credores da Executada. A alegação da Agravante de que sustentou financeiramente a Executada por meio de mútuos também não se sustenta, pois está comprovado que esses mútuos, que somaram mais de R$ 200 milhões, foram convertidos em aportes de capital sob condições não paritárias, sem geração de quotas com valor econômico equivalente, o que corrobora o desequilíbrio contratual em benefício exclusivo da Agravante. A prática de transferir recursos sem contrapartida à mutuária, em volume elevado e sem qualquer indício de retorno ou benefício econômico direto, configura, nesse contexto, não um simples investimento, mas um mecanismo de esvaziamento disfarçado de suporte financeiro. Além disso, destaca-se o episódio ocorrido na Assembleia de Quotistas da Tecnimont Chile em 27/01/2015, em que o Adolfo Giovanni Giaretti atuou simultaneamente como representante da Tecnimont do Brasil e da Agravante. Essa dupla representação, vedada pelos princípios da boa-fé e da lealdade societária, resultou em decisão que negou à subsidiária brasileira participação no produto da transação com a Endesa Chile, beneficiando exclusivamente a Agravante. A Recorrente também sustenta que essas deliberações são legítimas e que não houve qualquer violação à autonomia da pessoa jurídica. No entanto, ao analisar o conjunto das práticas societárias, contratuais e financeiras, percebe-se a formação de um quadro sistemático de instrumentalização da pessoa jurídica, cuja finalidade era concentrar ganhos na matriz e blindar a subsidiária de responsabilidade patrimonial, frustrando a satisfação de créditos legítimos. Assim, está devidamente comprovado que a Tecnimont do Brasil foi utilizada como escudo para práticas abusivas da Agravante, com prejuízo concreto à parte exequente, aqui Agravada. Diante desse cenário, é impositiva a manutenção da decisão recorrida, pois “comprovado o abuso de direito, caracterizado pelo desvio de finalidade (ato intencional dos sócios com intuito de fraudar terceiros), e/ou confusão patrimonial, é possível desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa para atingir o patrimônio de outras pertencentes ao mesmo grupo econômico.” (REsp n. 1.965.982/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 5/4/2022, DJe de 8/4/2022). Com essas considerações, conheço parcialmente do Recurso de Agravo de Instrumento e, na parte conhecida, nego-lhe provimento. Julgo prejudicado o Recurso de Agravo Interno. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 10/06/2025

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