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Processo nº 0800250-29.2025.8.18.0169

ID: 323665793

Tribunal: TJPI Órgão: JECC Teresina Norte 2 Anexo I Santa Maria da Codipi Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL Nº Processo: 0800250-29.2025.8.18.0169

Data de Disponibilização: 14/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

BANCO PAN S.A

Sentença

Advogados:

ROBERTO DOREA PESSOA

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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PIAUÍ JECC Teresina Norte 2 Anexo I Santa Maria da Codipi DA COMARCA DE TERESINA Rua Crisipo Aguiar, 3642, Buenos Aires, TERESINA - PI - CEP: 64009-200 PROCESSO Nº: 0800… PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PIAUÍ JECC Teresina Norte 2 Anexo I Santa Maria da Codipi DA COMARCA DE TERESINA Rua Crisipo Aguiar, 3642, Buenos Aires, TERESINA - PI - CEP: 64009-200 PROCESSO Nº: 0800250-29.2025.8.18.0169 CLASSE: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) ASSUNTO(S): [Abatimento proporcional do preço] AUTOR: MARIA DE JESUS GOMES BARBOSA REU: BANCO PAN S.A Ref. Processos n. 0800250-29.2025.8.18.0169 SENTENÇA I - RELATÓRIO Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA COM PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO ajuizada por MARIA DE JESUS GOMES BARBOSA em face de BANCO PAN S.A., na qual a Autora questiona o contrato de empréstimo cartão consignado (RMC) de n. 771573456-7_0001. Alegou que pensou estar contratando um empréstimo consignado convencional, que não foi informada que o empréstimo seria feito na modalidade cartão de crédito; falha no dever de informação pela parte promovida. Requereu a justiça gratuita, inversão do ônus probatório, nulidade do contrato supracitado, repetição do indébito e danos morais - ID 70161408. A Requerida apresentou contestação ao ID 72982080 arguindo, preliminarmente, falta de interesse de agir/ausência de pretensão resistida; impugnação à justiça gratuita; ausência de juntada de extrato e litispendência. No mérito, alegou que a parte autora anuiu com a contratação do empréstimo discutido; que foi devidamente assinado por ela na presença de duas testemunhas devidamente identificadas, numa clara demonstração de aceite e de expressa manifestação da vontade de contratar; que a pessoa que assinou a rogo é a filha da contratante/requerente; que embora a pessoa analfabeta seja teoricamente hipossuficiente, ela não é incapaz; que foi cumprido o dever de informação; a regularidade da cobrança; que é ônus da autora comprovar o alegado vício de consentimento; ausência de falha na prestação de serviço; a ausência de má-fé do banco réu a ensejar a repetição do indébito; a ausência dos requisitos ensejadores de qualquer indenização; litigância de má-fé. Pugnou pela improcedência dos pedidos autorais e, subsidiariamente, requereu a compensação de valores em caso de anulação do contrato discutido nestes autos. Dispensados os demais dados do relatório (art. 38, caput, da Lei n.9.099/95). DECIDO. II - FUNDAMENTAÇÃO Antes de adentrar no mérito da ação, cumpre analisar as preliminares arguidas nos autos. a.1) Justiça Gratuita Quanto ao pedido de concessão da justiça gratuita deduzido na petição inicial, considerando a gratuidade da justiça em primeira instância nos Juizados Especiais, deixo para apreciar o pedido supracitado por ocasião de eventual interposição de recurso. a.2) Falta de Interesse de Agir/Ausência de Pretensão Resistida A Requerida arguiu a preliminar de falta de interesse de agir por ausência de pretensão resistida, vez que a Requerente não informou qualquer número de protocolo ou qualquer tentativa de solução da problemática nas vias administrativas. Segundo Enrico T. Liebmann, em seu “Manual de Direito Processual Civil”: O interesse processual tem por objeto o provimento que se pede ao juiz como meio para obter a satisfação de um interesse primário lesado pelo comportamento da parte contrária, ou, mais, genericamente, pela situação de fato objetivamente existente. O interesse processual restará configurado quando presente o binômio necessidade-utilidade na ação ajuizada. Denota-se que a Requerente anexou aos autos documentos que demonstram a verossimilhança do seu direito, bem como o dano a que supostamente foi obrigada a suportar, motivo pelo qual entendo por demonstrada a necessidade do ajuizamento da ação e verificado o seu resultado útil, ainda que, no mérito, sua pretensão porventura não seja acolhida. Presente, portanto, o interesse de agir. Ademais, o art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, prevê que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, tratando-se, pois, do Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição. No caso em exame, ao exigir da parte autora prévio esgotamento da via administrativa, estar-se-ia impondo limitações ao direito de ação constitucionalmente protegido. Diante das razões narradas acima, rejeito a preliminar de ausência de interesse de agir/ ausência de pretensão resistida a.3) Ausência de Juntada de Extrato A Requerida arguiu que a Autora negou a contratação, mas não anexou nenhum extrato bancário nos autos, ônus que lhe incumbia, a fim de demonstrar a veracidade da sua alegação e boa-fé. Requereu “a extinção do processo sem resolução do mérito, em razão da necessidade de apresentação de extrato bancário que demonstre o não recebimento do valor referente a empréstimo discutido, sendo o indeferimento da inicial medida justa, por força do art. 485, I, do CPC”. Subsidiariamente, requereu “na remota hipótese de Vossa Excelência, entender pelo não acolhimento da preliminar ora aqui exposta, e considerando que a conta na qual o valor objeto do empréstimo foi disponibilizado pertence a outro banco - pugna pela expedição de ofício à referida instituição financeira para que apresente extrato bancário da conta da parte autora, correspondente ao período de 01 mês antes até 12 meses depois da data do contrato, os quais foram celebrados em 06/03/2023”. Quanto a tais requerimentos, tem-se que, considerando o conjunto fático probatório colacionado aos autos, verifico que é suficiente para fins de proferir julgamento seguro a respeito da causa. Ademais, sendo o juiz o destinatário natural da prova, somente se estas não tiverem viabilidade de formarem o seu convencimento para desate da lide devem receber essa chancela para fins de desaguarem na extinção sem apreciação meritória, o que não se vislumbra na espécie. Preliminar de ausência de extrato bancário afastada, portanto. a.4) Litispendência A Requerida arguiu preliminar de litispendência entre esta ação e o Processo de n. 0800251-14.2025.8.18.0169 argumentando ser “inquestionável que se as demandas versam sobre as mesmas alegações de abusividades em contratos firmados entre as mesmas partes, tem-se a situação processual de litispendência”.. Ocorre a litispendência quando uma nova ação judicial é ajuizada com o mesmo pedido, a mesma causa de pedir e as mesmas partes de outra que ainda está em trâmite (art. 337, VI, § 2º e § 3º, CPC). No caso em discussão, tem-se que, segundo a certidão de ID 70169580, apesar dos processos de n. 0800250-29.2025.8.18.0169 e 0800251-14.2025.8.18.0169 terem as mesmas partes e pedidos, o objeto é diferente, visto que se referem a contratos diferentes (contratos de n. 771573456-7_0001 e 771574376-6, respectivamente). Ante o exposto, rejeito a preliminar de litispendência. DO MÉRITO Ab initio, é importante esclarecer que a presente lide está inclusa na seara das relações consumeristas, as quais estão reguladas pela Lei nº 8.078/90 (CDC), sendo indubitável, no caso em comento, que a autora é hipossuficiente perante o réu, razão pela qual reconheço como legítimo o pedido de inversão do ônus da prova pleiteado, em consonância com o regramento disposto no art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/90 (CDC). Desta forma, confirmo em sentença a inversão do ônus da prova a favor da consumidora, ora Autora, com base no art. 6°, VIII, do CDC, deferida em sede de decisão de ID 70282856. É cediço que incumbe à Autora, ainda que invertido o ônus da prova em seu favor, fazer prova mínima dos fatos constitutivos de seu direito; enquanto que ao Réu incumbe a prova de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito da Promovente, conforme preceitua o art. 373, incisos I e II, do CPC. No que diz respeito à impossibilidade de alteração das cláusulas contratuais, tem-se que o princípio da "pacta sunt servanda" há muito foi minimizado, não sendo aplicável em caráter absoluto, flexibilizando, assim, os juristas e intérpretes sua aplicação, diante das evidentes transformações da sociedade brasileira e do Direito. Logo, a revisão das cláusulas contratuais é possível, em especial por se tratar de relação de consumo (artigo 54, do CDC). Como é sabido, a constituição de Reserva de Margem Consignável (RMC) exige expressa autorização do consumidor aposentado, seja por escrito ou via eletrônica, conforme prevê expressamente o art. 3º, inc. III, da Instrução Normativa do INSS nº 28/2008, alterada pela Instrução Normativa do INSS nº 39/2009, conforme segue: "Artigo 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderá autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que: (...) III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência.” O consensualismo, princípio do direito contratual adotado no sistema jurídico brasileiro, importa no reconhecimento de que o contrato nasce do acordo de vontades, não se exigindo qualquer formalidade específica, salvo se expressamente prevista em lei. É justamente a autonomia da vontade que possibilita às pessoas capazes firmarem negócios jurídicos a partir do consenso, podendo ser a forma de manifestação dessa vontade, como regra, livremente estabelecida. Nesse sentido, tem-se o disposto no art. 107 do Código Civil: “Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”. Firmada essa premissa, verifico que a parte promovida se desincumbiu do seu ônus probatório, visto que juntou aos autos o instrumento contratual válido, assinado a rogo pelo esposo da requerente e na presença de duas testemunhas - ID 72982087. Foram observadas, portanto, as formalidade legais, tendo em vista a parte autora ser analfabeta, e embora haja divergência jurisprudencial acerca da validade dos contratos celebrados por analfabeto e da necessidade de procuração pública, à luz do art. 595 do Código Civil, a procuração pública não se faz necessária, desde que preenchidas as formalidades legais ali previstas. Dispõe o supracitado artigo: “Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas”. Destarte, o Código Civil de 2002 não atribui ao analfabeto a condição de incapaz, podendo celebrar contratos na vida civil, desde que observadas cautelas especiais atinentes a assegurar que a avença firmada revele a livre manifestação de vontade das partes contratantes. Deve-se destacar o entendimento firmado no âmbito do Fórum dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Piauí – FOJEPI, no sentido de não serem a senilidade e o analfabetismo causas necessárias de incapacidade para firmar contrato, desde que observados os requisitos de validade do negócio jurídico, nos termos do art. 104 do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, o Enunciado n. 20 dispõe que: ENUNCIADO 20 - O analfabetismo e a senilidade, por si só, não são causas de invalidade do negócio jurídico, sendo possível que o analfabeto e o idoso contraiam obrigações, atendidos os requisitos previstos no art. 104 do Código Civil e, a depender do caso, do Código de Defesa do Consumidor. (II FOJEPI, Luís Correia – PI, out/2015). Isto posto, essencial que a contratação com o analfabeto seja acompanhada da presença de duas testemunhas, aplicando, ao caso, a inteligência do artigo 595, do Código Civil. EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. RELAÇÃO DE CONSUMO . ANALFABETISMO. CONTRATO FIRMADO MEDIANTE ASSINATURA A ROGO E DUAS TESTEMUNHAS. VALIDADE CONTRATUAL. INEXISTÊNCIA DE DANOS MATERIAIS E MORAIS . I – No caso, o Banco/Apelado acostou aos autos o contrato de empréstimo consignado, objeto da demanda, no qual se verifica que a Apelante efetivamente contratou o empréstimo em questão sendo assistida por José Araújo, que o assinou a rogo, com a assinatura de duas testemunhas, o demonstra a lisura e regularidade da contratação (id nº 123499, pág. 160/168). II - Quanto ao ponto, insta salientar que o STJ, no julgamento do REsp 1.868 .099-CE, de relatoria do Min. Marco Aurélio Belizze, julgado em 15/12/2020, fixou o entendimento de que “a validade do contrato firmado por pessoa analfabeta não depende de instrumento público ou de outorga de procuração pública a terceiro, simplesmente porque a lei não exige que assim seja”, III - Desse modo, assim como no precedente mencionado, não subsiste a alegação de ausência de comprovação do contrato firmado, razão pela qual resta inócua a tese de configuração de ato ilícito por cobrança indevida sem relação jurídica subjacente, uma vez que os descontos possuem como fundamento jurídico o Contrato nº’ 1199589, revelando os fundamentos pelos quais a sentença deve ser mantida. IV – Apelação conhecida e desprovida. (TJ-PI - Apelação Cível: 0000824-87 .2017.8.18.0065, Relator.: Raimundo Eufrásio Alves Filho, Data de Julgamento: 03/09/2021, 1ª CÂMARA ESPECIALIZADA CÍVEL) Analisadas as provas carreadas aos autos, verifico também que o banco réu demonstrou a creditação do numerário do empréstimo na conta da autora, consoante TED de ID 72982084. Insta citar ainda que a Requerente em nenhum momento impugnou especificamente as assinaturas e os documentos constantes no instrumento negocial de ID 72982087. Também não negou ter recebido o valor do empréstimo, apenas informou que solicitou um empréstimo consignado, mas este veio em forma de cartão de crédito consignado. Assevero, ainda, que a Promovente possui ciência dos termos contratados, considerando que o respectivo contrato apresenta cláusulas claras e objetivas, inclusive com a inserção de termo de consentimento esclarecido (ID 72982087, p. 8); no qual consta a informação sobre o produto adquirido e que a consumidora foi informada sobre a incidência de encargos quando da realização do saque mediante a utilização do cartão de crédito consignado, inexistindo quaisquer indícios de fraude, simulação ou erro na contratação realizada. Por este motivo, a relação jurídica entre as partes encontra-se devidamente comprovada mediante a apresentação de tais instrumentos. De igual modo, a parte Autora não nega a disponibilização de crédito em seu favor, oriundo do negócio jurídico objeto desta lide. Assim, razão não há para se acolher a tese de que a instituição financeira forneceu produto diverso do pretendido pela parte autora, bem como a ausência de informação ou mesmo algum vício do consentimento, pois a própria Autora anuiu com o teor da contratação, que é clara nos seus termos, ausente dubiedade, o que está suficientemente provado pelo contrato assinado apresentado pelo banco Requerido. Embora sustente a ilegalidade do contrato, a Promovente não demonstrou qualquer discrepância entre a taxa média de juros do mercado e aquela aplicada pela instituição, o que era ônus que lhe incumbia. Ademais, não restou comprovado nos autos o alegado vício de consentimento na celebração do contrato de empréstimo na modalidade cartão de crédito consignado, o que por si só afasta o pedido de anulação da avença. Ressalto que a alegação de que a Requerente foi induzida em erro quando da pactuação do negócio jurídico exige prova cabal de que o vício realmente ocorreu. Não há que se cogitar, portanto, de vício que possa macular a contratação, que demonstrou ser válida. Neste sentido, colaciono a seguir julgado exemplificativo da controvérsia: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA - ANULAÇÃO DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL - SENTENÇA MANTIDA. De acordo com o disposto no artigo 171, inciso II, do Código Civil, o negócio jurídico pode ser anulado quando restar caracterizado o vício de consentimento (erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores), capaz de atingir a manifestação de vontade do agente, mas desde que inequivocamente demonstrado. (TJ-MG - Apelação Cível: 50026235820238130114, Relator.: Des.(a) José de Carvalho Barbosa, Data de Julgamento: 09/05/2024, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 14/05/2024) O princípio da boa-fé objetiva é via de mão dupla aos contratantes, fornecedores e consumidores, detentores do poder econômico ou não, aplicando-se indistintamente a qualquer pessoa capaz e que se proponha a assumir obrigações por meio de um contrato. In casu, por qualquer ângulo que se observe a questão, não há qualquer irregularidade na conduta da Requerida,. Com isso, demonstrada a contratação pela consumidora, ora Autora, não há que se falar em inexigibilidade dos encargos oriundos da contratação de empréstimo consignado vinculado a cartão de crédito com Reserva de Margem Consignável. No que concerne ao pedido de cancelamento do cartão, dispõe o art. 17-A da Instrução Normativa INSS/PRES n.º 28/2008 (com redação dada pela Instrução Normativa INSS/PRES n.º39/2009) que, in verbis: "o beneficiário poderá, a qualquer tempo, independentemente de seu adimplemento contratual, solicitar o cancelamento do cartão de crédito junto à instituição financeira, oportunidade em que poderá optar pelo pagamento imediato do saldo devedor, liberando, com isso, a margem consignável, ou escolher o pagamento por meio da RMC, respeitados os encargos contratados e o limite de 5% de seus proventos." Desta feita, poderá a Promovente realizar o cancelamento do cartão de crédito consignado a qualquer momento e realizar o pagamento de seu saldo devedor, ou, ainda, além do desconto da reserva de margem consignável, podendo adimplir outros valores para pagamento da fatura para que o saldo devedor seja pago de forma célere, na esfera administrativa, porque não demonstrada a quitação dos valores nestes autos, ônus que lhe incumbia. Por fim, reconhecida a regularidade na contratação não há de se falar em danos morais, pois ausente a prática de ilícito por parte da Requerida. O banco réu não praticou qualquer ato ilícito que justifique a obrigação de indenizar, nos termos dos artigos 186 e 927, ambos do Código Civil. Nesse sentido, entende o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: APELAÇÃO CÍVEL Ação de declaratória de inexistência de débito cumulada com indenização por danos morais Sentença de improcedência Inconformismo da autora Alegação de não contratação de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável. Hipótese dos autos em que a autora celebrou contrato de cartão de crédito, pelo qual lhe foi disponibilizado o valor de R$ 996,00. Caso dos autos em que a autora não contava com margem disponível para contratação de empréstimo consignado Ressalva de entendimento pessoal para reputar válido o negócio jurídico firmado entre as partes e seguir a orientação firmada por esta C. Câmara Existência do débito comprovada. Inexistência de ilícito Danos morais não configurados. Sentença mantida. Majoração dos honorários advocatícios, nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil Recurso não provido”. (TJSP; Apelação Cível 1012121-03.2019.8.26.0576; Relator (a): Daniela Menegatti Milano; Órgão Julgador: 19ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/01/2020; Data de Registro: 15/01/2020) (grifos nossos). Contrato bancário Cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) Contratação do negócio jurídico demonstrada pela instituição financeira e confessada pelo mutuário no curso do processo Vício do negócio jurídico não demonstrado. Pretensões de declaração de inexistência do negócio e de recebimento de reparação de danos morais inconsistentes Improcedência Apelação não provida e majorada a verba honorária”. (TJSP; Apelação Cível 1005879-02.2019.8.26.0132; Relator(a): Gil Coelho; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Privado; Foro de Catanduva - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/12/2019; Data de Registro: 19/12/2019) (grifos nossos). Destarte, considerando evidente a demonstração da celebração do negócio jurídico, não se mostra possível a responsabilização civil da parte Demandada pelos descontos efetuados no contracheque/benefício da parte autora, vez que a contratação se deu de forma regular e válida. Quanto ao pedido de condenação em litigância de má-fé deduzido em sede de contestação, entendo que não restou comprovado nos autos qualquer das hipóteses do art. 80 do CPC aptas a caracterizar a litigância de má-fé, vez que esta não se presume, mas exige prova satisfatória, não só de sua existência, mas da caracterização do dano processual. Quando a parte se utiliza do processo para buscar os direitos que entende devidos, não é cabível a fixação de multa por litigância de má-fé, sem que haja necessariamente a comprovação de conduta maliciosa, haja vista que esta não pode ser presumida. Não há que se falar também em condenação da Autora a restituir ou compensar os valores disponibilizados pelo Réu, vez que a contratação questionada é válida e regular. Por fim, importa ressaltar que, consoante entendimento jurisprudencial já sedimentado pelo STJ, não está obrigado o magistrado a se manifestar de todos os argumentos apresentados pelas partes em juízo, desde que sua decisão esteja devidamente fundamentada. Ademais, considerando-se os princípios da Simplicidade e Celeridade previstos na Lei nº. 9.099/95, é inegável que as decisões em âmbito de Juizados sejam as mais dinâmicas e objetivas possíveis. III - DISPOSITIVO Pelo exposto, e considerando os pressupostos gerais pertinentes à matéria devidamente cumpridos, prova do alegado, e tudo mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos constantes na petição inicial e o pedido contraposto de compensação deduzido na contestação, resolvendo o mérito, com fulcro no art. 38 da LJE e art. 487, I, do CPC. No tocante ao pedido de concessão da justiça gratuita deduzido na petição inicial pela Autora, considerando a gratuidade da justiça em primeira instância nos Juizados Especiais, deixo para apreciar o pedido supracitado por ocasião de eventual interposição de recurso. Sem custas e sem honorários de advogado (arts. 54 e 55 da Lei n. 9099/95). Publique-se no DJEN. Registre-se. Intimem-se as partes pelo DJEN. Após o trânsito em julgado, arquive-se. Teresina/PI, datado e assinado eletronicamente Juiz(a) de Direito da JECC Teresina Norte 2 Anexo I Santa Maria da Codipi

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Banco Itau Consignado S.A. e outros x Banco Itau Consignado S.A. e outros

ID: 300019492

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1000177-95.2019.8.11.0034

Data de Disponibilização: 16/06/2025

Polo Ativo:

BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. ERENY DAS VIRGENS

Polo Passivo:

BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. ERENY DAS VIRGENS

Acórdão

Advogados:

RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA

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MAURICIO SANTOS DAS VIRGENS

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000177-95.2019.8.11.0034 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Empréstimo consignado] Relator: Des(a). ANTONI… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000177-95.2019.8.11.0034 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Empréstimo consignado] Relator: Des(a). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES Turma Julgadora: [DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). DIRCEU DOS SANTOS] Parte(s): [ERENY DAS VIRGENS - CPF: 314.711.451-15 (APELADO), MAURICIO SANTOS DAS VIRGENS - CPF: 036.648.381-14 (ADVOGADO), BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. - CNPJ: 33.885.724/0001-19 (APELANTE), BERNARDO RODRIGUES DE OLIVEIRA CASTRO - CPF: 966.587.381-49 (ADVOGADO), BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. - CNPJ: 33.885.724/0001-19 (REPRESENTANTE), RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA - CPF: 444.850.181-72 (ADVOGADO), ERENY DAS VIRGENS - CPF: 314.711.451-15 (APELANTE), MAURICIO SANTOS DAS VIRGENS - CPF: 036.648.381-14 (ADVOGADO), BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. - CNPJ: 33.885.724/0001-19 (APELADO), RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA - CPF: 444.850.181-72 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, AMBOS RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS E M E N T A APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO/RELAÇÃO JURÍDICA CONTRATUAL C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – DESCONTOS REALIZADOS NA CONTA DA AUTORA – DESCONTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO – NEGATIVA DE CONTRATAÇÃO – IMPUGNAÇÃO DA ASSINATURA – PROVA GRAFOTÉCNICA DEFERIDA E NÃO PRODUZIDA POR DESINTERESSE DO RÉU – ÔNUS DA PROVA – TEMA 1.061/STJ – NÃO COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO – DESCONTOS INDEVIDOS – DANO MORAL CONFIGURADO – QUANTUM INDENIZATÓRIO – MAJORAÇÃO NECESSÁRIA – ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA – JUROS COM APLICAÇÃO DA TAXA SELIC E CORREÇÃO MONETÁRIA PELO IPCA – LEI Nº 14.905/2024 – RESTITUIÇÃO DOS VALORES – INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ – REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES – MANUTENÇÃO – COMPENSAÇÃO DE VALORES DEVIDA – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE – RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS. Nos termos do Tema Repetitivo nº 1.061/STJ, impugnada pelo consumidor a autenticidade da assinatura aposta no contrato bancário apresentado, incumbe à instituição financeira o ônus de comprovar sua autenticidade. Hipótese em que, embora deferida a produção da prova pericial grafotécnica, a instituição financeira não se desincumbindo do ônus probatório que lhe incumbia. Descontos efetuados diretamente no benefício previdenciário da autora, sem comprovação de contratação válida, autorizam a restituição dos valores e ensejam indenização por danos morais. Comprovada a falha na prestação do serviço bancário, a instituição financeira responde objetivamente por todos os prejuízos causados ao cliente, ainda que proveniente de fraude de terceiro, cabendo o pagamento de indenização por danos morais, desde que atenda o caráter punitivo e pedagógico da condenação, sem, contudo, causar enriquecimento ilícito à parte adversa, devendo, no caso concreto, ser retificada a sentença, para majorar o quantum indenizatório. Não demonstrada à existência de má-fé por parte do banco-credor, inviável a condenação pela repetição do indébito em dobro. Inteligência do artigo 42 do CDC. Nos casos de responsabilidade extracontratual a estipulação dos juros deve incidir pela aplicação da Selic (art. 406, § 1º, do CC), a partir do evento danoso, e correção monetária pelo IPCA (artigo 389, § único, do CC), desde a data do arbitramento. Quanto ao pleito de compensação de valores, constata-se que este é devido, devendo ser apurado em liquidação de sentença. TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO APELAÇÃO CÍVEL Nº 1000177-95.2019.8.11.0034 APELANTES: BANCO ITAU CONSIGNADO S/A E ERENY DAS VIRGENS APELADOS: OS MESMOS RELATÓRIO EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Trata-se de recursos de apelação interpostos, sucessivamente, pelo BANCO ITAU CONSIGNADO S/A (requerido) e ERENY DAS VIRGENS (requerente), contra sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Dom Aquino/MT, Dr. Pedro Flory Diniz Nogueira, lançada nos autos da ação declaratória de nulidade cumulada com pedido de danos morais e repetição de indébito, que julgou procedentes os pedidos iniciais nos seguintes termos: “(i) DECLARAR inexistente a relação jurídica concernente ao contrato n. 590310165; (ii) CONDENAR a parte requerida a restituir em dobro os valores descontados do benefício da parte Autora, visto que o empréstimo devido teve seu último desconto este mês (janeiro/2025), acrescidos de correção pelo INPC desde a sua ocorrência e de juros de mora de 1% ao mês desde o ajuizamento da ação; (iii) CONDENAR o réu ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com correção monetária contada a partir do arbitramento (súmula 362 STJ), e juros contados da citação; (iv) DETERMINAR a compensação dos danos (morais e materiais) com os valores recebidos e utilizados pela autora, com correção monetária pelo INPC, a partir de cada desembolso (súmula 43 do STJ) e juros de mora de 1% ao mês a contar da citação (art. 405, do CC), desde que, devidamente comprovados. Na hipótese de o resultado das operações gerar saldo negativo ao autor, deverá a parte ré realizar a cobrança por meio de ação própria” (sic). O banco apelante requer a reforma integral da sentença prolatada em primeiro grau, sustentando a ausência de respaldo fático, probatório ou jurídico para os fundamentos da decisão que declarou a inexistência da contratação. Afirma que o magistrado de piso desvirtuou o entendimento fixado no Tema 1.061 do Superior Tribunal de Justiça, ao impor a perícia grafotécnica como único meio de prova da autenticidade da assinatura, desconsiderando outros meios legais e moralmente legítimos já apresentados nos autos, tais como o contrato assinado, o comprovante de transferência via TED e o documento pessoal da parte apelada, evidências que, em seu entender, demonstram a regularidade da contratação. Argumenta que o Juízo deveria ter determinado a perícia se a considerasse indispensável, em prestígio à vedação de decisão surpresa e ao livre convencimento motivado, garantindo a paridade de tratamento entre as partes, conforme o artigo 139, I do CPC; alegando que a regra do ônus da prova no Tema 1.061 do STJ não afasta a necessidade de a parte autora provar minimamente o fato constitutivo de seu direito e rebater as provas da instituição financeira, sob pena de violação aos artigos 373, I e II, do CPC e 6º, VIII, do CDC. Assevera que o empréstimo consignado, como contrato de mútuo, aperfeiçoa-se pela tradição do valor, e a prova do repasse do montante à parte autora é crucial para a legitimidade dos descontos, prova esta que a instituição apelante alega ter produzido, citando a disponibilização dos valores na conta da autora via TED/DOC na conta 5238-8, agência 2029 do Banco do Brasil. Alega a inexistência de danos materiais e a ausência de requisitos para a restituição em dobro, uma vez que a má-fé da instituição financeira não foi demonstrada, o que é um pressuposto para tal condenação, e que a decisão recorrida violou o art. 489, § 1º, incisos V e VI, do CPC e o art. 927, § 3º, do mesmo diploma legal, ao desconsiderar a modulação dos efeitos da tese firmada no EAREsp nº 676.608/RS, que restringe a dispensa da análise da má-fé para cobranças realizadas a partir de 30/03/2021. Sustenta a inexistência de danos morais, pois a conduta do banco apelante decorreu do regular exercício de direito (art. 188, I, CC), com contratação regular e valores devidos, e, subsidiariamente, no tocante aos juros de mora, que estes deveriam incidir a partir do arbitramento do valor do dano moral, e não da citação, por ser este o momento em que o valor se torna determinado, citando o REsp 903.258/RS e precedentes dos Tribunais de Justiça, e, subsidiariamente, quanto à atualização monetária, requer a aplicação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e taxa legal, em conformidade com a Lei nº. 14.905/24 (publicada em 01/07/2024 com entrada em vigor a partir de 01/09/2024), que altera os artigos 389 e 406 do Código Civil, sob pena de prejuízos ao apelante. A par destes argumentos, requer provimento à presente apelação, para a reforma da sentença apelada, julgando improcedente a demanda, com a inversão da sucumbência, segundo as razões aduzidas. Em caráter subsidiário, caso não se entenda estar o feito pronto ao julgamento, com a prova documental já produzida em Primeiro Grau, faz-se mister a anulação da sentença proferida, para que sejam produzidas as provas legais e moralmente legítimas para a demonstração da regularidade dos descontos, em prestígio aos artigos 7º, 139 I, 369, 370, 371, 373, I e II, todos do CPC, além do artigo 6º, VIII, do CDC. Ainda em caráter subsidiário, acaso mantida a condenação em danos morais, requer a reforma na fixação do valor, para que se atendam aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Adicionalmente em caráter subsidiário, caso mantida a condenação, requer seja reformada a sentença para que os juros de mora sejam computados a partir do arbitramento do valor do dano moral. Outrossim, em caráter subsidiário e caso mantida a condenação, requer a aplicação do índice de correção monetária pelo IPCA. Por sua vez, a autora apelante interpõe apelo visando apenas à majoração do valor arbitrado de reparação dos danos morais sofridos e que não seja inferior a R$10.000,00 (dez reais), dado a condição financeira do apelado (Id. 285492927). Ambos apresentaram as contrarrazões (Ids. 285492931 e 285492933). A autora é beneficiária da assistência judiciária (Id. 88961998) e o requerido comprovou o recolhimento do preparo (Id. 285599893). É o relatório. VOTO EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Ressai dos autos que ERENY DAS VIRGENS ajuizou ação declaratória de Nulidade cumulada com Pedido de Danos Morais e Repetição de Indébito em desfavor do BANCO ITAU CONSIGNADO S/A, visando desconstituir o empréstimo consignado efetivado em 17/01/2019, no valor de R$1.892,72 (mil, oitocentos e noventa e dois reais e setenta e dois centavos), para ser pago em 72 parcelas de R$53,28 (cinquenta e três reais e vinte e oito centavos), da qual desconhece ter contratado, embora o valor tenha sido creditado em sua conta corrente. Denota-se da inicial que o empréstimo foi contratado em 17/01/2019, e logo no mês seguinte, a autora se deslocou até a Instituição Financeira demandada, informando o equívoco, razão pela qual lavrou um Boletim de Ocorrência em 14/02/2019 (Id. 88961995 - Pág. 1) e formalizou reclamação junto à ouvidoria do banco (Id. 88961996 - Pág. 1). A respectiva ação foi ajuizada em 16/04/2019 (Id. 88961990 - Pág. 1), solicitando, liminarmente, a suspensão das referidas cobranças, no entanto, a tutela de urgência foi indeferida. O requerido em sua defesa aduziu que a avença é válida, conforme contrato formalizado entre as partes (Id. 88962013 - Pág. 8) e documento que comprova a liberação do valor em conta – TED (Id. 88962011 - Pág. 1). Na impugnação à contestação, a requerente aduz que a assinatura formalizada no contrato é falsa, ressaltando que apenas a última folha do contrato está chancelada. Aduziu ainda que nunca esteve na cidade do Rio de Janeiro, e na qualificação do cliente o número de telefone e sexo não correspondem com as suas informações pessoais (Id. 88962018). Posteriormente, sobreveio à sentença, em que o magistrado de primeiro grau, entendendo que o feito comportava julgamento antecipado da lide, julgou improcedentes os pedidos da inicial, asseverando que a assinatura lavrada no contrato se assemelha a da autora, não se verificando, em princípio, indícios de falsificação. A autora interpôs recurso de apelação que foi dado PROVIMENTO, para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à instância singular para instrução processual, com a devida produção da prova pericial grafotécnica. Retornando os autos à origem, foi determinada a realização de perícia grafotécnica e o requerido foi intimado por duas oportunidades para trazer ao processo os documentos de contrato original para a realização do laudo, o que não foi feito até o momento, seguindo-se da prolação de nova sentença em que o julgamento monocrático julgou procedentes os pedidos inaugurais. Colaciono trecho da sentença exarada no juízo a quo: “(...) Determinada a realização de perícia grafotécnica, o requerido foi intimado por duas oportunidades para trazer ao processo os documentos de contrato original para a realização do laudo, o que não foi feito até o momento. Vieram os autos conclusos. É o relato do essencial. Fundamento e decido. Inexistindo preliminares e consignando que a inversão do ônus da prova já restou deferida em momento de recebimento da inicial, PASSO à análise do mérito. Cinge-se a controvérsia sobre a validade da negativação promovida pela instituição bancária ora requerida. Enquanto a parte autora afirma que não efetuou nenhuma assinatura, compareceu a parte demandada para relatar que a dívida é oriunda de inadimplemento decorrente de contrato válido, devidamente assinado pela autora. A autora, por sua vez, impugnou a veracidade da assinatura do contrato requerendo perícia grafotécnica para elucidação dos fatos. A requerida, intimada em mais de uma oportunidade para trazer ao processo o contrato original, da forma requerida pelo perito, deixou de cumprir com o ônus probatório que lhe competia. A demanda deve ser julgada parcialmente procedente. Explico. É certo que o consumidor se encontra protegido, além da lei civil, pelo Código de Defesa do Consumidor que veio ao nosso ordenamento jurídico para suprir a hipossuficiência. Por isto e também por atender a previsão contida no artigo 5º, inciso XXXII da Constituição Federal, tem-se que se tratam de normas públicas e de interesse social. Além disso, a responsabilidade da parte requerida, enquanto integrante da cadeia de consumo, possui natureza objetiva consoante artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Deste modo, atentando-se também a inversão do ônus da prova, basta ao consumidor a demonstração de elementos mínimos de ato ilícito, dano e nexo de causalidade. A parte autora comprovou nos autos que sofre descontos de R$ 53,28 (cinquenta e três reais e vinte e oito centavos) em seu benefício previdenciário em decorrência do contrato n. 590310165. Por se tratar de parte hipossuficiente, caberia ao requerido a demonstração da licitude da restrição. Ocorre que em sede de contestação se limitou a juntar contrato bancário digitalizado sem, todavia apresentar a via original para a realização de perícia grafotécnica, conforme ordem do juízo. Visando o convencimento sobre a validade da operação, deveria ter juntado a via original do contrato de empréstimo para ser periciado para comprovar a existência de negócio jurídico firmado com o autor, sem qualquer vício de fraude. Neste sentido, eis o entendimento jurisprudencial: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER E REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS – REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO NÃO DEMONSTRADA – IMPUGNAÇÃO DA ASSINATURA PELA PARTE AUTORA – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO PELO BANCO REQUERIDO QUANTO A AUTENTICIDADE DA ASSINATURA – NÃO APRESENTAÇÃO DO CONTRATO ORIGINAL PARA A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA GRAFOTÉCNICA POR PARTE DO FORNECEDOR DO SERVIÇO – FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – DÉBITO DECLARADO INEXIGÍVEL – DANO MORAL CARACTERIZADO – QUANTUM REDUZIDO – PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. O ônus da prova acerca da existência de débito é de responsabilidade do fornecedor, a teor do disposto no art. 14, § 3º, I e II, do CDC. No mesmo seguimento, o artigo 373 do CPC prevê a distribuição da carga de responsabilidade sobre as provas a serem produzidas no processo pelas partes, e o inciso II desse dispositivo legal determina ser do réu a incumbência de demonstrar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Na hipótese dos autos, conforme bem consignado pelo Juízo a quo, apesar de a parte requerida juntar aos autos o contrato com a suposta assinatura da parte autora, verifica-se que esta foi devidamente impugnada pela parte autora e o banco não apresentou o documento necessário para a verificação da autenticidade da assinatura. Encontram-se presentes o ato ilícito, o nexo causal e o dano (presumido) que impõe à instituição bancária o dever reparatório. Os danos morais devem ser fixados no valor que atende ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade. Grifo nosso (N.U 0000977-52.2014.8.11.0023, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 27/11/2024, Publicado no DJE 29/11/2024) Com tais considerações, embora o requerido alegue a licitude de sua conduta, a mesma é reprovável e constitui falha na prestação do serviço. Assim, a situação conduz ao reconhecimento da ilegalidade da contratação do empréstimo e, por consequência a inexistência de relação jurídica referente ao contrato de empréstimo n. 590310165 e seus respectivos descontos junto à Previdência. No que concerne às parcelas debitadas no benefício da parte Autora, entendo que as mesmas devem ser devolvidas na forma dobrada, ante a inexistência de prova da contratação. Além disso, como a nulidade aqui decretada deve importar no restabelecimento do status quo ante, entendo que, a parte autora está obrigada a devolver o valor utilizado através do empréstimo, sob pena de locupletamento ilícito. Restando comprovada a existência de descontos indevidos em seu benefício previdenciário, deve ser reconhecido dano à personalidade com consequente dever de indenizar in re ipsa (TJMT - N.U 1024880-18.2021.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 14/12/2022, Publicado no DJE 16/12/2022). A indenização, não há dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível e a possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória e, de outro lado, exercer função de desestímulo a novas práticas lesivas, de modo a inibir comportamentos antissociais do lesante, ou de qualquer outro membro da sociedade, traduzindo-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo. No caso em apreço, fixa-se a indenização em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em virtude dos danos sofridos pelo desconto indevido de margem consignável de benefício previdenciário. Por fim, a compensação dos danos com eventuais valores recebidos e utilizados pela autora é medida que se impõe, para evitar o enriquecimento sem causa. (...)” (sic) Ambas as partes apelam. A instituição financeira almeja desconstituir a sentença para julgar totalmente improcedentes os pedidos da inicial, e alternativamente, caso mantida a indenização, requer a redução do valor da indenização, autorização para compensação dos valores e alteração do índice de correção. Por sua vez, a parte autora insurge-se quanto ao valor arbitrado a título de dano moral, requerendo a sua majoração. Pois bem. Considerando a relação jurídica travada entre as partes, cumpre salientar que, a toda evidência, está sob a égide das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que se vislumbra, com precisão, a presença das figuras do consumidor e do fornecedor, tal como disposto nos artigos 2º e 3º da Lei Consumerista. Na sistemática do CDC, o ônus probatório acerca da existência do débito recai sobre o fornecedor, nos termos do art. 14, § 3º, I e II, que estabelece: “Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (...) § 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.” Por seu turno, o artigo 373 do Código de Processo Civil disciplina a distribuição do ônus da prova entre as partes, incumbindo, nos termos do inciso II, ao réu demonstrar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Nas ações ação declaratória de nulidade a própria natureza da demanda impõe ao réu a obrigação de demonstrar a origem e licitude da cobrança, não sendo exigível à parte autora a produção de prova negativa quanto à justa causa do débito impugnado. No caso concreto, observo que, conforme destacado na r. sentença de primeiro grau, embora a parte requerida tenha juntado aos autos cópia do contrato supostamente assinado pela autora, tal assinatura foi devidamente impugnada, cabendo, portanto, à instituição financeira a juntada do documento original para viabilizar a realização de perícia técnica. Contudo, não tendo o banco apresentado o original do instrumento, restou inviabilizada a produção da prova pericial que poderia dirimir a controvérsia quanto à autenticidade do contrato. Assim, restando ao requerido o ônus de comprovar a regularidade da contratação e da cobrança, e não o tendo feito de forma cabal, reconhece-se a irregularidade dos descontos efetivados, conforme já declarado pelo juízo a quo, nos termos do artigo 373, inciso II, do CPC. Prosseguindo, quanto à majoração dos danos morais, é verdade que a indenização não tem o objetivo de reparar a dor, mas de compensá-la de alguma forma, minimizando os sofrimentos dos beneficiários, devendo o julgador, ao fixar o quantum, agir com cautela e bom senso, observando as condições financeiras do condenado e da vítima, bem como a dupla finalidade da reparação, buscando propiciar às vítimas uma satisfação, sem que isso represente um enriquecimento sem causa, não se afastando, contudo, do caráter repressivo e pedagógico a ela inerente. Cabe, pois, ao Julgador dosar a indenização de maneira que, suportada pelo patrimônio do devedor, consiga no propósito educativo da pena, inibí-lo de novos atos lesivos, por sentir a gravidade e o peso da condenação; de outro lado a vítima, pelo grau de participação no círculo social e pela extensão do dano suportado, deve sentir-se razoável e proporcionalmente ressarcida. In casu, entendo que o valor fixado em primeiro grau - R$5.000,00 (cinco mil reais) merece ser majorado para R$10.000,00 (dez mil reais). A propósito, segue julgado desta Terceira Câmara de Direito Privado: “APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS NÃO CONTRATADOS – FRAUDE PERPETRADA POR TERCEIRO EVIDENCIADA – PERÍCIA GRAFOTÉCNICA REALIZADA - FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS – FORTUITO INTERNO – RESPONSABILIDADE DO BANCO (SÚMULA 479 DO STJ) – DANO MORAL CONFIGURADO – QUANTUM MAJORADO EM ATENÇÃO AOS PRINCIPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – TERMO DE INCIDÊNCIA DOS JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA MANTIDO - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA – RECURSO DA AUTORA PROVIDO – RECURSO DO REQUERIDO DESPROVIDO. As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias, nos termos da súmula 479, do STJ. A disponibilização, por parte do banco, de seus serviços aos clientes, gera o dever de cautela a fim de zelar pelas informações dos consumidores, visando, inclusive, impedir fraudes. Comprovada a falha na prestação do serviço bancário, em razão da realização da perícia grafotécnica, a instituição financeira responde objetivamente por todos os prejuízos causados ao cliente, ainda que proveniente de fraude de terceiro, cabendo o pagamento de indenização por danos morais, desde que atenda o caráter punitivo e pedagógico da condenação, sem, contudo, causar enriquecimento ilícito à parte adversa, sendo que no caso, cabível a majoração do quantum indenizatório. Nas relações extracontratuais, os juros devem incidir a partir do evento danoso, segundo a Súmula 54 do STJ, enquanto que a correção monetária figura desde a data do arbitramento, consoante Súmula 362 do STJ.” (N.U 1005879-30.2021.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 03/07/2024, Publicado no DJE 06/07/2024) Outrossim, a parte demandada recorrente requer que sobre o valor da indenização por danos morais, incida a correção monetária e juros pela taxa SELIC. Nos casos de responsabilidade extracontratual, como sói a hipótese, a estipulação dos juros deve incidir pela aplicação da Selic (art. 406, § 1º, do CC), a partir do evento danoso, e correção monetária pelo IPCA (artigo 389, § único, do CC), desde a data do arbitramento, de modo que cabe reparos na sentença tão somente para adequação dos índices. Sobre essa matéria, segue entendimento desta Câmara de Direito Privado: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. ENCARGOS CONTRATUAIS. INCIDÊNCIA ATÉ O EFETIVO PAGAMENTO. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC NOS TERMOS DA LEI N. 14.905/2024. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Apelação interposta contra sentença que julgou procedente ação monitória. A sentença constituiu de pleno direito o título apresentado, determinando a aplicação dos encargos contratuais até o efetivo pagamento e, na ausência de índice de correção pactuado, a correção monetária pelo IPCA e juros pela taxa Selic. II. Questão em discussão Há duas questões em discussão: (i) a possibilidade de os encargos contratuais incidirem até o pagamento efetivo do débito, mesmo após o ajuizamento da ação monitória; e (ii) a aplicação dos índices de atualização monetária e juros com base na taxa Selic, conforme alteração legislativa promovida pela Lei n. 14.905/2024. III. Razões de decidir A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou-se no sentido de que os encargos contratuais permanecem vigentes até o pagamento efetivo do débito, não se limitando ao momento do ajuizamento da ação monitória. A nova redação dos artigos 389 e 406 do Código Civil, introduzida pela Lei n. 14.905/2024, estabelece que, quando não houver convenção entre as partes, a atualização monetária será feita pelo IPCA e os juros de mora serão calculados pela taxa Selic, que já inclui atualização e juros. Entretanto, no presente caso, a aplicação desses índices legais depende da ausência de previsão contratual específica, não sendo aplicáveis quando há convenção expressa sobre encargos contratuais em contrato bancário. O recurso, não demonstrando a inexistência de pacto contratual, não reúne fundamentos para reforma da sentença, que se mantém em conformidade com a legislação vigente e os precedentes jurisprudenciais. IV. Dispositivo e tese Recurso desprovido. Tese de julgamento: “Os encargos contratuais incidem até o efetivo pagamento do débito, salvo previsão contratual em contrário. Em contratos civis sem convenção sobre atualização monetária e juros, aplicam-se o IPCA para correção monetária e a taxa Selic para juros, conforme a Lei n. 14.905/2024.” Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 702, §2º, 85, §11, e 98, §3º; CC, arts. 389, parágrafo único, e 406; Lei n. 14.905/2024. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.795.982/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Corte Especial, j. 21.08.2024; STJ, Súmula 296; TJMT, RAC n. 1033945-25.2018.8.11.0041, Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges, j. 23.06.2021.” (N.U 1013062-47.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 12/02/2025, Publicado no DJE 15/02/2025) Por fim, a parte instituição bancária requer a compensação dos valores, vez que transferiu valores para a conta da parte autora, sendo que, quanto a esse ponto, assiste razão à instituição bancária, vez que houve a comprovação da transferência de valores na conta da parte autora (Id. 279125902), no valor de R$1.456,51 (mil, quatrocentos e cinquenta e seis reais e cinquenta e um centavos), sob pena de enriquecimento ilícito, a ser realizado em sede de liquidação de sentença. Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO A AMBOS RECURSOS, para reformar em parte a sentença de piso, para: 1) majorar o quantum indenizatório para o valor de R$10.000,00 (dez mil reais); 2) determinar a compensação dos valores recebidos pela parte autora, em sede de liquidação de sentença; e 3) determinar que sobre as condenações por danos morais e materiais seja aplicada a Lei nº. 14.905/2024, com a correção monetária pelo IPCA, enquanto os juros de mora devem ser calculados pela taxa SELIC, descontados o IPCA com a repetição do indébito na forma simples, mantendo a sentença vergastada nos demais termos. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 11/06/2025

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ID: 300019493

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1000177-95.2019.8.11.0034

Data de Disponibilização: 16/06/2025

Polo Ativo:

BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. ERENY DAS VIRGENS

Polo Passivo:

BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. ERENY DAS VIRGENS

Acórdão

Advogados:

RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA

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MAURICIO SANTOS DAS VIRGENS

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000177-95.2019.8.11.0034 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Empréstimo consignado] Relator: Des(a). ANTONI… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000177-95.2019.8.11.0034 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Empréstimo consignado] Relator: Des(a). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES Turma Julgadora: [DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). DIRCEU DOS SANTOS] Parte(s): [ERENY DAS VIRGENS - CPF: 314.711.451-15 (APELADO), MAURICIO SANTOS DAS VIRGENS - CPF: 036.648.381-14 (ADVOGADO), BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. - CNPJ: 33.885.724/0001-19 (APELANTE), BERNARDO RODRIGUES DE OLIVEIRA CASTRO - CPF: 966.587.381-49 (ADVOGADO), BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. - CNPJ: 33.885.724/0001-19 (REPRESENTANTE), RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA - CPF: 444.850.181-72 (ADVOGADO), ERENY DAS VIRGENS - CPF: 314.711.451-15 (APELANTE), MAURICIO SANTOS DAS VIRGENS - CPF: 036.648.381-14 (ADVOGADO), BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. - CNPJ: 33.885.724/0001-19 (APELADO), RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA - CPF: 444.850.181-72 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, AMBOS RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS E M E N T A APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO/RELAÇÃO JURÍDICA CONTRATUAL C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – DESCONTOS REALIZADOS NA CONTA DA AUTORA – DESCONTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO – NEGATIVA DE CONTRATAÇÃO – IMPUGNAÇÃO DA ASSINATURA – PROVA GRAFOTÉCNICA DEFERIDA E NÃO PRODUZIDA POR DESINTERESSE DO RÉU – ÔNUS DA PROVA – TEMA 1.061/STJ – NÃO COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO – DESCONTOS INDEVIDOS – DANO MORAL CONFIGURADO – QUANTUM INDENIZATÓRIO – MAJORAÇÃO NECESSÁRIA – ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA – JUROS COM APLICAÇÃO DA TAXA SELIC E CORREÇÃO MONETÁRIA PELO IPCA – LEI Nº 14.905/2024 – RESTITUIÇÃO DOS VALORES – INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ – REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES – MANUTENÇÃO – COMPENSAÇÃO DE VALORES DEVIDA – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE – RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS. Nos termos do Tema Repetitivo nº 1.061/STJ, impugnada pelo consumidor a autenticidade da assinatura aposta no contrato bancário apresentado, incumbe à instituição financeira o ônus de comprovar sua autenticidade. Hipótese em que, embora deferida a produção da prova pericial grafotécnica, a instituição financeira não se desincumbindo do ônus probatório que lhe incumbia. Descontos efetuados diretamente no benefício previdenciário da autora, sem comprovação de contratação válida, autorizam a restituição dos valores e ensejam indenização por danos morais. Comprovada a falha na prestação do serviço bancário, a instituição financeira responde objetivamente por todos os prejuízos causados ao cliente, ainda que proveniente de fraude de terceiro, cabendo o pagamento de indenização por danos morais, desde que atenda o caráter punitivo e pedagógico da condenação, sem, contudo, causar enriquecimento ilícito à parte adversa, devendo, no caso concreto, ser retificada a sentença, para majorar o quantum indenizatório. Não demonstrada à existência de má-fé por parte do banco-credor, inviável a condenação pela repetição do indébito em dobro. Inteligência do artigo 42 do CDC. Nos casos de responsabilidade extracontratual a estipulação dos juros deve incidir pela aplicação da Selic (art. 406, § 1º, do CC), a partir do evento danoso, e correção monetária pelo IPCA (artigo 389, § único, do CC), desde a data do arbitramento. Quanto ao pleito de compensação de valores, constata-se que este é devido, devendo ser apurado em liquidação de sentença. TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO APELAÇÃO CÍVEL Nº 1000177-95.2019.8.11.0034 APELANTES: BANCO ITAU CONSIGNADO S/A E ERENY DAS VIRGENS APELADOS: OS MESMOS RELATÓRIO EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Trata-se de recursos de apelação interpostos, sucessivamente, pelo BANCO ITAU CONSIGNADO S/A (requerido) e ERENY DAS VIRGENS (requerente), contra sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Dom Aquino/MT, Dr. Pedro Flory Diniz Nogueira, lançada nos autos da ação declaratória de nulidade cumulada com pedido de danos morais e repetição de indébito, que julgou procedentes os pedidos iniciais nos seguintes termos: “(i) DECLARAR inexistente a relação jurídica concernente ao contrato n. 590310165; (ii) CONDENAR a parte requerida a restituir em dobro os valores descontados do benefício da parte Autora, visto que o empréstimo devido teve seu último desconto este mês (janeiro/2025), acrescidos de correção pelo INPC desde a sua ocorrência e de juros de mora de 1% ao mês desde o ajuizamento da ação; (iii) CONDENAR o réu ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com correção monetária contada a partir do arbitramento (súmula 362 STJ), e juros contados da citação; (iv) DETERMINAR a compensação dos danos (morais e materiais) com os valores recebidos e utilizados pela autora, com correção monetária pelo INPC, a partir de cada desembolso (súmula 43 do STJ) e juros de mora de 1% ao mês a contar da citação (art. 405, do CC), desde que, devidamente comprovados. Na hipótese de o resultado das operações gerar saldo negativo ao autor, deverá a parte ré realizar a cobrança por meio de ação própria” (sic). O banco apelante requer a reforma integral da sentença prolatada em primeiro grau, sustentando a ausência de respaldo fático, probatório ou jurídico para os fundamentos da decisão que declarou a inexistência da contratação. Afirma que o magistrado de piso desvirtuou o entendimento fixado no Tema 1.061 do Superior Tribunal de Justiça, ao impor a perícia grafotécnica como único meio de prova da autenticidade da assinatura, desconsiderando outros meios legais e moralmente legítimos já apresentados nos autos, tais como o contrato assinado, o comprovante de transferência via TED e o documento pessoal da parte apelada, evidências que, em seu entender, demonstram a regularidade da contratação. Argumenta que o Juízo deveria ter determinado a perícia se a considerasse indispensável, em prestígio à vedação de decisão surpresa e ao livre convencimento motivado, garantindo a paridade de tratamento entre as partes, conforme o artigo 139, I do CPC; alegando que a regra do ônus da prova no Tema 1.061 do STJ não afasta a necessidade de a parte autora provar minimamente o fato constitutivo de seu direito e rebater as provas da instituição financeira, sob pena de violação aos artigos 373, I e II, do CPC e 6º, VIII, do CDC. Assevera que o empréstimo consignado, como contrato de mútuo, aperfeiçoa-se pela tradição do valor, e a prova do repasse do montante à parte autora é crucial para a legitimidade dos descontos, prova esta que a instituição apelante alega ter produzido, citando a disponibilização dos valores na conta da autora via TED/DOC na conta 5238-8, agência 2029 do Banco do Brasil. Alega a inexistência de danos materiais e a ausência de requisitos para a restituição em dobro, uma vez que a má-fé da instituição financeira não foi demonstrada, o que é um pressuposto para tal condenação, e que a decisão recorrida violou o art. 489, § 1º, incisos V e VI, do CPC e o art. 927, § 3º, do mesmo diploma legal, ao desconsiderar a modulação dos efeitos da tese firmada no EAREsp nº 676.608/RS, que restringe a dispensa da análise da má-fé para cobranças realizadas a partir de 30/03/2021. Sustenta a inexistência de danos morais, pois a conduta do banco apelante decorreu do regular exercício de direito (art. 188, I, CC), com contratação regular e valores devidos, e, subsidiariamente, no tocante aos juros de mora, que estes deveriam incidir a partir do arbitramento do valor do dano moral, e não da citação, por ser este o momento em que o valor se torna determinado, citando o REsp 903.258/RS e precedentes dos Tribunais de Justiça, e, subsidiariamente, quanto à atualização monetária, requer a aplicação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e taxa legal, em conformidade com a Lei nº. 14.905/24 (publicada em 01/07/2024 com entrada em vigor a partir de 01/09/2024), que altera os artigos 389 e 406 do Código Civil, sob pena de prejuízos ao apelante. A par destes argumentos, requer provimento à presente apelação, para a reforma da sentença apelada, julgando improcedente a demanda, com a inversão da sucumbência, segundo as razões aduzidas. Em caráter subsidiário, caso não se entenda estar o feito pronto ao julgamento, com a prova documental já produzida em Primeiro Grau, faz-se mister a anulação da sentença proferida, para que sejam produzidas as provas legais e moralmente legítimas para a demonstração da regularidade dos descontos, em prestígio aos artigos 7º, 139 I, 369, 370, 371, 373, I e II, todos do CPC, além do artigo 6º, VIII, do CDC. Ainda em caráter subsidiário, acaso mantida a condenação em danos morais, requer a reforma na fixação do valor, para que se atendam aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Adicionalmente em caráter subsidiário, caso mantida a condenação, requer seja reformada a sentença para que os juros de mora sejam computados a partir do arbitramento do valor do dano moral. Outrossim, em caráter subsidiário e caso mantida a condenação, requer a aplicação do índice de correção monetária pelo IPCA. Por sua vez, a autora apelante interpõe apelo visando apenas à majoração do valor arbitrado de reparação dos danos morais sofridos e que não seja inferior a R$10.000,00 (dez reais), dado a condição financeira do apelado (Id. 285492927). Ambos apresentaram as contrarrazões (Ids. 285492931 e 285492933). A autora é beneficiária da assistência judiciária (Id. 88961998) e o requerido comprovou o recolhimento do preparo (Id. 285599893). É o relatório. VOTO EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Ressai dos autos que ERENY DAS VIRGENS ajuizou ação declaratória de Nulidade cumulada com Pedido de Danos Morais e Repetição de Indébito em desfavor do BANCO ITAU CONSIGNADO S/A, visando desconstituir o empréstimo consignado efetivado em 17/01/2019, no valor de R$1.892,72 (mil, oitocentos e noventa e dois reais e setenta e dois centavos), para ser pago em 72 parcelas de R$53,28 (cinquenta e três reais e vinte e oito centavos), da qual desconhece ter contratado, embora o valor tenha sido creditado em sua conta corrente. Denota-se da inicial que o empréstimo foi contratado em 17/01/2019, e logo no mês seguinte, a autora se deslocou até a Instituição Financeira demandada, informando o equívoco, razão pela qual lavrou um Boletim de Ocorrência em 14/02/2019 (Id. 88961995 - Pág. 1) e formalizou reclamação junto à ouvidoria do banco (Id. 88961996 - Pág. 1). A respectiva ação foi ajuizada em 16/04/2019 (Id. 88961990 - Pág. 1), solicitando, liminarmente, a suspensão das referidas cobranças, no entanto, a tutela de urgência foi indeferida. O requerido em sua defesa aduziu que a avença é válida, conforme contrato formalizado entre as partes (Id. 88962013 - Pág. 8) e documento que comprova a liberação do valor em conta – TED (Id. 88962011 - Pág. 1). Na impugnação à contestação, a requerente aduz que a assinatura formalizada no contrato é falsa, ressaltando que apenas a última folha do contrato está chancelada. Aduziu ainda que nunca esteve na cidade do Rio de Janeiro, e na qualificação do cliente o número de telefone e sexo não correspondem com as suas informações pessoais (Id. 88962018). Posteriormente, sobreveio à sentença, em que o magistrado de primeiro grau, entendendo que o feito comportava julgamento antecipado da lide, julgou improcedentes os pedidos da inicial, asseverando que a assinatura lavrada no contrato se assemelha a da autora, não se verificando, em princípio, indícios de falsificação. A autora interpôs recurso de apelação que foi dado PROVIMENTO, para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à instância singular para instrução processual, com a devida produção da prova pericial grafotécnica. Retornando os autos à origem, foi determinada a realização de perícia grafotécnica e o requerido foi intimado por duas oportunidades para trazer ao processo os documentos de contrato original para a realização do laudo, o que não foi feito até o momento, seguindo-se da prolação de nova sentença em que o julgamento monocrático julgou procedentes os pedidos inaugurais. Colaciono trecho da sentença exarada no juízo a quo: “(...) Determinada a realização de perícia grafotécnica, o requerido foi intimado por duas oportunidades para trazer ao processo os documentos de contrato original para a realização do laudo, o que não foi feito até o momento. Vieram os autos conclusos. É o relato do essencial. Fundamento e decido. Inexistindo preliminares e consignando que a inversão do ônus da prova já restou deferida em momento de recebimento da inicial, PASSO à análise do mérito. Cinge-se a controvérsia sobre a validade da negativação promovida pela instituição bancária ora requerida. Enquanto a parte autora afirma que não efetuou nenhuma assinatura, compareceu a parte demandada para relatar que a dívida é oriunda de inadimplemento decorrente de contrato válido, devidamente assinado pela autora. A autora, por sua vez, impugnou a veracidade da assinatura do contrato requerendo perícia grafotécnica para elucidação dos fatos. A requerida, intimada em mais de uma oportunidade para trazer ao processo o contrato original, da forma requerida pelo perito, deixou de cumprir com o ônus probatório que lhe competia. A demanda deve ser julgada parcialmente procedente. Explico. É certo que o consumidor se encontra protegido, além da lei civil, pelo Código de Defesa do Consumidor que veio ao nosso ordenamento jurídico para suprir a hipossuficiência. Por isto e também por atender a previsão contida no artigo 5º, inciso XXXII da Constituição Federal, tem-se que se tratam de normas públicas e de interesse social. Além disso, a responsabilidade da parte requerida, enquanto integrante da cadeia de consumo, possui natureza objetiva consoante artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Deste modo, atentando-se também a inversão do ônus da prova, basta ao consumidor a demonstração de elementos mínimos de ato ilícito, dano e nexo de causalidade. A parte autora comprovou nos autos que sofre descontos de R$ 53,28 (cinquenta e três reais e vinte e oito centavos) em seu benefício previdenciário em decorrência do contrato n. 590310165. Por se tratar de parte hipossuficiente, caberia ao requerido a demonstração da licitude da restrição. Ocorre que em sede de contestação se limitou a juntar contrato bancário digitalizado sem, todavia apresentar a via original para a realização de perícia grafotécnica, conforme ordem do juízo. Visando o convencimento sobre a validade da operação, deveria ter juntado a via original do contrato de empréstimo para ser periciado para comprovar a existência de negócio jurídico firmado com o autor, sem qualquer vício de fraude. Neste sentido, eis o entendimento jurisprudencial: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER E REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS – REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO NÃO DEMONSTRADA – IMPUGNAÇÃO DA ASSINATURA PELA PARTE AUTORA – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO PELO BANCO REQUERIDO QUANTO A AUTENTICIDADE DA ASSINATURA – NÃO APRESENTAÇÃO DO CONTRATO ORIGINAL PARA A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA GRAFOTÉCNICA POR PARTE DO FORNECEDOR DO SERVIÇO – FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – DÉBITO DECLARADO INEXIGÍVEL – DANO MORAL CARACTERIZADO – QUANTUM REDUZIDO – PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. O ônus da prova acerca da existência de débito é de responsabilidade do fornecedor, a teor do disposto no art. 14, § 3º, I e II, do CDC. No mesmo seguimento, o artigo 373 do CPC prevê a distribuição da carga de responsabilidade sobre as provas a serem produzidas no processo pelas partes, e o inciso II desse dispositivo legal determina ser do réu a incumbência de demonstrar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Na hipótese dos autos, conforme bem consignado pelo Juízo a quo, apesar de a parte requerida juntar aos autos o contrato com a suposta assinatura da parte autora, verifica-se que esta foi devidamente impugnada pela parte autora e o banco não apresentou o documento necessário para a verificação da autenticidade da assinatura. Encontram-se presentes o ato ilícito, o nexo causal e o dano (presumido) que impõe à instituição bancária o dever reparatório. Os danos morais devem ser fixados no valor que atende ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade. Grifo nosso (N.U 0000977-52.2014.8.11.0023, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 27/11/2024, Publicado no DJE 29/11/2024) Com tais considerações, embora o requerido alegue a licitude de sua conduta, a mesma é reprovável e constitui falha na prestação do serviço. Assim, a situação conduz ao reconhecimento da ilegalidade da contratação do empréstimo e, por consequência a inexistência de relação jurídica referente ao contrato de empréstimo n. 590310165 e seus respectivos descontos junto à Previdência. No que concerne às parcelas debitadas no benefício da parte Autora, entendo que as mesmas devem ser devolvidas na forma dobrada, ante a inexistência de prova da contratação. Além disso, como a nulidade aqui decretada deve importar no restabelecimento do status quo ante, entendo que, a parte autora está obrigada a devolver o valor utilizado através do empréstimo, sob pena de locupletamento ilícito. Restando comprovada a existência de descontos indevidos em seu benefício previdenciário, deve ser reconhecido dano à personalidade com consequente dever de indenizar in re ipsa (TJMT - N.U 1024880-18.2021.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 14/12/2022, Publicado no DJE 16/12/2022). A indenização, não há dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível e a possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória e, de outro lado, exercer função de desestímulo a novas práticas lesivas, de modo a inibir comportamentos antissociais do lesante, ou de qualquer outro membro da sociedade, traduzindo-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo. No caso em apreço, fixa-se a indenização em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em virtude dos danos sofridos pelo desconto indevido de margem consignável de benefício previdenciário. Por fim, a compensação dos danos com eventuais valores recebidos e utilizados pela autora é medida que se impõe, para evitar o enriquecimento sem causa. (...)” (sic) Ambas as partes apelam. A instituição financeira almeja desconstituir a sentença para julgar totalmente improcedentes os pedidos da inicial, e alternativamente, caso mantida a indenização, requer a redução do valor da indenização, autorização para compensação dos valores e alteração do índice de correção. Por sua vez, a parte autora insurge-se quanto ao valor arbitrado a título de dano moral, requerendo a sua majoração. Pois bem. Considerando a relação jurídica travada entre as partes, cumpre salientar que, a toda evidência, está sob a égide das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que se vislumbra, com precisão, a presença das figuras do consumidor e do fornecedor, tal como disposto nos artigos 2º e 3º da Lei Consumerista. Na sistemática do CDC, o ônus probatório acerca da existência do débito recai sobre o fornecedor, nos termos do art. 14, § 3º, I e II, que estabelece: “Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (...) § 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.” Por seu turno, o artigo 373 do Código de Processo Civil disciplina a distribuição do ônus da prova entre as partes, incumbindo, nos termos do inciso II, ao réu demonstrar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Nas ações ação declaratória de nulidade a própria natureza da demanda impõe ao réu a obrigação de demonstrar a origem e licitude da cobrança, não sendo exigível à parte autora a produção de prova negativa quanto à justa causa do débito impugnado. No caso concreto, observo que, conforme destacado na r. sentença de primeiro grau, embora a parte requerida tenha juntado aos autos cópia do contrato supostamente assinado pela autora, tal assinatura foi devidamente impugnada, cabendo, portanto, à instituição financeira a juntada do documento original para viabilizar a realização de perícia técnica. Contudo, não tendo o banco apresentado o original do instrumento, restou inviabilizada a produção da prova pericial que poderia dirimir a controvérsia quanto à autenticidade do contrato. Assim, restando ao requerido o ônus de comprovar a regularidade da contratação e da cobrança, e não o tendo feito de forma cabal, reconhece-se a irregularidade dos descontos efetivados, conforme já declarado pelo juízo a quo, nos termos do artigo 373, inciso II, do CPC. Prosseguindo, quanto à majoração dos danos morais, é verdade que a indenização não tem o objetivo de reparar a dor, mas de compensá-la de alguma forma, minimizando os sofrimentos dos beneficiários, devendo o julgador, ao fixar o quantum, agir com cautela e bom senso, observando as condições financeiras do condenado e da vítima, bem como a dupla finalidade da reparação, buscando propiciar às vítimas uma satisfação, sem que isso represente um enriquecimento sem causa, não se afastando, contudo, do caráter repressivo e pedagógico a ela inerente. Cabe, pois, ao Julgador dosar a indenização de maneira que, suportada pelo patrimônio do devedor, consiga no propósito educativo da pena, inibí-lo de novos atos lesivos, por sentir a gravidade e o peso da condenação; de outro lado a vítima, pelo grau de participação no círculo social e pela extensão do dano suportado, deve sentir-se razoável e proporcionalmente ressarcida. In casu, entendo que o valor fixado em primeiro grau - R$5.000,00 (cinco mil reais) merece ser majorado para R$10.000,00 (dez mil reais). A propósito, segue julgado desta Terceira Câmara de Direito Privado: “APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS NÃO CONTRATADOS – FRAUDE PERPETRADA POR TERCEIRO EVIDENCIADA – PERÍCIA GRAFOTÉCNICA REALIZADA - FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS – FORTUITO INTERNO – RESPONSABILIDADE DO BANCO (SÚMULA 479 DO STJ) – DANO MORAL CONFIGURADO – QUANTUM MAJORADO EM ATENÇÃO AOS PRINCIPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – TERMO DE INCIDÊNCIA DOS JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA MANTIDO - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA – RECURSO DA AUTORA PROVIDO – RECURSO DO REQUERIDO DESPROVIDO. As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias, nos termos da súmula 479, do STJ. A disponibilização, por parte do banco, de seus serviços aos clientes, gera o dever de cautela a fim de zelar pelas informações dos consumidores, visando, inclusive, impedir fraudes. Comprovada a falha na prestação do serviço bancário, em razão da realização da perícia grafotécnica, a instituição financeira responde objetivamente por todos os prejuízos causados ao cliente, ainda que proveniente de fraude de terceiro, cabendo o pagamento de indenização por danos morais, desde que atenda o caráter punitivo e pedagógico da condenação, sem, contudo, causar enriquecimento ilícito à parte adversa, sendo que no caso, cabível a majoração do quantum indenizatório. Nas relações extracontratuais, os juros devem incidir a partir do evento danoso, segundo a Súmula 54 do STJ, enquanto que a correção monetária figura desde a data do arbitramento, consoante Súmula 362 do STJ.” (N.U 1005879-30.2021.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 03/07/2024, Publicado no DJE 06/07/2024) Outrossim, a parte demandada recorrente requer que sobre o valor da indenização por danos morais, incida a correção monetária e juros pela taxa SELIC. Nos casos de responsabilidade extracontratual, como sói a hipótese, a estipulação dos juros deve incidir pela aplicação da Selic (art. 406, § 1º, do CC), a partir do evento danoso, e correção monetária pelo IPCA (artigo 389, § único, do CC), desde a data do arbitramento, de modo que cabe reparos na sentença tão somente para adequação dos índices. Sobre essa matéria, segue entendimento desta Câmara de Direito Privado: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. ENCARGOS CONTRATUAIS. INCIDÊNCIA ATÉ O EFETIVO PAGAMENTO. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC NOS TERMOS DA LEI N. 14.905/2024. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Apelação interposta contra sentença que julgou procedente ação monitória. A sentença constituiu de pleno direito o título apresentado, determinando a aplicação dos encargos contratuais até o efetivo pagamento e, na ausência de índice de correção pactuado, a correção monetária pelo IPCA e juros pela taxa Selic. II. Questão em discussão Há duas questões em discussão: (i) a possibilidade de os encargos contratuais incidirem até o pagamento efetivo do débito, mesmo após o ajuizamento da ação monitória; e (ii) a aplicação dos índices de atualização monetária e juros com base na taxa Selic, conforme alteração legislativa promovida pela Lei n. 14.905/2024. III. Razões de decidir A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou-se no sentido de que os encargos contratuais permanecem vigentes até o pagamento efetivo do débito, não se limitando ao momento do ajuizamento da ação monitória. A nova redação dos artigos 389 e 406 do Código Civil, introduzida pela Lei n. 14.905/2024, estabelece que, quando não houver convenção entre as partes, a atualização monetária será feita pelo IPCA e os juros de mora serão calculados pela taxa Selic, que já inclui atualização e juros. Entretanto, no presente caso, a aplicação desses índices legais depende da ausência de previsão contratual específica, não sendo aplicáveis quando há convenção expressa sobre encargos contratuais em contrato bancário. O recurso, não demonstrando a inexistência de pacto contratual, não reúne fundamentos para reforma da sentença, que se mantém em conformidade com a legislação vigente e os precedentes jurisprudenciais. IV. Dispositivo e tese Recurso desprovido. Tese de julgamento: “Os encargos contratuais incidem até o efetivo pagamento do débito, salvo previsão contratual em contrário. Em contratos civis sem convenção sobre atualização monetária e juros, aplicam-se o IPCA para correção monetária e a taxa Selic para juros, conforme a Lei n. 14.905/2024.” Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 702, §2º, 85, §11, e 98, §3º; CC, arts. 389, parágrafo único, e 406; Lei n. 14.905/2024. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.795.982/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Corte Especial, j. 21.08.2024; STJ, Súmula 296; TJMT, RAC n. 1033945-25.2018.8.11.0041, Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges, j. 23.06.2021.” (N.U 1013062-47.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 12/02/2025, Publicado no DJE 15/02/2025) Por fim, a parte instituição bancária requer a compensação dos valores, vez que transferiu valores para a conta da parte autora, sendo que, quanto a esse ponto, assiste razão à instituição bancária, vez que houve a comprovação da transferência de valores na conta da parte autora (Id. 279125902), no valor de R$1.456,51 (mil, quatrocentos e cinquenta e seis reais e cinquenta e um centavos), sob pena de enriquecimento ilícito, a ser realizado em sede de liquidação de sentença. Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO A AMBOS RECURSOS, para reformar em parte a sentença de piso, para: 1) majorar o quantum indenizatório para o valor de R$10.000,00 (dez mil reais); 2) determinar a compensação dos valores recebidos pela parte autora, em sede de liquidação de sentença; e 3) determinar que sobre as condenações por danos morais e materiais seja aplicada a Lei nº. 14.905/2024, com a correção monetária pelo IPCA, enquanto os juros de mora devem ser calculados pela taxa SELIC, descontados o IPCA com a repetição do indébito na forma simples, mantendo a sentença vergastada nos demais termos. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 11/06/2025

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Processo nº 5377246-60.2022.8.09.0051

ID: 323022659

Tribunal: TJGO Órgão: Goiânia - 5ª UPJ Varas Cíveis: 12ª, 20ª, 21ª, 22ª, 23ª e 25ª Classe: USUCAPIãO Nº Processo: 5377246-60.2022.8.09.0051

Data de Disponibilização: 11/07/2025

Polo Ativo:

JOVALCYR DE OLIVEIRA SANTOS

Polo Passivo:

Sentença

Advogados:

MATHEUS CARNEIRO BORGES CALIL

OAB/GO XXXXXX Desbloquear

Poder Judiciário Comarca de Goiânia Gabinete do Juiz da 21ª Vara Cível Telejudiciario (62) 3216-2070, Fórum Cível: 62-3018-6000, 5ª UPJ das Varas Cíveis (62) 3018-6456 e (62) 3018-6457, WhatsApp … Poder Judiciário Comarca de Goiânia Gabinete do Juiz da 21ª Vara Cível Telejudiciario (62) 3216-2070, Fórum Cível: 62-3018-6000, 5ª UPJ das Varas Cíveis (62) 3018-6456 e (62) 3018-6457, WhatsApp 5ª UPJ: (62) 3018-6455 E-mail 5ª UPJ: 5upj.civelgyn@tjgo.jus.br, Gabinete Virtual: gab21varacivel@tjgo.jus.br, WhatsApp Gabinete 21ª: (62) 3018-6472 Endereço: (Edificio Forum Civel) Avenida Olinda, Esquina com Rua PL-03, Qd. G, Lt. 04, Park Lozandes, Cep: 74.884-120 - Goiânia - GO SENTENÇA Processo nº 5377246-60.2022.8.09.0051 I – RELATÓRIO. JOVALCYR DE OLIVEIRA SANTOS e ELIANA DE FATIMA FERREIRA DA SILVA E OLIVEIRA ajuizaram a presente AÇÃO DECLARATÓRIA DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA em face do ESPÓLIO DE JOSÉ DE OLIVEIRA SANTOS (representado por seus herdeiros JOSENIR DE OLIVEIRA SANTOS, JOSEINA DE OLIVEIRA SANTOS e NOEMI DA SILVA OLIVEIRA), com fundamento no artigo 1.238 do Código Civil. 1.1. DO HISTÓRICO PROCESSUAL . A presente demanda foi inicialmente distribuída em 28/06/2022, tendo sido atribuído à causa o valor de R$ 274.005,09. Os requerentes foram representados pelo advogado Matheus Carneiro Borges Calil. Inicialmente, a petição inicial apresentou algumas irregularidades formais, notadamente quanto à qualificação dos confinantes e à documentação referente ao imóvel. Em decisão primeva, o magistrado então atuante considerou a petição inicial inepta por não mencionar adequadamente o proprietário registral, não descrever os limites e confrontações a contento, não qualificar os confinantes e não vir instruída com a certidão atualizada do registro de imóveis. Após intimação para regularização e considerando insuficientes as providências adotadas pelos autores, o juízo extinguiu o processo sem resolução do mérito em 18/09/2023, com fundamento no art. 485, I e IV, do CPC. Irresignados, os autores opuseram embargos de declaração (27/09/2023), que foram rejeitados (20/10/2023), e, posteriormente, interpuseram recurso de apelação (21/11/2023). A Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás, por unanimidade, conheceu e deu provimento ao recurso em 20/05/2024, cassando a sentença extintiva e determinando o retorno dos autos à origem para o regular prosseguimento do feito. Em seu acórdão, o tribunal reconheceu que os apelantes haviam cumprido satisfatoriamente as ordens judiciais ao indicar a qualificação e endereço dos réus e de um confrontante, bem como ao juntar a certidão de transcrição, a planta e o memorial descritivo do imóvel. A Corte entendeu que o juízo de primeiro grau poderia determinar diligências complementares para sanar eventuais dúvidas sobre o imóvel ou confinantes, especialmente por se tratar de beneficiários da justiça gratuita, sendo prematura a extinção do processo. Após o retorno dos autos à origem em 24/06/2024, o juízo reconsiderou a exigência da certidão de matrícula do imóvel, aceitando que a alegação de inexistência de matrícula ou registro não seria óbice ao processamento da ação. Determinou-se então a citação do Espólio de José de Oliveira Santos por mandado, bem como dos eventuais proprietários e demais interessados incertos por edital, e dos confinantes por mandado, com notificação das Fazendas Públicas e do Ministério Público. 1.2. DO OBJETO DA DEMANDA E DA SITUAÇÃO FÁTICA. O imóvel objeto da lide situa-se na Rua Montes Claros, quadra 53, lote 19, Jardim Guanabara, Goiânia, Goiás, conforme descrição constante da certidão de transcrição nº 65.281, do 2º Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Goiânia, documento este anterior à Lei de Registros Públicos nº 6.015/1973. A controvérsia estabelecida envolve questão de alta complexidade jurídica sobre a natureza da relação possessória exercida pelos autores: se constitui posse ad usucapionem apta à prescrição aquisitiva da propriedade ou mera detenção derivada de comodato verbal, instituto incompatível com a usucapião por força do art. 1.208 do Código Civil. 1.3. DA PRETENSÃO AUTORAL. Os requerentes sustentaram exercer posse sobre o imóvel há mais de 34 anos, desde 1990, de forma mansa, pacífica, contínua, ininterrupta e com animus domini, tendo realizado investimentos significativos e benfeitorias exclusivas no bem. Afirmaram em sua petição inicial serem os "legítimos possuidores do imóvel há mais de 34 anos, desde o início, realizando inúmeros investimentos e benfeitorias de forma EXCLUSIVA e com 'alma de dono' (animus domini), como se fossem proprietários". Alegaram cumprir a função social da propriedade, arcando com todos os impostos incidentes e contas de consumo, conforme comprovam os documentos juntados aos autos, entre eles certidão de dados cadastrais do imóvel e certidão conjunta negativa de débitos imobiliários em nome de José de Oliveira Santos (CPF 013.935.291-00), atestando não constarem débitos vencidos ou a vencer de tributos imobiliários até 24/09/2022. Postularam o reconhecimento da usucapião extraordinária tanto na modalidade comum (15 anos - art. 1.238, caput, CC) quanto na modalidade com prazo reduzido (10 anos - art. 1.238, parágrafo único, CC), considerando que o imóvel serve de moradia habitual e possui obras/serviços de caráter produtivo. Instruíram a inicial com diversos documentos, incluindo a certidão de transcrição do imóvel, certidões de óbito do proprietário registral e de sua esposa, certidão de dados cadastrais do imóvel, certidão negativa de débitos imobiliários, certidões negativas de ações cíveis, bem como extratos bancários, contracheques, fotos de benfeitorias e declarações de imposto de renda comprovando hipossuficiência financeira. Em réplica à contestação (09/08/2024), os autores reiteraram a posse exclusiva, legítima, mansa, pacífica, ininterrupta e de boa-fé há 34 anos, com animus domini, cumprindo a função social da propriedade. Rejeitaram as alegações da contestação como "infundadas" e "desprovidas de veracidade", afirmando que a própria contestante (Joseina) tentou beneficiar-se no processo de inventário como curadora de seu pai, e insistindo que a vasta documentação nos autos comprova o direito à regularização do bem. A causa de pedir remota fundamenta-se na alegada posse qualificada iniciada em 1990, enquanto a causa de pedir próxima reside no preenchimento de todos os requisitos legais da usucapião extraordinária prevista no Código Civil. 1.4. DA RESISTÊNCIA OFERECIDA PELOS RÉUS. Regularmente citada, JOSEINA DE OLIVEIRA SANTOS ofereceu tempestiva contestação, requerendo preliminarmente a concessão da justiça gratuita e sustentando tese jurídica diametralmente oposta. A requerida alegou que: a) Natureza Jurídica da Relação: A ocupação do imóvel pelos autores decorreu de comodato verbal concedido pelos pais (José de Oliveira Santos e Zeina da Silva Santos) como presente de casamento, configurando mera detenção precária incompatível com usucapião; b) Ausência de Animus Domini: Os autores sempre tiveram consciência de que não eram proprietários, tendo manifestado no processo de inventário de Zeina da Silva Santos (nº 0165430-79.2016.8.09.0175) expectativa de aquisição por doação, circunstância frontalmente incompatível com a alegação de posse ad usucapionem; c) Aplicação do Art. 1.208 do CC: Os atos de mera permissão ou tolerância não induzem posse para fins de usucapião, permanecendo os autores na qualidade de meros detentores; d) Marco Temporal da Interversão: A posse ad usucapionem dos autores somente se iniciaria após manifestação inequívoca de não querer devolver a coisa, ocorrida recentemente com a notificação judicial em 08/02/2023 no processo nº 5633532-74.2022.8.09.0051, sendo o prazo legal para usucapião, portanto, não completado; e) Coisa Julgada: A sentença proferida na ação de reintegração de posse confirmou a existência de comodato verbal e a natureza precária da ocupação. Para fundamentar suas alegações, a contestante instruiu sua peça defensiva com vários documentos, incluindo procuração, Termo de Compromisso da Inventariante, documentos de identificação e financeiros de Joseina (RG, comprovante de endereço, extrato bancário, CTPS, declarações de IR), e cópias de peças processuais do processo de inventário de Zeina da Silva Santos (petição inicial, procuração, emenda à inicial, pedido de conversão para inventário, primeiras declarações, parecer do Ministério Público contrário à doação e renúncia de meação). Estes documentos visavam comprovar o reconhecimento pelos autores de que não tinham posse ad usucapionem e esperavam adquirir o imóvel por doação. 1.5. DO CONTEXTO PROCESSUAL RELEVANTE. 1.5.1. Da Ação Possessória Conexa Concomitantemente ao trâmite da presente demanda, o ESPÓLIO DE ZEINA DA SILVA SANTOS ajuizou ação de reintegração de posse (processo nº 5680308-64.2024.8.09.0051) contra os mesmos autores, tendo por objeto o mesmo imóvel. Naquela demanda possessória, o espólio autor alegou que: O imóvel foi cedido em comodato verbal aos ora requerentes; Após o falecimento de Zeina da Silva Santos, os comodatários foram notificados judicialmente em 08/02/2023 para desocupação em 30 dias; A recusa em restituir o bem após 11/03/2023 configurou esbulho possessório. Regularmente citados na ação possessória, os ora autores não apresentaram contestação, configurando revelia. Após a realização de audiência de conciliação em 04/12/2024, sem sucesso, a ação possessória foi julgada PROCEDENTE em 24/03/2025, com sentença transitada em julgado, declarando cessado o comodato verbal, determinando a reintegração de posse do espólio e condenando os ora autores ao pagamento de indenização no valor de R$ 1.200,00 mensais a partir de 11/03/2023 até a efetiva desocupação, com correção monetária e juros legais. Na mesma sentença, o juízo determinou a extração de cópia integral daquela decisão para juntada nos presentes autos. A cópia da decisão/mandado da ação possessória foi efetivamente juntada aos autos na movimentação 70 (e 71), em 10 de fevereiro de 2025, com intimação efetivada em 06/05/2025. Destaque-se que o juízo da ação possessória, ao analisar a relação com a presente ação de usucapião, concluiu que não havia prejudicialidade necessária que justificasse a suspensão da ação possessória, pois os objetos são distintos (proteção da posse vs. declaração de propriedade). Ressalvou, entretanto, que a eventual procedência da ação possessória não impediria necessariamente o prosseguimento da usucapião, que poderia ser julgada procedente se os requisitos tivessem sido preenchidos antes do esbulho, com efeito ex tunc. 1.5.2. Do Processo de Inventário. No processo de inventário de Zeina da Silva Santos (nº 0165430-79.2016.8.09.0175), que tramitou perante a 2ª Vara de Sucessões de Goiânia, os autores da presente demanda manifestaram expectativa expressa de aquisição do imóvel por doação, circunstância que assume particular relevância para a caracterização do animus domini. Conforme documentação juntada aos autos pela parte ré, os autores outorgaram procuração específica para providências relativas à doação do imóvel no referido inventário, manifestaram expressamente expectativa de aquisição da propriedade por doação, reconheceram implicitamente não serem proprietários do bem, e comportaram-se de forma incompatível com a alegação de posse como donos há 34 anos. Em decisão proferida em 22/04/2025 (movimentação 74), este juízo determinou a expedição de ofício à 2ª Vara de Sucessões de Goiânia, requisitando cópia integral dos autos do processo de inventário, ou autorização para acesso eletrônico ao referido feito, para melhor análise das manifestações dos autores naquele processo. As cópias já juntadas pela contestante, no entanto, são suficientes para a análise da controvérsia, conforme será demonstrado na fundamentação. 1.6. DOS PONTOS CONTROVERTIDOS FIXADOS. Na decisão saneadora (movimentação 74), foram estabelecidos os seguintes pontos controvertidos: I - A natureza jurídica da relação: se constitui detenção (comodato) ou posse ad usucapionem; II - A existência de animus domini dos autores, considerando suas manifestações no inventário sobre expectativa de doação; III - A caracterização ou não de interversão possessória e seu marco temporal; IV - A repercussão da sentença da ação de reintegração de posse no presente processo; V - Os reflexos jurídicos das manifestações dos autores no processo de inventário. Naquela mesma decisão, este juízo determinou a intimação das partes para se manifestarem especificamente sobre a sentença da ação de reintegração de posse e seus reflexos, sobre os documentos do inventário e suas implicações para o animus domini, e sobre a alegada incompatibilidade das manifestações dos autores nos dois processos. Determinou-se, ainda, a remessa dos autos ao Ministério Público para manifestação. É o relatório. II – FUNDAMENTAÇÃO. 1. DO JULGAMENTO ANTECIPADO - APLICAÇÃO DO ART. 355, I, DO CPC. A presente demanda comporta julgamento antecipado com resolução de mérito, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil, uma vez que não há necessidade de produção de outras provas para o deslinde da controvérsia. Conforme leciona FREDIE DIDIER JR., "o julgamento antecipado do mérito é uma técnica de abreviação do procedimento que não viola o contraditório nem configura cerceamento de defesa quando aplicado adequadamente", constituindo "dever-poder do magistrado" quando presentes os requisitos legais. Para o processualista baiano, "o instituto não implica nenhuma nulidade da sentença por cerceamento de defesa se a matéria é unicamente de direito ou se nos autos há elementos suficientes para a análise das questões referentes à controvérsia" (Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 22ª ed., Salvador: JusPodivm, 2020, p. 698). JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE ensina que o julgamento antecipado representa situação em que "é dispensável a produção de novas provas, pois a matéria fática é incontroversa em decorrência da revelia ou já existem elementos suficientes para a formação do convencimento do juiz. A cognição, nesses casos, é exauriente e implica entrega da tutela jurisdicional inicialmente pleiteada" (Efetividade do Processo e Técnica Processual, 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 183). LUIZ GUILHERME MARINONI, pioneiro na defesa do julgamento antecipado no direito brasileiro, argumenta que o instituto busca evitar que "o processo prejudique quem possui razão" e que "não subsistem razões para que um pedido maduro aguarde a instrução relacionada aos demais". Segundo Marinoni, o julgamento antecipado "é expressão do princípio da efetividade processual e não configura cerceamento quando a parte que tem razão não deve ser obrigada a esperar a realização de um direito que não se mostra mais controvertido" (Novo Código de Processo Civil Comentado, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 424). NELSON NERY JUNIOR sustenta que o preceito é cogente: "conhecerá, e não poderá conhecer; se a questão for exclusivamente de direito, o julgamento antecipado da lide é obrigatório". Para o autor, "não pode o juiz, por sua mera conveniência, relegar para fase ulterior a prolação da sentença se houver desnecessidade de ser produzida prova em audiência" (Código de Processo Civil Comentado, 17ª ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 1033). TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER pontua que "o que justifica o julgamento antecipado é a completa desnecessidade de produção de outras provas para a formação da convicção judicial" e que "a decisão sobre a suficiência das provas já produzidas deve ser fundamentada, sob pena de nulidade" (Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 653). O Superior Tribunal de Justiça consolidou jurisprudência no sentido de que "não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide quando o tribunal de origem considera o feito devidamente instruído, reputando desnecessária a produção de provas para o julgamento, por se tratar de matéria eminentemente de direito ou de fato já comprovado documentalmente" (AgInt nos EDcl no AREsp 2.334.114/SP, 3ª Turma, j. 10/06/2024). No caso vertente, estão presentes os requisitos para o julgamento antecipado: a) Natureza da Controvérsia: A questão controvertida é eminentemente de direito, versando sobre a natureza jurídica da relação possessória e a caracterização de seus elementos essenciais; b) Suficiência Probatória: Os autos contêm elementos probatórios suficientes e inequívocos: documentação registral, sentença transitada em julgado da ação possessória, manifestações expressas das partes no inventário; c) Desnecessidade de Dilação: Não há necessidade de produção de outras provas, pois os fatos controvertidos estão adequadamente demonstrados através da prova documental e judicial já produzida; d) Exercício do Contraditório: As partes exerceram plenamente o contraditório na fase postulatória, apresentando suas teses com fundamentação jurídica e probatória; e) Economia Processual: A dilação probatória seria meramente protelatória, contrariando os princípios constitucionais da celeridade e duração razoável do processo. A respeito da desnecessidade de dilação probatória, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO ensina que "a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa não assegura a produção de qualquer prova requerida, mas apenas daquelas que sejam efetivamente necessárias ao deslinde da causa" (Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 2019, p. 83). No caso em tela, as provas documentais já carreadas aos autos, somadas à robustez da sentença da ação possessória e às declarações das próprias partes, são suficientes para a formação do convencimento judicial. 2. DO MÉRITO. 2.1. Da Usucapião Extraordinária - Pressupostos Legais e Doutrinários A usucapião extraordinária, modalidade mais ampla de prescrição aquisitiva, encontra disciplina no art. 1.238 do Código Civil: "Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis". O parágrafo único estabelece hipótese de redução do prazo aquisitivo: "O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo". CARLOS ROBERTO GONÇALVES, em sua consagrada obra "Direito Civil Brasileiro - Direito das Coisas", ensina que "a usucapião extraordinária é a mais ampla das modalidades aquisitivas, prescindindo de título e boa-fé, exigindo apenas posse qualificada pelo tempo estabelecido em lei". O civilista paulista esclarece que "os requisitos são: a) posse mansa e pacífica; b) posse contínua e ininterrupta; c) posse exercida com animus domini; d) transcurso do prazo legal; e) ausência de oposição do proprietário" (Direito Civil Brasileiro, vol. 5, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2020, p. 268). CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD, na obra "Direitos Reais", lecionam que "a usucapião extraordinária independe de justo título e boa-fé, mas exige rigorosamente a posse qualificada com animus domini, elemento que distingue a posse da mera detenção". Os civilistas baianos esclarecem que "o animus domini é elemento essencial e insubstituível, caracterizado pela intenção de exercer sobre a coisa poderes de proprietário, comportando-se como se titular do direito fosse" (Direitos Reais, 16ª ed., Salvador: JusPodivm, 2020, p. 389). ORLANDO GOMES, em sua obra clássica "Direitos Reais", define magistralmente que "o animus domini não se presume nem se deduz de circunstâncias externas; deve ser positivamente demonstrado através de atos inequívocos que revelem a intenção de exercer direitos dominiais sobre a coisa" (Direitos Reais, 21ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 168). WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO e CARLOS ALBERTO DABUS MALUF destacam que "o animus domini constitui o elemento subjetivo da posse ad usucapionem, consistindo na vontade do possuidor de ter a coisa como sua. Sem esse elemento subjetivo, não há posse com eficácia para conduzir à usucapião, mas apenas detenção" (Curso de Direito Civil - Direito das Coisas, 44ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 133). FLÁVIO TARTUCE sintetiza que "a usucapião extraordinária traz como requisitos fundamentais a posse com animus domini, mansa, pacífica, ininterrupta e contínua, além do decurso de tempo. Em suma, seu pressuposto é o exercício sem interrupção da posse sobre o bem com a intenção de ser dono (animus domini)" (Manual de Direito Civil, 10ª ed., São Paulo: Método, 2020, p. 982). 2.2. Da Distinção Fundamental: Posse versus Detenção. A questão nuclear do presente caso reside na correta aplicação da distinção entre posse e detenção, institutos que, conquanto próximos factualmente, possuem natureza jurídica e efeitos completamente diversos no ordenamento civil. O art. 1.208 do Código Civil estabelece regra fundamental: "Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância, assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade". Sobre essa distinção, a doutrina é uníssona. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, em suas "Instituições de Direito Civil", ensina que "a distinção entre posse e detenção é fundamental para o direito das coisas, pois enquanto a posse confere proteção possessória e pode gerar aquisição por usucapião, a detenção é situação precária que não produz efeitos aquisitivos". O jurista mineiro esclarece que "o detentor exerce poderes de fato sobre a coisa, mas em nome e no interesse de outrem, faltando-lhe o animus domini essencial à caracterização da posse" (Instituições de Direito Civil, vol. IV, 30ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 25). MARIA HELENA DINIZ, na obra "Curso de Direito Civil Brasileiro - Direito das Coisas", leciona que "o comodato, por sua natureza jurídica, gera apenas detenção qualificada, pois o comodatário tem consciência de que detém a coisa por liberalidade do proprietário, sendo essa consciência de precariedade incompatível com o animus domini necessário à usucapião" (Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 4, 37ª ed., São Paulo: Saraiva, 2023, p. 65). SILVIO DE SALVO VENOSA, em "Direito Civil - Direitos Reais", corrobora o entendimento ao afirmar que "a relação de comodato presume precariedade desde a origem, sendo juridicamente impossível a transformação automática em posse apta à usucapião pelo mero transcurso temporal, salvo se configurada interversão possessória através de ato inequívoco de oposição" (Direito Civil - Direitos Reais, 20ª ed., São Paulo: Atlas, 2020, p. 112). GUSTAVO TEPEDINO explica que "a detenção, por faltar-lhe o elemento subjetivo (animus), é uma relação fática com a coisa, mas não é posse, pois não há vontade de ter a coisa como própria" (Comentários ao Código Civil - Direito das Coisas, vol. 14, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 78). ROBERTO SENISE LISBOA enfatiza que "na detenção há mero poder físico sobre a coisa, sem animus domini, enquanto na posse verifica-se o poder físico somado à intenção de ser dono" (Manual de Direito Civil, vol. 4, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013, p. 88). 2.3. Do Comodato e sua Natureza Jurídica Específica. O comodato, disciplinado nos arts. 579 a 585 do Código Civil, constitui contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra coisa infungível para uso temporário, com a obrigação de restituí-la. ARNALDO RIZZARDO, em "Direito das Coisas", ensina que "o comodato é essencialmente precário, ainda que não fixado prazo, pois o comodatário detém a coisa por mera liberalidade do comodante, inexistindo direito próprio sobre o bem". O civilista gaúcho esclarece que "essa precariedade é incompatível com o animus domini, pois o comodatário tem plena consciência de que sua permanência no bem decorre de tolerância do proprietário" (Direito das Coisas, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 56). GUSTAVO TEPEDINO, MARIA CELINA BODIN DE MORAES e EDUARDO NUNES DE SOUZA, na obra "Direito Civil: Direito das Coisas", lecionam que "o comodato familiar, modalidade comum nas relações patrimoniais entre parentes, não perde sua natureza precária pelo fato de ser duradouro ou ter origem afetiva, permanecendo como detenção incompatível com usucapião" (Direito Civil: Direito das Coisas, vol. 5, Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 124). PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO destacam que "o comodato, ainda que verbal, gera vínculo obrigacional com o dever de restituição, incompatível com a ideia de aquisição originária por usucapião" (Manual de Direito Civil, 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2020, p. 779). SÍLVIO RODRIGUES observa que "no comodato, o elemento essencial é a gratuidade, sendo dever inarredável do comodatário a restituição da coisa após o uso, o que demonstra a precariedade da situação" (Direito Civil - Direito das Coisas, 28ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 54). FRANCISCO EDUARDO LOUREIRO enfatiza que "o uso da coisa pelo comodatário não induz posse, mas mera detenção, exatamente porque sua permanência no bem decorre de mera tolerância e há o reconhecimento do domínio alheio" (Código Civil Comentado, coord. Cezar Peluso, 14ª ed., São Paulo: Manole, 2020, p. 1301). 2.4. Da Análise Fática: Configuração do Comodato Verbal. A análise pormenorizada das circunstâncias fáticas dos autos revela, de forma cristalina e inequívoca, a existência de comodato verbal desde o início da relação jurídica entre as partes. 2.4.1. Da Origem Familiar da Concessão. A ocupação do imóvel pelos autores originou-se de comodato verbal concedido pelos pais de família (José de Oliveira Santos e Zeina da Silva Santos) como presente de casamento aos ora requerentes. Essa origem contratual de natureza familiar é absolutamente incompatível com o exercício de posse ad usucapionem, pois revela que os ocupantes tinham plena e expressa consciência de que sua permanência no imóvel decorria de liberalidade dos proprietários registrais. Como ensina PONTES DE MIRANDA, em seu monumental "Tratado de Direito Privado", "a origem da ocupação é elemento decisivo para caracterizar a natureza da relação jurídica, pois quem ingressa no imóvel por concessão do proprietário não pode, simultaneamente, alegar posse contra este mesmo proprietário, salvo se configurada posterior interversão através de ato inequívoco de oposição" (Tratado de Direito Privado, Tomo X, atualizado por Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 148). JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES destaca que "quando a posse tem origem em relação jurídica que a qualifica como mera detenção, somente se transforma em posse apta à usucapião mediante ato inequívoco de oposição ao proprietário, cientificado adequadamente dessa mudança de ânimo" (Posse - Evolução Histórica, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 340). MARCO AURÉLIO BEZERRA DE MELO pontua que "nas relações familiares em que há cessão gratuita de imóvel de pai para filho, irmão para irmão ou qualquer outra relação de parentesco, presume-se existir comodato familiar, sendo o tempo de permanência irrelevante para configurar usucapião" (Direito das Coisas, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 89). 2.4.2. Do Reconhecimento Judicial na Ação Possessória. A sentença transitada em julgado proferida na ação de reintegração de posse (processo nº 5680308-64.2024.8.09.0051) constitui coisa julgada material sobre a natureza da relação jurídica estabelecida entre as partes, não sendo possível sua rediscussão no presente feito. Aquela decisão judicial reconheceu expressamente: A existência de comodato verbal entre as partes; A natureza precária da ocupação exercida pelos ora autores; A legitimidade da pretensão reintegratória do espólio; A configuração de esbulho possessório apenas a partir de 11/03/2023. Conforme leciona HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, "a coisa julgada material produz eficácia erga omnes quanto aos fatos nela declarados, impedindo rediscussão em processos posteriores, ainda que entre as mesmas partes e com causa de pedir diversa" (Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 62ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 1102). CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO ensina que "o efeito positivo da coisa julgada material consiste na imposição da premissa estabelecida na sentença anterior sobre o julgamento de outras causas que tenham aquela como pressuposto lógico necessário" (Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 2019, p. 322). LUIZ GUILHERME MARINONI pontua que "existe influência de uma sentença sobre a outra quando a decisão da primeira ação constitui questão prejudicial à segunda, de modo que não se pode decidir a segunda causa sem levar em consideração a solução dada à primeira" (Código de Processo Civil Comentado, 6ª ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 684). 2.4.3. Das Manifestações Reveladoras no Inventário. As manifestações dos autores no processo de inventário de Zeina da Silva Santos (nº 0165430-79.2016.8.09.0175) são absolutamente reveladoras da ausência de animus domini e constituem verdadeira confissão extrajudicial da natureza precária de sua ocupação. JÚLIO MARTINS, em sua obra "Usucapião - Judicial e Extrajudicial", destaca que "as declarações do próprio interessado sobre a natureza de sua relação com o bem constituem elemento probatório de máxima relevância, pois revelam sua verdadeira intenção (animus) em relação à coisa". O autor acrescenta que "o reconhecimento expresso ou tácito, pelo possuidor, de que não é proprietário do bem, constitui fato impeditivo absoluto ao reconhecimento do animus domini" (Usucapião - Judicial e Extrajudicial, 3ª ed., Salvador: JusPodivm, 2020, p. 95). BENEDITO SILVÉRIO RIBEIRO enfatiza que "as manifestações processuais do possuidor reconhecendo domínio alheio ou manifestando expectativa de aquisição por outro meio que não a usucapião constituem prova robusta da ausência de animus domini, essencial à configuração da posse ad usucapionem" (Tratado de Usucapião, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017, vol. 1, p. 262). No processo de inventário, os autores: Outorgaram procuração específica para providências relativas à doação do imóvel; Manifestaram expectativa expressa de aquisição da propriedade por doação; Reconheceram implicitamente não serem proprietários do bem; Comportaram-se de forma incompatível com a alegação de posse como donos há 34 anos. MARCOS BERNARDES DE MELLO pontua que "o comportamento contraditório (venire contra factum proprium) em processos distintos revela má-fé processual e constitui quebra do dever de lealdade" (Teoria do Fato Jurídico - Plano da Validade, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019, p. 246). 2.5. Da Ausência de Animus Domini - Elemento Subjetivo Essencial O animus domini, elemento subjetivo da posse, constitui requisito essencial e inafastável para a configuração da usucapião, não sendo suprível por nenhuma outra circunstância fática. CLÓVIS BEVILÁQUA, em seus "Comentários ao Código Civil", ensina que "o animus domini é a alma da posse, o elemento que a distingue da mera detenção; sem ele, ainda que presentes todos os demais requisitos objetivos, jamais se configurará posse apta à aquisição da propriedade" (Comentários ao Código Civil, vol. III, Rio de Janeiro: Editora Rio, edição histórica, 1979, p. 123). LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA, em seus "Direitos de Família", leciona que "o animus domini deve ser inequívoco, não bastando comportamentos ambíguos ou dúbios; é necessário que o possuidor revele, através de atos positivos e contínuos, a firme intenção de exercer sobre a coisa todos os direitos inerentes ao domínio" (Direitos de Família, edição histórica, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, p. 154). FLÁVIO TARTUCE pontua que "o animus domini significa a intenção de ter a coisa como sendo do possuidor, agindo como se dono fosse, o que não ocorre nas situações de mera detenção, nas quais há o reconhecimento da propriedade alheia" (Manual de Direito Civil, 10ª ed., São Paulo: Método, 2020, p. 984). PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO destacam que "o animus domini distingue o possuidor do mero detentor, sendo este último aquele que, embora mantendo relação fática com a coisa, não tem vontade de tê-la como sua, reconhecendo a propriedade alheia" (Manual de Direito Civil, 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2020, p. 782). CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD enfatizam que "o animus domini não decorre simplesmente da intenção interna do sujeito, mas deve ser exteriorizado por meio de comportamentos concretos, visíveis e objetivos que demonstrem o comportamento como se proprietário fosse" (Curso de Direito Civil, vol. 5, 15ª ed., Salvador: JusPodivm, 2019, p. 102). No presente caso, a ausência de animus domini é manifesta e incontestável: 2.5.1. Da Consciência da Precariedade desde a Origem. Os autores sempre tiveram plena consciência de que ocupavam o imóvel por liberalidade dos proprietários registrais, conforme revela a própria origem da concessão (presente de casamento) e suas manifestações posteriores no inventário. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO elucida que "a consciência da precariedade da ocupação é o elemento central que impede a configuração do animus domini, pois quem reconhece o domínio alheio não pode, ao mesmo tempo, possuir como proprietário" (Direito Civil - Reais, 5ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 89). 2.5.2. Da Expectativa Contraditória de Doação. A manifestação expressa e inequívoca de expectativa de aquisição por doação no inventário é frontalmente incompatível com a alegação de exercício de posse como proprietários há 34 anos. Como pode alguém que se comporta como dono há décadas simultaneamente esperar adquirir o mesmo bem por doação? MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES observa que "a manifestação de interesse na aquisição do bem por qualquer outra modalidade derivada (compra e venda, doação, permuta) revela o reconhecimento da propriedade alheia, constituindo confissão extrajudicial da ausência de animus domini" (Curso de Direito Civil, vol. VI, 4ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996, p. 178). WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO e CARLOS ALBERTO DABUS MALUF advertem que "é juridicamente impossível que alguém manifeste, simultaneamente, a intenção de possuir como dono (para fins de usucapião) e a expectativa de adquirir o mesmo bem por título derivado (doação, compra e venda), pois há contradição lógica entre essas duas posturas" (Curso de Direito Civil - Direito das Coisas, 44ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 136). 2.5.3. Do Comportamento Processual Contraditório. O comportamento processual dos autores revela contradição lógica e jurídica flagrante: enquanto na presente ação alegam posse como proprietários desde 1990, no inventário manifestaram expectativa de doação, e na ação possessória foram reconhecidos como meros comodatários. Essa tríplice contradição demonstra a inexistência de animus domini consolidado. JUDITH MARTINS-COSTA enfatiza que "o comportamento contraditório no âmbito processual configura quebra do dever de boa-fé objetiva, princípio que perpassa todo o ordenamento jurídico e se aplica à conduta das partes em juízo" (A Boa-fé no Direito Privado, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018, p. 612). HUMBERTO THEODORO JÚNIOR pontua que "a conduta contraditória da parte em procedimentos judiciais distintos pode configurar litigância de má-fé, sendo dever do magistrado coibi-la e extrair as consequências jurídicas adequadas" (Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 62ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 302). 2.6. Da Interversão Possessória e sua Aplicação Temporal Específica. A interversão possessória constitui instituto excepcional que permite a transformação da detenção em posse, mas exige requisitos rigorosos e específicos para sua configuração. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, em "Direito Civil - Reais", leciona que "a interversão possessória é exceção ao princípio clássico de que ninguém pode melhorar sua própria condição jurídica (nemo sibi causam possessionis mutare potest), exigindo, por isso mesmo, requisitos excepcionais e rigorosos para sua caracterização". O civilista português ensina que "são requisitos da interversão: a) ato exterior e inequívoco de oposição; b) publicidade e notoriedade do ato; c) ciência inequívoca do interessado; d) transcurso do prazo aquisitivo após a interversão" (Direito Civil - Reais, 5ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 78). MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES, em "Curso de Direito Civil", ensina que "a interversão não se presume de atos ambíguos ou equívocos, exigindo manifestação clara, pública e notória de mudança de animus, seguida de ciência do titular do direito e transcurso integral do prazo prescricional posterior ao ato de oposição" (Curso de Direito Civil, vol. VI, 4ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996, p. 180). ARNALDO RIZZARDO elucida que "a interversão possessória exige ato inequívoco, explícito e formal de resistência ao proprietário, não bastando atos implícitos, ambíguos ou duvidosos" (Direito das Coisas, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 62). CARLOS ROBERTO GONÇALVES pontua que "a interversão do caráter da posse só ocorre por ato exterior, por meio do qual o possuidor demonstra, inequivocamente, sua intenção de não mais reconhecer o domínio alheio" (Direito Civil Brasileiro, vol. 5, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2020, p. 272). SILVIO DE SALVO VENOSA esclarece que "para a interversão possessória, não basta a mera intenção do detentor, sendo necessário um ato explícito, público e inequívoco de recusa à restituição, seguido da ciência inequívoca do titular do domínio" (Direito Civil - Direitos Reais, 20ª ed., São Paulo: Atlas, 2020, p. 118). 2.6.1. Da Análise Temporal: Marco da Interversão. No caso sub examine, a interversão possessória somente se configurou em período recente, especificamente: a) Primeira Manifestação Inequívoca de Oposição: Ocorreu quando os autores se recusaram expressamente a desocupar o imóvel após serem notificados judicialmente em 08/02/2023 no processo nº 5633532-74.2022.8.09.0051; b) Consumação do Esbulho: Conforme reconhecido na sentença da ação possessória, o esbulho se consumou em 11/03/2023, data em que efetivamente se iniciou a posse ad usucapionem; c) Prazo Insuficiente: Entre 11/03/2023 e a presente data, não transcorreu sequer o prazo mínimo de 10 anos exigido para a modalidade de usucapião extraordinária com prazo reduzido; d) Impossibilidade Jurídica Superveniente: A pretensão dos autores torna-se juridicamente impossível, pois pleiteiam reconhecimento de usucapião com fundamento em período durante o qual exerciam mera detenção precária por comodato verbal. TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER e LUIZ RODRIGUES WAMBIER observam que "a impossibilidade jurídica superveniente impede o acolhimento da pretensão, ainda que esta fosse inicialmente possível, pois o momento de apreciação das condições da ação é o da prolação da sentença" (Curso Avançado de Processo Civil, vol. 1, 17ª ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 348). 3. DA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. A solução jurídica do presente caso encontra respaldo inequívoco e definitivo na jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores pátrios. 3.1. Do Superior Tribunal de Justiça - Precedentes Específicos. a) Sobre a Incompatibilidade entre Comodato e Usucapião: "O comodato presume precariedade na posse, sendo incompatível com o animus domini necessário à usucapião. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a posse precária, exercida por mera tolerância do proprietário, não se transforma em posse ad usucapionem pelo simples decurso do tempo, exigindo ato inequívoco de interversão possessória" (AgInt no REsp 1.641.887/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 24/04/2018). "A posse em comodato não gera usucapião, em razão de sua precariedade. A relação entre as partes, originada em comodato, somente se transmuda para gerar efeitos possessórios, após inequívoca manifestação contrária à devolução da coisa, com ciência do comodante. É a partir desse marco que se inicia o prazo para aquisição da propriedade pela usucapião." (REsp 1.200.112/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 26/06/2012). "O comodato verbal gera a mesma obrigação de restituição que o comodato escrito, não havendo distinção quanto à natureza precária da posse" (REsp 1.748.332/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 18/03/2019). b) Sobre a Natureza do Animus Domini: "Para configuração do animus domini, exige-se que o autor detenha efetivamente a posse do bem e não a detenção. O comodato, por sua natureza jurídica, gera apenas detenção qualificada, incompatível com a prescrição aquisitiva, sendo irrelevante o tempo de permanência no imóvel ou a realização de benfeitorias" (REsp 1.273.259/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 15/08/2016). "A realização de benfeitorias e o pagamento de tributos, por si sós, não caracterizam o animus domini necessário à usucapião, mormente quando o início da ocupação do imóvel se deu a título precário, com o reconhecimento da propriedade alheia" (AgInt no AREsp 1.189.225/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 12/06/2018). "O animus domini, elemento subjetivo indispensável à caracterização da usucapião, não se presume, devendo ser demonstrado por meio de atos concretos que exteriorizem a vontade inequívoca de comportar-se como proprietário" (AgInt nos EDcl no REsp 1.893.771/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 11/12/2023). c) Sobre os Requisitos da Interversão Possessória: "A interversão da posse exige ato inequívoco de oposição do possuidor direto contra o indireto, devidamente cientificado, seguido do transcurso do prazo aquisitivo posterior ao ato de oposição. Não se presume a interversão de atos ambíguos, da mera permanência no imóvel ou da simples realização de benfeitorias" (REsp 1.122.214/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 10/05/2011). "Para a caracterização da interversão possessória é necessário que o ato de oposição seja inequívoco e de conhecimento do possuidor indireto, iniciando-se o prazo para usucapião somente após esse marco" (REsp 1.317.749/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 19/11/2013). "O ocupante que ingressa no imóvel por vínculo de comodato somente pode iniciar posse ad usucapionem após negar-se formalmente a devolvê-lo, com inequívoca ciência do comodante" (AgInt no AREsp 1.456.543/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 14/10/2019). d) Sobre Manifestações do Próprio Interessado: "As declarações do próprio interessado sobre a natureza precária de sua ocupação constituem elemento probatório relevante para afastar o animus domini e a configuração da posse apta à usucapião, especialmente quando há manifestação de expectativa de aquisição por outro título" (REsp 940.201/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 16/02/2009). "A contradição entre as afirmações do suposto possuidor em diferentes procedimentos judiciais, ora alegando posse própria para fins de usucapião, ora manifestando interesse na aquisição derivada do mesmo bem, revela a ausência de animus domini e impede o reconhecimento da usucapião" (REsp 1.582.176/MG, 3ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 18/09/2017). e) Sobre Comodato Familiar: "A ocupação de imóvel por relações familiares, como entre pais e filhos, com anuência do proprietário, caracteriza tipicamente comodato familiar, modalidade precária de detenção, incompatível com a aquisição por usucapião" (AgInt no REsp 1.911.227/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 28/03/2022). "O chamado comodato familiar é caracterizado pela cessão gratuita de imóvel por relação de parentesco, tendo natureza precária mesmo que perdurado por longo tempo, não gerando posse ad usucapionem" (AgInt no AREsp 1.785.620/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 09/08/2021). 3.2. Dos Tribunais de Justiça Estaduais. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em decisão paradigmática recente, firmou entendimento que se aplica integralmente ao presente caso: "A permissão de uso afasta o animus domini e invalida a decisão que reconheceu usucapião; posse era detenção precária decorrente de mera tolerância familiar. O comodato familiar não se transmuda automaticamente em posse apta à usucapião pelo simples transcurso temporal" (Ação Rescisória nº 0300791-34.2023.8.24.0000, Grupo de Câmaras de Direito Civil, Rel. Des. Jaime Ramos, j. 19/02/2025). O Tribunal de Justiça de São Paulo tem decidido reiteradamente que: "A ocupação de imóvel em decorrência de comodato verbal familiar caracteriza mera detenção, não configurando posse ad usucapionem. A realização de benfeitorias e o pagamento de tributos não alteram essa natureza precária, sendo necessário ato inequívoco de oposição para iniciar-se o prazo de usucapião" (Apelação Cível nº 1005879-42.2023.8.26.0100, 12ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Sandra Galhardo Esteves, j. 15/05/2024). O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul consolidou entendimento de que: "O comodato verbal gera as mesmas obrigações do comodato escrito, configurando mera detenção. A posterior recusa à devolução do bem constitui esbulho possessório e somente a partir desse momento inicia-se eventual prazo para usucapião" (Apelação Cível nº 70087652345, 20ª Câmara Cível, Rel. Des. Dilso Domingos Pereira, j. 22/03/2024). O Tribunal de Justiça de Minas Gerais tem decidido que: "A manifestação de interesse na aquisição do bem por doação ou compra e venda constitui reconhecimento inequívoco do domínio alheio, incompatível com o animus domini necessário à usucapião" (Apelação Cível nº 1.0000.23.147589-6/001, 11ª Câmara Cível, Rel. Des. Marcos Lincoln, j. 11/12/2023). 4. DA VALORAÇÃO PROBATÓRIA. A valoração sistemática das provas produzidas nos autos conduz a uma conclusão unívoca e inequívoca sobre a natureza da relação jurídica estabelecida entre as partes. 4.1. Da Prova Documental a) Certidão de Transcrição: Comprova a titularidade registral do espólio requerido, não havendo qualquer registro posterior em favor dos autores; b) Documentos do Inventário: Revelam de forma cristalina a expectativa dos autores de aquisição por doação, incompatível com alegação de posse ad usucapionem. Os autores outorgaram procuração específica para providências relacionadas à doação do imóvel no inventário, revelando inequivocamente que não se consideravam proprietários; c) Certidões Negativas: Demonstram a inexistência de qualquer título aquisitivo ou registro em favor dos autores. ANTONIO CARLOS MARCATO ensina que "na valoração da prova documental, o juiz deve considerar não apenas seu conteúdo explícito, mas também as circunstâncias em que foi produzida e sua coerência com as demais provas dos autos" (Código de Processo Civil Interpretado, 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 451). 4.2. Da Prova Judicial (Coisa Julgada). A sentença transitada em julgado da ação possessória constitui prova judicial de máxima força probatória, tendo reconhecido: A existência inequívoca de comodato verbal; A natureza precária da ocupação dos autores; A legitimidade da pretensão reintegratória; A configuração de esbulho apenas a partir de 11/03/2023. MOACYR AMARAL SANTOS leciona que "a sentença transitada em julgado constitui prova de máxima hierarquia, dotada de presunção absoluta de veracidade quanto aos fatos nela reconhecidos" (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. 2, 27ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 384). 4.3. Da Prova Confessória. As manifestações dos autores no inventário configuram confissão extrajudicial da natureza precária de sua ocupação, constituindo prova contra o próprio confitente, insuscetível de retratação. JOÃO BATISTA LOPES destaca que "a confissão extrajudicial, documentalmente comprovada, constitui prova robusta contra quem a fez, sendo particularmente relevante quando praticada em procedimento judicial diverso" (A Prova no Direito Processual Civil, 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 152). FREDIE DIDIER JR., PAULA SARNO BRAGA e RAFAEL ALEXANDRIA DE OLIVEIRA esclarecem que "a confissão extrajudicial documentada tem força probante similar à confissão judicial, especialmente quando feita em outro processo judicial, constituindo prova plena contra o confitente" (Curso de Direito Processual Civil, vol. 2, 15ª ed., Salvador: JusPodivm, 2020, p. 187). III – DISPOSITIVO. Ante o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial por JOVALCYR DE OLIVEIRA SANTOS e ELIANA DE FATIMA FERREIRA DA SILVA E OLIVEIRA em face do ESPÓLIO DE JOSÉ DE OLIVEIRA SANTOS e demais requeridos, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Em consequência, DECLARO inexistente a alegada aquisição originária do imóvel situado na Rua Montes Claros, quadra 53, lote 19, Jardim Guanabara, Goiânia, Goiás, por usucapião extraordinária, uma vez que a relação jurídica estabelecida entre as partes sempre foi de comodato verbal, configurando mera detenção precária, incompatível com a posse ad usucapionem, conforme expressa vedação do art. 1.208 do Código Civil. CONDENO os autores ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, observada a suspensão da exigibilidade em razão da gratuidade de justiça deferida, nos termos do art. 98, §3º, do mesmo diploma legal. DEFIRO o benefício da justiça gratuita à requerida JOSEINA DE OLIVEIRA SANTOS, considerando a documentação que comprova sua hipossuficiência financeira. Após o trânsito em julgado, OFICIE-SE ao Cartório de Registro de Imóveis competente para conhecimento da improcedência da presente ação de usucapião. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cópia desta decisão servirá como MANDADO/OFÍCIO, para o efetivo cumprimento das determinações constantes do ato, nos termos do artigo 136 e seguintes do Código de Normas e Procedimentos do Foro Judicial da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Goiás. Goiânia, data da assinatura eletrônica. MARCELO PEREIRA DE AMORIM Juiz de Direito da 21ª Vara Cível de Goiânia

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Processo nº 5377246-60.2022.8.09.0051

ID: 323022671

Tribunal: TJGO Órgão: Goiânia - 5ª UPJ Varas Cíveis: 12ª, 20ª, 21ª, 22ª, 23ª e 25ª Classe: USUCAPIãO Nº Processo: 5377246-60.2022.8.09.0051

Data de Disponibilização: 11/07/2025

Polo Ativo:

ELIANA DE FATIMA FERREIRA DA SILVA

Polo Passivo:

Sentença

Advogados:

MATHEUS CARNEIRO BORGES CALIL

OAB/GO XXXXXX Desbloquear

Poder Judiciário Comarca de Goiânia Gabinete do Juiz da 21ª Vara Cível Telejudiciario (62) 3216-2070, Fórum Cível: 62-3018-6000, 5ª UPJ das Varas Cíveis (62) 3018-6456 e (62) 3018-6457, WhatsApp … Poder Judiciário Comarca de Goiânia Gabinete do Juiz da 21ª Vara Cível Telejudiciario (62) 3216-2070, Fórum Cível: 62-3018-6000, 5ª UPJ das Varas Cíveis (62) 3018-6456 e (62) 3018-6457, WhatsApp 5ª UPJ: (62) 3018-6455 E-mail 5ª UPJ: 5upj.civelgyn@tjgo.jus.br, Gabinete Virtual: gab21varacivel@tjgo.jus.br, WhatsApp Gabinete 21ª: (62) 3018-6472 Endereço: (Edificio Forum Civel) Avenida Olinda, Esquina com Rua PL-03, Qd. G, Lt. 04, Park Lozandes, Cep: 74.884-120 - Goiânia - GO SENTENÇA Processo nº 5377246-60.2022.8.09.0051 I – RELATÓRIO. JOVALCYR DE OLIVEIRA SANTOS e ELIANA DE FATIMA FERREIRA DA SILVA E OLIVEIRA ajuizaram a presente AÇÃO DECLARATÓRIA DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA em face do ESPÓLIO DE JOSÉ DE OLIVEIRA SANTOS (representado por seus herdeiros JOSENIR DE OLIVEIRA SANTOS, JOSEINA DE OLIVEIRA SANTOS e NOEMI DA SILVA OLIVEIRA), com fundamento no artigo 1.238 do Código Civil. 1.1. DO HISTÓRICO PROCESSUAL . A presente demanda foi inicialmente distribuída em 28/06/2022, tendo sido atribuído à causa o valor de R$ 274.005,09. Os requerentes foram representados pelo advogado Matheus Carneiro Borges Calil. Inicialmente, a petição inicial apresentou algumas irregularidades formais, notadamente quanto à qualificação dos confinantes e à documentação referente ao imóvel. Em decisão primeva, o magistrado então atuante considerou a petição inicial inepta por não mencionar adequadamente o proprietário registral, não descrever os limites e confrontações a contento, não qualificar os confinantes e não vir instruída com a certidão atualizada do registro de imóveis. Após intimação para regularização e considerando insuficientes as providências adotadas pelos autores, o juízo extinguiu o processo sem resolução do mérito em 18/09/2023, com fundamento no art. 485, I e IV, do CPC. Irresignados, os autores opuseram embargos de declaração (27/09/2023), que foram rejeitados (20/10/2023), e, posteriormente, interpuseram recurso de apelação (21/11/2023). A Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás, por unanimidade, conheceu e deu provimento ao recurso em 20/05/2024, cassando a sentença extintiva e determinando o retorno dos autos à origem para o regular prosseguimento do feito. Em seu acórdão, o tribunal reconheceu que os apelantes haviam cumprido satisfatoriamente as ordens judiciais ao indicar a qualificação e endereço dos réus e de um confrontante, bem como ao juntar a certidão de transcrição, a planta e o memorial descritivo do imóvel. A Corte entendeu que o juízo de primeiro grau poderia determinar diligências complementares para sanar eventuais dúvidas sobre o imóvel ou confinantes, especialmente por se tratar de beneficiários da justiça gratuita, sendo prematura a extinção do processo. Após o retorno dos autos à origem em 24/06/2024, o juízo reconsiderou a exigência da certidão de matrícula do imóvel, aceitando que a alegação de inexistência de matrícula ou registro não seria óbice ao processamento da ação. Determinou-se então a citação do Espólio de José de Oliveira Santos por mandado, bem como dos eventuais proprietários e demais interessados incertos por edital, e dos confinantes por mandado, com notificação das Fazendas Públicas e do Ministério Público. 1.2. DO OBJETO DA DEMANDA E DA SITUAÇÃO FÁTICA. O imóvel objeto da lide situa-se na Rua Montes Claros, quadra 53, lote 19, Jardim Guanabara, Goiânia, Goiás, conforme descrição constante da certidão de transcrição nº 65.281, do 2º Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Goiânia, documento este anterior à Lei de Registros Públicos nº 6.015/1973. A controvérsia estabelecida envolve questão de alta complexidade jurídica sobre a natureza da relação possessória exercida pelos autores: se constitui posse ad usucapionem apta à prescrição aquisitiva da propriedade ou mera detenção derivada de comodato verbal, instituto incompatível com a usucapião por força do art. 1.208 do Código Civil. 1.3. DA PRETENSÃO AUTORAL. Os requerentes sustentaram exercer posse sobre o imóvel há mais de 34 anos, desde 1990, de forma mansa, pacífica, contínua, ininterrupta e com animus domini, tendo realizado investimentos significativos e benfeitorias exclusivas no bem. Afirmaram em sua petição inicial serem os "legítimos possuidores do imóvel há mais de 34 anos, desde o início, realizando inúmeros investimentos e benfeitorias de forma EXCLUSIVA e com 'alma de dono' (animus domini), como se fossem proprietários". Alegaram cumprir a função social da propriedade, arcando com todos os impostos incidentes e contas de consumo, conforme comprovam os documentos juntados aos autos, entre eles certidão de dados cadastrais do imóvel e certidão conjunta negativa de débitos imobiliários em nome de José de Oliveira Santos (CPF 013.935.291-00), atestando não constarem débitos vencidos ou a vencer de tributos imobiliários até 24/09/2022. Postularam o reconhecimento da usucapião extraordinária tanto na modalidade comum (15 anos - art. 1.238, caput, CC) quanto na modalidade com prazo reduzido (10 anos - art. 1.238, parágrafo único, CC), considerando que o imóvel serve de moradia habitual e possui obras/serviços de caráter produtivo. Instruíram a inicial com diversos documentos, incluindo a certidão de transcrição do imóvel, certidões de óbito do proprietário registral e de sua esposa, certidão de dados cadastrais do imóvel, certidão negativa de débitos imobiliários, certidões negativas de ações cíveis, bem como extratos bancários, contracheques, fotos de benfeitorias e declarações de imposto de renda comprovando hipossuficiência financeira. Em réplica à contestação (09/08/2024), os autores reiteraram a posse exclusiva, legítima, mansa, pacífica, ininterrupta e de boa-fé há 34 anos, com animus domini, cumprindo a função social da propriedade. Rejeitaram as alegações da contestação como "infundadas" e "desprovidas de veracidade", afirmando que a própria contestante (Joseina) tentou beneficiar-se no processo de inventário como curadora de seu pai, e insistindo que a vasta documentação nos autos comprova o direito à regularização do bem. A causa de pedir remota fundamenta-se na alegada posse qualificada iniciada em 1990, enquanto a causa de pedir próxima reside no preenchimento de todos os requisitos legais da usucapião extraordinária prevista no Código Civil. 1.4. DA RESISTÊNCIA OFERECIDA PELOS RÉUS. Regularmente citada, JOSEINA DE OLIVEIRA SANTOS ofereceu tempestiva contestação, requerendo preliminarmente a concessão da justiça gratuita e sustentando tese jurídica diametralmente oposta. A requerida alegou que: a) Natureza Jurídica da Relação: A ocupação do imóvel pelos autores decorreu de comodato verbal concedido pelos pais (José de Oliveira Santos e Zeina da Silva Santos) como presente de casamento, configurando mera detenção precária incompatível com usucapião; b) Ausência de Animus Domini: Os autores sempre tiveram consciência de que não eram proprietários, tendo manifestado no processo de inventário de Zeina da Silva Santos (nº 0165430-79.2016.8.09.0175) expectativa de aquisição por doação, circunstância frontalmente incompatível com a alegação de posse ad usucapionem; c) Aplicação do Art. 1.208 do CC: Os atos de mera permissão ou tolerância não induzem posse para fins de usucapião, permanecendo os autores na qualidade de meros detentores; d) Marco Temporal da Interversão: A posse ad usucapionem dos autores somente se iniciaria após manifestação inequívoca de não querer devolver a coisa, ocorrida recentemente com a notificação judicial em 08/02/2023 no processo nº 5633532-74.2022.8.09.0051, sendo o prazo legal para usucapião, portanto, não completado; e) Coisa Julgada: A sentença proferida na ação de reintegração de posse confirmou a existência de comodato verbal e a natureza precária da ocupação. Para fundamentar suas alegações, a contestante instruiu sua peça defensiva com vários documentos, incluindo procuração, Termo de Compromisso da Inventariante, documentos de identificação e financeiros de Joseina (RG, comprovante de endereço, extrato bancário, CTPS, declarações de IR), e cópias de peças processuais do processo de inventário de Zeina da Silva Santos (petição inicial, procuração, emenda à inicial, pedido de conversão para inventário, primeiras declarações, parecer do Ministério Público contrário à doação e renúncia de meação). Estes documentos visavam comprovar o reconhecimento pelos autores de que não tinham posse ad usucapionem e esperavam adquirir o imóvel por doação. 1.5. DO CONTEXTO PROCESSUAL RELEVANTE. 1.5.1. Da Ação Possessória Conexa Concomitantemente ao trâmite da presente demanda, o ESPÓLIO DE ZEINA DA SILVA SANTOS ajuizou ação de reintegração de posse (processo nº 5680308-64.2024.8.09.0051) contra os mesmos autores, tendo por objeto o mesmo imóvel. Naquela demanda possessória, o espólio autor alegou que: O imóvel foi cedido em comodato verbal aos ora requerentes; Após o falecimento de Zeina da Silva Santos, os comodatários foram notificados judicialmente em 08/02/2023 para desocupação em 30 dias; A recusa em restituir o bem após 11/03/2023 configurou esbulho possessório. Regularmente citados na ação possessória, os ora autores não apresentaram contestação, configurando revelia. Após a realização de audiência de conciliação em 04/12/2024, sem sucesso, a ação possessória foi julgada PROCEDENTE em 24/03/2025, com sentença transitada em julgado, declarando cessado o comodato verbal, determinando a reintegração de posse do espólio e condenando os ora autores ao pagamento de indenização no valor de R$ 1.200,00 mensais a partir de 11/03/2023 até a efetiva desocupação, com correção monetária e juros legais. Na mesma sentença, o juízo determinou a extração de cópia integral daquela decisão para juntada nos presentes autos. A cópia da decisão/mandado da ação possessória foi efetivamente juntada aos autos na movimentação 70 (e 71), em 10 de fevereiro de 2025, com intimação efetivada em 06/05/2025. Destaque-se que o juízo da ação possessória, ao analisar a relação com a presente ação de usucapião, concluiu que não havia prejudicialidade necessária que justificasse a suspensão da ação possessória, pois os objetos são distintos (proteção da posse vs. declaração de propriedade). Ressalvou, entretanto, que a eventual procedência da ação possessória não impediria necessariamente o prosseguimento da usucapião, que poderia ser julgada procedente se os requisitos tivessem sido preenchidos antes do esbulho, com efeito ex tunc. 1.5.2. Do Processo de Inventário. No processo de inventário de Zeina da Silva Santos (nº 0165430-79.2016.8.09.0175), que tramitou perante a 2ª Vara de Sucessões de Goiânia, os autores da presente demanda manifestaram expectativa expressa de aquisição do imóvel por doação, circunstância que assume particular relevância para a caracterização do animus domini. Conforme documentação juntada aos autos pela parte ré, os autores outorgaram procuração específica para providências relativas à doação do imóvel no referido inventário, manifestaram expressamente expectativa de aquisição da propriedade por doação, reconheceram implicitamente não serem proprietários do bem, e comportaram-se de forma incompatível com a alegação de posse como donos há 34 anos. Em decisão proferida em 22/04/2025 (movimentação 74), este juízo determinou a expedição de ofício à 2ª Vara de Sucessões de Goiânia, requisitando cópia integral dos autos do processo de inventário, ou autorização para acesso eletrônico ao referido feito, para melhor análise das manifestações dos autores naquele processo. As cópias já juntadas pela contestante, no entanto, são suficientes para a análise da controvérsia, conforme será demonstrado na fundamentação. 1.6. DOS PONTOS CONTROVERTIDOS FIXADOS. Na decisão saneadora (movimentação 74), foram estabelecidos os seguintes pontos controvertidos: I - A natureza jurídica da relação: se constitui detenção (comodato) ou posse ad usucapionem; II - A existência de animus domini dos autores, considerando suas manifestações no inventário sobre expectativa de doação; III - A caracterização ou não de interversão possessória e seu marco temporal; IV - A repercussão da sentença da ação de reintegração de posse no presente processo; V - Os reflexos jurídicos das manifestações dos autores no processo de inventário. Naquela mesma decisão, este juízo determinou a intimação das partes para se manifestarem especificamente sobre a sentença da ação de reintegração de posse e seus reflexos, sobre os documentos do inventário e suas implicações para o animus domini, e sobre a alegada incompatibilidade das manifestações dos autores nos dois processos. Determinou-se, ainda, a remessa dos autos ao Ministério Público para manifestação. É o relatório. II – FUNDAMENTAÇÃO. 1. DO JULGAMENTO ANTECIPADO - APLICAÇÃO DO ART. 355, I, DO CPC. A presente demanda comporta julgamento antecipado com resolução de mérito, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil, uma vez que não há necessidade de produção de outras provas para o deslinde da controvérsia. Conforme leciona FREDIE DIDIER JR., "o julgamento antecipado do mérito é uma técnica de abreviação do procedimento que não viola o contraditório nem configura cerceamento de defesa quando aplicado adequadamente", constituindo "dever-poder do magistrado" quando presentes os requisitos legais. Para o processualista baiano, "o instituto não implica nenhuma nulidade da sentença por cerceamento de defesa se a matéria é unicamente de direito ou se nos autos há elementos suficientes para a análise das questões referentes à controvérsia" (Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 22ª ed., Salvador: JusPodivm, 2020, p. 698). JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE ensina que o julgamento antecipado representa situação em que "é dispensável a produção de novas provas, pois a matéria fática é incontroversa em decorrência da revelia ou já existem elementos suficientes para a formação do convencimento do juiz. A cognição, nesses casos, é exauriente e implica entrega da tutela jurisdicional inicialmente pleiteada" (Efetividade do Processo e Técnica Processual, 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 183). LUIZ GUILHERME MARINONI, pioneiro na defesa do julgamento antecipado no direito brasileiro, argumenta que o instituto busca evitar que "o processo prejudique quem possui razão" e que "não subsistem razões para que um pedido maduro aguarde a instrução relacionada aos demais". Segundo Marinoni, o julgamento antecipado "é expressão do princípio da efetividade processual e não configura cerceamento quando a parte que tem razão não deve ser obrigada a esperar a realização de um direito que não se mostra mais controvertido" (Novo Código de Processo Civil Comentado, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 424). NELSON NERY JUNIOR sustenta que o preceito é cogente: "conhecerá, e não poderá conhecer; se a questão for exclusivamente de direito, o julgamento antecipado da lide é obrigatório". Para o autor, "não pode o juiz, por sua mera conveniência, relegar para fase ulterior a prolação da sentença se houver desnecessidade de ser produzida prova em audiência" (Código de Processo Civil Comentado, 17ª ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 1033). TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER pontua que "o que justifica o julgamento antecipado é a completa desnecessidade de produção de outras provas para a formação da convicção judicial" e que "a decisão sobre a suficiência das provas já produzidas deve ser fundamentada, sob pena de nulidade" (Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 653). O Superior Tribunal de Justiça consolidou jurisprudência no sentido de que "não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide quando o tribunal de origem considera o feito devidamente instruído, reputando desnecessária a produção de provas para o julgamento, por se tratar de matéria eminentemente de direito ou de fato já comprovado documentalmente" (AgInt nos EDcl no AREsp 2.334.114/SP, 3ª Turma, j. 10/06/2024). No caso vertente, estão presentes os requisitos para o julgamento antecipado: a) Natureza da Controvérsia: A questão controvertida é eminentemente de direito, versando sobre a natureza jurídica da relação possessória e a caracterização de seus elementos essenciais; b) Suficiência Probatória: Os autos contêm elementos probatórios suficientes e inequívocos: documentação registral, sentença transitada em julgado da ação possessória, manifestações expressas das partes no inventário; c) Desnecessidade de Dilação: Não há necessidade de produção de outras provas, pois os fatos controvertidos estão adequadamente demonstrados através da prova documental e judicial já produzida; d) Exercício do Contraditório: As partes exerceram plenamente o contraditório na fase postulatória, apresentando suas teses com fundamentação jurídica e probatória; e) Economia Processual: A dilação probatória seria meramente protelatória, contrariando os princípios constitucionais da celeridade e duração razoável do processo. A respeito da desnecessidade de dilação probatória, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO ensina que "a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa não assegura a produção de qualquer prova requerida, mas apenas daquelas que sejam efetivamente necessárias ao deslinde da causa" (Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 2019, p. 83). No caso em tela, as provas documentais já carreadas aos autos, somadas à robustez da sentença da ação possessória e às declarações das próprias partes, são suficientes para a formação do convencimento judicial. 2. DO MÉRITO. 2.1. Da Usucapião Extraordinária - Pressupostos Legais e Doutrinários A usucapião extraordinária, modalidade mais ampla de prescrição aquisitiva, encontra disciplina no art. 1.238 do Código Civil: "Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis". O parágrafo único estabelece hipótese de redução do prazo aquisitivo: "O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo". CARLOS ROBERTO GONÇALVES, em sua consagrada obra "Direito Civil Brasileiro - Direito das Coisas", ensina que "a usucapião extraordinária é a mais ampla das modalidades aquisitivas, prescindindo de título e boa-fé, exigindo apenas posse qualificada pelo tempo estabelecido em lei". O civilista paulista esclarece que "os requisitos são: a) posse mansa e pacífica; b) posse contínua e ininterrupta; c) posse exercida com animus domini; d) transcurso do prazo legal; e) ausência de oposição do proprietário" (Direito Civil Brasileiro, vol. 5, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2020, p. 268). CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD, na obra "Direitos Reais", lecionam que "a usucapião extraordinária independe de justo título e boa-fé, mas exige rigorosamente a posse qualificada com animus domini, elemento que distingue a posse da mera detenção". Os civilistas baianos esclarecem que "o animus domini é elemento essencial e insubstituível, caracterizado pela intenção de exercer sobre a coisa poderes de proprietário, comportando-se como se titular do direito fosse" (Direitos Reais, 16ª ed., Salvador: JusPodivm, 2020, p. 389). ORLANDO GOMES, em sua obra clássica "Direitos Reais", define magistralmente que "o animus domini não se presume nem se deduz de circunstâncias externas; deve ser positivamente demonstrado através de atos inequívocos que revelem a intenção de exercer direitos dominiais sobre a coisa" (Direitos Reais, 21ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 168). WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO e CARLOS ALBERTO DABUS MALUF destacam que "o animus domini constitui o elemento subjetivo da posse ad usucapionem, consistindo na vontade do possuidor de ter a coisa como sua. Sem esse elemento subjetivo, não há posse com eficácia para conduzir à usucapião, mas apenas detenção" (Curso de Direito Civil - Direito das Coisas, 44ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 133). FLÁVIO TARTUCE sintetiza que "a usucapião extraordinária traz como requisitos fundamentais a posse com animus domini, mansa, pacífica, ininterrupta e contínua, além do decurso de tempo. Em suma, seu pressuposto é o exercício sem interrupção da posse sobre o bem com a intenção de ser dono (animus domini)" (Manual de Direito Civil, 10ª ed., São Paulo: Método, 2020, p. 982). 2.2. Da Distinção Fundamental: Posse versus Detenção. A questão nuclear do presente caso reside na correta aplicação da distinção entre posse e detenção, institutos que, conquanto próximos factualmente, possuem natureza jurídica e efeitos completamente diversos no ordenamento civil. O art. 1.208 do Código Civil estabelece regra fundamental: "Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância, assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade". Sobre essa distinção, a doutrina é uníssona. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, em suas "Instituições de Direito Civil", ensina que "a distinção entre posse e detenção é fundamental para o direito das coisas, pois enquanto a posse confere proteção possessória e pode gerar aquisição por usucapião, a detenção é situação precária que não produz efeitos aquisitivos". O jurista mineiro esclarece que "o detentor exerce poderes de fato sobre a coisa, mas em nome e no interesse de outrem, faltando-lhe o animus domini essencial à caracterização da posse" (Instituições de Direito Civil, vol. IV, 30ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 25). MARIA HELENA DINIZ, na obra "Curso de Direito Civil Brasileiro - Direito das Coisas", leciona que "o comodato, por sua natureza jurídica, gera apenas detenção qualificada, pois o comodatário tem consciência de que detém a coisa por liberalidade do proprietário, sendo essa consciência de precariedade incompatível com o animus domini necessário à usucapião" (Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 4, 37ª ed., São Paulo: Saraiva, 2023, p. 65). SILVIO DE SALVO VENOSA, em "Direito Civil - Direitos Reais", corrobora o entendimento ao afirmar que "a relação de comodato presume precariedade desde a origem, sendo juridicamente impossível a transformação automática em posse apta à usucapião pelo mero transcurso temporal, salvo se configurada interversão possessória através de ato inequívoco de oposição" (Direito Civil - Direitos Reais, 20ª ed., São Paulo: Atlas, 2020, p. 112). GUSTAVO TEPEDINO explica que "a detenção, por faltar-lhe o elemento subjetivo (animus), é uma relação fática com a coisa, mas não é posse, pois não há vontade de ter a coisa como própria" (Comentários ao Código Civil - Direito das Coisas, vol. 14, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 78). ROBERTO SENISE LISBOA enfatiza que "na detenção há mero poder físico sobre a coisa, sem animus domini, enquanto na posse verifica-se o poder físico somado à intenção de ser dono" (Manual de Direito Civil, vol. 4, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013, p. 88). 2.3. Do Comodato e sua Natureza Jurídica Específica. O comodato, disciplinado nos arts. 579 a 585 do Código Civil, constitui contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra coisa infungível para uso temporário, com a obrigação de restituí-la. ARNALDO RIZZARDO, em "Direito das Coisas", ensina que "o comodato é essencialmente precário, ainda que não fixado prazo, pois o comodatário detém a coisa por mera liberalidade do comodante, inexistindo direito próprio sobre o bem". O civilista gaúcho esclarece que "essa precariedade é incompatível com o animus domini, pois o comodatário tem plena consciência de que sua permanência no bem decorre de tolerância do proprietário" (Direito das Coisas, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 56). GUSTAVO TEPEDINO, MARIA CELINA BODIN DE MORAES e EDUARDO NUNES DE SOUZA, na obra "Direito Civil: Direito das Coisas", lecionam que "o comodato familiar, modalidade comum nas relações patrimoniais entre parentes, não perde sua natureza precária pelo fato de ser duradouro ou ter origem afetiva, permanecendo como detenção incompatível com usucapião" (Direito Civil: Direito das Coisas, vol. 5, Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 124). PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO destacam que "o comodato, ainda que verbal, gera vínculo obrigacional com o dever de restituição, incompatível com a ideia de aquisição originária por usucapião" (Manual de Direito Civil, 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2020, p. 779). SÍLVIO RODRIGUES observa que "no comodato, o elemento essencial é a gratuidade, sendo dever inarredável do comodatário a restituição da coisa após o uso, o que demonstra a precariedade da situação" (Direito Civil - Direito das Coisas, 28ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 54). FRANCISCO EDUARDO LOUREIRO enfatiza que "o uso da coisa pelo comodatário não induz posse, mas mera detenção, exatamente porque sua permanência no bem decorre de mera tolerância e há o reconhecimento do domínio alheio" (Código Civil Comentado, coord. Cezar Peluso, 14ª ed., São Paulo: Manole, 2020, p. 1301). 2.4. Da Análise Fática: Configuração do Comodato Verbal. A análise pormenorizada das circunstâncias fáticas dos autos revela, de forma cristalina e inequívoca, a existência de comodato verbal desde o início da relação jurídica entre as partes. 2.4.1. Da Origem Familiar da Concessão. A ocupação do imóvel pelos autores originou-se de comodato verbal concedido pelos pais de família (José de Oliveira Santos e Zeina da Silva Santos) como presente de casamento aos ora requerentes. Essa origem contratual de natureza familiar é absolutamente incompatível com o exercício de posse ad usucapionem, pois revela que os ocupantes tinham plena e expressa consciência de que sua permanência no imóvel decorria de liberalidade dos proprietários registrais. Como ensina PONTES DE MIRANDA, em seu monumental "Tratado de Direito Privado", "a origem da ocupação é elemento decisivo para caracterizar a natureza da relação jurídica, pois quem ingressa no imóvel por concessão do proprietário não pode, simultaneamente, alegar posse contra este mesmo proprietário, salvo se configurada posterior interversão através de ato inequívoco de oposição" (Tratado de Direito Privado, Tomo X, atualizado por Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 148). JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES destaca que "quando a posse tem origem em relação jurídica que a qualifica como mera detenção, somente se transforma em posse apta à usucapião mediante ato inequívoco de oposição ao proprietário, cientificado adequadamente dessa mudança de ânimo" (Posse - Evolução Histórica, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 340). MARCO AURÉLIO BEZERRA DE MELO pontua que "nas relações familiares em que há cessão gratuita de imóvel de pai para filho, irmão para irmão ou qualquer outra relação de parentesco, presume-se existir comodato familiar, sendo o tempo de permanência irrelevante para configurar usucapião" (Direito das Coisas, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 89). 2.4.2. Do Reconhecimento Judicial na Ação Possessória. A sentença transitada em julgado proferida na ação de reintegração de posse (processo nº 5680308-64.2024.8.09.0051) constitui coisa julgada material sobre a natureza da relação jurídica estabelecida entre as partes, não sendo possível sua rediscussão no presente feito. Aquela decisão judicial reconheceu expressamente: A existência de comodato verbal entre as partes; A natureza precária da ocupação exercida pelos ora autores; A legitimidade da pretensão reintegratória do espólio; A configuração de esbulho possessório apenas a partir de 11/03/2023. Conforme leciona HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, "a coisa julgada material produz eficácia erga omnes quanto aos fatos nela declarados, impedindo rediscussão em processos posteriores, ainda que entre as mesmas partes e com causa de pedir diversa" (Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 62ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 1102). CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO ensina que "o efeito positivo da coisa julgada material consiste na imposição da premissa estabelecida na sentença anterior sobre o julgamento de outras causas que tenham aquela como pressuposto lógico necessário" (Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 2019, p. 322). LUIZ GUILHERME MARINONI pontua que "existe influência de uma sentença sobre a outra quando a decisão da primeira ação constitui questão prejudicial à segunda, de modo que não se pode decidir a segunda causa sem levar em consideração a solução dada à primeira" (Código de Processo Civil Comentado, 6ª ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 684). 2.4.3. Das Manifestações Reveladoras no Inventário. As manifestações dos autores no processo de inventário de Zeina da Silva Santos (nº 0165430-79.2016.8.09.0175) são absolutamente reveladoras da ausência de animus domini e constituem verdadeira confissão extrajudicial da natureza precária de sua ocupação. JÚLIO MARTINS, em sua obra "Usucapião - Judicial e Extrajudicial", destaca que "as declarações do próprio interessado sobre a natureza de sua relação com o bem constituem elemento probatório de máxima relevância, pois revelam sua verdadeira intenção (animus) em relação à coisa". O autor acrescenta que "o reconhecimento expresso ou tácito, pelo possuidor, de que não é proprietário do bem, constitui fato impeditivo absoluto ao reconhecimento do animus domini" (Usucapião - Judicial e Extrajudicial, 3ª ed., Salvador: JusPodivm, 2020, p. 95). BENEDITO SILVÉRIO RIBEIRO enfatiza que "as manifestações processuais do possuidor reconhecendo domínio alheio ou manifestando expectativa de aquisição por outro meio que não a usucapião constituem prova robusta da ausência de animus domini, essencial à configuração da posse ad usucapionem" (Tratado de Usucapião, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017, vol. 1, p. 262). No processo de inventário, os autores: Outorgaram procuração específica para providências relativas à doação do imóvel; Manifestaram expectativa expressa de aquisição da propriedade por doação; Reconheceram implicitamente não serem proprietários do bem; Comportaram-se de forma incompatível com a alegação de posse como donos há 34 anos. MARCOS BERNARDES DE MELLO pontua que "o comportamento contraditório (venire contra factum proprium) em processos distintos revela má-fé processual e constitui quebra do dever de lealdade" (Teoria do Fato Jurídico - Plano da Validade, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019, p. 246). 2.5. Da Ausência de Animus Domini - Elemento Subjetivo Essencial O animus domini, elemento subjetivo da posse, constitui requisito essencial e inafastável para a configuração da usucapião, não sendo suprível por nenhuma outra circunstância fática. CLÓVIS BEVILÁQUA, em seus "Comentários ao Código Civil", ensina que "o animus domini é a alma da posse, o elemento que a distingue da mera detenção; sem ele, ainda que presentes todos os demais requisitos objetivos, jamais se configurará posse apta à aquisição da propriedade" (Comentários ao Código Civil, vol. III, Rio de Janeiro: Editora Rio, edição histórica, 1979, p. 123). LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA, em seus "Direitos de Família", leciona que "o animus domini deve ser inequívoco, não bastando comportamentos ambíguos ou dúbios; é necessário que o possuidor revele, através de atos positivos e contínuos, a firme intenção de exercer sobre a coisa todos os direitos inerentes ao domínio" (Direitos de Família, edição histórica, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, p. 154). FLÁVIO TARTUCE pontua que "o animus domini significa a intenção de ter a coisa como sendo do possuidor, agindo como se dono fosse, o que não ocorre nas situações de mera detenção, nas quais há o reconhecimento da propriedade alheia" (Manual de Direito Civil, 10ª ed., São Paulo: Método, 2020, p. 984). PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO destacam que "o animus domini distingue o possuidor do mero detentor, sendo este último aquele que, embora mantendo relação fática com a coisa, não tem vontade de tê-la como sua, reconhecendo a propriedade alheia" (Manual de Direito Civil, 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2020, p. 782). CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD enfatizam que "o animus domini não decorre simplesmente da intenção interna do sujeito, mas deve ser exteriorizado por meio de comportamentos concretos, visíveis e objetivos que demonstrem o comportamento como se proprietário fosse" (Curso de Direito Civil, vol. 5, 15ª ed., Salvador: JusPodivm, 2019, p. 102). No presente caso, a ausência de animus domini é manifesta e incontestável: 2.5.1. Da Consciência da Precariedade desde a Origem. Os autores sempre tiveram plena consciência de que ocupavam o imóvel por liberalidade dos proprietários registrais, conforme revela a própria origem da concessão (presente de casamento) e suas manifestações posteriores no inventário. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO elucida que "a consciência da precariedade da ocupação é o elemento central que impede a configuração do animus domini, pois quem reconhece o domínio alheio não pode, ao mesmo tempo, possuir como proprietário" (Direito Civil - Reais, 5ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 89). 2.5.2. Da Expectativa Contraditória de Doação. A manifestação expressa e inequívoca de expectativa de aquisição por doação no inventário é frontalmente incompatível com a alegação de exercício de posse como proprietários há 34 anos. Como pode alguém que se comporta como dono há décadas simultaneamente esperar adquirir o mesmo bem por doação? MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES observa que "a manifestação de interesse na aquisição do bem por qualquer outra modalidade derivada (compra e venda, doação, permuta) revela o reconhecimento da propriedade alheia, constituindo confissão extrajudicial da ausência de animus domini" (Curso de Direito Civil, vol. VI, 4ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996, p. 178). WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO e CARLOS ALBERTO DABUS MALUF advertem que "é juridicamente impossível que alguém manifeste, simultaneamente, a intenção de possuir como dono (para fins de usucapião) e a expectativa de adquirir o mesmo bem por título derivado (doação, compra e venda), pois há contradição lógica entre essas duas posturas" (Curso de Direito Civil - Direito das Coisas, 44ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 136). 2.5.3. Do Comportamento Processual Contraditório. O comportamento processual dos autores revela contradição lógica e jurídica flagrante: enquanto na presente ação alegam posse como proprietários desde 1990, no inventário manifestaram expectativa de doação, e na ação possessória foram reconhecidos como meros comodatários. Essa tríplice contradição demonstra a inexistência de animus domini consolidado. JUDITH MARTINS-COSTA enfatiza que "o comportamento contraditório no âmbito processual configura quebra do dever de boa-fé objetiva, princípio que perpassa todo o ordenamento jurídico e se aplica à conduta das partes em juízo" (A Boa-fé no Direito Privado, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018, p. 612). HUMBERTO THEODORO JÚNIOR pontua que "a conduta contraditória da parte em procedimentos judiciais distintos pode configurar litigância de má-fé, sendo dever do magistrado coibi-la e extrair as consequências jurídicas adequadas" (Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 62ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 302). 2.6. Da Interversão Possessória e sua Aplicação Temporal Específica. A interversão possessória constitui instituto excepcional que permite a transformação da detenção em posse, mas exige requisitos rigorosos e específicos para sua configuração. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, em "Direito Civil - Reais", leciona que "a interversão possessória é exceção ao princípio clássico de que ninguém pode melhorar sua própria condição jurídica (nemo sibi causam possessionis mutare potest), exigindo, por isso mesmo, requisitos excepcionais e rigorosos para sua caracterização". O civilista português ensina que "são requisitos da interversão: a) ato exterior e inequívoco de oposição; b) publicidade e notoriedade do ato; c) ciência inequívoca do interessado; d) transcurso do prazo aquisitivo após a interversão" (Direito Civil - Reais, 5ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 78). MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES, em "Curso de Direito Civil", ensina que "a interversão não se presume de atos ambíguos ou equívocos, exigindo manifestação clara, pública e notória de mudança de animus, seguida de ciência do titular do direito e transcurso integral do prazo prescricional posterior ao ato de oposição" (Curso de Direito Civil, vol. VI, 4ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996, p. 180). ARNALDO RIZZARDO elucida que "a interversão possessória exige ato inequívoco, explícito e formal de resistência ao proprietário, não bastando atos implícitos, ambíguos ou duvidosos" (Direito das Coisas, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 62). CARLOS ROBERTO GONÇALVES pontua que "a interversão do caráter da posse só ocorre por ato exterior, por meio do qual o possuidor demonstra, inequivocamente, sua intenção de não mais reconhecer o domínio alheio" (Direito Civil Brasileiro, vol. 5, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2020, p. 272). SILVIO DE SALVO VENOSA esclarece que "para a interversão possessória, não basta a mera intenção do detentor, sendo necessário um ato explícito, público e inequívoco de recusa à restituição, seguido da ciência inequívoca do titular do domínio" (Direito Civil - Direitos Reais, 20ª ed., São Paulo: Atlas, 2020, p. 118). 2.6.1. Da Análise Temporal: Marco da Interversão. No caso sub examine, a interversão possessória somente se configurou em período recente, especificamente: a) Primeira Manifestação Inequívoca de Oposição: Ocorreu quando os autores se recusaram expressamente a desocupar o imóvel após serem notificados judicialmente em 08/02/2023 no processo nº 5633532-74.2022.8.09.0051; b) Consumação do Esbulho: Conforme reconhecido na sentença da ação possessória, o esbulho se consumou em 11/03/2023, data em que efetivamente se iniciou a posse ad usucapionem; c) Prazo Insuficiente: Entre 11/03/2023 e a presente data, não transcorreu sequer o prazo mínimo de 10 anos exigido para a modalidade de usucapião extraordinária com prazo reduzido; d) Impossibilidade Jurídica Superveniente: A pretensão dos autores torna-se juridicamente impossível, pois pleiteiam reconhecimento de usucapião com fundamento em período durante o qual exerciam mera detenção precária por comodato verbal. TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER e LUIZ RODRIGUES WAMBIER observam que "a impossibilidade jurídica superveniente impede o acolhimento da pretensão, ainda que esta fosse inicialmente possível, pois o momento de apreciação das condições da ação é o da prolação da sentença" (Curso Avançado de Processo Civil, vol. 1, 17ª ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 348). 3. DA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. A solução jurídica do presente caso encontra respaldo inequívoco e definitivo na jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores pátrios. 3.1. Do Superior Tribunal de Justiça - Precedentes Específicos. a) Sobre a Incompatibilidade entre Comodato e Usucapião: "O comodato presume precariedade na posse, sendo incompatível com o animus domini necessário à usucapião. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a posse precária, exercida por mera tolerância do proprietário, não se transforma em posse ad usucapionem pelo simples decurso do tempo, exigindo ato inequívoco de interversão possessória" (AgInt no REsp 1.641.887/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 24/04/2018). "A posse em comodato não gera usucapião, em razão de sua precariedade. A relação entre as partes, originada em comodato, somente se transmuda para gerar efeitos possessórios, após inequívoca manifestação contrária à devolução da coisa, com ciência do comodante. É a partir desse marco que se inicia o prazo para aquisição da propriedade pela usucapião." (REsp 1.200.112/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 26/06/2012). "O comodato verbal gera a mesma obrigação de restituição que o comodato escrito, não havendo distinção quanto à natureza precária da posse" (REsp 1.748.332/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 18/03/2019). b) Sobre a Natureza do Animus Domini: "Para configuração do animus domini, exige-se que o autor detenha efetivamente a posse do bem e não a detenção. O comodato, por sua natureza jurídica, gera apenas detenção qualificada, incompatível com a prescrição aquisitiva, sendo irrelevante o tempo de permanência no imóvel ou a realização de benfeitorias" (REsp 1.273.259/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 15/08/2016). "A realização de benfeitorias e o pagamento de tributos, por si sós, não caracterizam o animus domini necessário à usucapião, mormente quando o início da ocupação do imóvel se deu a título precário, com o reconhecimento da propriedade alheia" (AgInt no AREsp 1.189.225/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 12/06/2018). "O animus domini, elemento subjetivo indispensável à caracterização da usucapião, não se presume, devendo ser demonstrado por meio de atos concretos que exteriorizem a vontade inequívoca de comportar-se como proprietário" (AgInt nos EDcl no REsp 1.893.771/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 11/12/2023). c) Sobre os Requisitos da Interversão Possessória: "A interversão da posse exige ato inequívoco de oposição do possuidor direto contra o indireto, devidamente cientificado, seguido do transcurso do prazo aquisitivo posterior ao ato de oposição. Não se presume a interversão de atos ambíguos, da mera permanência no imóvel ou da simples realização de benfeitorias" (REsp 1.122.214/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 10/05/2011). "Para a caracterização da interversão possessória é necessário que o ato de oposição seja inequívoco e de conhecimento do possuidor indireto, iniciando-se o prazo para usucapião somente após esse marco" (REsp 1.317.749/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 19/11/2013). "O ocupante que ingressa no imóvel por vínculo de comodato somente pode iniciar posse ad usucapionem após negar-se formalmente a devolvê-lo, com inequívoca ciência do comodante" (AgInt no AREsp 1.456.543/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 14/10/2019). d) Sobre Manifestações do Próprio Interessado: "As declarações do próprio interessado sobre a natureza precária de sua ocupação constituem elemento probatório relevante para afastar o animus domini e a configuração da posse apta à usucapião, especialmente quando há manifestação de expectativa de aquisição por outro título" (REsp 940.201/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 16/02/2009). "A contradição entre as afirmações do suposto possuidor em diferentes procedimentos judiciais, ora alegando posse própria para fins de usucapião, ora manifestando interesse na aquisição derivada do mesmo bem, revela a ausência de animus domini e impede o reconhecimento da usucapião" (REsp 1.582.176/MG, 3ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 18/09/2017). e) Sobre Comodato Familiar: "A ocupação de imóvel por relações familiares, como entre pais e filhos, com anuência do proprietário, caracteriza tipicamente comodato familiar, modalidade precária de detenção, incompatível com a aquisição por usucapião" (AgInt no REsp 1.911.227/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 28/03/2022). "O chamado comodato familiar é caracterizado pela cessão gratuita de imóvel por relação de parentesco, tendo natureza precária mesmo que perdurado por longo tempo, não gerando posse ad usucapionem" (AgInt no AREsp 1.785.620/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 09/08/2021). 3.2. Dos Tribunais de Justiça Estaduais. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em decisão paradigmática recente, firmou entendimento que se aplica integralmente ao presente caso: "A permissão de uso afasta o animus domini e invalida a decisão que reconheceu usucapião; posse era detenção precária decorrente de mera tolerância familiar. O comodato familiar não se transmuda automaticamente em posse apta à usucapião pelo simples transcurso temporal" (Ação Rescisória nº 0300791-34.2023.8.24.0000, Grupo de Câmaras de Direito Civil, Rel. Des. Jaime Ramos, j. 19/02/2025). O Tribunal de Justiça de São Paulo tem decidido reiteradamente que: "A ocupação de imóvel em decorrência de comodato verbal familiar caracteriza mera detenção, não configurando posse ad usucapionem. A realização de benfeitorias e o pagamento de tributos não alteram essa natureza precária, sendo necessário ato inequívoco de oposição para iniciar-se o prazo de usucapião" (Apelação Cível nº 1005879-42.2023.8.26.0100, 12ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Sandra Galhardo Esteves, j. 15/05/2024). O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul consolidou entendimento de que: "O comodato verbal gera as mesmas obrigações do comodato escrito, configurando mera detenção. A posterior recusa à devolução do bem constitui esbulho possessório e somente a partir desse momento inicia-se eventual prazo para usucapião" (Apelação Cível nº 70087652345, 20ª Câmara Cível, Rel. Des. Dilso Domingos Pereira, j. 22/03/2024). O Tribunal de Justiça de Minas Gerais tem decidido que: "A manifestação de interesse na aquisição do bem por doação ou compra e venda constitui reconhecimento inequívoco do domínio alheio, incompatível com o animus domini necessário à usucapião" (Apelação Cível nº 1.0000.23.147589-6/001, 11ª Câmara Cível, Rel. Des. Marcos Lincoln, j. 11/12/2023). 4. DA VALORAÇÃO PROBATÓRIA. A valoração sistemática das provas produzidas nos autos conduz a uma conclusão unívoca e inequívoca sobre a natureza da relação jurídica estabelecida entre as partes. 4.1. Da Prova Documental a) Certidão de Transcrição: Comprova a titularidade registral do espólio requerido, não havendo qualquer registro posterior em favor dos autores; b) Documentos do Inventário: Revelam de forma cristalina a expectativa dos autores de aquisição por doação, incompatível com alegação de posse ad usucapionem. Os autores outorgaram procuração específica para providências relacionadas à doação do imóvel no inventário, revelando inequivocamente que não se consideravam proprietários; c) Certidões Negativas: Demonstram a inexistência de qualquer título aquisitivo ou registro em favor dos autores. ANTONIO CARLOS MARCATO ensina que "na valoração da prova documental, o juiz deve considerar não apenas seu conteúdo explícito, mas também as circunstâncias em que foi produzida e sua coerência com as demais provas dos autos" (Código de Processo Civil Interpretado, 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 451). 4.2. Da Prova Judicial (Coisa Julgada). A sentença transitada em julgado da ação possessória constitui prova judicial de máxima força probatória, tendo reconhecido: A existência inequívoca de comodato verbal; A natureza precária da ocupação dos autores; A legitimidade da pretensão reintegratória; A configuração de esbulho apenas a partir de 11/03/2023. MOACYR AMARAL SANTOS leciona que "a sentença transitada em julgado constitui prova de máxima hierarquia, dotada de presunção absoluta de veracidade quanto aos fatos nela reconhecidos" (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. 2, 27ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 384). 4.3. Da Prova Confessória. As manifestações dos autores no inventário configuram confissão extrajudicial da natureza precária de sua ocupação, constituindo prova contra o próprio confitente, insuscetível de retratação. JOÃO BATISTA LOPES destaca que "a confissão extrajudicial, documentalmente comprovada, constitui prova robusta contra quem a fez, sendo particularmente relevante quando praticada em procedimento judicial diverso" (A Prova no Direito Processual Civil, 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 152). FREDIE DIDIER JR., PAULA SARNO BRAGA e RAFAEL ALEXANDRIA DE OLIVEIRA esclarecem que "a confissão extrajudicial documentada tem força probante similar à confissão judicial, especialmente quando feita em outro processo judicial, constituindo prova plena contra o confitente" (Curso de Direito Processual Civil, vol. 2, 15ª ed., Salvador: JusPodivm, 2020, p. 187). III – DISPOSITIVO. Ante o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial por JOVALCYR DE OLIVEIRA SANTOS e ELIANA DE FATIMA FERREIRA DA SILVA E OLIVEIRA em face do ESPÓLIO DE JOSÉ DE OLIVEIRA SANTOS e demais requeridos, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Em consequência, DECLARO inexistente a alegada aquisição originária do imóvel situado na Rua Montes Claros, quadra 53, lote 19, Jardim Guanabara, Goiânia, Goiás, por usucapião extraordinária, uma vez que a relação jurídica estabelecida entre as partes sempre foi de comodato verbal, configurando mera detenção precária, incompatível com a posse ad usucapionem, conforme expressa vedação do art. 1.208 do Código Civil. CONDENO os autores ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, observada a suspensão da exigibilidade em razão da gratuidade de justiça deferida, nos termos do art. 98, §3º, do mesmo diploma legal. DEFIRO o benefício da justiça gratuita à requerida JOSEINA DE OLIVEIRA SANTOS, considerando a documentação que comprova sua hipossuficiência financeira. Após o trânsito em julgado, OFICIE-SE ao Cartório de Registro de Imóveis competente para conhecimento da improcedência da presente ação de usucapião. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cópia desta decisão servirá como MANDADO/OFÍCIO, para o efetivo cumprimento das determinações constantes do ato, nos termos do artigo 136 e seguintes do Código de Normas e Procedimentos do Foro Judicial da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Goiás. Goiânia, data da assinatura eletrônica. MARCELO PEREIRA DE AMORIM Juiz de Direito da 21ª Vara Cível de Goiânia

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Processo nº 5377246-60.2022.8.09.0051

ID: 323022680

Tribunal: TJGO Órgão: Goiânia - 5ª UPJ Varas Cíveis: 12ª, 20ª, 21ª, 22ª, 23ª e 25ª Classe: USUCAPIãO Nº Processo: 5377246-60.2022.8.09.0051

Data de Disponibilização: 11/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

ESPOLIO DE JOSE DE OLIVEIRA SANTOS

Sentença

Advogados:

FRANCISCO FLORENTINO DE SOUSA NETO

OAB/GO XXXXXX Desbloquear

Poder Judiciário Comarca de Goiânia Gabinete do Juiz da 21ª Vara Cível Telejudiciario (62) 3216-2070, Fórum Cível: 62-3018-6000, 5ª UPJ das Varas Cíveis (62) 3018-6456 e (62) 3018-6457, WhatsApp … Poder Judiciário Comarca de Goiânia Gabinete do Juiz da 21ª Vara Cível Telejudiciario (62) 3216-2070, Fórum Cível: 62-3018-6000, 5ª UPJ das Varas Cíveis (62) 3018-6456 e (62) 3018-6457, WhatsApp 5ª UPJ: (62) 3018-6455 E-mail 5ª UPJ: 5upj.civelgyn@tjgo.jus.br, Gabinete Virtual: gab21varacivel@tjgo.jus.br, WhatsApp Gabinete 21ª: (62) 3018-6472 Endereço: (Edificio Forum Civel) Avenida Olinda, Esquina com Rua PL-03, Qd. G, Lt. 04, Park Lozandes, Cep: 74.884-120 - Goiânia - GO SENTENÇA Processo nº 5377246-60.2022.8.09.0051 I – RELATÓRIO. JOVALCYR DE OLIVEIRA SANTOS e ELIANA DE FATIMA FERREIRA DA SILVA E OLIVEIRA ajuizaram a presente AÇÃO DECLARATÓRIA DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA em face do ESPÓLIO DE JOSÉ DE OLIVEIRA SANTOS (representado por seus herdeiros JOSENIR DE OLIVEIRA SANTOS, JOSEINA DE OLIVEIRA SANTOS e NOEMI DA SILVA OLIVEIRA), com fundamento no artigo 1.238 do Código Civil. 1.1. DO HISTÓRICO PROCESSUAL . A presente demanda foi inicialmente distribuída em 28/06/2022, tendo sido atribuído à causa o valor de R$ 274.005,09. Os requerentes foram representados pelo advogado Matheus Carneiro Borges Calil. Inicialmente, a petição inicial apresentou algumas irregularidades formais, notadamente quanto à qualificação dos confinantes e à documentação referente ao imóvel. Em decisão primeva, o magistrado então atuante considerou a petição inicial inepta por não mencionar adequadamente o proprietário registral, não descrever os limites e confrontações a contento, não qualificar os confinantes e não vir instruída com a certidão atualizada do registro de imóveis. Após intimação para regularização e considerando insuficientes as providências adotadas pelos autores, o juízo extinguiu o processo sem resolução do mérito em 18/09/2023, com fundamento no art. 485, I e IV, do CPC. Irresignados, os autores opuseram embargos de declaração (27/09/2023), que foram rejeitados (20/10/2023), e, posteriormente, interpuseram recurso de apelação (21/11/2023). A Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás, por unanimidade, conheceu e deu provimento ao recurso em 20/05/2024, cassando a sentença extintiva e determinando o retorno dos autos à origem para o regular prosseguimento do feito. Em seu acórdão, o tribunal reconheceu que os apelantes haviam cumprido satisfatoriamente as ordens judiciais ao indicar a qualificação e endereço dos réus e de um confrontante, bem como ao juntar a certidão de transcrição, a planta e o memorial descritivo do imóvel. A Corte entendeu que o juízo de primeiro grau poderia determinar diligências complementares para sanar eventuais dúvidas sobre o imóvel ou confinantes, especialmente por se tratar de beneficiários da justiça gratuita, sendo prematura a extinção do processo. Após o retorno dos autos à origem em 24/06/2024, o juízo reconsiderou a exigência da certidão de matrícula do imóvel, aceitando que a alegação de inexistência de matrícula ou registro não seria óbice ao processamento da ação. Determinou-se então a citação do Espólio de José de Oliveira Santos por mandado, bem como dos eventuais proprietários e demais interessados incertos por edital, e dos confinantes por mandado, com notificação das Fazendas Públicas e do Ministério Público. 1.2. DO OBJETO DA DEMANDA E DA SITUAÇÃO FÁTICA. O imóvel objeto da lide situa-se na Rua Montes Claros, quadra 53, lote 19, Jardim Guanabara, Goiânia, Goiás, conforme descrição constante da certidão de transcrição nº 65.281, do 2º Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Goiânia, documento este anterior à Lei de Registros Públicos nº 6.015/1973. A controvérsia estabelecida envolve questão de alta complexidade jurídica sobre a natureza da relação possessória exercida pelos autores: se constitui posse ad usucapionem apta à prescrição aquisitiva da propriedade ou mera detenção derivada de comodato verbal, instituto incompatível com a usucapião por força do art. 1.208 do Código Civil. 1.3. DA PRETENSÃO AUTORAL. Os requerentes sustentaram exercer posse sobre o imóvel há mais de 34 anos, desde 1990, de forma mansa, pacífica, contínua, ininterrupta e com animus domini, tendo realizado investimentos significativos e benfeitorias exclusivas no bem. Afirmaram em sua petição inicial serem os "legítimos possuidores do imóvel há mais de 34 anos, desde o início, realizando inúmeros investimentos e benfeitorias de forma EXCLUSIVA e com 'alma de dono' (animus domini), como se fossem proprietários". Alegaram cumprir a função social da propriedade, arcando com todos os impostos incidentes e contas de consumo, conforme comprovam os documentos juntados aos autos, entre eles certidão de dados cadastrais do imóvel e certidão conjunta negativa de débitos imobiliários em nome de José de Oliveira Santos (CPF 013.935.291-00), atestando não constarem débitos vencidos ou a vencer de tributos imobiliários até 24/09/2022. Postularam o reconhecimento da usucapião extraordinária tanto na modalidade comum (15 anos - art. 1.238, caput, CC) quanto na modalidade com prazo reduzido (10 anos - art. 1.238, parágrafo único, CC), considerando que o imóvel serve de moradia habitual e possui obras/serviços de caráter produtivo. Instruíram a inicial com diversos documentos, incluindo a certidão de transcrição do imóvel, certidões de óbito do proprietário registral e de sua esposa, certidão de dados cadastrais do imóvel, certidão negativa de débitos imobiliários, certidões negativas de ações cíveis, bem como extratos bancários, contracheques, fotos de benfeitorias e declarações de imposto de renda comprovando hipossuficiência financeira. Em réplica à contestação (09/08/2024), os autores reiteraram a posse exclusiva, legítima, mansa, pacífica, ininterrupta e de boa-fé há 34 anos, com animus domini, cumprindo a função social da propriedade. Rejeitaram as alegações da contestação como "infundadas" e "desprovidas de veracidade", afirmando que a própria contestante (Joseina) tentou beneficiar-se no processo de inventário como curadora de seu pai, e insistindo que a vasta documentação nos autos comprova o direito à regularização do bem. A causa de pedir remota fundamenta-se na alegada posse qualificada iniciada em 1990, enquanto a causa de pedir próxima reside no preenchimento de todos os requisitos legais da usucapião extraordinária prevista no Código Civil. 1.4. DA RESISTÊNCIA OFERECIDA PELOS RÉUS. Regularmente citada, JOSEINA DE OLIVEIRA SANTOS ofereceu tempestiva contestação, requerendo preliminarmente a concessão da justiça gratuita e sustentando tese jurídica diametralmente oposta. A requerida alegou que: a) Natureza Jurídica da Relação: A ocupação do imóvel pelos autores decorreu de comodato verbal concedido pelos pais (José de Oliveira Santos e Zeina da Silva Santos) como presente de casamento, configurando mera detenção precária incompatível com usucapião; b) Ausência de Animus Domini: Os autores sempre tiveram consciência de que não eram proprietários, tendo manifestado no processo de inventário de Zeina da Silva Santos (nº 0165430-79.2016.8.09.0175) expectativa de aquisição por doação, circunstância frontalmente incompatível com a alegação de posse ad usucapionem; c) Aplicação do Art. 1.208 do CC: Os atos de mera permissão ou tolerância não induzem posse para fins de usucapião, permanecendo os autores na qualidade de meros detentores; d) Marco Temporal da Interversão: A posse ad usucapionem dos autores somente se iniciaria após manifestação inequívoca de não querer devolver a coisa, ocorrida recentemente com a notificação judicial em 08/02/2023 no processo nº 5633532-74.2022.8.09.0051, sendo o prazo legal para usucapião, portanto, não completado; e) Coisa Julgada: A sentença proferida na ação de reintegração de posse confirmou a existência de comodato verbal e a natureza precária da ocupação. Para fundamentar suas alegações, a contestante instruiu sua peça defensiva com vários documentos, incluindo procuração, Termo de Compromisso da Inventariante, documentos de identificação e financeiros de Joseina (RG, comprovante de endereço, extrato bancário, CTPS, declarações de IR), e cópias de peças processuais do processo de inventário de Zeina da Silva Santos (petição inicial, procuração, emenda à inicial, pedido de conversão para inventário, primeiras declarações, parecer do Ministério Público contrário à doação e renúncia de meação). Estes documentos visavam comprovar o reconhecimento pelos autores de que não tinham posse ad usucapionem e esperavam adquirir o imóvel por doação. 1.5. DO CONTEXTO PROCESSUAL RELEVANTE. 1.5.1. Da Ação Possessória Conexa Concomitantemente ao trâmite da presente demanda, o ESPÓLIO DE ZEINA DA SILVA SANTOS ajuizou ação de reintegração de posse (processo nº 5680308-64.2024.8.09.0051) contra os mesmos autores, tendo por objeto o mesmo imóvel. Naquela demanda possessória, o espólio autor alegou que: O imóvel foi cedido em comodato verbal aos ora requerentes; Após o falecimento de Zeina da Silva Santos, os comodatários foram notificados judicialmente em 08/02/2023 para desocupação em 30 dias; A recusa em restituir o bem após 11/03/2023 configurou esbulho possessório. Regularmente citados na ação possessória, os ora autores não apresentaram contestação, configurando revelia. Após a realização de audiência de conciliação em 04/12/2024, sem sucesso, a ação possessória foi julgada PROCEDENTE em 24/03/2025, com sentença transitada em julgado, declarando cessado o comodato verbal, determinando a reintegração de posse do espólio e condenando os ora autores ao pagamento de indenização no valor de R$ 1.200,00 mensais a partir de 11/03/2023 até a efetiva desocupação, com correção monetária e juros legais. Na mesma sentença, o juízo determinou a extração de cópia integral daquela decisão para juntada nos presentes autos. A cópia da decisão/mandado da ação possessória foi efetivamente juntada aos autos na movimentação 70 (e 71), em 10 de fevereiro de 2025, com intimação efetivada em 06/05/2025. Destaque-se que o juízo da ação possessória, ao analisar a relação com a presente ação de usucapião, concluiu que não havia prejudicialidade necessária que justificasse a suspensão da ação possessória, pois os objetos são distintos (proteção da posse vs. declaração de propriedade). Ressalvou, entretanto, que a eventual procedência da ação possessória não impediria necessariamente o prosseguimento da usucapião, que poderia ser julgada procedente se os requisitos tivessem sido preenchidos antes do esbulho, com efeito ex tunc. 1.5.2. Do Processo de Inventário. No processo de inventário de Zeina da Silva Santos (nº 0165430-79.2016.8.09.0175), que tramitou perante a 2ª Vara de Sucessões de Goiânia, os autores da presente demanda manifestaram expectativa expressa de aquisição do imóvel por doação, circunstância que assume particular relevância para a caracterização do animus domini. Conforme documentação juntada aos autos pela parte ré, os autores outorgaram procuração específica para providências relativas à doação do imóvel no referido inventário, manifestaram expressamente expectativa de aquisição da propriedade por doação, reconheceram implicitamente não serem proprietários do bem, e comportaram-se de forma incompatível com a alegação de posse como donos há 34 anos. Em decisão proferida em 22/04/2025 (movimentação 74), este juízo determinou a expedição de ofício à 2ª Vara de Sucessões de Goiânia, requisitando cópia integral dos autos do processo de inventário, ou autorização para acesso eletrônico ao referido feito, para melhor análise das manifestações dos autores naquele processo. As cópias já juntadas pela contestante, no entanto, são suficientes para a análise da controvérsia, conforme será demonstrado na fundamentação. 1.6. DOS PONTOS CONTROVERTIDOS FIXADOS. Na decisão saneadora (movimentação 74), foram estabelecidos os seguintes pontos controvertidos: I - A natureza jurídica da relação: se constitui detenção (comodato) ou posse ad usucapionem; II - A existência de animus domini dos autores, considerando suas manifestações no inventário sobre expectativa de doação; III - A caracterização ou não de interversão possessória e seu marco temporal; IV - A repercussão da sentença da ação de reintegração de posse no presente processo; V - Os reflexos jurídicos das manifestações dos autores no processo de inventário. Naquela mesma decisão, este juízo determinou a intimação das partes para se manifestarem especificamente sobre a sentença da ação de reintegração de posse e seus reflexos, sobre os documentos do inventário e suas implicações para o animus domini, e sobre a alegada incompatibilidade das manifestações dos autores nos dois processos. Determinou-se, ainda, a remessa dos autos ao Ministério Público para manifestação. É o relatório. II – FUNDAMENTAÇÃO. 1. DO JULGAMENTO ANTECIPADO - APLICAÇÃO DO ART. 355, I, DO CPC. A presente demanda comporta julgamento antecipado com resolução de mérito, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil, uma vez que não há necessidade de produção de outras provas para o deslinde da controvérsia. Conforme leciona FREDIE DIDIER JR., "o julgamento antecipado do mérito é uma técnica de abreviação do procedimento que não viola o contraditório nem configura cerceamento de defesa quando aplicado adequadamente", constituindo "dever-poder do magistrado" quando presentes os requisitos legais. Para o processualista baiano, "o instituto não implica nenhuma nulidade da sentença por cerceamento de defesa se a matéria é unicamente de direito ou se nos autos há elementos suficientes para a análise das questões referentes à controvérsia" (Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 22ª ed., Salvador: JusPodivm, 2020, p. 698). JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE ensina que o julgamento antecipado representa situação em que "é dispensável a produção de novas provas, pois a matéria fática é incontroversa em decorrência da revelia ou já existem elementos suficientes para a formação do convencimento do juiz. A cognição, nesses casos, é exauriente e implica entrega da tutela jurisdicional inicialmente pleiteada" (Efetividade do Processo e Técnica Processual, 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 183). LUIZ GUILHERME MARINONI, pioneiro na defesa do julgamento antecipado no direito brasileiro, argumenta que o instituto busca evitar que "o processo prejudique quem possui razão" e que "não subsistem razões para que um pedido maduro aguarde a instrução relacionada aos demais". Segundo Marinoni, o julgamento antecipado "é expressão do princípio da efetividade processual e não configura cerceamento quando a parte que tem razão não deve ser obrigada a esperar a realização de um direito que não se mostra mais controvertido" (Novo Código de Processo Civil Comentado, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 424). NELSON NERY JUNIOR sustenta que o preceito é cogente: "conhecerá, e não poderá conhecer; se a questão for exclusivamente de direito, o julgamento antecipado da lide é obrigatório". Para o autor, "não pode o juiz, por sua mera conveniência, relegar para fase ulterior a prolação da sentença se houver desnecessidade de ser produzida prova em audiência" (Código de Processo Civil Comentado, 17ª ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 1033). TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER pontua que "o que justifica o julgamento antecipado é a completa desnecessidade de produção de outras provas para a formação da convicção judicial" e que "a decisão sobre a suficiência das provas já produzidas deve ser fundamentada, sob pena de nulidade" (Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 653). O Superior Tribunal de Justiça consolidou jurisprudência no sentido de que "não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide quando o tribunal de origem considera o feito devidamente instruído, reputando desnecessária a produção de provas para o julgamento, por se tratar de matéria eminentemente de direito ou de fato já comprovado documentalmente" (AgInt nos EDcl no AREsp 2.334.114/SP, 3ª Turma, j. 10/06/2024). No caso vertente, estão presentes os requisitos para o julgamento antecipado: a) Natureza da Controvérsia: A questão controvertida é eminentemente de direito, versando sobre a natureza jurídica da relação possessória e a caracterização de seus elementos essenciais; b) Suficiência Probatória: Os autos contêm elementos probatórios suficientes e inequívocos: documentação registral, sentença transitada em julgado da ação possessória, manifestações expressas das partes no inventário; c) Desnecessidade de Dilação: Não há necessidade de produção de outras provas, pois os fatos controvertidos estão adequadamente demonstrados através da prova documental e judicial já produzida; d) Exercício do Contraditório: As partes exerceram plenamente o contraditório na fase postulatória, apresentando suas teses com fundamentação jurídica e probatória; e) Economia Processual: A dilação probatória seria meramente protelatória, contrariando os princípios constitucionais da celeridade e duração razoável do processo. A respeito da desnecessidade de dilação probatória, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO ensina que "a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa não assegura a produção de qualquer prova requerida, mas apenas daquelas que sejam efetivamente necessárias ao deslinde da causa" (Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 2019, p. 83). No caso em tela, as provas documentais já carreadas aos autos, somadas à robustez da sentença da ação possessória e às declarações das próprias partes, são suficientes para a formação do convencimento judicial. 2. DO MÉRITO. 2.1. Da Usucapião Extraordinária - Pressupostos Legais e Doutrinários A usucapião extraordinária, modalidade mais ampla de prescrição aquisitiva, encontra disciplina no art. 1.238 do Código Civil: "Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis". O parágrafo único estabelece hipótese de redução do prazo aquisitivo: "O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo". CARLOS ROBERTO GONÇALVES, em sua consagrada obra "Direito Civil Brasileiro - Direito das Coisas", ensina que "a usucapião extraordinária é a mais ampla das modalidades aquisitivas, prescindindo de título e boa-fé, exigindo apenas posse qualificada pelo tempo estabelecido em lei". O civilista paulista esclarece que "os requisitos são: a) posse mansa e pacífica; b) posse contínua e ininterrupta; c) posse exercida com animus domini; d) transcurso do prazo legal; e) ausência de oposição do proprietário" (Direito Civil Brasileiro, vol. 5, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2020, p. 268). CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD, na obra "Direitos Reais", lecionam que "a usucapião extraordinária independe de justo título e boa-fé, mas exige rigorosamente a posse qualificada com animus domini, elemento que distingue a posse da mera detenção". Os civilistas baianos esclarecem que "o animus domini é elemento essencial e insubstituível, caracterizado pela intenção de exercer sobre a coisa poderes de proprietário, comportando-se como se titular do direito fosse" (Direitos Reais, 16ª ed., Salvador: JusPodivm, 2020, p. 389). ORLANDO GOMES, em sua obra clássica "Direitos Reais", define magistralmente que "o animus domini não se presume nem se deduz de circunstâncias externas; deve ser positivamente demonstrado através de atos inequívocos que revelem a intenção de exercer direitos dominiais sobre a coisa" (Direitos Reais, 21ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 168). WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO e CARLOS ALBERTO DABUS MALUF destacam que "o animus domini constitui o elemento subjetivo da posse ad usucapionem, consistindo na vontade do possuidor de ter a coisa como sua. Sem esse elemento subjetivo, não há posse com eficácia para conduzir à usucapião, mas apenas detenção" (Curso de Direito Civil - Direito das Coisas, 44ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 133). FLÁVIO TARTUCE sintetiza que "a usucapião extraordinária traz como requisitos fundamentais a posse com animus domini, mansa, pacífica, ininterrupta e contínua, além do decurso de tempo. Em suma, seu pressuposto é o exercício sem interrupção da posse sobre o bem com a intenção de ser dono (animus domini)" (Manual de Direito Civil, 10ª ed., São Paulo: Método, 2020, p. 982). 2.2. Da Distinção Fundamental: Posse versus Detenção. A questão nuclear do presente caso reside na correta aplicação da distinção entre posse e detenção, institutos que, conquanto próximos factualmente, possuem natureza jurídica e efeitos completamente diversos no ordenamento civil. O art. 1.208 do Código Civil estabelece regra fundamental: "Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância, assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade". Sobre essa distinção, a doutrina é uníssona. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, em suas "Instituições de Direito Civil", ensina que "a distinção entre posse e detenção é fundamental para o direito das coisas, pois enquanto a posse confere proteção possessória e pode gerar aquisição por usucapião, a detenção é situação precária que não produz efeitos aquisitivos". O jurista mineiro esclarece que "o detentor exerce poderes de fato sobre a coisa, mas em nome e no interesse de outrem, faltando-lhe o animus domini essencial à caracterização da posse" (Instituições de Direito Civil, vol. IV, 30ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 25). MARIA HELENA DINIZ, na obra "Curso de Direito Civil Brasileiro - Direito das Coisas", leciona que "o comodato, por sua natureza jurídica, gera apenas detenção qualificada, pois o comodatário tem consciência de que detém a coisa por liberalidade do proprietário, sendo essa consciência de precariedade incompatível com o animus domini necessário à usucapião" (Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 4, 37ª ed., São Paulo: Saraiva, 2023, p. 65). SILVIO DE SALVO VENOSA, em "Direito Civil - Direitos Reais", corrobora o entendimento ao afirmar que "a relação de comodato presume precariedade desde a origem, sendo juridicamente impossível a transformação automática em posse apta à usucapião pelo mero transcurso temporal, salvo se configurada interversão possessória através de ato inequívoco de oposição" (Direito Civil - Direitos Reais, 20ª ed., São Paulo: Atlas, 2020, p. 112). GUSTAVO TEPEDINO explica que "a detenção, por faltar-lhe o elemento subjetivo (animus), é uma relação fática com a coisa, mas não é posse, pois não há vontade de ter a coisa como própria" (Comentários ao Código Civil - Direito das Coisas, vol. 14, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 78). ROBERTO SENISE LISBOA enfatiza que "na detenção há mero poder físico sobre a coisa, sem animus domini, enquanto na posse verifica-se o poder físico somado à intenção de ser dono" (Manual de Direito Civil, vol. 4, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013, p. 88). 2.3. Do Comodato e sua Natureza Jurídica Específica. O comodato, disciplinado nos arts. 579 a 585 do Código Civil, constitui contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra coisa infungível para uso temporário, com a obrigação de restituí-la. ARNALDO RIZZARDO, em "Direito das Coisas", ensina que "o comodato é essencialmente precário, ainda que não fixado prazo, pois o comodatário detém a coisa por mera liberalidade do comodante, inexistindo direito próprio sobre o bem". O civilista gaúcho esclarece que "essa precariedade é incompatível com o animus domini, pois o comodatário tem plena consciência de que sua permanência no bem decorre de tolerância do proprietário" (Direito das Coisas, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 56). GUSTAVO TEPEDINO, MARIA CELINA BODIN DE MORAES e EDUARDO NUNES DE SOUZA, na obra "Direito Civil: Direito das Coisas", lecionam que "o comodato familiar, modalidade comum nas relações patrimoniais entre parentes, não perde sua natureza precária pelo fato de ser duradouro ou ter origem afetiva, permanecendo como detenção incompatível com usucapião" (Direito Civil: Direito das Coisas, vol. 5, Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 124). PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO destacam que "o comodato, ainda que verbal, gera vínculo obrigacional com o dever de restituição, incompatível com a ideia de aquisição originária por usucapião" (Manual de Direito Civil, 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2020, p. 779). SÍLVIO RODRIGUES observa que "no comodato, o elemento essencial é a gratuidade, sendo dever inarredável do comodatário a restituição da coisa após o uso, o que demonstra a precariedade da situação" (Direito Civil - Direito das Coisas, 28ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 54). FRANCISCO EDUARDO LOUREIRO enfatiza que "o uso da coisa pelo comodatário não induz posse, mas mera detenção, exatamente porque sua permanência no bem decorre de mera tolerância e há o reconhecimento do domínio alheio" (Código Civil Comentado, coord. Cezar Peluso, 14ª ed., São Paulo: Manole, 2020, p. 1301). 2.4. Da Análise Fática: Configuração do Comodato Verbal. A análise pormenorizada das circunstâncias fáticas dos autos revela, de forma cristalina e inequívoca, a existência de comodato verbal desde o início da relação jurídica entre as partes. 2.4.1. Da Origem Familiar da Concessão. A ocupação do imóvel pelos autores originou-se de comodato verbal concedido pelos pais de família (José de Oliveira Santos e Zeina da Silva Santos) como presente de casamento aos ora requerentes. Essa origem contratual de natureza familiar é absolutamente incompatível com o exercício de posse ad usucapionem, pois revela que os ocupantes tinham plena e expressa consciência de que sua permanência no imóvel decorria de liberalidade dos proprietários registrais. Como ensina PONTES DE MIRANDA, em seu monumental "Tratado de Direito Privado", "a origem da ocupação é elemento decisivo para caracterizar a natureza da relação jurídica, pois quem ingressa no imóvel por concessão do proprietário não pode, simultaneamente, alegar posse contra este mesmo proprietário, salvo se configurada posterior interversão através de ato inequívoco de oposição" (Tratado de Direito Privado, Tomo X, atualizado por Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 148). JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES destaca que "quando a posse tem origem em relação jurídica que a qualifica como mera detenção, somente se transforma em posse apta à usucapião mediante ato inequívoco de oposição ao proprietário, cientificado adequadamente dessa mudança de ânimo" (Posse - Evolução Histórica, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 340). MARCO AURÉLIO BEZERRA DE MELO pontua que "nas relações familiares em que há cessão gratuita de imóvel de pai para filho, irmão para irmão ou qualquer outra relação de parentesco, presume-se existir comodato familiar, sendo o tempo de permanência irrelevante para configurar usucapião" (Direito das Coisas, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 89). 2.4.2. Do Reconhecimento Judicial na Ação Possessória. A sentença transitada em julgado proferida na ação de reintegração de posse (processo nº 5680308-64.2024.8.09.0051) constitui coisa julgada material sobre a natureza da relação jurídica estabelecida entre as partes, não sendo possível sua rediscussão no presente feito. Aquela decisão judicial reconheceu expressamente: A existência de comodato verbal entre as partes; A natureza precária da ocupação exercida pelos ora autores; A legitimidade da pretensão reintegratória do espólio; A configuração de esbulho possessório apenas a partir de 11/03/2023. Conforme leciona HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, "a coisa julgada material produz eficácia erga omnes quanto aos fatos nela declarados, impedindo rediscussão em processos posteriores, ainda que entre as mesmas partes e com causa de pedir diversa" (Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 62ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 1102). CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO ensina que "o efeito positivo da coisa julgada material consiste na imposição da premissa estabelecida na sentença anterior sobre o julgamento de outras causas que tenham aquela como pressuposto lógico necessário" (Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 2019, p. 322). LUIZ GUILHERME MARINONI pontua que "existe influência de uma sentença sobre a outra quando a decisão da primeira ação constitui questão prejudicial à segunda, de modo que não se pode decidir a segunda causa sem levar em consideração a solução dada à primeira" (Código de Processo Civil Comentado, 6ª ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 684). 2.4.3. Das Manifestações Reveladoras no Inventário. As manifestações dos autores no processo de inventário de Zeina da Silva Santos (nº 0165430-79.2016.8.09.0175) são absolutamente reveladoras da ausência de animus domini e constituem verdadeira confissão extrajudicial da natureza precária de sua ocupação. JÚLIO MARTINS, em sua obra "Usucapião - Judicial e Extrajudicial", destaca que "as declarações do próprio interessado sobre a natureza de sua relação com o bem constituem elemento probatório de máxima relevância, pois revelam sua verdadeira intenção (animus) em relação à coisa". O autor acrescenta que "o reconhecimento expresso ou tácito, pelo possuidor, de que não é proprietário do bem, constitui fato impeditivo absoluto ao reconhecimento do animus domini" (Usucapião - Judicial e Extrajudicial, 3ª ed., Salvador: JusPodivm, 2020, p. 95). BENEDITO SILVÉRIO RIBEIRO enfatiza que "as manifestações processuais do possuidor reconhecendo domínio alheio ou manifestando expectativa de aquisição por outro meio que não a usucapião constituem prova robusta da ausência de animus domini, essencial à configuração da posse ad usucapionem" (Tratado de Usucapião, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017, vol. 1, p. 262). No processo de inventário, os autores: Outorgaram procuração específica para providências relativas à doação do imóvel; Manifestaram expectativa expressa de aquisição da propriedade por doação; Reconheceram implicitamente não serem proprietários do bem; Comportaram-se de forma incompatível com a alegação de posse como donos há 34 anos. MARCOS BERNARDES DE MELLO pontua que "o comportamento contraditório (venire contra factum proprium) em processos distintos revela má-fé processual e constitui quebra do dever de lealdade" (Teoria do Fato Jurídico - Plano da Validade, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019, p. 246). 2.5. Da Ausência de Animus Domini - Elemento Subjetivo Essencial O animus domini, elemento subjetivo da posse, constitui requisito essencial e inafastável para a configuração da usucapião, não sendo suprível por nenhuma outra circunstância fática. CLÓVIS BEVILÁQUA, em seus "Comentários ao Código Civil", ensina que "o animus domini é a alma da posse, o elemento que a distingue da mera detenção; sem ele, ainda que presentes todos os demais requisitos objetivos, jamais se configurará posse apta à aquisição da propriedade" (Comentários ao Código Civil, vol. III, Rio de Janeiro: Editora Rio, edição histórica, 1979, p. 123). LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA, em seus "Direitos de Família", leciona que "o animus domini deve ser inequívoco, não bastando comportamentos ambíguos ou dúbios; é necessário que o possuidor revele, através de atos positivos e contínuos, a firme intenção de exercer sobre a coisa todos os direitos inerentes ao domínio" (Direitos de Família, edição histórica, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, p. 154). FLÁVIO TARTUCE pontua que "o animus domini significa a intenção de ter a coisa como sendo do possuidor, agindo como se dono fosse, o que não ocorre nas situações de mera detenção, nas quais há o reconhecimento da propriedade alheia" (Manual de Direito Civil, 10ª ed., São Paulo: Método, 2020, p. 984). PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO destacam que "o animus domini distingue o possuidor do mero detentor, sendo este último aquele que, embora mantendo relação fática com a coisa, não tem vontade de tê-la como sua, reconhecendo a propriedade alheia" (Manual de Direito Civil, 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2020, p. 782). CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD enfatizam que "o animus domini não decorre simplesmente da intenção interna do sujeito, mas deve ser exteriorizado por meio de comportamentos concretos, visíveis e objetivos que demonstrem o comportamento como se proprietário fosse" (Curso de Direito Civil, vol. 5, 15ª ed., Salvador: JusPodivm, 2019, p. 102). No presente caso, a ausência de animus domini é manifesta e incontestável: 2.5.1. Da Consciência da Precariedade desde a Origem. Os autores sempre tiveram plena consciência de que ocupavam o imóvel por liberalidade dos proprietários registrais, conforme revela a própria origem da concessão (presente de casamento) e suas manifestações posteriores no inventário. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO elucida que "a consciência da precariedade da ocupação é o elemento central que impede a configuração do animus domini, pois quem reconhece o domínio alheio não pode, ao mesmo tempo, possuir como proprietário" (Direito Civil - Reais, 5ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 89). 2.5.2. Da Expectativa Contraditória de Doação. A manifestação expressa e inequívoca de expectativa de aquisição por doação no inventário é frontalmente incompatível com a alegação de exercício de posse como proprietários há 34 anos. Como pode alguém que se comporta como dono há décadas simultaneamente esperar adquirir o mesmo bem por doação? MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES observa que "a manifestação de interesse na aquisição do bem por qualquer outra modalidade derivada (compra e venda, doação, permuta) revela o reconhecimento da propriedade alheia, constituindo confissão extrajudicial da ausência de animus domini" (Curso de Direito Civil, vol. VI, 4ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996, p. 178). WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO e CARLOS ALBERTO DABUS MALUF advertem que "é juridicamente impossível que alguém manifeste, simultaneamente, a intenção de possuir como dono (para fins de usucapião) e a expectativa de adquirir o mesmo bem por título derivado (doação, compra e venda), pois há contradição lógica entre essas duas posturas" (Curso de Direito Civil - Direito das Coisas, 44ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 136). 2.5.3. Do Comportamento Processual Contraditório. O comportamento processual dos autores revela contradição lógica e jurídica flagrante: enquanto na presente ação alegam posse como proprietários desde 1990, no inventário manifestaram expectativa de doação, e na ação possessória foram reconhecidos como meros comodatários. Essa tríplice contradição demonstra a inexistência de animus domini consolidado. JUDITH MARTINS-COSTA enfatiza que "o comportamento contraditório no âmbito processual configura quebra do dever de boa-fé objetiva, princípio que perpassa todo o ordenamento jurídico e se aplica à conduta das partes em juízo" (A Boa-fé no Direito Privado, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018, p. 612). HUMBERTO THEODORO JÚNIOR pontua que "a conduta contraditória da parte em procedimentos judiciais distintos pode configurar litigância de má-fé, sendo dever do magistrado coibi-la e extrair as consequências jurídicas adequadas" (Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 62ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 302). 2.6. Da Interversão Possessória e sua Aplicação Temporal Específica. A interversão possessória constitui instituto excepcional que permite a transformação da detenção em posse, mas exige requisitos rigorosos e específicos para sua configuração. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, em "Direito Civil - Reais", leciona que "a interversão possessória é exceção ao princípio clássico de que ninguém pode melhorar sua própria condição jurídica (nemo sibi causam possessionis mutare potest), exigindo, por isso mesmo, requisitos excepcionais e rigorosos para sua caracterização". O civilista português ensina que "são requisitos da interversão: a) ato exterior e inequívoco de oposição; b) publicidade e notoriedade do ato; c) ciência inequívoca do interessado; d) transcurso do prazo aquisitivo após a interversão" (Direito Civil - Reais, 5ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 78). MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES, em "Curso de Direito Civil", ensina que "a interversão não se presume de atos ambíguos ou equívocos, exigindo manifestação clara, pública e notória de mudança de animus, seguida de ciência do titular do direito e transcurso integral do prazo prescricional posterior ao ato de oposição" (Curso de Direito Civil, vol. VI, 4ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996, p. 180). ARNALDO RIZZARDO elucida que "a interversão possessória exige ato inequívoco, explícito e formal de resistência ao proprietário, não bastando atos implícitos, ambíguos ou duvidosos" (Direito das Coisas, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 62). CARLOS ROBERTO GONÇALVES pontua que "a interversão do caráter da posse só ocorre por ato exterior, por meio do qual o possuidor demonstra, inequivocamente, sua intenção de não mais reconhecer o domínio alheio" (Direito Civil Brasileiro, vol. 5, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2020, p. 272). SILVIO DE SALVO VENOSA esclarece que "para a interversão possessória, não basta a mera intenção do detentor, sendo necessário um ato explícito, público e inequívoco de recusa à restituição, seguido da ciência inequívoca do titular do domínio" (Direito Civil - Direitos Reais, 20ª ed., São Paulo: Atlas, 2020, p. 118). 2.6.1. Da Análise Temporal: Marco da Interversão. No caso sub examine, a interversão possessória somente se configurou em período recente, especificamente: a) Primeira Manifestação Inequívoca de Oposição: Ocorreu quando os autores se recusaram expressamente a desocupar o imóvel após serem notificados judicialmente em 08/02/2023 no processo nº 5633532-74.2022.8.09.0051; b) Consumação do Esbulho: Conforme reconhecido na sentença da ação possessória, o esbulho se consumou em 11/03/2023, data em que efetivamente se iniciou a posse ad usucapionem; c) Prazo Insuficiente: Entre 11/03/2023 e a presente data, não transcorreu sequer o prazo mínimo de 10 anos exigido para a modalidade de usucapião extraordinária com prazo reduzido; d) Impossibilidade Jurídica Superveniente: A pretensão dos autores torna-se juridicamente impossível, pois pleiteiam reconhecimento de usucapião com fundamento em período durante o qual exerciam mera detenção precária por comodato verbal. TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER e LUIZ RODRIGUES WAMBIER observam que "a impossibilidade jurídica superveniente impede o acolhimento da pretensão, ainda que esta fosse inicialmente possível, pois o momento de apreciação das condições da ação é o da prolação da sentença" (Curso Avançado de Processo Civil, vol. 1, 17ª ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 348). 3. DA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. A solução jurídica do presente caso encontra respaldo inequívoco e definitivo na jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores pátrios. 3.1. Do Superior Tribunal de Justiça - Precedentes Específicos. a) Sobre a Incompatibilidade entre Comodato e Usucapião: "O comodato presume precariedade na posse, sendo incompatível com o animus domini necessário à usucapião. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a posse precária, exercida por mera tolerância do proprietário, não se transforma em posse ad usucapionem pelo simples decurso do tempo, exigindo ato inequívoco de interversão possessória" (AgInt no REsp 1.641.887/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 24/04/2018). "A posse em comodato não gera usucapião, em razão de sua precariedade. A relação entre as partes, originada em comodato, somente se transmuda para gerar efeitos possessórios, após inequívoca manifestação contrária à devolução da coisa, com ciência do comodante. É a partir desse marco que se inicia o prazo para aquisição da propriedade pela usucapião." (REsp 1.200.112/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 26/06/2012). "O comodato verbal gera a mesma obrigação de restituição que o comodato escrito, não havendo distinção quanto à natureza precária da posse" (REsp 1.748.332/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 18/03/2019). b) Sobre a Natureza do Animus Domini: "Para configuração do animus domini, exige-se que o autor detenha efetivamente a posse do bem e não a detenção. O comodato, por sua natureza jurídica, gera apenas detenção qualificada, incompatível com a prescrição aquisitiva, sendo irrelevante o tempo de permanência no imóvel ou a realização de benfeitorias" (REsp 1.273.259/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 15/08/2016). "A realização de benfeitorias e o pagamento de tributos, por si sós, não caracterizam o animus domini necessário à usucapião, mormente quando o início da ocupação do imóvel se deu a título precário, com o reconhecimento da propriedade alheia" (AgInt no AREsp 1.189.225/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 12/06/2018). "O animus domini, elemento subjetivo indispensável à caracterização da usucapião, não se presume, devendo ser demonstrado por meio de atos concretos que exteriorizem a vontade inequívoca de comportar-se como proprietário" (AgInt nos EDcl no REsp 1.893.771/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 11/12/2023). c) Sobre os Requisitos da Interversão Possessória: "A interversão da posse exige ato inequívoco de oposição do possuidor direto contra o indireto, devidamente cientificado, seguido do transcurso do prazo aquisitivo posterior ao ato de oposição. Não se presume a interversão de atos ambíguos, da mera permanência no imóvel ou da simples realização de benfeitorias" (REsp 1.122.214/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 10/05/2011). "Para a caracterização da interversão possessória é necessário que o ato de oposição seja inequívoco e de conhecimento do possuidor indireto, iniciando-se o prazo para usucapião somente após esse marco" (REsp 1.317.749/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 19/11/2013). "O ocupante que ingressa no imóvel por vínculo de comodato somente pode iniciar posse ad usucapionem após negar-se formalmente a devolvê-lo, com inequívoca ciência do comodante" (AgInt no AREsp 1.456.543/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 14/10/2019). d) Sobre Manifestações do Próprio Interessado: "As declarações do próprio interessado sobre a natureza precária de sua ocupação constituem elemento probatório relevante para afastar o animus domini e a configuração da posse apta à usucapião, especialmente quando há manifestação de expectativa de aquisição por outro título" (REsp 940.201/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 16/02/2009). "A contradição entre as afirmações do suposto possuidor em diferentes procedimentos judiciais, ora alegando posse própria para fins de usucapião, ora manifestando interesse na aquisição derivada do mesmo bem, revela a ausência de animus domini e impede o reconhecimento da usucapião" (REsp 1.582.176/MG, 3ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 18/09/2017). e) Sobre Comodato Familiar: "A ocupação de imóvel por relações familiares, como entre pais e filhos, com anuência do proprietário, caracteriza tipicamente comodato familiar, modalidade precária de detenção, incompatível com a aquisição por usucapião" (AgInt no REsp 1.911.227/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 28/03/2022). "O chamado comodato familiar é caracterizado pela cessão gratuita de imóvel por relação de parentesco, tendo natureza precária mesmo que perdurado por longo tempo, não gerando posse ad usucapionem" (AgInt no AREsp 1.785.620/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 09/08/2021). 3.2. Dos Tribunais de Justiça Estaduais. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em decisão paradigmática recente, firmou entendimento que se aplica integralmente ao presente caso: "A permissão de uso afasta o animus domini e invalida a decisão que reconheceu usucapião; posse era detenção precária decorrente de mera tolerância familiar. O comodato familiar não se transmuda automaticamente em posse apta à usucapião pelo simples transcurso temporal" (Ação Rescisória nº 0300791-34.2023.8.24.0000, Grupo de Câmaras de Direito Civil, Rel. Des. Jaime Ramos, j. 19/02/2025). O Tribunal de Justiça de São Paulo tem decidido reiteradamente que: "A ocupação de imóvel em decorrência de comodato verbal familiar caracteriza mera detenção, não configurando posse ad usucapionem. A realização de benfeitorias e o pagamento de tributos não alteram essa natureza precária, sendo necessário ato inequívoco de oposição para iniciar-se o prazo de usucapião" (Apelação Cível nº 1005879-42.2023.8.26.0100, 12ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Sandra Galhardo Esteves, j. 15/05/2024). O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul consolidou entendimento de que: "O comodato verbal gera as mesmas obrigações do comodato escrito, configurando mera detenção. A posterior recusa à devolução do bem constitui esbulho possessório e somente a partir desse momento inicia-se eventual prazo para usucapião" (Apelação Cível nº 70087652345, 20ª Câmara Cível, Rel. Des. Dilso Domingos Pereira, j. 22/03/2024). O Tribunal de Justiça de Minas Gerais tem decidido que: "A manifestação de interesse na aquisição do bem por doação ou compra e venda constitui reconhecimento inequívoco do domínio alheio, incompatível com o animus domini necessário à usucapião" (Apelação Cível nº 1.0000.23.147589-6/001, 11ª Câmara Cível, Rel. Des. Marcos Lincoln, j. 11/12/2023). 4. DA VALORAÇÃO PROBATÓRIA. A valoração sistemática das provas produzidas nos autos conduz a uma conclusão unívoca e inequívoca sobre a natureza da relação jurídica estabelecida entre as partes. 4.1. Da Prova Documental a) Certidão de Transcrição: Comprova a titularidade registral do espólio requerido, não havendo qualquer registro posterior em favor dos autores; b) Documentos do Inventário: Revelam de forma cristalina a expectativa dos autores de aquisição por doação, incompatível com alegação de posse ad usucapionem. Os autores outorgaram procuração específica para providências relacionadas à doação do imóvel no inventário, revelando inequivocamente que não se consideravam proprietários; c) Certidões Negativas: Demonstram a inexistência de qualquer título aquisitivo ou registro em favor dos autores. ANTONIO CARLOS MARCATO ensina que "na valoração da prova documental, o juiz deve considerar não apenas seu conteúdo explícito, mas também as circunstâncias em que foi produzida e sua coerência com as demais provas dos autos" (Código de Processo Civil Interpretado, 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 451). 4.2. Da Prova Judicial (Coisa Julgada). A sentença transitada em julgado da ação possessória constitui prova judicial de máxima força probatória, tendo reconhecido: A existência inequívoca de comodato verbal; A natureza precária da ocupação dos autores; A legitimidade da pretensão reintegratória; A configuração de esbulho apenas a partir de 11/03/2023. MOACYR AMARAL SANTOS leciona que "a sentença transitada em julgado constitui prova de máxima hierarquia, dotada de presunção absoluta de veracidade quanto aos fatos nela reconhecidos" (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. 2, 27ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 384). 4.3. Da Prova Confessória. As manifestações dos autores no inventário configuram confissão extrajudicial da natureza precária de sua ocupação, constituindo prova contra o próprio confitente, insuscetível de retratação. JOÃO BATISTA LOPES destaca que "a confissão extrajudicial, documentalmente comprovada, constitui prova robusta contra quem a fez, sendo particularmente relevante quando praticada em procedimento judicial diverso" (A Prova no Direito Processual Civil, 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 152). FREDIE DIDIER JR., PAULA SARNO BRAGA e RAFAEL ALEXANDRIA DE OLIVEIRA esclarecem que "a confissão extrajudicial documentada tem força probante similar à confissão judicial, especialmente quando feita em outro processo judicial, constituindo prova plena contra o confitente" (Curso de Direito Processual Civil, vol. 2, 15ª ed., Salvador: JusPodivm, 2020, p. 187). III – DISPOSITIVO. Ante o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial por JOVALCYR DE OLIVEIRA SANTOS e ELIANA DE FATIMA FERREIRA DA SILVA E OLIVEIRA em face do ESPÓLIO DE JOSÉ DE OLIVEIRA SANTOS e demais requeridos, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Em consequência, DECLARO inexistente a alegada aquisição originária do imóvel situado na Rua Montes Claros, quadra 53, lote 19, Jardim Guanabara, Goiânia, Goiás, por usucapião extraordinária, uma vez que a relação jurídica estabelecida entre as partes sempre foi de comodato verbal, configurando mera detenção precária, incompatível com a posse ad usucapionem, conforme expressa vedação do art. 1.208 do Código Civil. CONDENO os autores ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, observada a suspensão da exigibilidade em razão da gratuidade de justiça deferida, nos termos do art. 98, §3º, do mesmo diploma legal. DEFIRO o benefício da justiça gratuita à requerida JOSEINA DE OLIVEIRA SANTOS, considerando a documentação que comprova sua hipossuficiência financeira. Após o trânsito em julgado, OFICIE-SE ao Cartório de Registro de Imóveis competente para conhecimento da improcedência da presente ação de usucapião. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cópia desta decisão servirá como MANDADO/OFÍCIO, para o efetivo cumprimento das determinações constantes do ato, nos termos do artigo 136 e seguintes do Código de Normas e Procedimentos do Foro Judicial da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Goiás. Goiânia, data da assinatura eletrônica. MARCELO PEREIRA DE AMORIM Juiz de Direito da 21ª Vara Cível de Goiânia

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