Processo nº 0004480-53.2015.4.01.3905
ID: 300305217
Tribunal: TRF1
Órgão: Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Redenção-PA
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 0004480-53.2015.4.01.3905
Data de Disponibilização:
17/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Redenção-PA Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Redenção-PA SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 0004480-53.2015.4.01.3905 CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLIC…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Redenção-PA Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Redenção-PA SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 0004480-53.2015.4.01.3905 CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLICA (65) POLO ATIVO: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA e outros POLO PASSIVO:EDSON COELHO DOS SANTOS REPRESENTANTES POLO PASSIVO: GABRIEL ARCANJO DOS REIS - TO11.330 SENTENÇA I. RELATÓRIO Trata-se de ação civil pública, com pedido de tutela de urgência, proposta pelo INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – MPF e UNIÃO em desfavor de EDSON COELHO DOS SANTOS e outros, na qual requerem a reintegração da Autarquia agrária na posse do imóvel rural denominado “COMPLEXO DIVINO PAI ETERNO”, constituído pelas Fazendas “Rancho Preto”, “Rancho Alegre”, “Flor da Mata III”, “Recanto”, “Vista Alegre”, “Goiânia”, “Mata Linda”, “Sombra da Mata” e “Boa Vista”, localizado dentro do perímetro da área maior denominada GLEBA MISTERIOSA, no Município de São Félix do Xingu/PA, matriculada em nome da União Federal sob o número 1.591, às fls. 290 do Livro 2-Q, no Cartório de Registro de Imóveis de São Félix do Xingu/PA, bem ainda que os réus sejam condenados à recomposição do passivo ambiental e ao ressarcimento pela ocupação irregular do imóvel em valor equivalente à taxa de ocupação. Decisão de ID 292154870 fls. 176/186 deferiu em parte o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para reintegrar o INCRA na posse do imóvel rural denominado “Complexo Divino Pai Eterno”. Os réus interpuseram os agravos de instrumento n. 0071692-69.2015.4.01.0000, 0006093-52.2016.4.01.0000 e 0009562-09.2016.4.01.0000, aos quais foi atribuído efeito suspensivo, contudo, no mérito, negado o provimento. Diante disso, em Decisão de ID 292154874 - fls. 173/176 novamente determinou-se a desocupação e reintegração de posse. Na sequência, houve deferimento de efeito suspensivo ao Recurso Especial interposto por parte dos réus (ID 292154874 - fls. 221/222, 292154876 fls. 11/12 e 16/17). Os Recursos Especiais não foram conhecidos pelo STJ (IDs 292154876, fls. 113/117, 163/165 e 668334987) Decisão de ID 1227673779 deferiu o pedido liminar formulado pelo INCRA, para determinar a expedição de mandado de notificação, desocupação e reintegração de posse em desfavor dos requeridos, concedendo-lhes o prazo de 30 (trinta) dias para desocuparem espontaneamente o imóvel rural denominado "Complexo Divino Pai Eterno". Decisão de ID 1238992775 postergou o cumprimento da medida de reintegração para após o dia 31/10/2022, com fundamento na ADPF 828. Em petição de ID 1380301750, o réu EDSON COELHO DOS SANTOS alegou ilegitimidade e falta de interesse dos autores ao argumento de que o imóvel denominado Fazenda Flor da Mata III não é de domínio da União e não se encontra dentro do perímetro da Gleba Misteriosa, pois o georreferenciamento efetuado por empresa contratada pelo INCRA não obedeceu ao perímetro originário da portaria de arrecadação e tampouco o perímetro do registro do C.R.I., bem ainda que o técnico que elaborou a medição aumentou o perímetro em mais de 52 (cinquenta e dois) quilômetros e a área em 6.894.517 hectares. Decisão de ID 1720089489 confirmou o teor da Decisão de ID 1227673779, para determinar a expedição de mandado de notificação e o prazo de 30 dias para desocupar espontaneamente o imóvel rural. Escoado o prazo, Oficial de Justiça constatou que apenas o réu EDSON COELHO DOS SANTOS permanecia na área objeto da demanda (ID 1765861068). EDSON SANTOS interpôs agravo de instrumento sob o n. 1033808-08.2023.4.01.0000, sem julgamento até então. Decisão de ID 1846364670 extinguiu o feito sem resolução de mérito em face de todos os réus nos termos do art. 485, VI do CPC, diante da ausência destes na área objeto do processo, com exceção de EDSON COELHO DOS SANTOS, que requereu a realização de perícia. Decisão de ID 1934627157 suspendeu a execução da liminar, somente da área denominada Fazenda Flor da Mata III, até a juntada do laudo pericial, para fins de reavaliação ou confirmação das decisões precedentes e nomeou como perito o Engenheiro Agrimensor Edmilson Esteves de Macedo, CREA 14828-PA. O INCRA interpôs agravo de instrumento sob o n. 1048528-77.2023.4.01.0000. Laudo pericial acostado em ID 2120282028 e resposta aos quesitos complementares e impugnações em ID 2130280729. Decisão de ID 2146912717 designou audiência de instrução e julgamento para 14/3/2025 para oitiva do perito e dos assistentes técnicos das partes. Alegações finais acostadas pela DPU em ID 2181103966, pelo INCRA em ID 2183622349, pelo MPF em ID 2184129404 e pela parte ré em ID 2190516413. Conexo a este processo, EDSON COELHO DOS SANTOS ajuizou Ação de Retificação de Georreferenciamento c/c Declaratória de Inexistência de Domínio da União, c/c Declaratória de Domínio Prevalente do autor (processo n. 1003615-32.2023.4.01.3905) e Reintegração de posse (processo n. 1004851-82.2024.4.01.3905), remetida a este Juízo em virtude da Oposição formulada pelo INCRA (processo n. 1004852-67.2024.4.01.3905). É o relatório. Decido. II. FUNDAMENTAÇÃO Ilegitimidade ativa do INCRA Inicialmente, a legitimidade do INCRA tem previsão constitucional na Política Agrícola e Fundiária em conjunto com a reforma agrária (arts. 184 a 191 da CF/88), inclusive para reaver a posse de patrimônio público arrecadado à UNIÃO, nos termos do art. 11 da Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra). A área reivindicada encontra-se titulada e registrada em favor da UNIÃO sob o número 1.591, às folhas 290 do Livro 2-Q, do Cartório de Registro de Imóveis de São Félix do Xingu/PA (ID 292338881 - fl. 59). Nesse sentido, o STJ também reconhece a legitimidade do INCRA que possui poderes para pleitear a posse de terras federais: "a legitimidade ativa para reaver o bem decorre, além dos atos normativos que ensejaram a discriminação das terras e a destinação a projeto de assentamento, das disposições do Estatuto da Terra combinadas com o disposto no Decreto-Lei 1.110/70, que conferem ao Incra poderes de representação da União para, no âmbito da reforma agrária, promover a discriminação de terras devolutas e, em menor extensão, vindicar a posse das terras federais" (STJ, REsp 1.444.588/MT, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 19/12/2016). A esse respeito, o TRF 1ª Região manifesta-se favorável à legitimidade do INCRA para reivindicar a posse de terras matriculadas em nome da UNIÃO, como a seguir: DOMÍNIO PÚBLICO. TERRAS DA UNIÃO INSERIDAS EM PROJETO DE REFORMA AGRÁRIA (PROJETO RENASCER). AÇÃO REIVINDICATÓRIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. LEGITIMIDADE ATIVA DO INCRA. PROVIMENTO À APELAÇÃO. 1. Na sentença foi reconhecida ilegitimidade ativa do INCRA e julgado extinto o processo sem exame do mérito. 2. Trata-se de ação reivindicatória de imóvel de domínio da União Federal, que, com o manejo da presente ação, busca evitar a ocorrência de grave dano ao patrimônio público federal, pois o mesmo se encontra irregularmente ocupado pelos réus (relatório e laudo cadastral, documentos 01 e 02, anexos), ocupação essa que recai sobre o lote nº 25 do PA Renascer, com o quantitativo de área de 164,4152 ha (cento e sessenta e quatro hectares, quarenta e um ares e cinquenta e dois centiares), consoante planta e memorial descritivo, documento de nº 03 e 04, localizado em área remanescente da Gleba Teles Pires, conhecida como `Gleba Gama, Município de Nova Guarita-MT, matriculada em nome da União Federal sob o nº 4385, livro nº 2, ficha 01 a 03, no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de COLIDER/MT, em 17 de janeiro de 1990 (doc. 05), inserida nos perímetros do Projeto de Assentamento `PA RENASCER, criado através da Portaria INCRA/SR-13/Nº 114/02, de 18 de dezembro de 2002 (inicial, fl. 03). (...) 4. No caso, conforme está demonstrado, a área reivindicada está inserida em projeto de reforma agrária o Projeto Renascer -, de modo que o INCRA tem legitimidade e interesse para a ação. (...) 6. Provimento à apelação do INCRA para anular a sentença, com retorno dos autos à primeira instância para, se necessário, complementação da instrução probatória e julgamento do mérito. (TRF-1 - (AC): 00004790520084013603, Relator Desembargador Federal João Batista Moreira, Data de Julgamento: 14/09/2020, Sexta Turma, Data de Publicação: PJe 15/09/2020). Ademais, no caso em análise a própria UNIÃO é autora da ação e a lide aborda questões que estão além do direito de posse de imóvel rural, perpassa sobre interesse social relacionado à política de reforma agrária a ser implementada pelo INCRA, com o intuito de desenvolver o projeto de assentamento na região. Portanto, afasto a alegação de ilegitimidade ativa do INCRA. Revelia Não houve contestação por parte dos réus, sendo que EDSON COELHO DOS SANTOS espontaneamente compareceu aos autos em 25/01/2016, conforme se depreende da petição de ID 292154870 - fls. 274/275, dando-se por citado, mediante apresentação de procuração com poderes para tanto. Assim sendo, decreto a sua revelia com os efeitos materiais, nos termos do art. 344 do CPC. No entanto, como a parte ré compareceu em tempo oportuno e requereu a produção de prova pericial, esta foi deferida conforme se analise a seguir. (art. 346 do CPC e Súmula 231/STF). Reintegração de posse A controvérsia da lide reside em constatar se a Fazenda Flor da Mata III pertencente a EDSON COELHO DOS SANTOS está ou não situada em gleba pública da UNIÃO. Na inicial os autores, dentre outros pedidos, requerem a reintegração de posse ao argumento de que a Fazenda Flor da Mata III estaria dentro da área pública federal, na denominada Gleba Misteriosa, no município de São Félix do Xingú/PA. Conexo a este processo, Edson Coelho ajuizou Ação de Retificação de Georreferenciamento c/c Declaratória de Inexistência de Domínio da União, c/c Declaratória de Domínio Prevalente do autor (processo 1003615-32.2023.4.01.3905). Em id 1767625567 do referido processo, Edson Coelho apresenta certidão de Matrícula e Cadeia dominial do imóvel Fazenda Flor da Mata III. Aduz que seus limites não estão dentro da área da Gleba Objeto da Presente ação. Em razão da escritura, foi realizado laudo pericial, onde o perito constatou/concluiu que 387,62 hectares da Fazenda Flor da Mata estão dentro da área pública federal, na denominada Gleba Misteriosa (id 2120282028 fl. 36). Em petição de id 2161924509 o INCRA aponta argumentos da invalidade da matrícula 4.430 do Cartório do Único Ofício de São Félix do Xingu/PA - apresentada como suposta prova de propriedade por EDSON COELHO DOS SANTOS - e informa que a Fazenda Flor da Mata está, em sua totalidade, dentro de terra federal, parte na Gleba Misteriosa e parte na Gleba Federal Bacajá. Em audiência de instrução, o INCRA e UNIÃO ratificaram a tese de que a Fazenda Flor da Mata III está dentro da terra da UNIÃO, independentemente do argumento inicial que defendia que a fazenda estava dentro da Gleba Misteriosa. Aponta que mesmo que se acolhesse o laudo pericial o qual indica que 387,62 hectares da Fazenda Flor da Mata estão dentro da área pública federal, na denominada Gleba Misteriosa, a outra parte da fazenda está dentro da gleba federal limítrofe, denominada Gleba Bacajá. O pedido dos autores é procedente por dois motivos: a indício de inconsistências na matrícula 4430 da Fazenda Flor da Mata III e pelo fato da Fazenda estar localizada parte na Gleba Misteriosa e parte na Gleba Bacajá, ambas pertencentes a União. Com efeito certidão imobiliária n. 4.430 do Cartório do Único Ofício de São Félix do Xingu/PA, aponta que “Fazenda Flor da Mata III” está localizada na Gleba Buritirana, situada no Município de Saõ Félix do Xingu-Pa. Contudo informação técnica de id 2161924515 aponta que a Gleba Buritirana está localizada no município de Marabá. A esse respeito, verifica-se em ofício n. 06/2024-CART-SFX que a matrícula teria sua origem no Registro de Imóveis da Comarca de Altamira/PA, sob o nº 19.168, folhas 278, Livro 2-AAE e posteriormente transferida para o Cartório de São Félix do Xingu/PA (ID 2161924517). O Cartório de Registro de Imóveis do 1º Ofício de Altamira/PA, por sua vez, em certidão de ID 2161924521 - fls. 6/7 relativa à cadeia dominial da matrícula originária nº 19.168, informa que o destaque do patrimônio público do Estado do Pará decorreria do Título Definitivo de Venda de Terras n. 48 de 09/09/1963 e expedido em favor de Luiz Vilela Filho pela Secretaria de Estado de Obras, Terras e Águas - Serviço de Terras do Estado do Pará. Nesse contexto, explica o Instituto de Terras do Pará - ITERPA em Ofício n. 800/2024 que: a área em questão denominada "Flor da Mata III" está inserida no município de São Félix do Xingu, Região de Integração do Araguaia; encontra-se em Zona de Consolidação II (Agropecuária familiar, Agroflorestal e Manejo Florestal); verificou-se também que o imóvel se encontra em Jurisdição Federal (96,34% da área total do imóvel está inserido na Gleba Federal MISTERIOSA, certificada pelo INCRA e 3,66% restantes estão sobrepondo a Gleba Federal BACAJÁ, reconhecida pelo INCRA; a área em questão não tem correspondência com o Título Definitivo nº 48 e não apresenta sobreposição em lotes titulados ou processos administrativos tramitados neste órgão, conforme os Mapas em anexo. (ID 2161924528) Em análise ao mapa apresentado pelo ITERPA, nota-se que o imóvel correspondente ao Título Definitivo n. 48 está localizado a mais de 600 km de distância da área correspondente à Fazenda Flor da Mata III (ID 1380301750). Em perícia técnica, o perito afirma que “Quanto à matrícula 4.430 excelência, que se originou da transcrição 1185, este expert identificou diversas irregularidades de sua abertura, como a inexistência do memorial descritivo do perímetro deste imóvel, seus confrontantes e indicação errada da Gleba, pois este não se localiza na Gleba Buritirana. (ID 2120282028 - fls. 36/37) A planta de arrecadação da Gleba Misteriosa (ID 2120303787) e a demonstração em audiência realizada em 14/3/2025 deixam evidentes que esta é confrontante com a Gleba Bacajá (gleba federal), o que confirma a informação já prestada pelo ITERPA no Ofício n. 800/2024, ou seja, de que todo o imóvel Fazenda flor da Marta está situado em gleba pública federal. Muito embora alegue a parte ré que as glebas não são contíguas, pois a Gleba Bacajá estaria entre a Gleba Misteriosa e a linha divisória dos Municípios de Marabá e São Félix do Xingu, nota-se nas plantas anexadas pelo perito em IDs 2120306108 e 2120303997 que as glebas são exatamente confrontantes, portanto, a Fazenda Flor da Mata III está situada em área de domínio da UNIÃO. Constata-se, ainda, que a controvérsia acerca da localização da Fazenda Flor da Mata III foi suscitada pela própria parte ré, ao defender que o imóvel não estaria situado na Gleba Misteriosa, o que ensejou a realização da perícia técnica e o desdobramento de que parte do imóvel também incide sobre a Gleba Bacajá. Portanto, não procede a afirmação da parte ré de que a alteração da localização do imóvel para a Gleba Bacajá configuraria fato novo, pois a questão foi suscitada a partir do pedido de produção de prova pericial formulado pela própria parte ré, para “verificação do exato perímetro da Gleba Pública Federal Misteriosa e se o imóvel do Réu se encontra dentro ou fora da referida gleba” (ID 1380301750). Quanto à suposta alegação de violação do princípio da estabilização da demanda, dispõe o art. 329, II do CPC, ser vedada a alteração do pedido ou causa de pedir, sem o consentimento do réu, após o saneamento do processo, isso não ocorreu nos autos. Com efeito, a reintegração e demais pedidos tem como causa de pedir a ocupação indevida de bem público da UNIÃO. A denominação na inicial da gleba federal, seja Gleba Misteriosa ou Gleba Bacajá, não viola o contraditório nem ampla defesa visto que a parte ré se defende da tese de que a Fazenda Flor da Mata III está dentro de terra da UNIÃO. Nota-se que o intuito desse princípio é evitar que as partes saibam quais são os pontos fáticos e jurídicos que serão enfrentados na decisão de mérito. Isso porque fatos supervenientes não devem ultrapassar as questões a serem investigadas no curso processual, como esclarece o Superior Tribunal de Justiça: "o fato superveniente a ser considerado pelo julgador deve guardar pertinência com a causa de pedir e pedido constantes da inicial, não servindo de fundamento para alterar os limites da demanda fixados após a estabilização da lide" (AgInt no AR Esp 1437753/RS, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 19/09/2019, DJe 09/10/2019). Contudo, no presente caso, o pedido principal é justamente a reintegração de posse de imóvel de domínio da UNIÃO, portanto, o objeto da demanda não se modifica por estar o imóvel situado em determinada gleba ou outra, especialmente quando se tratam de imóveis confrontantes e ainda mais quando a própria certidão imobiliária da fazenda apresenta vícios que indicam a localização da fazenda em outra gleba, Buritirana, distante cerca de 44 km, como apontado no laudo pericial (ID 2120306028). Em uma ponderação principiológica, sobressai o princípio da busca da verdade real, que orienta a atividade jurisdicional no sentido de propiciar ao julgador o maior grau possível de certeza acerca dos fatos controvertidos, o que é fundamental para a justa solução do litígio, como assegura o art. 493 do CPC: “Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão.” Cumpre assinalar que o direito de propriedade sobre imóvel público é imprescritível e inviabiliza qualquer possibilidade jurídica de sua apropriação pelo particular. Assim, uma vez comprovada a titularidade do bem em nome do Poder Público, impõe-se sua imediata restituição, independentemente de quem o detenha. Considerando que a Fazenda Flor da Mata III está situada em área de domínio da UNIÃO, portanto, detentora do direito de propriedade sobre o referido imóvel rural, devida a reintegração de posse ao INCRA, como determinado em Decisão de ID 1720089489 cujo cumprimento até então estava suspenso em relação ao mencionado imóvel. Ressarcimento à UNIÃO pela ocupação irregular do imóvel A ocupação indevida de bem público consiste em mera detenção de natureza precária, que inclusive afasta o pagamento de indenização pelas benfeitorias ou direito de retenção, nos termos do art. 560 do CPC e dos arts. 20 e 71, do Decreto-Lei nº 9.760/46 e da Súmula 619 do STJ. Não havendo assentimento do Poder Público que justifique a ocupação da área por particular, a UNIÃO faz jus ao ressarcimento pela ocupação irregular do imóvel, cuja pretensão tem previsão no parágrafo único do art. 10 da Lei n. 9.636/1998, que assim dispõe: Art. 10. Constatada a existência de posses ou ocupações em desacordo com o disposto nesta Lei, a União deverá imitir-se sumariamente na posse do imóvel, cancelando-se as inscrições eventualmente realizadas. Parágrafo único. Até a efetiva desocupação, será devida à União indenização pela posse ou ocupação ilícita, correspondente a 10% (dez por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano ou fração de ano em que a União tenha ficado privada da posse ou ocupação do imóvel, sem prejuízo das demais sanções cabíveis. No caso em questão, pleiteia-se que a indenização seja em valor equivalente à taxa de ocupação de terrenos da UNIÃO. Nesse sentido, dispõe o Decreto-Lei n.º 2.398/1987 que o valor dessa taxa corresponde a 2% do valor do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias e anualmente atualizado pela Secretaria do Patrimônio da União. Logo, defiro o ressarcimento à UNIÃO pela ocupação irregular do imóvel Fazenda Flor da Mata III, em valor equivalente ao pleiteado na inicial, ou seja, no correspondente à taxa de ocupação, a iniciar da data da citação. Recomposição do passivo ambiental Além da reintegração de posse, a demanda visa a defesa do meio ambiente através da recomposição de danos ambientais ocasionados pela ocupação indevida do “Complexo Divino Pai Eterno”. É reconhecido que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é considerado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, sendo um de seus instrumentos de garantia a obrigação de reparação dos danos causados, como dispõe o art. 225, § 3º da CF: "As condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados". O dano ambiental é caracterizado como toda lesão intolerável ao meio ambiente por meio de ação humana. A responsabilidade de reparação por dano ambiental é objetiva e pautada na teoria do risco integral, como dispõem os arts. 4°, VII, e 14, § 1°, da Lei n.º 6.938/1981 e entendimento também consolidado no Superior Tribunal de Justiça (Tema repetitivo 707). A obrigação reparatória do dano ambiental apresenta natureza propter rem , caracterizada por estar vinculada à própria coisa, obrigando seu titular, proprietário, posseiro ou detentor da área desmatada, como dispõe a Súmula 623 do STJ: As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor. No caso em questão, EDSON COELHO DOS SANTOS apresentou licença de atividade rural expedida em 03/08/2020 pela Secretaria Municipal de Meio Ambiental e Mineração de São Félix do Xingu, com validade até 03/08/2022 (ID 1380394251). Contudo, a referida licença ficou condicionada à apresentação de Projeto de Recuperação de Áreas Degradadas e/ou Alteradas (PRADA) referente ao passivo de 306,009 hectares de área antropizada não consolidada, no prazo de 548 dias, sendo que não há comprovação dessa medida ou de nova licença. Diante da ocupação indevida do imóvel de domínio da UNIÃO, bem ainda não evidenciados elementos que comprovem a recomposição do passivo ambiental, defere-se o pagamento de indenização por danos ambientais provenientes em área da Fazenda Flor da Mata III, em valor a ser apurado em fase de liquidação de sentença e destinado a projeto de recomposição do passivo ambiental do “Complexo Divino Pai Eterno”, a ser especificado pela UNIÃO e INCRA, conforme os termos da inicial. III. DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo procedente a pretensão inicial, nos termos do art. 487, I do CPC, para: III.1 Confirmar a Decisão liminar de reintegração de posse em ID 1720089489 e determinar a expedição de mandado de notificação em desfavor da parte ré, concedendo-lhe o prazo de 60 (sessentas) dias corridos a contar da efetiva notificação, para que desocupe espontaneamente o imóvel rural denominado “Fazenda Flor da Mata III”, devendo retirar bens móveis (incluídos os semoventes) e imóveis, ficando autorizado o desfazimento destes e perda dos semoventes em favor da UNIÃO, caso não retirados voluntariamente; III.2 Condenar a parte ré: a) ao ressarcimento à UNIÃO pela ocupação irregular do imóvel em valor equivalente ao pleiteado na inicial, ou seja, no correspondente à taxa de ocupação, a iniciar da data da citação, com atualização e juros de mora de acordo com o Manual de Cálculos da JF; b) ao pagamento de indenização por danos ambientais provenientes em área da Fazenda Flor da Mata III, em valor a ser apurado em fase de liquidação de sentença, cujo valor será destinado a projeto de recomposição do passivo ambiental do “Complexo Divino Pai Eterno” a ser especificado pela UNIÃO e INCRA, conforme os termos da inicial. Sem custas e sem honorários advocatícios (art. 18 da Lei n.º 7.347/1985). À Secretaria, para anexar cópia desta Sentença nos autos das ações conexas: 1003615-32.2023.4.01.3905, 1004851-82.2024.4.01.3905 e 1004852-67.2024.4.01.3905 e encaminhá-los conclusos para julgamento, assim como dar ciência aos gabinetes dos Desembargadores Relatores dos agravos de instrumento n. 1033808-08.2023.4.01.0000 e n. 1048528-77.2023.4.01.0000. Havendo recurso, intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões. Cumpra-se. Intimem-se. Redenção/PA,16/06/2025. CLAUDIO CEZAR CAVALCANTES Juiz Federal
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