Aspecir Previdencia x Ana Eunice Borges Da Silva
ID: 333379804
Tribunal: TJRS
Órgão: Secretaria da 19ª Câmara Cível
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5006769-43.2022.8.21.5001
Data de Disponibilização:
24/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCELO NORONHA PEIXOTO
OAB/RS XXXXXX
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LEANDRO MARTINI ARAUJO
OAB/RS XXXXXX
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SANGIOGO ADVOGADOS ASSOCIADOS
OAB/RS XXXXXX
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TIAGO SANGIOGO
OAB/RS XXXXXX
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Apelação Cível Nº 5006769-43.2022.8.21.5001/RS
TIPO DE AÇÃO:
Mútuo
RELATOR
: Desembargador ANTONIO MARIA RODRIGUES DE FREITAS ISERHARD
APELANTE
: ASPECIR PREVIDENCIA (RÉU)
ADVOGADO(A)
: MARCELO NORO…
Apelação Cível Nº 5006769-43.2022.8.21.5001/RS
TIPO DE AÇÃO:
Mútuo
RELATOR
: Desembargador ANTONIO MARIA RODRIGUES DE FREITAS ISERHARD
APELANTE
: ASPECIR PREVIDENCIA (RÉU)
ADVOGADO(A)
: MARCELO NORONHA PEIXOTO (OAB RS095975)
APELADO
: ANA EUNICE BORGES DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: TIAGO SANGIOGO
ADVOGADO(A)
: LEANDRO MARTINI ARAUJO (OAB RS088365)
EMENTA
DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. LIMITAÇÃO DE JUROS REMUNERATÓRIOS. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
I. CASO EM
EXAME
Recurso de apelação interposto contra sentença que julgou procedente o pedido inicial em ação revisional de contrato bancário.
II. QUESTÃO EM
DISCUSSÃO
Discute-se a limitação dos juros remuneratórios à média de mercado do Banco Central, a repetição do indébito e honorários sucumbenciais.
III. RAZÕES DE DECIDIR
A impugnação à gratuidade da justiça foi rejeitada por ausência de prova da capacidade financeira da parte autora.
A alegação de prescrição foi afastada, por já ter sido decidida em momento anterior, operando-se a coisa julgada.
Juros remuneratórios. Os juros remuneratórios são devidos conforme contratados quando adequados à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central. Quando pactuados em percentual elevado e não comprovada nos autos nenhuma peculiaridade na relação contratual a permitir a incidência de juros em patamar superior à taxa média de mercado ou quando não demonstrada a taxa contratada, devem ser com base nela limitados.
A compensação e/ou a repetição dos valores pagos a maior é conclusão lógica da revisão dos contratos bancários, se constatado for que houve diferença. Tais valores deverão ser devolvidos na forma simples por ausência de engano injustificável ou conduta contrária à boa-fé objetiva da parte ré.
Honorários sucumbenciais fixados por equidade.
IV. DISPOSITIVO E TESE
Recurso provido em parte.
Dispositivos relevantes citados:
art. 42, art. 51, §1º, do CDC; art. 85, §§ 2º e 8º, art. 502, art. 503, do CPC; arts 884 do CC; Súmulas 596/STF, 382/STJ e 322/STJ.
Jurisprudência relevante citada: REsp 1.061.530/RS; REsp 1.821.182/RS; AgInt no AREsp 2.148.780/RS; EAREsp 622.897/RS;AgInt no AREsp 1859753/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 14/02/2022, DJe 21/02/2022;AgInt nos EDcl no AREsp 1064314/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/08/2018, DJe 28/08/2018.
DECISÃO MONOCRÁTICA
Trata-se de recurso de apelação interposto por ASPECIR PREVIDÊNCIA contra a sentença na qual foram julgados procedentes os pedidos formulados na ação de revisão de contrato ajuizada por
ANA EUNICE BORGES DA SILVA
Constou no dispositivo da sentença ao
evento 32, SENT1
:
(...)
ISSO POSTO, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil
julgo
PROCEDENTES
os pedidos ajuizados por
ANA EUNICE BORGES DA SILVA
,
para o fim de:
a)
limitar os juros remuneratórios à taxa média do mercado financeiro, correspondente à modalidade contratual da operação, nos termos da fundamentação, ou seja, 1,97% ao mês em relação ao contrato n. 29672345; e 1,82% ao mês para o contrato n. 29680626.
b)
autorizar a compensação e/ou repetição do indébito na forma simples, primeiro compensando-se e após, havendo valores remanescentes, repetindo-os em favor da parte autora. Assinalo, desde logo, que, para fins de eventual repetição do indébito, os valores eventualmente pagos a maior, devem ser devolvidos, na forma simples, e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação e de correção monetária pelo IGP-M a partir da data do efetivo pagamento.
c
)
determinar que, após o trânsito em julgado seja instaurada liquidação de sentença fins de apurar os valores devidos;
Ante a sucumbência, condeno a parte ré ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte autora, que estabeleço em 20% do valor atribuído à causa, corrigido monetariamente pelo IGP-M desde o ajuizamento da ação até o efetivo pagamento, tendo em conta a natureza e importância da lide e o trabalho exigido do profissional, conforme artigo 85, § 2° do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Caso haja recurso, intime-se a parte contrária para contrarrazões. Após, remetam-se os autos ao Tribunal de Justiça.
Transitado em julgado e nada mais sendo requerido, pagas eventuais custas remanescentes, arquivem-se, com baixa.
Nas razões recursais, ao
evento 41, APELAÇÃO1
, após síntese dos fatos, impugna a gratuidade da justiça concedida a parte autora. Frisa
que a parte autora tem base para previdência de R$ 6.748,84, montante bruto acima do limite objetivo de 05 (cinco) salários-mínimos.
Colaciona precedentes. Requer seja revogado o benefício. Sustenta que a ação está prescrita. Informa que o contrato n° 29672345 foi firmado em 15.03.2012 e ação ajuizada em setembro de 2022, quando já transcorrido o prazo decenal. Alternativamente, pede a aplicação do prazo prescricional previsto no artigo 206, § 3º, inc. IV do Código Civil, a repetição do indébito. Ressalta que a revisão dos juros remuneratórios só deve ocorrer em situações excepcionais, o que não é o caso dos autos. Ressalta que a média de mercado divulgada pelo Banco Central não é um limitador dos juros. Enfatiza que os juros contratuais não são abusivos. Cita o Recurso Especial n.º 1.061.530/RS. Alternativamente, requer que os juros sejam limitados a uma vez e meia ou o dobro da taxa de mercado. Busca o afastamento da determinação de repetição do indébito ou, caso mantida, seja declarada a prescrição das parcelas pagas há mais de três anos, nos termos previstos no art. 206, § 3º, inciso IV do Código Civil. Pugna pela redução dos honorários sucumbenciais. Postula pelo provimento do recurso.
Contrarrazões ao
evento 44, CONTRAZAP1
.
Vieram-me os autos conclusos.
É o relatório.
Atendidos os requisitos de admissibilidade, recebo o recurso.
Com base na Súmula 568 do Superior Tribunal de Justiça
1
e no artigo 206, XXXVI do RITJRS
2
, passo ao julgamento de forma monocrática, porquanto há entendimento dominante sobre a matéria devolvida à apreciação desta Corte.
Ademais, em virtude de delegação outorgada pelo Órgão colegiado, o sistema recursal vigente autoriza o relator a julgar monocraticamente a matéria quando esta encontra, como no caso, posicionamento uníssono acerca da controvérsia jurídica estabelecida.
Da mesma forma, dispõe o artigo 1.011, I, do Código de Processo Civil
3
que o relator decidirá monocraticamente o recurso de apelação nas hipóteses do artigo 932, III a V
4
, caso dos autos.
Busca a parte ré a revogação da gratuidade da justiça concedida a parte adversa, a declaração de prescrição da ação, a manutenção da taxa de juros remuneratórios dos contratos n.ºs 29672345 e 29680626, o afastamento da repetição do indébito e a redução dos honorários sucumbenciais.
Impugnação. Gratuidade Judiciária.
Compulsando os autos, constata-se que a parte ré impugnou a gratuidade da justiça concedida a parte autora na contestação
5
ao
evento 12, CONT1
, tendo o juízo de origem desacolhido a impugnação ao
evento 17, DESPADEC1
.
Já em sede recursal reitera os termos da impugnação apresentada, sem produzir prova da capacidade financeira da parte adversa, ônus que não se desincumbiu.
Por conseguinte, rejeito a impugnação.
Prescrição. Coisa Julgada. Preclusão consumativa
.
O Código de Processo Civil, ao tratar da coisa julgada material, assim dispõe sobre a matéria:
Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.
Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.
A própria Constituição Federal, no artigo 5º, inciso XXXVI
6
, assegura a autoridade da coisa julgada material.
Tratando da coisa julgada, cita-se a lição de Alexandre Freitas Câmara
7
:
A coisa julgada é uma estabilidade alcançada por certas sentenças (mas não todas). E produz ela uma relevante consequência (que se pode chamar de
efeito negativo da coisa julgada
): o impedimento à repropositura da demanda já decidida por sentença coberta pela autoridade de coisa julgada, sendo o caso de extinguir-se o processo, sem resolução do mérito, se a demanda vier a ser proposta novamente (art. 485, V), com as mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido (art. 337, §§ 2
o
e 4
o
).
Mas há duas espécies de coisa julgada, com diferentes graus de estabilidade: coisa julgada
formal
e coisa julgada
material
(ou
substancial
).
Chama-se
coisa julgada formal
à estabilidade alcançada, ao se tornarem irrecorríveis, por certas (mas não todas as) sentenças terminativas, isto é, sentenças que não contêm a resolução do mérito da causa.
(...)
Diferente da coisa julgada formal, e ainda mais intensa (já que nem com a “correção do vício” seria possível demandar-se novamente), é a
coisa julgada material
, autoridade que acoberta as decisões de mérito irrecorríveis, tornando-as imutáveis e indiscutíveis (art. 502). Formada a coisa julgada material, o conteúdo da decisão de mérito se torna imutável e indiscutível, não mais podendo ser alterado nem rediscutido, seja em que processo for. Aqui, mais do que em qualquer outra situação, pode-se falar em
causa julgada
. É que a coisa julgada material é a imutabilidade do conteúdo da decisão de mérito irrecorrível.
O Código de Processo Civil
8
, em respeito à segurança jurídica das decisões cobertas pela coisa julgada, considera como deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que as partes poderiam ter suscitado no processo para o acolhimento de suas teses.
Sobre os limites e a eficácia preclusiva da coisa julgada, transcreve-se o magistério de Daniel Amorim Assumpção
9
:
A imutabilidade gerada pela coisa julgada material impede que a mesma causa seja novamente enfrentada judicialmente em novo processo. Por mesma causa entende-se a repetição da mesma demanda, ou seja, um novo processo com as mesmas partes (ainda que em polos invertidos), mesma causa de pedir (próxima e remota) e mesmo pedido (imediato e mediato) de um processo anterior já decidido por sentença de mérito transitada em julgado, tendo sido gerada coisa julgada material. O julgamento no mérito desse segundo processo seria um atentado à economia processual, bem como fonte de perigo à harmonização dos julgados. Na realidade, mesmo que a segunda decisão seja no mesmo sentido da primeira, nada justifica que a demanda prossiga, sendo o efeito negativo da coisa julgada o impedimento de novo julgamento de mérito, independentemente do seu teor.
(...)
Havendo a modificação de qualquer um desses elementos da demanda, ainda que parcialmente (p. ex., novos fatos jurídicos com a manutenção da mesma fundamentação jurídica), afasta-se qualquer impedimento ao novo julgamento, considerando-se tratar de nova demanda, ainda que consideravelmente parecida com aquela que já foi julgada e cuja decisão está protegida pela coisa julgada material.
Esse impedimento de novo julgamento exige que a causa seja exatamente a mesma, sendo entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência que a função negativa só é gerada quando aplicável ao caso concreto a teoria da tríplice identidade (tria eadem). Tratando-se de matéria de ordem pública, o juiz deve de ofício extinguir o processo posterior sem a resolução do mérito, em respeito à coisa julgada já formada, nos termos do art. 485, V, do Novo CPC. Como nem sempre é possível ao juiz conhecer a existência do primeiro processo e a consequente coisa julgada material, caberá ao réu a alegação em matéria preliminar de contestação, ainda que tal matéria não sofra preclusão, podendo ser alegada a qualquer momento do processo.
(...)
O art. 508 do Novo CPC prevê que com o trânsito em julgado considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia ter levado ao processo para fundamentar tanto o acolhimento como a rejeição do pedido. Trata-se da eficácia preclusiva da coisa julgada.
É simples entender a regra quando aplicada para as possíveis alegações de defesa do réu. Havendo mais de uma matéria defensiva, caberá ao réu apresentá-las em sua totalidade, não lhe sendo possível ingressar com outra demanda arguindo matéria de defesa que deveria ter sido apresentada em processo já extinto com coisa julgada material". O réu que alega somente o pagamento de dívida e vem a ser condenado a pagá-la não poderá ingressar com outro processo alegando a prescrição e requerendo a repetição de indébito, porque a alegação de prescrição deveria ter sido elaborada como matéria de defesa do primeiro processo.
Aplicada ao autor, a regra da eficácia preclusiva da coisa julgada gera maior controvérsia. A parcela majoritária tem o entendimento que parece ser o mais correto: a eficácia preclusiva da coisa julgada atinge tão somente as alegações referentes à causa de pedir que fez parte da primeira demanda, porquanto alegado outro fato jurídico ou outra fundamentação jurídica, não presentes na primeira demanda, afasta-se do caso concreto a tríplice identidade, considerando-se tratar-se de nova causa de pedir. Alegada a falta de pagamento na ação de despejo e sendo julgado o pedido improcedente, é admissível uma nova ação de despejo fundada em danos causados ao imóvel locado.
Outra parcela doutrinária entende que a eficácia preclusiva da coisa julgada é mais ampla, atingindo alegações alheias à causa de pedir presente na demanda que produziu coisa julgada material. Para essa parcela da doutrina, o art. 508 do Novo CPC atinge todos os fatos jurídicos deduzíveis na ação, o que naturalmente o faz atingir inclusive fatos jurídicos alheios à causa de pedir narrada pelo autor.
É possível ainda indicar uma terceira corrente doutrinária, intermediária entre as duas mais comuns, que entende que a eficácia preclusiva da coisa julgada atinge todos os fatos da mesma natureza conducentes ao mesmo efeito jurídico, mas não fatos de natureza diversa ou fatos de mesma natureza que produzam efeitos jurídicos diversos".
Interessante notar que a eficácia preclusiva da coisa julgada não contraria os limites objetivos da coisa julgada. Numa análise apressada e superficial poder-se-ia questionar a regra do art. 508 do Novo CPC, questionando-se que, se nem mesmo as alegações feitas e decididas na fundamentação fazem coisa julgada, como poderiam se tornar imutáveis e indiscutíveis alegações que nem ao menos foram feitas e enfrentadas pelo juiz? A visão é equivocada porque não compreende a função instrumental da eficácia preclusiva da coisa julgada; a impossibilidade de discutir alegações não realizadas em novo processo só se justifica nos limites da proteção à coisa julgada material". Dessa forma, sempre que o enfrentarnento dessas alegações puder levar à decisão que contrarie o dispositivo de decisão protegido pela coisa julgada material, aplica-se a regra da eficácia preclusiva da coisa julgada para impedir a decisão a seu respeito.
Cabe destacar que mesmo as ações que envolvam matéria de ordem pública, uma vez deduzido e decidido o ponto pelo judiciário, seja no mesmo processo ou em demanda distinta, a autoridade da coisa julgada deverá prevalecer.
Nessa linha, orientam os precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU DO AGRAVO (ART. 1.042, DO CPC/15) PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECLAMO.
INSURGÊNCIA RECURSAL DA PARTE AGRAVANTE.
1. Conforme precedentes desta Corte Superior, opera-se a preclusão consumativa quanto à impenhorabilidade do bem de família quando houver decisão anterior acerca do tema, mesmo se tratando de matéria de ordem pública. Incidência da Súmula 83/S TJ.
2. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 1859753/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 14/02/2022, DJe 21/02/2022)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.AGRAVO DE INSTRUMENTO. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. PRECLUSÃO. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE FATOS E PROVAS. SUMULA 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. No presente caso, não é possível rever a conclusão do acórdão recorrido em relação à questão discutida estar acobertada pela coisa julgada e pela preclusão, uma vez que seria necessário o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, que é vedado em razão do óbice da Súmula 7 do STJ.
2. O STJ possui firme o entendimento no sentido de que "ainda que a questão seja de ordem pública, há preclusão consumativa se a matéria tiver sido objeto de decisão anterior definitivamente julgada" (AgRg no AREsp 630.587/SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 28/6/2016, Dje 1/7/2016).
3. Agravo interno não provido.
(AgInt nos EDcl no AREsp 1064314/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/08/2018, DJe 28/08/2018)
Desse modo, a coisa julgada material é a estabilidade que se projeta para fora do processo, alcançando as partes da ação em que proferida a decisão
10
. Portanto, é vedada a rediscussão de questões já decididas pelo judiciário, mesmo matéria de ordem pública, frente a preclusão consumativa
11
.
No caso concreto, a parte apelante busca a declaração da prescrição da ação, reiterando a tese apresentada na contestação.
Todavia, apreciando os autos originários verifica-se que a matéria foi apreciada na decisão ao
evento 17, DESPADEC1
e não houve recurso das partes.
Portanto, o ponto não será reanalisado em sede de apelação sob pena de violação da coisa julgada.
Revisão Contratual. Possibilidade.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos XXXII
12
e XXXV
13
dispõe que todos os cidadãos possuem o direito de ação e acesso ao Poder Judiciário, dando ênfase ao direito dos consumidores.
Já o Código de Defesa do Consumidor
14
assegura ao consumidor, além do direito a informação clara e adequada sobre o produto e/ou serviço contratado, a possibilidade da revisão das cláusulas contratuais, quando estabeleçam prestações desproporcionais ou, em decorrência de fato superveniente, se tornem excessivamente onerosas.
Tratando da possibilidade da revisão dos contratos, orientam os precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA. PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA. MITIGAÇÃO. ADOÇÃO DO COEFICIENTE DE EQUALIZAÇÃO DE TAXAS - CET. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. CAPITALIZAÇÃO ANUAL E INAPLICABILIDADE DO CDC. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Não se verifica a alegada violação aos arts. 489, § 1º, IV, e 1.022, II, do CPC/2015, na medida em que a eg. Corte Estadual dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas.
2. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, sendo aplicável o Código de Defesa do Consumidor, é permitida a revisão das cláusulas contratuais pactuadas, em razão da mitigação do princípio do pacta sunt servanda, mormente ante os princípios da boa-fé objetiva, função social dos contratos e dirigismo contratual.
3. Tendo o contrato sido firmado antes de 31/3/2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), é inviável a capitalização mensal de juros, segundo o entendimento consolidado nesta Corte Superior de Justiça em sede, inclusive, de recurso especial repetitivo (REsp 973.827/RS, Rel. p/ acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe de 24/09/2012).
4. A análise dos prejuízos advindos da previsão contratual de adoção do Coeficiente de Equalização de Taxas - CET, no caso concreto, demandaria a incursão em aspectos fático-probatórios e análise de cláusulas contratuais, inviável em sede de recurso especial.
5. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp n. 2.020.417/SC, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 30/5/2022, DJe de 29/6/2022.)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO REVISIONAL - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU DO AGRAVO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA DEMANDADA.
1. Para alterar as conclusões contidas no decisum e acolher o inconformismo recursal no sentido de verificar a apontada afronta à liberdade de contratar, seria imprescindível a interpretação de cláusulas do contrato celebrado entre as partes e a incursão no conjunto fático e probatório dos autos, providências que atraem os óbices estabelecidos pelas Súmulas 5 e 7 do STJ. Precedentes.
1.1. Ademais, a jurisprudência deste Tribunal Superior é firme no sentido de que o princípio da pacta sunt servanda pode ser relativizado, visto que sua aplicação prática está condicionada a outros fatores, como, por exemplo, a função social, a onerosidade excessiva e o princípio da boa-fé objetiva dos contratos. Incidência da Súmula 83/STJ.
2. Segundo a jurisprudência desta Corte, a aferição do percentual em que cada litigante foi vencedor ou vencido ou a conclusão pela existência de sucumbência mínima ou recíproca das partes é questão que não comporta exame em recurso especial, por envolver aspectos fáticos e probatórios, aplicando-se à hipótese a Súmula 7/STJ. Precedentes.
3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 1506600/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 09/12/2019, DJe 12/12/2019)
O fornecimento de crédito sem garantia e/ou a certo perfil de consumidores, é uma opção da instituição financeira, não servindo como óbice à revisão contratual.
Ademais, a presunção de simetria e paridade dos contratos se mantém até que seja comprovado a existência de elementos que justifiquem sua revisão
15
.
Juros remuneratórios
Conforme a Lei 4.595/64, que regula a atividade bancária, não é possível limitar os juros remuneratórios, além de ser pacífico na jurisprudência, de acordo com a Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal
16
, que a Lei da Usura não é aplicável em relação à taxa de juros. No mesmo sentido são as Súmulas 296
17
e 382
18
do Superior Tribunal de Justiça.
Cumpre destacar, ainda, que o parágrafo terceiro do artigo 192 da Constituição Federal se encontra revogado pela EC n.º 40 de 20/05/2003.
Contudo, apesar do entendimento acima exposto, os juros remuneratórios poderão ser excepcionalmente revisados quando demonstrada a relação de consumo entre os contratantes e a desvantagem exacerbada do consumidor em relação ao contrato firmado com a instituição financeira.
A esse respeito, veja-se a orientação trazida no Recurso Repetitivo nº 1.061.530/RS
19
:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES.
DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO Constatada a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, foi instaurado o incidente de processo repetitivo referente aos contratos bancários subordinados ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos da ADI n.º 2.591-1. Exceto: cédulas de crédito rural, industrial, bancária e comercial; contratos celebrados por cooperativas de crédito; contratos regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação, bem como os de crédito consignado.
Para os efeitos do § 7º do art. 543-C do CPC, a questão de direito idêntica, além de estar selecionada na decisão que instaurou o incidente de processo repetitivo, deve ter sido expressamente debatida no acórdão recorrido e nas razões do recurso especial, preenchendo todos os requisitos de admissibilidade.
Neste julgamento, os requisitos específicos do incidente foram verificados quanto às seguintes questões: i) juros remuneratórios;
ii) configuração da mora; iii) juros moratórios; iv) inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes e v) disposições de ofício.
PRELIMINAR O Parecer do MPF opinou pela suspensão do recurso até o julgamento definitivo da ADI 2.316/DF. Preliminar rejeitada ante a presunção de constitucionalidade do art. 5º da MP n.º 1.963-17/00, reeditada sob o n.º 2.170-36/01. I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE.
ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada ? art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.
ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descarateriza a mora; b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual.
ORIENTAÇÃO 3 - JUROS MORATÓRIOS Nos contratos bancários, não-regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês.
ORIENTAÇÃO 4 - INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES a) A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito; ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz; b) A inscrição/manutenção do nome do devedor em cadastro de inadimplentes decidida na sentença ou no acórdão observará o que for decidido no mérito do processo.
Caracterizada a mora, correta a inscrição/manutenção.
ORIENTAÇÃO 5 - DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO É vedado aos juízes de primeiro e segundo graus de jurisdição julgar, com fundamento no art. 51 do CDC, sem pedido expresso, a abusividade de cláusulas nos contratos bancários. Vencidos quanto a esta matéria a Min. Relatora e o Min. Luis Felipe Salomão.
II- JULGAMENTO DO RECURSO REPRESENTATIVO (REsp 1.061.530/RS) A menção a artigo de lei, sem a demonstração das razões de inconformidade, impõe o não-conhecimento do recurso especial, em razão da sua deficiente fundamentação. Incidência da Súmula 284/STF.
O recurso especial não constitui via adequada para o exame de temas constitucionais, sob pena de usurpação da competência do STF.
Devem ser decotadas as disposições de ofício realizadas pelo acórdão recorrido.
Os juros remuneratórios contratados encontram-se no limite que esta Corte tem considerado razoável e, sob a ótica do Direito do Consumidor, não merecem ser revistos, porquanto não demonstrada a onerosidade excessiva na hipótese.
Verificada a cobrança de encargo abusivo no período da normalidade contratual, resta descaracterizada a mora do devedor.
Afastada a mora: i) é ilegal o envio de dados do consumidor para quaisquer cadastros de inadimplência; ii) deve o consumidor permanecer na posse do bem alienado fiduciariamente e iii) não se admite o protesto do título representativo da dívida.
Não há qualquer vedação legal à efetivação de depósitos parciais, segundo o que a parte entende devido.
Não se conhece do recurso quanto à comissão de permanência, pois deficiente o fundamento no tocante à alínea "a" do permissivo constitucional e também pelo fato de o dissídio jurisprudencial não ter sido comprovado, mediante a realização do cotejo entre os julgados tidos como divergentes. Vencidos quanto ao conhecimento do recurso a Min. Relatora e o Min. Carlos Fernando Mathias.
Recurso especial parci@almente conhecido e, nesta parte, provido, para declarar a legalidade da cobrança dos juros remuneratórios, como pactuados, e ainda decotar do julgamento as disposições de ofício.
Ônus sucumbenciais redistribuídos.
(REsp n. 1.061.530/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 22/10/2008, DJe de 10/3/2009.)
Também é importante ressaltar que os requisitos a serem observados para se apreciar as ações revisionais de contratos bancários com base na tese delimitada no Recurso Repetitivo n.º 1.061.530/RS foram esclarecidos pela Ministra Nancy Andrighi no voto proferido no Recurso Especial n.º 2009614-SC.
Transcrevo trechos do voto proferido no Recurso Especial n.º 2009614-SC:
(...)
1. DOS REQUISITOS PARA A REVISÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS PACTUADOS
1. Os juros remuneratórios, como é de conhecimento ordinário, são aqueles que representam o preço da disponibilidade monetária, pago pelo mutuário ao mutuante, em decorrência do negócio jurídico celebrado entre eles.
2. No denominado período de adimplência, o entendimento hoje vigente na Segunda Seção indica que a regra, no Sistema Financeiro Nacional, é a liberdade na sua pactuação.
3. Isso implica, mais especificamente, reconhecer que: a) as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios que foi estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), como já dispõe a Súmula 596/STF; b) a simples estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano não indica abusividade; c ) são inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; e d) é inviável a utilização da Selic - taxa do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - como parâmetro de limitação de juros remuneratórios.
4. No que interessa para o presente julgamento, ao apreciar o REsp n. 1.061.530/RS, de minha relatoria e submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos, a Segunda Seção fixou o entendimento de que "é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1°, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto."
5. Na oportunidade, assentou-se que, para o exame da abusividade, a taxa média praticada no mercado “apresenta vantagens porque é calculada segundo as informações prestadas por diversas instituições financeiras e, por isso, representa as forças do mercado. Ademais, traz embutida em si o custo médio das instituições financeiras e seu lucro médio, ou seja, um 'spread' médio. É certo, ainda, que o cálculo da taxa média não é completo, na medida em que não abrange todas as modalidades de concessão de crédito, mas, sem dúvida, presta-se como parâmetro de tendência das taxas de juros. Assim, dentro do universo regulatório atual, a taxa média constitui o melhor parâmetro para a elaboração de um juízo sobre abusividade” (REsp n. 1.061.530/RS, Segunda Seção, julgado em 22/10/2008, DJe de 10/3/2009).
6. Deve-se ressaltar, no entanto, que foi afastada, naquele julgamento, a possibilidade de se fixar um teto para aferir a abusividade dos juros, prevalecendo, quanto ao ponto, o entendimento exarado pelo e. Min. João Otavio de Noronha no sentido da impossibilidade de se estipular um patamar máximo além do qual os juros seriam presumivelmente abusivos, verbis:
É evidente que, em se tratando de juros remuneratórios, há de ser apreciada a questão da abusividade das taxas; não tenho dúvida quanto a isso. Tal análise, contudo, há de ser feita caso a caso. Data vênia, não vejo como pode esta Corte tarifar ou tabelar tal encargo financeiro como forma de estabelecer um paradigma para o diagnóstico da abusividade da taxa contratada.
[ ... ]
Por isso, hei de divergir da proposta da eminente relatora de que esta Corte estabeleça um teto correspondente ao dobro da taxa média como sendo os juros razoáveis. Vale dizer, haveria o Judiciário de reconhecer como abusivos os encargos financeiros quando a taxa pactuada ultrapassasse o dobro da média da taxa de juros praticada pelo mercado financeiro. A meu sentir, melhor será aferir a abusividade diante do caso concreto, tendo em conta a realidade econômica vigente em determinado local e tempo.
(REsp n. 1.061.530/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 22/10/2008, DJe de 10/3/2009) [g.n.]
7. Com efeito, “esta perquirição acerca da abusividade não é estanque, o que impossibilita a adoção de critérios genéricos e universais. A taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central, constitui um valioso referencial, mas cabe somente ao juiz, no exame das peculiaridades do caso concreto, avaliar se os juros contratados foram ou não abusivos” (REsp n. 1.061.530/RS, Segunda Seção, julgado em 22/10/2008, DJe de 10/3/2009).
8. Em síntese, “ficou assentado no julgamento do recurso repetitivo (REsp. 1.061.530/RS) que a alteração das taxas de juros remuneratórios pactuadas em contratos bancários depende da demonstração cabal de abuso, o qual deve ser apurado pelo juiz em face do caso concreto, tendo em conta a situação da economia na época da contratação, o custo da captação dos recursos pela instituição financeira credora (esse custo varia entre os agentes do mercado financeiro), e sobretudo o risco envolvido na operação, aqui considerado histórico de crédito do devedor, o relacionamento mantido com o banco, as garantias da operação, entre outras peculiaridades do caso em julgamento” (REsp n. 1.821.182/RS, Quarta Turma, julgado em 23/6/2022, DJe de 29/6/2022).
9. Ademais, no julgamento do REsp n. 1.821.182/RS, a Quarta Turma sintetizou uma série de fatores que podem impactar na definição da taxa de juros remuneratórios, verbis:
Conforme explicado pelo Banco Central do Brasil, a taxa de juros varia de acordo com cada cliente, sendo relevantes, exemplificativamente, as seguintes características: valor requerido pelo cliente; rating do cliente//risco; valor e fontes de renda do cliente; histórico de negativação/protesto em nome do cliente; relacionamento com a instituição financeira; prazo de amortização da dívida; existência ou não de garantias para a operação; qualidade (recuperabilidade) das garantias eventualmente aportadas; existência ou não de pagamento de parcela do bem a ser financiado (entrada) e em qual proporção; forma de pagamento da operação (...)
10. Nesse contexto, desde que reconhecida a abusividade, concluiu-se que deve ser aplicada a taxa média para as operações equivalentes, segundo apurado pelo Banco Central do Brasil (BACEN), sem afastar, todavia, a possibilidade de o juiz, de acordo com o seu livre convencimento motivado, indicar outro patamar mais adequado para os juros remuneratórios, segundo as circunstâncias particulares de risco envolvidas no empréstimo.
11. No entanto, a despeito da fixação da tese repetitiva, constata-se uma dispersão da jurisprudência nos Tribunais estaduais quanto à abusividade dos juros remuneratórios nesta espécie de contrato.
12. Em muitas hipóteses, as Cortes estaduais limitam as taxas de juros à média de mercado para as operações equivalentes tão somente em razão de taxa pactuada superar o referido montante ou ser superior a algum patamar ou percentual fixado pelo próprio Tribunal local, olvidando as peculiaridades de cada contrato de mútuo.
13. Conforme ressaltado pela e. Min. Maria Isabel Gallotti no julgamento do REsp 1.821.182/RS, “isso significa que, na prática, o tabelamento dos juros que a Segunda Seção julgou indevido e inadequado, tendo em vista a força vinculante dos contratos, o princípio da livre concorrência, e a legislação de regência do mercado financeiro, está sendo realizado, com percentuais máximos diferentes - mas da mesma forma em abstrato, sem consideração das peculiaridades de cada operação de crédito - pelos diversos órgãos jurisdicionais espalhados pelo País” (REsp n. 1.821.182/RS, Quarta Turma, julgado em 23/6/2022, DJe de 29/6/2022).
14. O cenário revela-se ainda mais preocupante, na medida em que a maioria dos recursos especiais interpostos, tanto por consumidores quanto por instituições financeiras, não têm seu mérito apreciado por se entender que a revisão da conclusão a que chegou a Corte de origem no que diz respeito à abusividade da taxa de juros em face da taxa média de mercado encontraria óbice nas Súmulas 5 e 7 do STJ. Nesse sentido: AgInt no REsp n. 1.970.036/RS, Terceira Turma, julgado em 25/4/2022, DJe de 27/4/2022; AgInt no AREsp n. 1.862.846/RS, Quarta Turma, julgado em 4/10/2021, DJe de 8/10/2021; AgInt no REsp n. 1.930.618/RS, Terceira Turma, julgado em 25/4/2022, DJe de 27/4/2022; AgInt no REsp n. 1.914.387/RS, Terceira Turma, julgado em 16/8/2021, DJe de 19/8/2021; AgInt no AREsp n. 1.862.846/RS, Quarta Turma, julgado em 4/10/2021, DJe de 8/10/2021; REsp n. 1.722.233/RS, Terceira Turma, julgado em 14/9/2021, DJe de 14/12/2021; AgInt no AREsp n. 1.765.886/SC, Quarta Turma, julgado em 9/8/2021, DJe de 17/8/2021; AgInt no AREsp n. 1.405.350/RS, Quarta Turma, julgado em 21/6/2021, DJe de 1/7/2021.
15. Nesse contexto, deve-se reafirmar, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, que o tão só fato de a taxa de juros remuneratórios praticada pela instituição financeira exceder a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil, por si só, não indica abusividade, consistindo a referida taxa em um referencial a ser considerado, e não em um limite que deva ser necessariamente observado pelas instituições financeiras (Cf. AgInt no REsp n. 1.977.593/SP, Terceira Turma, julgado em 20/6/2022, REPDJe de 29/06/2022, DJe de 22/6/2022).
16. De fato, nos termos do que ficou decidido no julgamento do REsp n. 1.061.530/RS, a interferência do Poder Judiciário nos contratos de mútuo, com a redução das taxas de juros pactuadas, exige fundamentação adequada que considere as peculiaridades de cada negócio jurídico.
17. Não é suficiente, portanto, (I) a menção genérica às supostas “circunstâncias da causa” não descritas na decisão, (II) acompanhada ou não do simples cotejo entre a taxa de juros prevista no contrato e a média praticada no mercado ou (III) a aplicação de algum limite adotado, aprioristicamente, pelo próprio Tribunal estadual. Nesse sentido: AgInt no AREsp n. 1.522.043/RS, Quarta Turma, julgado em 17/11/2020, DJe de 10/3/2021; REsp n. 1.821.182/RS, Quarta Turma, julgado em 23/6/2022, DJe de 29/6/2022; AgInt no AREsp n. 1.493.171/RS, Quarta Turma, julgado em 17/11/2020, DJe de 10/3/2021.
18. Em síntese, deve-se observar os seguintes requisitos para a revisão das taxas de juros remuneratórios: a) a caracterização de relação de consumo; b) a presença de abusividade capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada; e c) a demonstração cabal, com menção expressa às peculiaridades da hipótese concreta, da abusividade verificada, levando-se em consideração, entre outros fatores, a situação da economia na época da contratação, o custo da captação dos recursos, o risco envolvido na operação, o relacionamento mantido com o banco e as garantias ofertadas, revelando-se insuficiente, portanto, (I) a menção genérica às “circunstâncias da causa” – ou outra expressão equivalente -, (II) o simples cotejo entre a taxa de juros prevista no contrato e a média de mercado divulgada pelo BACEN e (III) a aplicação de algum limite adotado, aprioristicamente, pelo próprio Tribunal estadual.
19. Ressalte-se, por fim, que o referido entendimento foi, recentemente, adotado em precedente da Quarta Turma, que recebeu a seguinte ementa:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. CONTRATO BANCÁRIO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 11, 489 E 1.022 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. NÃO OCORRÊNCIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CARÊNCIA DE AÇÃO. SENTENÇA COLETIVA. LIMITAÇÃO DO JUROS REMUNERATÓRIOS À TAXA MÉDIA DE MERCADO, ACRESCIDA DE UM QUINTO. NÃO CABIMENTO. ORIENTAÇÃO FIRMADA NO RESP N. 1.061.530/RS. ABUSIVIDADE. AFERIÇÃO EM CADA CASO CONCRETO. [...] 2. De acordo com a orientação adotada no julgamento do REsp. 1.061.530/RS, sob o rito do art. 543-C do CPC/73, "é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1°, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto." 3. Prevaleceu o entendimento de que a taxa média de mercado apurada pelo Banco Central para cada segmento de crédito é referencial útil para o controle da abusividade, mas o simples fato de a taxa efetiva cobrada no contrato estar acima da taxa média de mercado não significa, por si só, abuso. Ao contrário, a média de mercado não pode ser considerada o limite, justamente porque é média; incorpora as menores e maiores taxas praticadas pelo mercado, em operações de diferentes níveis de risco. Foi expressamente rejeitada a possibilidade de o Poder Judiciário estabelecer aprioristicamente um teto para taxa de juros, adotando como parâmetro máximo o dobro ou qualquer outro percentual em relação à taxa média. 4. O caráter abusivo da taxa de juros contratada haverá de ser demonstrado de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto, Documento: 2219900 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/09/2022 Página 15 de 5 Superior Tribunal de Justiça levando-se em consideração circunstâncias como o custo da captação dos recursos no local e época do contrato; o valor e o prazo do financiamento; as fontes de renda do cliente; as garantias ofertadas; a existência de prévio relacionamento do cliente com a instituição financeira; análise do perfil de risco de crédito do tomador; a forma de pagamento da operação, entre outros aspectos. [...] 6. Recurso especial provido. (REsp n. 1.821.182/RS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 23/6/2022, DJe de 29/6/2022.) [g.n.]
Dessa forma, segundo os julgamentos acima referidos, a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central constitui um importante referencial para análise dos juros remuneratórios. Entretanto, a avaliação da efetiva abusividade contratual dependerá das peculiaridades do caso concreto.
No caso em análise, a parte ré busca a manutenção da taxa de juros remuneratórios dos contratos n.ºs 29672345 e 29680626, juntados ao
evento 12, CONTR3
e
evento 12, CONTR7
.
O contrato n.º 29672345 possui juros de de 4,5% ao mês, enquanto à média de mercado, em março de 2012, série n.º 25467 do Bacen, era de 1,97%.
Já o contrato n.º 29680626 apresentada taxa de juros de 4,5% ao mês e 69,59 anual, enquanto à média de mercado, em setembro de 2014, série n.º 25467 do Bacen, era de 1,82%.
Os juros contratuais superam expressivamente a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central, gerando uma desvantagem da parte consumidora perante a contratação.
Ainda, apreciando as particularidades do mútuo observa-se que a forma de adimplemento é mediante desconto das parcelas na folha de pagamento da parte autora, o que caracteriza uma garantia ao credor em razão da redução do risco de inadimplemento.
O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Repetitivo n.º 1863973/SP referente ao Tema 1085
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, reconheceu o contrato de empréstimo consignado como uma modalidade de empréstimo de menor risco, que apresenta uma taxa de juros menor:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. PRETENSÃO DE LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS DAS PARCELAS DE EMPRÉSTIMO COMUM EM CONTA-CORRENTE, EM APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI N. 10.820/2003 QUE DISCIPLINA OS EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. RATIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, COM FIXAÇÃO DE TESE REPETITIVA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. PREJUDICADO O RECURSO ESPECIAL DA DEMANDANTE, QUE PLEITEAVA A MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA.
1. A controvérsia inserta no presente recurso especial repetitivo está em definir se, no bojo de contrato de mútuo bancário comum, em que há expressa autorização do mutuário para que o pagamento se dê por meio de descontos mensais em sua conta-corrente, é aplicável ou não, por analogia, a limitação de 35% (trinta e cinco por cento) prevista na Lei n. 10.820/2003, que disciplina o contrato de crédito consignado em folha de pagamento (chamado empréstimo consignado).
2. O empréstimo consignado apresenta-se como uma das modalidades de empréstimo com menores riscos de inadimplência para a instituição financeira mutuante, na medida em que o desconto das parcelas do mútuo dá-se diretamente na folha de pagamento do trabalhador regido pela CLT, do servidor público ou do segurado do RGPS (Regime Geral de Previdência Social), sem nenhuma ingerência por parte do mutuário/correntista, o que, por outro lado, em razão justamente da robustez dessa garantia, reverte em taxas de juros significativamente menores em seu favor, se comparado com outros empréstimos.
2.1 Uma vez ajustado o empréstimo consignado em folha de pagamento, não é dado ao mutuário, por expressa disposição legal, revogar a autorização concedida para que os descontos afetos ao mútuo ocorram diretamente em sua folha de pagamento, a fim de modificar a forma de pagamento ajustada.
2.2 Nessa modalidade de empréstimo, a parte da remuneração do trabalhador comprometida à quitação do empréstimo tomado não chega nem sequer a ingressar em sua conta-corrente, não tendo sobre ela nenhuma disposição. Sob o influxo da autonomia da vontade, ao contratar o empréstimo consignado, o mutuário não possui nenhum instrumento hábil para impedir a dedução da parcela do empréstimo a ser descontada diretamente de sua remuneração, em procedimento que envolve apenas a fonte pagadora e a instituição financeira.
2.3 É justamente em virtude do modo como o empréstimo consignado é operacionalizado que a lei estabeleceu um limite, um percentual sobre o qual o desconto consignado em folha não pode exceder.
Revela-se claro o escopo da lei de, com tal providência, impedir que o tomador de empréstimo, que pretenda ter acesso a um crédito relativamente mais barato na modalidade consignado, acabe por comprometer sua remuneração como um todo, não tendo sobre ela nenhum acesso e disposição, a inviabilizar, por consequência, sua subsistência e de sua família.
3. Diversamente, nas demais espécies de mútuo bancário, o estabelecimento (eventual) de cláusula que autoriza o desconto de prestações em conta-corrente, como forma de pagamento, consubstancia uma faculdade dada às partes contratantes, como expressão de sua vontade, destinada a facilitar a operacionalização do empréstimo tomado, sendo, pois, passível de revogação a qualquer tempo pelo mutuário. Nesses empréstimos, o desconto automático que incide sobre numerário existente em conta-corrente decorre da própria obrigação assumida pela instituição financeira no bojo do contrato de conta-corrente de administração de caixa, procedendo, sob as ordens do correntista, aos pagamentos de débitos por ele determinados, desde que verificada a provisão de fundos a esse propósito.
3.1 Registre-se, inclusive, não se afigurar possível - consideradas as características intrínsecas do contrato de conta-corrente - à instituição financeira, no desempenho de sua obrigação contratual de administrador de caixa, individualizar a origem dos inúmeros lançamentos que ingressam na conta-corrente e, uma vez ali integrado, apartá-los, para então sopesar a conveniência de se proceder ou não a determinado pagamento, de antemão ordenado pelo correntista.
3.2 Essa forma de pagamento não consubstancia indevida retenção de patrimônio alheio, na medida em que o desconto é precedido de expressa autorização do titular da conta-corrente, como manifestação de sua vontade, por ocasião da celebração do contrato de mútuo.
Tampouco é possível equiparar o desconto em conta-corrente a uma dita constrição de salários, realizada por instituição financeira que, por evidente, não ostenta poder de império para tanto. Afinal, diante das características do contrato de conta-corrente, o desconto, devidamente avençado e autorizado pelo mutuário, não incide, propriamente, sobre a remuneração ali creditada, mas sim sobre o numerário existente, sobre o qual não se tece nenhuma individualização ou divisão.
3.3 Ressai de todo evidenciado, assim, que o mutuário tem em seu poder muitos mecanismos para evitar que a instituição financeira realize os descontos contratados, possuindo livre acesso e disposição sobre todo o numerário constante de sua conta-corrente.
4. Não se encontra presente nos empréstimos comuns, com desconto em conta-corrente, o fator de discriminação que justifica, no empréstimo consignado em folha de pagamento, a limitação do desconto na margem consignável estabelecida na lei de regência, o que impossibilita a utilização da analogia, com a transposição de seus regramentos àqueles. Refoge, pois, da atribuição jurisdicional, com indevida afronta ao Princípio da Separação do Poderes, promover a aplicação analógica de lei à hipótese que não guarda nenhuma semelhança com a relação contratual legalmente disciplinada.
5. Não se pode conceber, sob qualquer ângulo que se analise a questão, que a estipulação contratual de desconto em conta-corrente, como forma de pagamento em empréstimos bancários comuns, a atender aos interesses e à conveniência das partes contratantes, sob o signo da autonomia da vontade e em absoluta consonância com as diretrizes regulamentares expedidas pelo Conselho Monetário Nacional, possa, ao mesmo tempo, vilipendiar direito do titular da conta-corrente, o qual detém a faculdade de revogar o ajuste ao seu alvedrio, assumindo, naturalmente, as consequências contratuais de sua opção.
6. A pretendida limitação dos descontos em conta-corrente, por aplicação analógica da Lei n. 10.820/2003, tampouco se revestiria de instrumento idôneo a combater o endividamento exacerbado, com vistas à preservação do mínimo existencial do mutuário.
6.1 Essa pretensão, além de subverter todo o sistema legal das obrigações - afinal, tal providência, a um só tempo, teria o condão de modificar os termos ajustados, impondo-se ao credor o recebimento de prestação diversa, em prazo distinto daquele efetivamente contratado, com indevido afastamento dos efeitos da mora, de modo a eternizar o cumprimento da obrigação, num descabido dirigismo contratual -, não se mostraria eficaz, sob o prisma geral da economia, nem sequer sob o enfoque individual do mutuário, ao controle do superendividamento.
6.2 Tal proceder, sem nenhum respaldo legal, importaria numa infindável amortização negativa do débito, com o aumento mensal e exponencial do saldo devedor, sem que haja a devida conscientização do devedor a respeito do dito "crédito responsável", o qual, sob a vertente do mutuário, consiste na não assunção de compromisso acima de sua capacidade financeira, sem que haja o comprometimento de seu mínimo existencial. Além disso, a generalização da medida - sem conferir ao credor a possibilidade de renegociar o débito, encontrando-se ausente uma política pública séria de "crédito responsável", em que as instituições financeiras, por outro lado, também não estimulem o endividamento imprudente - redundaria na restrição e no encarecimento do crédito, como efeito colateral.
6.3 A prevenção e o combate ao superendividamento, com vistas à preservação do mínimo existencial do mutuário, não se dão por meio de uma indevida intervenção judicial nos contratos, em substituição ao legislador. A esse relevante propósito, sobreveio - na seara adequada, portanto - a Lei n. 14.181/2021, que alterou disposições do Código de Defesa do Consumidor, para "aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento.
7. Ratificação da uníssona jurisprudência formada no âmbito das Turmas de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça, explicitada por esta Segunda Seção por ocasião do julgamento do REsp 1.555.722/SP.
8. Tese Repetitiva: São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei n. 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento.
9. Recurso especial da instituição financeira provido; e prejudicado o recurso especial da demandante.
(REsp 1863973/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/03/2022, DJe 15/03/2022) Grifo nosso
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor
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, aplicável ao caso concreto, presume-se vantagem exagerada quando a cláusula contratual se mostra excessivamente onerosa ao consumidor.
Não há nos autos demonstração que o risco da operação ou o custo da captação dos recursos, comparado a outros empréstimos disponíveis no mercado, seja tão excessivo a ponto de justificar a aplicação de juros em patamar tão superior à média de mercado divulgada pelo Banco Central.
O artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor
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traz como um dos direitos básicos dos consumidores a facilitação da defesa de seus direitos, com a inversão do ônus da prova. Portanto, se a instituição financeira afirma possuir produtos distintos para consumidores com características diversas, deverá disponibilizar ao judiciário o estudo realizado de cada perfil de mutuário.
Observa-se que a apelante se limita a sustentar a regularidade da contratação sem demonstrar
a situação da economia na época da contratação, o custo da captação dos recursos, o risco envolvido na operação, o relacionamento mantido com o banco e as garantias ofertadas
, requisitos essenciais para análise da abusividade, conforme consignado pelo Ministro João Otávio Noronha ao julgar o Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial Nº 2148780 - RS
23
.
Em que pese os argumentos da apelante sobre a taxa de juros aplicada no contrato, não se justifica essa diferença no percentual contratado.
Tampouco, cabe acolher o pedido alternativo, pois a fixação dos juros em uma vez e meia ou o dobro da taxa de mercado vai de encontro com a tese fixada no Recurso Repetitivo n.º 1.061.530/RS que afastou a possibilidade de tabelamento dos juros.
Assim, deve ser mantida a sentença.
Repetição de indébito
A compensação
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e/ou a repetição dos valores
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pagos a maior é conclusão lógica da revisão dos contratos bancários, se constatado for que houve diferença. Ademais, ambas são devidas a fim de evitar o enriquecimento ilícito de qualquer uma das partes
26
.
Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA - ARTIGO 1036 E SEGUINTES DO CPC/2015 - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATOS BANCÁRIOS - PROCEDÊNCIA DA DEMANDA ANTE A ABUSIVIDADE DE COBRANÇA DE ENCARGOS - INSURGÊNCIA DA CASA BANCÁRIA VOLTADA À PRETENSÃO DE COBRANÇA DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS 1. Para fins dos arts. 1036 e seguintes do CPC/2015.
1.1 A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação.
2. Caso concreto: 2.1 Quanto aos contratos exibidos, a inversão da premissa firmada no acórdão atacado acerca da ausência de pactuação do encargo capitalização de juros em qualquer periodicidade demandaria a reanálise de matéria fática e dos termos dos contratos, providências vedadas nesta esfera recursal extraordinária, em virtude dos óbices contidos nos Enunciados 5 e 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
2.2 Relativamente aos pactos não exibidos, verifica-se ter o Tribunal a quo determinado a sua apresentação, tendo o banco-réu, ora insurgente, deixado de colacionar aos autos os contratos, motivo pelo qual lhe foi aplicada a penalidade constante do artigo 359 do CPC/73 (atual 400 do NCPC), sendo tido como verdadeiros os fatos que a autora pretendia provar com a referida documentação, qual seja, não pactuação dos encargos cobrados.
2.3 Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível tanto a compensação de créditos quanto a devolução da quantia paga indevidamente, independentemente de comprovação de erro no pagamento, em obediência ao princípio que veda o enriquecimento ilícito. Inteligência da Súmula 322/STJ.
2.4 Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório. Inteligência da súmula 98/STJ.
2.5 Recurso especial parcialmente provido apenas ara afastar a multa imposta pelo Tribunal a quo.
(REsp 1388972/SC, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/02/2017, DJe 13/03/2017)
Por outro lado, o Código de Defesa do Consumidor dispõe que os valores cobrados indevidamente da parte consumidora deverão ser devolvidos em dobro, salvo hipótese de engano justificável
27
.
Sobre o ponto, cita-se o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PAGAMENTO DE VALORES RELATIVOS A SERVIÇOS DE TELEFONIA NÃO CONTRATADOS. PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL. MATÉRIA PACIFICADA NA CORTE ESPECIAL. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC. REQUISITO SUBJETIVO. DOLO/MÁ-FÉ OU CULPA. IRRELEVÂNCIA. PREVALÊNCIA DO CRITÉRIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. MODULAÇÃO DE EFEITOS APLICADA. ART. 927, § 3º, DO CPC/2015. IDENTIFICAÇÃO DA CONTROVÉRSIA 1. Trata-se de Embargos de Divergência que apontam dissídio concernente: a) ao prazo prescricional incidente em relação à pretensão deduzida em Ação de Repetição de Indébito, no que se refere às quantias pagas por serviços de telefonia que não foram contratados, e b) à exegese do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor - CDC, notadamente quanto à necessidade de elemento subjetivo para fins de caracterização do dever de restituição em dobro da quantia cobrada indevidamente.
2. O dissídio foi adequadamente demonstrado, uma vez que o acórdão embargado aplicou o prazo trienal (art. 206, § 3º, V, do CC), enquanto os paradigmas, analisando a mesma relação de consumo, concluem pela incidência da prescrição decenal, com base no art. 205 do CC. Da mesma forma, a dissonância na exegese do art. 42 do CDC foi adequadamente demonstrada.
(...)
SEGUNDA TESE - INTERPRETAÇÃO DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC 6. Para fins de Embargos de Divergência - resolver teses jurídicas divergentes dentro do STJ -, estamos realmente diante de entendimentos discrepantes entre a Primeira e a Segunda Seções no que tange à aplicação do parágrafo único do art. 42 do CDC, dispositivo que incide sobre todas as relações de consumo, privadas ou públicas, individuais ou coletivas.
7. "Conhecidos os embargos de divergência, a decisão a ser adotada não se restringe às teses suscitadas nos arestos em confronto - recorrido e paradigma -, sendo possível aplicar-se uma terceira tese, pois cabe a Seção ou Corte aplicar o direito à espécie" (EREsp 513.608/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 27.11.2008). No mesmo sentido: "O exame dos embargos de divergência não se restringe às teses em confronto do acórdão embargado e do acórdão paradigma acerca da questão federal controvertida, podendo ser adotada uma terceira posição, caso prevalente" (EREsp 475.566/PR, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJ 13/9/2004). Outros precedentes: EREsp 130.605/DF, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Segunda Seção, DJ 23/4/2001; e AgRg nos EREsp 901.919/RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 21/9/2010.
HERMENÊUTICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR E O ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC 8. Em harmonia com os ditames maiores do Estado Social de Direito, na tutela de sujeitos vulneráveis, assim como de bens, interesses e direitos supraindividuais, ao administrador e ao juiz incumbe exercitar o diálogo das fontes, de modo a - fieis ao espírito, ratio e princípios do microssistema ou da norma - realizarem material e não apenas formalmente os objetivos cogentes, mesmo que implícitos, abonados pelo texto legal. Logo, interpretação e integração de preceitos legais e regulamentares de proteção do consumidor, codificados ou não, submetem-se a postulado hermenêutico de ordem pública segundo o qual, em caso de dúvida ou lacuna, o entendimento administrativo e o judicial devem expressar o posicionamento mais favorável à real superação da vulnerabilidade ou mais condutivo à tutela efetiva dos bens, interesses e direitos em questão. Em síntese, não pode "ser aceita interpretação que contradiga as diretrizes do próprio Código, baseado nos princípios do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e da facilitação de sua defesa em juízo" (REsp 1.243.887/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, DJe 12/12/2011). Na mesma linha da interpretação favorável ao consumidor: AgRg no AREsp 708.082/DF, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 26/2/2016;
REsp 1.726.225/RJ, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe 24/9/2018; e REsp 1.106.827/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe 23/10/2012. Confira-se também: "O mandamento constitucional de proteção do consumidor deve ser cumprido por todo o sistema jurídico, em diálogo de fontes, e não somente por intermédio do CDC" (REsp 1.009.591/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 23/8/2010).
9. A presente divergência deve ser solucionada à luz do princípio da vulnerabilidade e do princípio da boa-fé objetiva, inarredável diretriz dual de hermenêutica e implementação de todo o CDC e de qualquer norma de proteção do consumidor. O art. 42, parágrafo único, do CDC faz menção a engano e nega a devolução em dobro somente se for ele justificável. Ou seja, a conduta-base ou ponto de partida para a repetição dobrada de indébito é o engano do fornecedor. Como argumento de defesa, a justificabilidade (= legitimidade) do engano, para afastar a devolução em dobro, insere-se no domínio da causalidade, e não no domínio da culpabilidade, pois esta se resolve, sem apelo ao elemento volitivo, pelo prisma da boa-fé objetiva.
10. Na hipótese dos autos, necessário, para fins de parcial modulação temporal de efeitos, fazer distinção entre contratos de serviços públicos e contratos estritamente privados, sem intervenção do Estado ou de concessionárias.
REPOSICIONAMENTO PESSOAL DO RELATOR PARA O ACÓRDÃO SOBRE A MATÉRIA 11. Ao apresentar a tese a seguir exposta, esclarece-se que o Relator para o acórdão reposiciona-se a respeito dos critérios do parágrafo único do art. 42 do CDC, de modo a reconhecer que a repetição de indébito deve ser dobrada quando ausente a boa-fé objetiva do fornecedor na cobrança realizada. É adotada, pois, a posição que se formou na Corte Especial, lastreada no princípio da boa-fé objetiva e consequente descasamento de elemento volitivo, consoante Voto-Vista do Ministro Luis Felipe Salomão e manifestações apresentadas pelos eminentes Pares, na esteira de intensos e ricos debates nas várias sessões em que o tema foi analisado. Realça-se, quanto a esses últimos, trecho do Voto do Ministro Og Fernandes: "A restituição em dobro de indébito (parágrafo único do art. 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do agente que cobrou o valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva".
CONTRATOS QUE ENVOLVAM O ESTADO OU SUAS CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS 12. Na interpretação do parágrafo único do art. 42 do CDC, deve prevalecer o princípio da boa-fé objetiva, métrica hermenêutica que dispensa a qualificação jurídica do elemento volitivo da conduta do fornecedor.
13. A esse respeito, o entendimento prevalente nas Turmas da Primeira Seção do STJ é o de dispensar a exigência de dolo, posição sem dúvida inspirada na preeminência e inafastabilidade do princípio da vulnerabilidade do consumidor e do princípio da boa-fé objetiva.
A propósito: REsp 1.085.947/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 12/11/2008; AgRg no REsp 1.363.177/RJ, Rel.
Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 24/5/2013; REsp 1.300.032/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 13/3/2013; AgRg no REsp 1.307.666/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 12/3/2013; AgRg no REsp 1.376.770/RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 13/9/2016; AgRg no REsp 1.516.814/RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 25/8/2015; AgRg no REsp 1.158.038/RJ, Rel.
Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 3/5/2010; AgInt no REsp 1.605.448/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 13/12/2017; AgRg no AgRg no AREsp 550.660/RJ, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 15/12/2015; AgRg no AREsp 723.170/RS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 28/9/2015; AgRg no Ag 1.400.388/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 10/11/2014.
14. Na Segunda Seção há também precedente que rechaça o requisito do dolo para repetição do indébito em dobro: "Somente na presença de má-fé ou culpa o pagamento em dobro é devido" (AgRg no AREsp 162.232/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 20.8.2013).
15. Agrega-se ao raciocínio construído na Primeira Seção a regra geral de que a responsabilidade do Estado e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva em relação a danos causados a terceiros (art. 37, § 6º, da CF/1988).
Cito precedentes do STJ sobre o tema: REsp 1.299.900/RJ, Rel.
Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 13/3/2015; AgInt no REsp 1.581.961/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 14/9/2016; AgInt no REsp 1.711.214/MT, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 18/11/2020; REsp 1.736.039/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 7/6/2018; AgInt no AREsp 1.238.182/PE, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 17/9/2018; AgInt no AREsp 937.384/PE, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 26/6/2018; REsp 1.268.743/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 7/4/2014; REsp 1.038.259/SP, Rel.
Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 22/2/2018.
16. Quanto ao art. 37, § 6º, da Carta Magna, o Supremo Tribunal Federal sedimentou, sob o rito da Repercussão Geral, a posição de que "a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal" (RE 591.874, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 26.8.2009, Repercussão Geral - Mérito, DJe 18.12.2009). Na mesma linha: ARE 1.043.232 AgR, Relator Ministro Alexandre de Moraes, Primeira Turma, DJe 13/9/2017; RE 598.356, Relator Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe 1º/8/2018; ARE 1.046.474 AgR, Relator Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 12/9/2017; e ARE 886.570 ED, Relator Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 22/6/2017.
17. Ora, se a regra da responsabilidade civil objetiva impera, universalmente, em prestações de serviço público, como admitir que, nas relações de consumo - na presença de sujeito (consumidor) caracterizado ope legis como vulnerável (CDC, art. 4º, I) -, o paradigma jurídico seja o da responsabilidade subjetiva (com dolo ou culpa)? Seria contrassenso atribuir tal privilégio ao fornecedor, mormente por ser fato notório que dezenas de milhões dos destinatários finais dos serviços públicos, afligidos por cobranças indevidas, personificam não só sujeitos vulneráveis, como também sujeitos indefesos e hipossuficientes econômica e juridicamente, ou seja, carentes em sentido lato, destituídos de meios financeiros, de informação e de acesso à justiça.
18. Compreensão distinta, centrada na necessidade de prova de elemento volitivo, na realidade inviabiliza a devolução em dobro, p.
ex., de pacotes de serviços telefônicos jamais solicitados pelo consumidor, bastando ao fornecedor invocar uma justificativa qualquer para seu engano. Nas condições do mercado de consumo massificado, impingir ao consumidor prova de dolo ou culpa corresponde a castigá-lo com ônus incompatível com os princípios da vulnerabilidade e da boa-fé objetiva, legitimando, ao contrário dos cânones do microssistema, verdadeira prova diabólica, o que contraria frontalmente a filosofia e ratio eticossocial do CDC.
Assim, a expressão "salvo hipótese de engano justificável" do art.
42, parágrafo único, do CDC deve ser apreendida como elemento de causalidade, e não como elemento de culpabilidade.
CONTRATOS QUE NÃO ENVOLVAM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS 19. Como se sabe, recursos em demandas que envolvam contratos sem natureza pública, como os bancários, de seguro, imobiliários, de planos de saúde, entre outros, são de competência da Segunda Seção.
Tendo em vista a controvérsia existente nos contratos de natureza bancária, o eminente Ministro Paulo de Tarso Sanseverino submeteu o REsp 1.517.888/SP ao rito dos recursos repetitivos, no âmbito da Corte Especial, ainda pendente de julgamento. Em sessão da Corte Especial que examinava os EAREsp 622.897/RS, deliberou-se dar continuação ao julgamento dos Embargos de Divergência sobre o mesmo tema, sem necessidade de sobrestar o feito em virtude da afetação da matéria como repetitivo.
20. Tal qual ocorre nos contratos de consumo de serviços públicos, nas modalidades contratuais estritamente privadas também deve prevalecer a interpretação de que a repetição de indébito deve ser dobrada quando ausente a boa-fé objetiva do fornecedor na cobrança realizada. Ou seja, atribui-se ao engano justificável a natureza de variável da equação de causalidade, e não de elemento de culpabilidade, donde irrelevante a natureza volitiva da conduta que levou ao indébito.
RESUMO DA PROPOSTA DE TESE RESOLUTIVA DA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL 21. A proposta aqui trazida - que procura incorporar, tanto quanto possível, o mosaico das posições, nem sempre convergentes, dos Ministros MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, NANCY ANDRIGHI, LUIS FELIPE SALOMÃO, OG FERNANDES, JOÃO OTÁVIO DE NORONHA E RAUL ARAÚJO - consiste em reconhecer a irrelevância da natureza volitiva da conduta (se dolosa ou culposa) que deu causa à cobrança indevida contra o consumidor, para fins da devolução em dobro a que refere o parágrafo único do art. 42 do CDC, e fixar como parâmetro excludente da repetição dobrada a boa-fé objetiva do fornecedor (ônus da defesa) para apurar, no âmbito da causalidade, o engano justificável da cobrança.
22. Registram-se trechos dos Votos proferidos que contribuíram diretamente ou serviram de inspiração para a posição aqui adotada (grifos acrescentados): 22.1. MINISTRA NANCY ANDRIGHI: "O requisito da comprovação da má-fé não consta do art. 42, parágrafo único, do CDC, nem em qualquer outro dispositivo da legislação consumerista. A parte final da mencionada regra - 'salvo hipótese de engano justificável' - não pode ser compreendida como necessidade de prova do elemento anímico do fornecedor." 22.2. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA: "Os requisitos legais para a repetição em dobro na relação de consumo são a cobrança indevida, o pagamento em excesso e a inexistência de engano justificável do fornecedor. A exigência de indícios mínimos de má-fé objetiva do fornecedor é requisito não previsto na lei e, a toda evidência, prejudica a parte frágil da relação." 22.3. MINISTRO OG FERNANDES: "A restituição em dobro de indébito (parágrafo único do art. 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do agente que cobrou o valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva." 22.4. MINISTRO RAUL ARAÚJO: "Para a aplicação da sanção civil prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, é necessária a caracterização de conduta contrária à boa-fé objetiva para justificar a reprimenda civil de imposição da devolução em dobro dos valores cobrados indevidamente." 22.5. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO: "O código consumerista introduziu novidade no ordenamento jurídico brasileiro, ao adotar a concepção objetiva do abuso do direito, que se traduz em uma cláusula geral de proteção da lealdade e da confiança nas relações jurídicas, prescindindo da verificação da intenção do agente - dolo ou culpa - para caracterização de uma conduta como abusiva (...) Não há que se perquirir sobre a existência de dolo ou culpa do fornecedor, mas, objetivamente, verificar se o engano/equívoco/erro na cobrança era ou não justificável." 23. Sob o influxo da proposição do Ministro Luis Felipe Salomão, acima transcrita, e das ideias teórico-dogmáticas extraídas dos Votos das Ministras Nancy Andrighi e Maria Thereza de Assis Moura e dos Ministros Og Fernandes, João Otávio de Noronha e Raul Araújo, fica assim definida a resolução da controvérsia: a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo.
PARCIAL MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DA PRESENTE DECISÃO 24. O art. 927, § 3º, do CPC/2015 prevê a possibilidade de modulação de efeitos não somente quando alterada a orientação firmada em julgamento de recursos repetitivos, mas também quando modificada jurisprudência dominante no STF e nos tribunais superiores.
25. Na hipótese aqui tratada, a jurisprudência da Segunda Seção, relativa a contratos estritamente privados, seguiu compreensão (critério volitivo doloso da cobrança indevida) que, com o presente julgamento, passa a ser completamente superada, o que faz sobressair a necessidade de privilegiar os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança dos jurisdicionados.
26. Parece prudente e justo, portanto, que se deva modular os efeitos da presente decisão quanto à interpretação do art. 42 do CDC, de maneira que o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação deste acórdão.
TESE FINAL - ART. 42 DO CDC 27. Com essas considerações, é fixada a seguinte tese: A REPETIÇÃO EM DOBRO, PREVISTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, É CABÍVEL QUANDO A COBRANÇA INDEVIDA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA, OU SEJA, INDEPENDENTEMENTE DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO.
RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO 28. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido fixou como requisito a má-fé, para fins do parágrafo único do art. 42 do CDC, em indébito decorrente de contrato de prestação de serviço público de telefonia.
29. Assim, os Embargos de Divergência merecem ser providos no ponto para impor a devolução em dobro do indébito.
CONCLUSÃO 30. Com essas considerações, rendendo homenagens aos judiciosos votos dos e. Ministros que me antecederam, conheço dos Embargos de Divergência e, no mérito, dou-lhes provimento, de forma a estipula: a) o prazo prescricional da Repetição de Indébito é de dez anos (art. 205 do CC);
b) a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, independentemente da natureza do elemento volitivo;
c) sejam modulados os efeitos da presente decisão para que o entendimento aqui fixado, relativamente à interpretação do art. 42 do CDC, seja aplicado aos indébitos não decorrentes da prestação de serviço público pagos após a data da publicação do presente acórdão;
e d) seja imposta a devolução em dobro do indébito no caso concreto.
(EAREsp 622.897/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/10/2020, DJe 30/03/2021)
Tratando especificamente das ações revisionais de contratos bancários, cumpre destacar que o simples reconhecimento da incidência de encargos abusivos na contratação não autoriza a repetição dos valores pagos a maior na forma dobrada.
Nessa linha, é o entendimento desta Colenda Câmara:
APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS.
AÇÃO
REVISIONAL
. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. COMPENSAÇÃO E/OU
REPETIÇÃO
DO INDÉBITO. CONSIDERANDO A REVISÃO PARCIAL DA AVENÇA, CABÍVEL A
REPETIÇÃO
DE VALORES NA FORMA SIMPLES - E NÃO EM
DOBRO
, COMO PLEITEADO -, EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DO C. STJ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. ARBITRAMENTO NA SENTENÇA EM VALOR QUE AVILTA A PROFISSÃO. READEQUAÇÃO. RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO.(Apelação Cível, Nº 51017563620228210001, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mylene Maria Michel, Julgado em: 10-02-2023)
APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS.
AÇÃO
REVISIONAL
. CREFISA.
REPETIÇÃO
DO INDÉBITO/COMPENSAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO.
REPETIÇÃO
DO INDÉBITO/COMPENSAÇÃO: Requer a parte autora
repetição
em
dobro
de indébito; todavia, não observada a má-fé da parte contrária, ou ofensa ao princípio da boa-fé objetiva, deve ocorrer na forma simples. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO Apelo parcialmente provido para majorar os honorários em 10% sobre o valor da causa, a serem pagos ao procurador da parte autora, considerado o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, além do labor do advogado da parte. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO.(Apelação Cível, Nº 50055005720198213001, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Julgado em: 10-02-2023)
APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS.
AÇÃO
REVISIONAL
. PRELIMINARES. ABUSO DO DIREITO DE DEMANDAR. PRÁTICA DE ADVOCACIA PREDATÓRIA E MÁ-FÉ PROCESSUAL. Na hipótese dos autos, inexiste demonstração concreta da existência de fraude envolvendo a contratação do advogado da parte-autora. Outrossim, não há falar em reconhecimento de uso abusivo do Poder Judiciário, inexistindo comprovação de conduta processual passível de reprimenda legal. Preliminares rejeitadas. REVISÃO JUDICIAL DO CONTRATO. Amparada em preceitos constitucionais e nas regras de direito comum, a revisão judicial dos contratos bancários é juridicamente possível, sem acarretar ofensa ao princípio do pacta sunt servanda. JUROS REMUNERATÓRIOS. A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade. No entanto, tratando-se de relação de consumo, demonstrada a abusividade em face das peculiaridades do caso concreto, admite-se a revisão da taxa de juros remuneratórios conforme orientação do Egrégio STJ (Recurso Especial Repetitivo n. 1.061.530/RS). Na hipótese dos autos, demonstrada a abusividade, os juros remuneratórios devem ser limitados à taxa média do mercado.
REPETIÇÃO
DO INDÉBITO EM
DOBRO
. A
repetição
em
dobro
, prevista no parágrafo único do art. 42 do cdc, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo. No caso concreto, contudo, o reconhecimento de juros abusivos não caracteriza engano injustificável ou violação da boa-fé.
Repetição
simples determinada. Sentença mantida. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MANUTENÇÃO. Os honorários advocatícios devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, observados o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa e o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (art. 85, § 2º, do CPC). A fixação deve ser realizada de forma sucessiva - Primeiro, sobre o valor da condenação; Segundo, sobre o proveito econômico obtido; Terceiro, sobre valor atualizado da causa. O § 8º do art. 85 do CPC, por sua vez, transmite regra excepcional, de aplicação subsidiária, em que se permite a fixação dos honorários sucumbenciais por equidade, para as hipóteses em que, havendo ou não condenação, I) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (II) o valor da causa for muito baixo. Na hipótese dos autos, considerando que irrisório o proveito econômico obtido e que o valor da causa é muito baixo, os honorários advocatícios devem ser fixados por apreciação equitativa na forma do § 8º do art. 85 do CPC. Valor fixado em sentença mantido. APELAÇÕES DESPROVIDAS.(Apelação / Remessa Necessária, Nº 50122322820228210001, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em: 18-11-2022)
No caso em análise, a sentença determinou a repetição do indébito na forma simples e a parte ré recorre postulando o afastamento.
Deve ser mantida a sentença, pois reconhecida a abusividade na taxa de juros remuneratórios do contrato.
Quanto ao prazo prescricional, deve ser observado o disposto na decisão ao
evento 17, DESPADEC1
, que não foi objeto de recurso.
Portanto, a repetição do indébito deverá ocorrer na forma simples, como determinado na sentença.
Honorários advocatícios.
O Código de Processo Civil, ao tratar dos honorários advocatícios, dispõe que estes serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa
28
.
Cabe destacar que a ordem sequencial prevista no parágrafo 2º do artigo 85 do Código de Processo Civil, condenação, proveito econômico e valor da causa, deve ser respeitada quando da fixação dos honorários advocatícios.
Nessa linha, orienta o Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C PEDIDO DE ANULAÇÃO DE LEILÃO DE IMÓVEL - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NÃO CONHECEU DO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS DEMANDANTES.
1. A parte agravante refutou, nas razões do agravo em recurso especial, todos os fundamentos contidos na decisão que não admitiu o apelo extremo. Não incide, portanto, o óbice da Súmula 182/STJ.
Necessidade de provimento do agravo interno, com análise, de plano, do agravo em recurso especial.
2. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 do CPC/15. Precedentes.
3. A conclusão a que chegou o Tribunal de origem, relativa ao descabimento da inversão do ônus da prova, fundamenta-se nas particularidades do contexto que permeia a controvérsia. Incidência da Súmula 7 do STJ.
4.
De acordo com a jurisprudência desta Corte, a fixação dos honorários advocatícios deve observar "a seguinte ordem de preferência: (I) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2°); (II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II. a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2°); ou (II. b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2°); por fim, (III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8°)" (REsp 1.746.072/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13.2.2019, DJe de 29.3.2019).
4.1. Hipótese em que os aludidos parâmetros foram seguidos pela Corte local para a fixação dos honorários sucumbenciais. Incidência da Súmula 83/STJ.
5. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão agravada.
Agravo em recurso especial conhecido para negar provimento ao recurso especial.
(AgInt no Ag no REsp n. 1.763.490/SP, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 22/5/2023, DJe de 25/5/2023.) Grifei
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA DESTA CORTE. AÇÃO INDENIZATÓRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. LIMITE LEGAL. OBSERVÂNCIA. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA.
1. Para fixação dos honorários sucumbenciais, deve-se observar "a seguinte ordem de preferência: (I) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2º); (II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II. a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (II. b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º); por fim, (III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º)" (REsp 1746072/PR, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/02/2019, DJe 29/03/2019).
1.1. No caso concreto, os honorários advocatícios de sucumbência foram arbitrados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação (R$ 5.000,00 - cinco mil reais), na forma prevista pelo art. 85, § 11, do CPC/2015.
1.2. Observados os limites mínimo e máximo previstos no art. 85, § 2º, do CPC/2015, a revisão do valor fixado a título de honorários é inviável na instância excepcional por exigir o reexame de elementos fático-probatórios dos autos (Súmula n. 7/STJ).
2. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp n. 2.251.924/PB, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 8/5/2023, DJe de 12/5/2023.)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. DESÍDIA E NEGLIGÊNCIA DOS ADVOGADOS. PERDA DE UMA CHANCE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7 DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. PERCENTUAL DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. SÚMULA 568/STJ. DECISÃO MANTIDA.
1. Ação de indenização por danos materiais e compensação por danos morais.
2. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/15 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. Precedentes.
3.Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 489 do CPC.
4. O reexame de fatos e provas não é permitido nesta via recursal.
5. A 2ª Seção do STJ, que, no julgamento do REsp 1.746.072/PR, uniformizou o entendimento desta Corte acerca da fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais, consignando que a regra geral a ser aplicada aos honorários advocatícios é a prevista no § 2º, do art. 85, do CPC/2015, que estabelece uma ordem de preferência para o arbitramento:(i) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2º); (ii) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (ii. a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (ii. b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º). Súmula 568/STJ.
6. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp n. 2.206.933/RO, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/3/2023, DJe de 22/3/2023.) Grifei
O artigo 85, parágrafo 8º
29
, do referido diploma legal, ainda prevê a possibilidade da fixação de honorários por apreciação equitativa, nas ações em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo.
Sobre o ponto, cita-se o entendimento de Alexandre Freitas Câmara
30
:
Além de tratar da responsabilidade por danos processuais, o CPC regula a responsabilidade pelas despesas do processo, pelos honorários advocatícios e por multas.
(...)
Parte importantíssima do estudo desta matéria é a fixação de honorários advocatícios, regida pelo CPC a partir do art. 85. Estabelece este dispositivo que “[a] sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”. Fala-se, aqui mais uma vez, em vencido e vencedor, mas – como visto anteriormente – o dever de pagar deve ser imposto a quem tenha dado causa ao processo (e que, quase sempre, sai vencido na causa). Basta ver o que consta do art. 85, § 10, por força do qual “[n]os casos de perda do objeto (rectius, perda do interesse de agir), os honorários serão devidos por quem deu causa ao processo”.
Os honorários não são devidos apenas em relação à demanda principal, mas também na reconvenção, no cumprimento de sentença (provisório ou definitivo), na execução – resistida ou não – e nos recursos interpostos, cumulativamente (art. 85, § 1ª).
Os honorários advocatícios (conhecidos como “honorários de sucumbência, para distinguirem-se dos honorários contratuais, ajustados entre cada advogado e seu cliente) devem ser fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido com o processo ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º). Na fixação dos honorários, respeitados os limites mencionados, o juiz deverá levar em consideração o grau de zelo do profissional; o lugar de prestação do serviço; a natureza e a importância da causa; o trabalho realizado e o tempo exigido para seu serviço. Sendo o proveito econômico inestimável ou irrisório, ou quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários, sempre observando o disposto no § 2 o do art. 85, “por apreciação equitativa” (art. 85, § 8º), o que significa dizer que ele deverá levar em conta o valor fixado em casos análogos, assegurando assim tratamento isonômico (tratar casos iguais de modo igual). Quando o processo tiver por objeto a indenização por ato ilícito a uma pessoa, o percentual dos honorários incidirá sobre a soma das prestações vencidas com mais doze vincendas (art. 85, § 9º).
Esses limites e critérios devem ser observados qualquer que seja o conteúdo da sentença, inclusive nos casos de improcedência e de extinção do processo sem resolução do mérito (art. 85, § 6º).
Com o julgamento do Recurso Repetitivo n.º 1.850.512 - SP
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referente ao Tema 1076 do Superior Tribunal de Justiça, restou reconhecida a impossibilidade da fixação dos honorários por apreciação equitativa quando os valores da condenação, do proveito econômico e da causa forem elevados, situação anteriormente aceita pelo judiciário.
Pontua-se, ainda, que com a publicação da Lei n.º 14.365/2022 foi acrescentado ao artigo 85 do Código de Processo Civil os parágrafos 6º-A, 8º-A e 20 que tratam da equidade
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.
No caso concreto, os honorários advocatícios foram fixados em 20% sobre o valor da causa; e a parte ré busca a redução.
Analisando os autos, verifica-se que não há condenação, o proveito econômico não foi indicado na inicial, todavia, considerando o valor dos contratos, resultaria em quantia baixa; e o valor da causa, de R$ 12.200,00, não retrata o êxito da parte autora, pois se refere ao valor de alçada.
A ação não demandou dilação probatória, tampouco exigiu trabalho complexo por parte dos procuradores das partes.
Assim, fixo os honorários sucumbenciais em favor dos procuradores da parte autora em R$ 1.000,00, quantia que atende ao disposto no artigo 85, parágrafos 2º e 8º, do Código de Processo Civil
33
e está de acordo com a quantia fixada por esta Câmara. O valor deverá ser corrigido pelo IPCA
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desde o arbitramento e acrescido de juros de mora pela SELIC a contar do trânsito em julgado
35
, deduzido o IPCA, nos termos do artigo 406, § 1º, do Código Civil
36
.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso apenas para alterar os honorários sucumbenciais, nos termos da fundamentação.
1. SÚMULA 568- O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.
2. Art. 206. Compete ao Relator:(...)XXXVI – negar ou dar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca do tema no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça com relação, respectivamente, às matérias constitucional e infraconstitucional e deste Tribunal; (...)
3. Art. 1.011. Recebido o recurso de apelação no tribunal e distribuído imediatamente, o relator:I - decidi-lo-á monocraticamente apenas nas hipóteses do art. 932, incisos III a V;
4. Art. 932. Incumbe ao relator: (...)III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;IV - negar provimento a recurso que for contrário a:a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
5. Art. 100. Deferido o pedido, a parte contrária poderá oferecer impugnação na contestação, na réplica, nas contrarrazões de recurso ou, nos casos de pedido superveniente ou formulado por terceiro, por meio de petição simples, a ser apresentada no prazo de 15 (quinze) dias, nos autos do próprio processo, sem suspensão de seu curso.
6. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
7. CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 6. ed. – São Paulo: Atlas, 2020. Pg. 320.
8. Art. 508. Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido.
9. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. 10º ed. Salvador: JusPodivm. 2018. Pg. 894-895.
10. Art. 506. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.
11. Art. 507. É vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão.
12. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
13. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
14. Art. 6º São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; (...) V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
15. Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
16. Supremo Tribunal Federal, Súmula 596 - As disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional.
17. Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado. (SÚMULA 296, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/05/2004, DJ 08/09/2004, p. 129)
18. A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade. (SÚMULA 382, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/05/2009, DJe 08/06/2009)
19. REsp n. 1.061.530/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 22/10/2008, DJe de 10/3/2009.
20. Tese firmada: São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei n. 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento.
21. Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
22. Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
23. AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2148780 - RS (2022/0184526-4)DECISÃOPORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO interpõe agravo interno contra decisão de fls. 494-496, que negou provimento ao agravo em recurso especial e aplicou ao caso as Súmulas n. 5 e 7 do STJ.Nas razões do presente recurso, a agravante sustenta que não há necessidade de reexame do conjunto fático-probatório para se aferir à ausência de abusividade dos juros remuneratórios.Defende também que o acórdão está em dissonância com a jurisprudência do STJ, uma vez que "declara a abusividade mediante mera comparação entre taxas contratadas, olvidando-se de uma análise mais minuciosa da contratação" (fl. 503).Aduz ainda interpretação divergente ao art. 51, IV, e § 1º, do Código de defesa do Consumidor.Requer seja reconsiderada a decisão agravada e seja conhecido o recurso especial.É o relatório. Decido.Razão assiste ao agravante. Assim, na forma do art. 259, § 6º, do RISTJ, reconsidero a decisão de fls. 494-496 e passo à nova análise das razões do recurso especial.O recurso especial, fundado na alínea c, foi interposto contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (Apelação Cível n. 5036497-36.2018.8.21.0001), nos autos de ação revisional de contrato de mútuo bancário.O julgado foi assim ementado (fl. 219):APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. REVISIONAL.JUROSREMUNERATÓRIOS. SENTENÇA MANTIDA. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA.I. POSSÍVEL A APLICAÇÃO DE JUROS REMUNERATÓRIOS, POR INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, EM PATAMAR SUPERIOR A 12% AO ANO,CONFORME ENTENDIMENTO PACIFICADO PELO STJ. CASO EM QUE OS JUROS FORAM PACTUADOS EM DISSONÂNCIA COM A TAXA MÉDIA DE MERCADO PARA O MÊS DA CONTRATAÇÃO, DEVENDO SER LIMITADOS. (RESP Nº 1.061.530/RS).II - A COMPENSAÇÃO DE VALORES E A REPETIÇÃO DO INDÉBITO CONSTITUEM DECORRÊNCIA LÓGICA DA PRETENSÃO REVISIONAL E DO NECESSÁRIO ACERTAMENTO DA RELAÇÃO DÉBITO-CRÉDITO, EM FACE DA VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA, DEVENDO SER ADMITIDAS, INDEPENDENTEMENTE DE PROVA DO PAGAMENTO POR ERRO.III - CONSTATADA ABUSIVIDADE EM ENCARGO COBRADO NO CURSO DA NORMALIDADE CONTRATUAL, CONFORME ENTENDIMENTO EXARADO PELO STJ, POSSÍVEL A DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA.IV. HONORÁRIOS MAJORADOS COM FULCRO NO ART. 85, §11, DO CPC.APELAÇÃO CÍVEL DESPROVIDA. UNÂNIME.Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fl. 245).Nas razões do recurso especial, o ora agravante aponta divergência de interpretação do art. 51, IV, e § 1º, III, do Código de Defesa do Consumidor.Afirma que o acórdão constatou a abusividade dos juros remuneratórios mediante simples comparação entre os juros contratados pelas partes e a taxa média do mercado, utilizando-se unicamente da tabela do Banco Central.Defende não ter havido análise individualizada das peculiaridades do caso em concreto, nos termos do contido no REsp n. 1.061.530/RS.Requer a reforma do acórdão no sentido de declarar válidas as cláusulas que estipulam a cobrança dos juros remuneratórios e demais encargos, com sua consequente manut enção nos percentuais estabelecidos pelas partes.Requer ainda a incidência dos ônus sucumbenciais exclusivamente à parte recorrida, caso a demanda seja provida.É o relatório. Decido.Depreende-se dos autos que a recorrido ajuizou ação de revisão contratual contra o ora recorrente, objetivando afastar encargos contratuais exorbitantes aplicados em 5 contratos de empréstimo consignado firmado entre as partes.O magistrado de primeiro grau julgou parcialmente procedentes os pedidos da recorrida, limitou os juros remuneratórios à taxa média de mercado às épocas das contratações (2,38% a. m., 2,38% a. m., 2, 20% a. m., 2,22% a. m. e 2,35% a. m., respectivamente), condenando o recorrente à devolução dos valores cobrados em excesso, subtraindo-os, se for o caso, das parcelas vincendas, com a repetição simples do indébito caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores, rejeitando os demais pedidos.Interposta apelação pelo recorrente, foi desprovida e mantida a sentença (fls. 219-220).Sobreveio recurso especial, em que o recorrente questiona o critério para aferição da abusividade dos juros remuneratórios ao argumento de a taxa média de mercado informada pelo Banco Central não poder ser entendida como valor absoluto, constituindo mero referencial.A esse respeito, a Segunda Seção do STJ, no Recurso Especial n. 1.061.530/RS, processado segundo o rito previsto no art. 543-C do CPC de 1973, consolidou o entendimento de que as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulados na Lei de Usura; de que aos contratos de mútuo bancário não se aplicam as disposições do art. 591 c/c o art. 406, ambos do CC de 2002; e de que a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.Dessa forma, "é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do caso concreto".Considerando o entendimento firmado no julgamento do recurso especial repetitivo acima indicado, as Turmas da Segunda Seção do STJ já esclareceram também que a limitação da taxa de juros com base apenas no fato de estar acima da taxa média de mercado não encontra respaldo na jurisprudência desta Corte, uma vez que devem ser observados diversos fatores para a revisão da taxa de juros, tais como o custo de captação dos recursos, o spread da operação, a análise de risco de crédito do contratante, ponderando-se a caracterização da relação de consumo e eventual desvantagem exagerada do consumidor.Para melhor compreensão, confiram-se os seguintes julgados:AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL.CONTRATO BANCÁRIO. TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS CONTRATADA.ABUSIVIDADE. AUSÊNCIA. ORIENTAÇÃO FIRMADA NO RESP N. 1.061.530/RS.CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. JUROS COMPOSTOS. MORA NÃO CONFIGURADA.ALEGAÇÃO DE DECISÃO CITRA PETITA. LITISPENDÊNCIA. REEXAME CONTRATUAL E FÁTICO DOS AUTOS. SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ.1. A eventual redução da taxa de juros, somente pelo fato de estar acima da média de mercado, sem que seja mencionada circunstância relacionada ao custo da captação dos recursos, à análise do perfil de risco de crédito do tomador e ao spread da operação, apenas cotejando, de um lado, a taxa contratada e, de outro, o limite aprioristicamente adotado pelo julgador em relação à taxa média divulgada pelo Bacen - estaria em confronto com a orientação firmada na Segunda Seção desta Corte, nos autos do REsp 1.061.530/RS.2. A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.3. "Consoante pacífica jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, a mora do devedor é descaracterizada tão somente quando a índole abusiva decorrer da cobrança dos chamados encargos do 'período da normalidade', juros remuneratórios e capitalização dos juros" (AgInt no AREsp 800.605/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 16.9.2019, DJe de 19.9.2019).4. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória e interpretar cláusulas contratuais (Súmulas n. 5 e 7/STJ).5. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp n. 2.007.281/PR, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe de 19/9/2022, destaquei.)RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS.REVISÃO. CARÁTER ABUSIVO. REQUISITOS. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA.1- Recurso especial interposto em 19/4/2022 e concluso ao gabinete em 4/7/2022.2- O propósito recursal consiste em dizer se: a) a menção genérica às "circunstâncias da causa" não descritas na decisão, acompanhada ou não do simples cotejo entre a taxa de juros prevista no contrato e a média praticada no mercado, é suficiente para a revisão das taxas de juros remuneratórios pactuadas em contratos de mútuo bancário; e b) qual o incide a ser aplicado, na espécie, aos juros de mora.3- A Segunda Seção, no julgamento REsp n. 1.061.530/RS, submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos, fixou o entendimento de que "é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1°, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto."4- Deve-se observar os seguintes requisitos para a revisão das taxas de juros remuneratórios: a) a caracterização de relação de consumo;b) a presença de abusividade capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada; e c) a demonstração cabal, com menção expressa às peculiaridades da hipótese concreta, da abusividade verificada, levando-se em consideração, entre outros fatores, a situação da economia na época da contratação, o custo da captação dos recursos, o risco envolvido na operação, o relacionamento mantido com o banco e as garantias ofertadas.5- São insuficientes para fundamentar o caráter abusivo dos juros remuneratórios: a) a menção genérica às "circunstâncias da causa" - ou outra expressão equivalente; b) o simples cotejo entre a taxa de juros prevista no contrato e a média de mercado divulgada pelo BACEN e c) a aplicação de algum limite adotado, aprioristicamente, pelo próprio Tribunal estadual.6- Na espécie, não se extrai do acórdão impugnado qualquer consideração acerca das peculiaridades da hipótese concreta, limitando-se a cotejar as taxas de juros pactuadas com as correspondentes taxas médias de mercado divulgadas pelo BACEN e a aplicar parâmetro abstrato para aferição do caráter abusivo dos juros, impondo-se, desse modo, o retorno dos autos às instâncias ordinárias para que aplique o direito à espécie a partir dos parâmetros delineados pela jurisprudência desta Corte Superior.7- Recurso especial parcialmente provido. (REsp n. 2.009.614/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 30/9/2022, destaquei.)Por fim, nos Recursos Especiais n. 1.112.879/PR e 1.112.880/PR, também processados de acordo com o rito previsto no art. 543-C do CPC de 1973, a Segunda Seção do STJ, discutindo a legalidade da cobrança de juros remuneratórios em contratos bancários nos casos de inexistir prova da taxa pactuada ou de não haver indicação, em cláusula ajustada entre as partes, do percentual a ser observado, decidiu que os juros remuneratórios devem ser pactuados; quando não o forem, o juiz deve limitá-los à média de mercado nas operações da espécie divulgada pelo Bacen, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o cliente. Estabeleceu ainda que, "em qualquer hipótese, é possível a correção para a taxa média se for verificada abusividade nos juros remuneratórios praticados".A propósito, a Súmula n. 530 do STJ:Nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada - por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos -, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor.No caso dos autos, verifica-se que Tribunal a quo concluiu que a taxa de juros remuneratórios fora pactuada nos cinco contratos de empréstimo pessoal consignado acima da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central, e, por isso, limitou-os, nestes termos (fls. 217-218, destaquei):Modalidade Data Número Contrato Taxa contratada Taxa Bacen Consignado Público 13/12/2016 3802790452 6,00% a.m.2,05% a.m.Consignado Público 24/2/2014 3801583789 6,00% a.m.1,74% a.m.Consignado Público 31/5/2016 3802383857 6,00% a.m.2,06% a.m.Consignado Público 16/4/2014 3801620335 6,00% a.m.1,76% a.m.Consignado Público 18/5/2016 3802361989 5,43% a.m.2,06% a.m.Quanto à cobrança de juros remuneratórios, faz-se mister salientar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal que, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4, entendeu não ser autoaplicável o então § 3º do art. 192 da Constituição Federal, o qual limitava a taxa de juros em 12% ao ano. Posteriormente, foram revogados, pela Emenda nº 40/2003, todos os parágrafos do dispositivo legal supra.Assim, em setembro de 2003, o STF editou a Súmula nº 648 com o seguinte enunciado: "A norma do parágrafo 3º do art. 192 da Constituição, revogada pelaEC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar".Ademais, a partir do julgamento do REsp nº 1061.530/RS, restou pacificado pela jurisprudência que a limitação da taxa de juros remuneratórios em 12% ao ano, imposta pela Lei de Usura, não é aplicável às instituições financeiras, motivo pelo qual impraticável tal limitação no caso em comento.Outrossim, salienta-se que o contrato é um acordo de vontades que visa à obtenção de resultados jurídicos de conteúdo econômico, regido, dentre outros, pelo Princípio da Autonomia Privada. Nesta dimensão, impera a chamada liberdade de contratar, ou liberdade contratual - que abrange não só os sujeitos, como também o objeto e as normas integrantes do instrumento -,mediante a qual ninguém está obrigado a entabular relação jurídica com outrem.Entretanto, devido à incidência do CDC e segundo entendimento do STJ, a revisão da taxa de juros remuneratórios estipulada no contrato será permitida se restar comprovado que o percentual cobrado não se encontra em consonância com a taxa média de mercado - a qual se configura mais condizente com a atual situação econômica do país -, mensalmente disponibilizada pelo BACEN.No caso em tela, há abusividade a ensejar a revisão da cobrança dos juros remuneratórios, pois conforme exposto na tabela supra, discrepam substancialmente da taxa média prevista para a operação créd ito pessoal consignado para trabalhadores do setor público, série 25467, nos períodos em que foram firmados os contratos (https://www3. bcb. gov. br/sgspub/consultarvalores/consultarValoresSeries.do?method=get Pagina. Acesso em 13/10/2021).Portanto, imperativo o desprovimento do recurso do réu no ponto.Compensação e/ou repetição do indébito A compensação e/ou repetição de indébito são admitidas, na forma simples, como vedação do enriquecimento ilícito do credor e como consequência inerente à revisão contratual, independentemente de prova do pagamento por erro.Na hipótese, constatado eventuais valores para ser compensados ou restituídos, de rigor a procedência do pedido formulado no tópico.Vislumbra-se assim, que esse entendimento não está de acordo com a jurisprudência do STJ, considerando que a Corte a quo utilizou como único parâmetro a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central, deixando de analisar efetivamente eventual vantagem exagerada, que justificaria a limitação determinada para os cincos contratos de empréstimo pessoal consignados à fl. 217.Dessa forma, é necessário o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que, à luz dos requisitos acima estabelecidos pela jurisprudência do STJ, proceda a novo julgamento, considerando as particularidades do caso concreto e verificando a existência de abusividade dos juros remuneratórios.Ante o exposto, conheço do agravo interno e reconsidero a decisão de fls. 494-496 para conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento a fim de determinar a devolução dos autos à origem para que novo julgamento seja realizado, avaliando-se eventual abusividade dos juros remuneratórios de acordo com os parâmetros estabelecidos pela jurisprudência do STJ.Publique-se. Intimem -se.Brasília, 06 de fevereiro de 2023.Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA Relator(AgInt no AREsp n. 2.148.780, Ministro João Otávio de Noronha, DJe de 08/02/2023.)
24. Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.
25. Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.
26. Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.
27. Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
28. Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.§ 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:I - o grau de zelo do profissional;II - o lugar de prestação do serviço;III - a natureza e a importância da causa;IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço,
29. § 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.
30. CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2021, Pg. 71 .
31. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL SOB O RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. ART. 85, §§ 2º, 3°, 4°, 5°, 6º E 8º, DO CPC. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. VALORES DA CONDENAÇÃO, DA CAUSA OU PROVEITO ECONÔMICO DA DEMANDA ELEVADOS. IMPOSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO POR APRECIAÇÃO EQUITATIVA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. RECURSO JULGADO SOB A SISTEMÁTICA DO ART. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015, C/C O ART. 256-N E SEGUINTES DO REGIMENTO INTERNO DO STJ.1. O objeto da presente demanda é definir o alcance da norma inserta no § 8º do artigo 85 do CPC, a fim de compreender as suas hipóteses de incidência, bem como se é permitida a fixação dos honorários por apreciação equitativa quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados.2. O CPC/2015 pretendeu trazer mais objetividade às hipóteses de fixação dos honorários advocatícios e somente autoriza a aplicação do § 8º do artigo 85 - isto é, de acordo com a apreciação equitativa do juiz - em situações excepcionais em que, havendo ou não condenação, estejam presentes os seguintes requisitos: 1) proveito econômico irrisório ou inestimável, ou 2) valor da causa muito baixo. Precedentes. 3. A propósito, quando o § 8º do artigo 85 menciona proveito econômico "inestimável", claramente se refere àquelas causas em que não é possível atribuir um valor patrimonial à lide (como pode ocorrer nas demandas ambientais ou nas ações de família, por exemplo). Não se deve confundir "valor inestimável" com "valor elevado".4. Trata-se, pois, de efetiva observância do Código de Processo Civil, norma editada regularmente pelo Congresso Nacional, no estrito uso da competência constitucional a ele atribuída, não cabendo ao Poder Judiciário, ainda que sob o manto da proporcionalidade e razoabilidade, reduzir a aplicabilidade do dispositivo legal em comento, decorrente de escolha legislativa explicitada com bastante clareza.5. Percebe-se que o legislador tencionou, no novo diploma processual, superar jurisprudência firmada pelo STJ no que tange à fixação de honorários por equidade quando a Fazenda Pública fosse vencida, o que se fazia com base no art. 20, § 4º, do CPC revogado. O fato de a nova legislação ter surgido como uma reação capitaneada pelas associações de advogados à postura dos tribunais de fixar honorários em valores irrisórios, quando a demanda tinha a Fazenda Pública como parte, não torna a norma inconstitucional nem autoriza o seu descarte.6. A atuação de categorias profissionais em defesa de seus membros no Congresso Nacional faz parte do jogo democrático e deve ser aceita como funcionamento normal das instituições. Foi marcante, na elaboração do próprio CPC/2015, a participação de associações para a promoção dos interesses por elas defendidos. Exemplo disso foi a promulgação da Lei n. 13.256/2016, com notória gestão do STF e do STJ pela sua aprovação. Apenas a título ilustrativo, modificou-se o regime dos recursos extraordinário e especial, com o retorno do juízo de admissibilidade na segunda instância (o que se fez por meio da alteração da redação do art. 1.030 do CPC).7. Além disso, há que se ter em mente que o entendimento do STJ fora firmado sob a égide do CPC revogado. Entende-se como perfeitamente legítimo ao Poder Legislativo editar nova regulamentação legal em sentido diverso do que vinham decidindo os tribunais. Cabe aos tribunais interpretar e observar a lei, não podendo, entretanto, descartar o texto legal por preferir a redação dos dispositivos decaídos. A atuação do legislador que acarreta a alteração de entendimento firmado na jurisprudência não é fenômeno característico do Brasil, sendo conhecido nos sistemas de Common Law como overriding.8. Sobre a matéria discutida, o Enunciado n. 6 da I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal - CJF afirma que: "A fixação dos honorários de sucumbência por apreciação equitativa só é cabível nas hipóteses previstas no § 8º, do art. 85 do CPC." 9. Não se pode alegar que o art. 8º do CPC permite que o juiz afaste o art. 85, §§ 2º e 3º, com base na razoabilidade e proporcionalidade, quando os honorários resultantes da aplicação dos referidos dispositivos forem elevados.10. O CPC de 2015, preservando o interesse público, estabeleceu disciplina específica para a Fazenda Pública, traduzida na diretriz de que quanto maior a base de cálculo de incidência dos honorários, menor o percentual aplicável. O julgador não tem a alternativa de escolher entre aplicar o § 8º ou o § 3º do artigo 85, mesmo porque só pode decidir por equidade nos casos previstos em lei, conforme determina o art. 140, parágrafo único, do CPC.11. O argumento de que a simplicidade da demanda ou o pouco trabalho exigido do causídico vencedor levariam ao seu enriquecimento sem causa – como defendido pelo amicus curiae COLÉGIO NACIONAL DE PROCURADORES GERAIS DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL / CONPEG – deve ser utilizado não para respaldar apreciação por equidade, mas sim para balancear a fixação do percentual dentro dos limites do art. 85, § 2º, ou dentro de cada uma das faixas dos incisos contidos no § 3º do referido dispositivo.12. Na maioria das vezes, a preocupação com a fixação de honorários elevados ocorre quando a Fazenda Pública é derrotada, diante da louvável consideração com o dinheiro público, conforme se verifica nas divergências entre os membros da Primeira Seção. É por isso que a matéria já se encontra pacificada há bastante tempo na Segunda Seção (nos moldes do REsp n. 1.746.072/PR, relator para acórdão Ministro Raul Araújo, DJe de 29/3/2019), no sentido de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de 10% a 20%, conforme previsto no art. 85, § 2º, inexistindo espaço para apreciação equitativa nos casos de valor da causa ou proveito econômico elevados.13. O próprio legislador anteviu a situação e cuidou de resguardar o erário, criando uma regra diferenciada para os casos em que a Fazenda Pública for parte. Foi nesse sentido que o art. 85, § 3º, previu a fixação escalonada de honorários, com percentuais variando entre 1% e 20% sobre o valor da condenação ou do proveito econômico, sendo os percentuais reduzidos à medida que se elevar o proveito econômico. Impede-se, assim, que haja enriquecimento sem causa do advogado da parte adversa e a fixação de honorários excessivamente elevados contra o ente público. Não se afigura adequado ignorar a redação do referido dispositivo legal a fim de criar o próprio juízo de razoabilidade, especialmente em hipótese não prevista em lei.14. A suposta baixa complexidade do caso sob julgamento não pode ser considerada como elemento para afastar os percentuais previstos na lei. No ponto, assiste razão ao amicus curiae Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP, quando afirma que "esse dado já foi levado em consideração pelo legislador, que previu 'a natureza e a importância da causa' como um dos critérios para a determinação do valor dos honorários (art. 85, § 2º, III, do CPC), limitando, porém, a discricionariedade judicial a limites percentuais. Assim, se tal elemento já é considerado pelo suporte fático abstrato da norma, não é possível utilizá-lo como se fosse uma condição extraordinária, a fim de afastar a incidência da regra". Idêntico raciocínio se aplica à hipótese de trabalho reduzido do advogado vencedor, uma vez que tal fator é considerado no suporte fático abstrato do art. 85, § 2º, IV, do CPC ("o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço").15. Cabe ao autor - quer se trate do Estado, das empresas, ou dos cidadãos - ponderar bem a probabilidade de ganhos e prejuízos antes de ajuizar uma demanda, sabendo que terá que arcar com os honorários de acordo com o proveito econômico ou valor da causa, caso vencido. O valor dos honorários sucumbenciais, portanto, é um dos fatores que deve ser levado em consideração no momento da propositura da ação.16. É muito comum ver no STJ a alegação de honorários excessivos em execuções fiscais de altíssimo valor posteriormente extintas. Ocorre que tais execuções muitas vezes são propostas sem maior escrutínio, dando-se a extinção por motivos previsíveis, como a flagrante ilegitimidade passiva, o cancelamento da certidão de dívida ativa, ou por estar o crédito prescrito. Ou seja, o ente público aduz em seu favor a simplicidade da causa e a pouca atuação do causídico da parte contrária, mas olvida o fato de que foi a sua falta de diligência no momento do ajuizamento de um processo natimorto que gerou a condenação em honorários. Com a devida vênia, o Poder Judiciário não pode premiar tal postura.17. A fixação de honorários por equidade nessas situações - muitas vezes aquilatando-os de forma irrisória - apenas contribui para que demandas frívolas e sem possibilidade de êxito continuem a ser propostas diante do baixo custo em caso de derrota.18. Tal situação não passou despercebida pelos estudiosos da Análise Econômica do Direito, os quais afirmam com segurança que os honorários sucumbenciais desempenham também um papel sancionador e entram no cálculo realizado pelas partes para chegar à decisão - sob o ponto de vista econômico - em torno da racionalidade de iniciar um litígio.19. Os advogados devem lançar, em primeira mão, um olhar crítico sobre a viabilidade e probabilidade de êxito da demanda antes de iniciá-la. Em seguida, devem informar seus clientes com o máximo de transparência, para que juntos possam tomar a decisão mais racional considerando os custos de uma possível sucumbência. Promove-se, dessa forma, uma litigância mais responsável, em benefício dos princípios da razoável duração do processo e da eficiência da prestação jurisdicional.20. O art. 20 da "Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro" (Decreto-Lei n. 4.657/1942), incluído pela Lei n. 13.655/2018, prescreve que, "nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão". Como visto, a consequência prática do descarte do texto legal do art. 85, §§ 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 8º, do CPC, sob a justificativa de dar guarida a valores abstratos como a razoabilidade e a proporcionalidade, será um poderoso estímulo comportamental e econômico à propositura de demandas frívolas e de caráter predatório.21. Acrescente-se que a postura de afastar, a pretexto de interpretar, sem a devida declaração de inconstitucionalidade, a aplicação do § 8º do artigo 85 do CPC/2015, pode ensejar questionamentos acerca de eventual inobservância do art. 97 da CF/1988 e, ainda, de afronta ao verbete vinculante n. 10 da Súmula do STF.22. Embora não tenha sido suscitado pelas partes ou amigos da Corte, não há que se falar em modulação dos efeitos do julgado, uma vez que não se encontra presente o requisito do art. 927, § 3º, do CPC. Isso porque, no caso sob exame, não houve alteração de jurisprudência dominante do STJ, a qual ainda se encontra em vias de consolidação.23. Assim, não se configura a necessidade de modulação dos efeitos do julgado, tendo em vista que tal instituto visa a assegurar a efetivação do princípio da segurança jurídica, impedindo que o jurisdicionado de boa-fé seja prejudicado por seguir entendimento dominante que terminou sendo superado em momento posterior, o que, como se vê claramente, não ocorreu no caso concreto.24. Teses jurídicas firmadas: i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo. 25. Recurso especial conhecido e provido, devolvendo-se o processo ao Tribunal de origem, a fim de que arbitre os honorários observando os limites contidos no art. 85, §§ 3°, 4°, 5° e 6º, do CPC, nos termos da fundamentação.26. Recurso julgado sob a sistemática do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015 e art. 256-N e seguintes do Regimento Interno do STJ.
32. Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.(...)§ 6º Os limites e critérios previstos nos §§ 2º e 3º aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito.§ 6º-A. Quando o valor da condenação ou do proveito econômico obtido ou o valor atualizado da causa for líquido ou liquidável, para fins de fixação dos honorários advocatícios, nos termos dos §§ 2º e 3º, é proibida a apreciação equitativa, salvo nas hipóteses expressamente previstas no § 8º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)(...)§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.§ 8º-A. Na hipótese do § 8º deste artigo, para fins de fixação equitativa de honorários sucumbenciais, o juiz deverá observar os valores recomendados pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil a título de honorários advocatícios ou o limite mínimo de 10% (dez por cento) estabelecido no § 2º deste artigo, aplicando-se o que for maior. (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)(...)§ 20. O disposto nos §§ 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 6º-A, 8º, 8º-A, 9º e 10 deste artigo aplica-se aos honorários fixados por arbitramento judicial. (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)
33. Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.(...) § 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. (...)§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.
34. Art. 389. (...) Parágrafo único. Na hipótese de o índice de atualização monetária não ter sido convencionado ou não estar previsto em lei específica, será aplicada a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo.
35. Art. 85. (...) § 16. Quando os honorários forem fixados em quantia certa, os juros moratórios incidirão a partir da data do trânsito em julgado da decisão.
36. Art. 406. (...) § 1º A taxa legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 deste Código.
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