Tereza Ribas Isidoro Da Silva x Banco Safra S A
ID: 311704987
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5039503-03.2024.4.04.7000
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
SIGISFREDO HOEPERS
OAB/SC XXXXXX
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FELICIANO LYRA MOURA
OAB/PE XXXXXX
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ELISEU FERRACINE DA SILVA
OAB/PR XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5039503-03.2024.4.04.7000/PR
AUTOR
: TEREZA RIBAS ISIDORO DA SILVA
ADVOGADO(A)
: ELISEU FERRACINE DA SILVA (OAB PR077470)
RÉU
: BANCO SAFRA S A
ADVOGADO(A)
…
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5039503-03.2024.4.04.7000/PR
AUTOR
: TEREZA RIBAS ISIDORO DA SILVA
ADVOGADO(A)
: ELISEU FERRACINE DA SILVA (OAB PR077470)
RÉU
: BANCO SAFRA S A
ADVOGADO(A)
: SIGISFREDO HOEPERS (OAB SC007478)
ADVOGADO(A)
: FELICIANO LYRA MOURA (OAB PE021714)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Em 28/08/2024,
TEREZA RIBAS ISIDORO DA SILVA
ingressou com a presente demanda, sob o rito do Juizado Especial, em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e do BANCO SAFRA S.A, pretendendo a condenação dos requeridos a se absterem de promover descontos no seu benefício previdenciário e a restituírem em dobro os valores que teriam sido desbastados a tal título, bem como a pagarem indenização por danos morais.
Para tanto, a autora sustentou ter sido surpreendida com descontos no seu benefício previdenciário decorrentes de um empréstimo com o Banco Safra, incluído em 29/04/2019, com o valor do contrato de R$ 19.519,20, a ser pago em 72 parcelas de R$ 271,10. Disse que o empréstimo foi realizado de maneira fraudulenta e que não recebeu valores na sua conta. Requereu a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, com a inversão do ônus da prova. Postulou a justiça gratuita, juntou documentos e atribuiu à causa o valor de R$ 49.038,00.
O INSS apresentou contestação no ev.
9.1
, em que discorreu sobre as normas relativas aos empréstimos consignados em benefícios previdenciários, e alegou não possuir responsabilidade pelos fatos relatados. Negou a existência de relação de consumo em relação ao INSS e considerou ser ônus da instituição financeira provar a autenticidade da assinatura. Afirmou não estarem demonstrados danos morais e questionou o pedido de restituição.
O BANCO SAFRA apresentou contestação no ev.
10.1
, em que questionou a ausência de tentativa de solução administrativa. Impugnou o valor atribuído à causa. Apontou não terem sido juntados documentos essenciais (comprovante de residência e extratos bancários). Aduziu a ocorrência da prescrição e da decadência. No mérito, defendeu a validade e regularidade da contratação. Alegou que, no que se refere ao contrato 9892528, "
por se tratar de uma PORTABILIDADE, a parte autora foi beneficiada com a liquidação de seu antigo contrato com o BANCO BRADESCO S.A, através do depósito TED realizado pelo BANCO SAFRA, com valor de R$ 9.919,18
". Quanto ao contrato 10296419 "
por se tratar de um REFINANCIAMENTO, o valor de R$ 10.070,64 foi utilizado para quitar o contrato 9892528, ao passo que o valor remanescente de R$ 432,21 foi depositado na conta da parte autora, junto ao BANCO BRADESCO
". Defendeu não haver responsabilidade do banco por eventuais fraudes realizados por terceiros. Negou a existência de defeito na prestação do serviço bancário. Na hipótese de condenação, pleiteou a devolução dos valores recebidos pela autora. Questionou o pedido de devolução e alegou não estarem presentes os pressupostos para a indenização pretendida, bem assim para a inversão do ônus probatório.
As partes foram intimadas para especificação de provas (evento
13.1
).
O INSS manifestou (evento
18.1
) desinteresse na produção de provas.
A parte autora apresentou réplica no evento
23.1
e requereu (evento
21.1
) a produção de prova pericial grafotécnica.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1.
Competência
desta unidade jurisdicional:
RECONHEÇO a competência da Justiça Federal para o caso, dado que a pretensão da autora foi endereçada ao INSS, autarquia federal criada com força no art. 17 da lei n. 8.029/1990. Logo, restou atendido o art. 109, I, Constituição/88 e art. 10 da lei n. 5.010/66.
Por outro lado, a causa submete-se à alçada dos Juizados Especiais, dado que o conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial é inferior a 60 salários mínimos, conforme definidos na lei nº 14.158, de 2021. Conquanto a autora tenha alegado que os descontos promovidos no seu benefício previdenciário seriam inválidos, a sua pretensão é de natureza condenatória. A demandante postulou que os requeridos se abstenham de promover aludidos desbastes nos seus proventos de pensão/aposentadoria.
Considerando que a nulidade dos descontos - por conta da alegada ausência de vínculos contratuais - foi invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido, o processamento desta demanda sob o rito dos Juizados Federais não esbarra no art. 3º,§1º, III, da lei nº 10.259, de 2001. Registro que a competência dos juizados é absoluta, na forma dos arts. 98, I, CF/88 e art. 3º, da lei n. 10.259/2001.
Atente-se para a súmula 115, TRF4:
"Ação em que a parte autora objetiva a mera declaração de um direito, cujo reconhecimento acarretaria modificação de atos administrativos apenas de maneira reflexa, torna inaplicável a regra prevista no art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259/2001, prevalecendo a competência absoluta pelo valor da causa, do JEF."
Ademais,
"devem tramitar nos JEFs as ações, cujo conteúdo econômico não exceda o limite de sessenta salários-mínimos, exceto nas hipóteses elencadas no parágrafo primeiro.
Em sendo pleiteada a declaração da impropriedade da via eleita para os descontos realizados em folha de pagamento, com a devolução dos valores já descontados a esse título, não se aplica, na espécie, a regra que excepciona da competência dos Juizados Especiais Federais causas valoradas até 60 (sessenta) salários mínimos, uma vez que não há pedido imediato de anulação de qualquer ato administrativo, o qual só seria atingido via reflexa - no caso, a decisão administrativa que negou o requerimento veiculado na via administrativa
. Em outros termos, o ato que indeferiu administrativamente o pedido constitui apenas a causa de pedir, a motivação da demanda, mas não integra seu pedido, que, em sua essência, tem conteúdo declaratório e condenatório."
(TRF-4 - CC: 50311861120174040000 Relator: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 14/12/2017, SEGUNDA SEÇÃO)
A eventual necessidade de diligência pericial ou mesmo a cogitada complexidade da questão discutida não é fator de exclusão da competência dos juizados especiais federais, como bem evidenciam os julgados abaixo transcritos:
CIVIL. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. CRITÉRIO DO VALOR DA CAUSA. NECESSIDADE DE PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. COMPLEXIDADE COMPATÍVEL COM O RITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. EXTINÇÃO DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 64, parágrafo 3º, CPC. REMESSA DOS AUTOS AO JUIZADO ESPECIAL. ÔNUS DO JUIZ DECLARADO INCOMPETENTE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. A Lei n.º 10.259/2001, que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais na Justiça Federal, estabeleceu a competência dos Juizados Cíveis, limitando-a, no art. 3º, caput, às causas cujo valor não ultrapasse sessenta salários mínimos, excetuando apenas as hipóteses previstas no parágrafo 1º do referido dispositivo.
Tal competência é absoluta, conforme dispõe o parágrafo 3º do mencionado artigo. 2. A necessidade de produção de prova pericial não é incompatível com o rito dos Juizados Especiais Federais, tendo em vista que a própria Lei 10.259/2001, em seu art. 12, caput, prevê a possibilidade.
3. Na hipótese, a pretensão do autor, ora apelante, diz respeito ao ressarcimento do dano material sofrido, correspondente ao valor do cheque que teria sido pago indevidamente, na importância de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), bem como ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais). 4. Tendo em vista que o valor da causa estabelecido, R$ 11.200,00 (onze mil e duzentos reais), está abaixo da limitação legal de 60 (sessenta) salários mínimos, não se pode afastar a competência do Juizado Especial Federal para processamento e julgamento do feito, posto que absoluta, não sendo a necessidade de realização da perícia grafotécnica suficiente para deslocá-la. 5. O art. 64, parágrafo 3º, do CPC/2015 dispõe que o acolhimento da incompetência absoluta enseja a remessa dos autos ao juízo competente e não a extinção do feito sem resolução do mérito, sendo atribuição do juízo que se declarou incompetente providenciar a remessa dos autos ao juízo competente. 6. Apelação parcialmente provida para determinar o retorno dos autos ao juízo de origem, a fim de que providencie a remessa do processo ao Juizado Especial Federal. (TRF-5 - AC: 08070396320174058400, Relator: Desembargador Federal Edílson Nobre, Data de Julgamento: 22/11/2017, 4ª Turma)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. COMPLEXIDADE. VALOR DA CAUSA. 1.
Diversamente do que ocorre em relação aos Juizados Especiais Estaduais, cuja competência é determinada pela natureza da ação - causas de menor complexidade -, no âmbito federal a competência, de natureza absoluta, é fixada com base no valor atribuído à causa
. 2. A competência para apreciação das causas até sessenta salários mínimos é dos Juizados Especiais Federais, em caráter absoluto. 3. Incumbe ao magistrado, de ofício, o dever de direção do processo (art. 125 do CPC) e o zelo pela aplicação das normas de direito público, aí envolvidas questões de ordem pública, tais como o controle do valor da causa, a fim de possibilitar a correta aferição da competência para o julgamento da lide, não podendo se admitir mera estimativa do valor dado à causa pela parte autora. (TRF-4 - AG: 50252224220144040000 5025222-42.2014.4.04.0000, Relator: JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 19/11/2014, SEXTA TURMA)
Desse modo, a tramitação desta causa sob o rito dos Juizados Especiais revela-se escorreita.
2.2. Pertinência subjetiva do
INSS
para a causa:
O INSS possui legitimidade para responder à pretensão indenizatória, fundada em alegados vícios em consignação de pagamentos, no âmbito de prestações previdenciárias:
DIREITO ADMINISTRATIVO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS INDEVIDOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. INTERESSE DE AGIR. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO.
O INSS é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que os segurados buscam desconstituir contrato de compra e venda de produto que deu origem a descontos nos benefícios previdenciários por meio de consignação em folha de pagamento. Precedentes
. O esgotamento da via administrativa não constitui requisito essencial ao ajuizamento de ação judicial, cujo acesso se dá ao jurisdicionado, nos termos do art. 5º, XXXV, da Carta Magna. Comprovado o evento danoso e o nexo causal, o INSS responde, juntamente com a instituição financeira, pelos descontos indevidos em benefício previdenciário causados por empréstimos consignados fraudulentos. Cabível indenização por danos morais à autora que teve seu benefício previdenciário reduzido em decorrência de fraude praticada por terceiro no âmbito de operações bancárias. (TRF4, AC 5014498-92.2014.4.04.7108, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 26/07/2019).
2.3. Pertinência subjetiva do Banco requerido para a causa:
A autora deduziu pretensão à condenação dos requeridos a se absterem de promover descontos em seus proventos de aposentadoria. Também requereu que eles fossem condenados a lhe restituirem os valores descontados e na condenação à reparação de danos morais, mediante indenização na ordem de R$ 10.000,00.
No que toca ao Banco demandado, a autora sustentou que ele possuiria responsabilidade, na medida em que as operações financeiras promovidos não teriam sido consentidas por ela.
Segundo prova acostada aos autos, o banco requerido foi o concedente dos créditos supostamente depositados em favor da autora e responsável pelos descontos promovidos no benefício previdenciário, ou seja, é o credor da dívida que a autora pretende desconstituir, não havendo como negar possuir pertinência para a causa.
Saber se a pretensão da demandante é procedente, no que toca aos requeridos, é questão a ser apreciada com julgamento do mérito do pleito deduzido no movimento-1, algo a ser apreciado por época da prolação da sentença.
2.4.
Valor
da causa:
Como sabido, a toda causa deve ser atribuído algum valor econômico, por força do art. 291, CPC/2015 - projeção do art. 258, CPC/73 -, pois se cuida da base de cálculo da taxa judiciária. Referido valor pode influenciar, em muitos casos, a determinação da competência das unidades judiciais ou o procedimento aplicável, também surtindo reflexos sobre a definição de encargos sucumbenciais.
Trata-se, tanto por isso, de requisito para que a petição inicial seja válida - art. 319, CPC. Como explicita Araken de Assis,
"às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290), o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que a toda causa será atribuído valor certo. Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável. Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo I: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 1695)
Convém atentar, tanto por isso, para o art. 292, CPC/15:
Art. 292. O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II - na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal. § 1º Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações. § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes.
Atente-se novamente para a análise de Araken de Assis:
"É exemplificativa a enumeração dos acessórios. Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de penalidade. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula penal (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), não entram na estimativa da causa.
O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei.
Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá o valor da importância reclamada no pedido.
O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único
.
Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa." (ARAKEN, Assis.
Obra citada.
p. 1698 e ss.)
Ora, não se pode perder de vista que o valor atribuído à causa deve corresponder, tanto quanto possível, ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial, como bem equaciona o art. 292, §3º, CPC/15:
"O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou
ao proveito econômico perseguido pelo autor
, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
NO CASO, a autora deduziu pretensão à suspensão dos descontos decorrentes de alegado empréstimo consignado fraudulento e à declaração da ausência de relação jurídica com a instituição financeira demandada. Ela postulou que lhe seja pago o dobro das parcelas já descontadas do seu benefício previdenciário e declarada a inexistência da contração. Requereu a condenação dos requeridos ao pagamento de indenização de danos morais - R$ 10.000,00. Ela atribuiu à causa o valor de R$ 49.038,00.
Sendo o valor da causa projeção do conteúdo econômico da pretensão deduzida em juízo, a autora deve esclarecer e, sendo o caso, retificar o valor atribuído à causa, para que compreenda
o dobro dos valores eventualmente descontados
de seu benefício até a propositura da demanda,
acrescido do valor da dívida que pretende anular, do valor pretendido a título de reparação de danos morais
e, sendo o caso,
12 parcelas vincendas de desconto
, - art. 292, II, V, VI, §§ 1º e 2º, CPC.
2.5. Alegada ausência de interesse processual e inépcia da inicial:
Não procede a alegação de ausência de interesse processual, na medida em que o agente financeiro demandado impugnou a pretensão inicial, evidenciando que o pleito não seria atendido no âmbito administrativo.
A requerente não se limitou a postular o cancelamento de descontos, dado que também almejou a condenação dos requeridos à reparação de danos morais. Diante do conteúdo das contestações apresentadas pelos requeridos, vê-se que tal pretensão não seria acolhida no âmbito extrajudicial.
Também não procede a alegação de ausência de inépcia da inicial,
Restou deduzida pretensão em relação ao agente financeiro, que segundo a inicial foi o responsável por uma contratação fraudulenta em nome da autora. A inicial expôs os fundamentos e causa de pedir, permitindo ao réu a formulação de sua defesa, razão pela qual não acolho a alegação de inépcia.
2.6. Alegada ausência de
documentos
essenciais:
A autora alegou desconhecer a contratação questionada na inicial, enquanto que o Banco requerido defendeu a regularidade dos empréstimos, não sendo possível à parte autora a prova negativa da contratação, ao contrário do alegado na contestação. Ora, ao banco requerido cabe a demonstração de que a autora efetivamente contratou seus serviços. Por sua vez, o agente financeiro confirmou a realização da operação em sua contestação, de modo que a regra do art. 321, CPC, restou atendida.
Quanto aos extratos bancários aptos a demonstrar a disponibilização de valores à autora, tratam-se de prova documental que pode ser solicitada no curso do processo.
No que se refere ao comprovante de endereço da parte autora, assiste razão ao banco demandado ao apontar para a necessidade de sua apresentação.
2.7. Eventual
prescrição ou decadência
da pretensão deduzida:
No que diz respeito à pretensão endereçada ao INSS, a pretensão à reparação de danos prescreve em 5 anos, por conta do art. 1º do Decreto 20.910/1932. Aludido prazo deve ser computado a partir do momento em que o sujeito tomou conhecimento da lesão ao seu interesse, por força da
actio nata.
Já a pretensão endereçada aos banco demandado prescreveria, em princípio, em 03 anos, por força do art. 206, §3º, V, Código Civil. Aludido prazo também deve ser computado com termo inicial na data em que a autora tomou conhecimento da agressão aos seus interesses, na forma do art. 189, CC/2002. Dada a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, o seu art. 27 preconiza o prazo prescricional de 05 anos, quando em causa pretensões condenatórias lastreadas em relações de consumo.
A 3ª Turma Recursal de Santa Catarina, ao julgar o Recurso Cível 50292885220214047200/SC em 24/11/2022, decidiu:
Pois bem, com relação à
decadência e prescrição
, a lide demanda aplicação da legislação consumerista. O Código de Defesa do Consumidor prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço:
Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.
Especificamente quanto ao prazo decadencial, seja na legislação consumerista, seja nos termos do art. 178 do Código Civil, a questão em julgamento é a inexistência da contratação, não se aplicando a decadência.
Não acolho, pois, a argumentação do banco quanto à alegada caducidade do direito invocado na peça inicial.
Por outro lado, considerando que a presente ação foi ajuizada em 28.08.2024, encontram-se prescritas as parcelas descontadas antes de 28.08.2019.
2.8. Delimitação das narrativas dos fatos:
A autora narrou, na peça inicial, não ter celebrado contrato com o banco requerido e tampouco ter autorizado o INSS a promover descontos mensais no seu provento de aposentadoria.
O banco requerido defendeu que os valores creditados teriam se dado de forma regular, a pedido da parte autora por meio de contrato por ela firmado e que os prejuízos noticiados não seriam devidos. O requerido juntou documentos pessoais da autora, contratos e planilhas.
O INSS aduziu que os descontos teriam sido programados de modo escorreito, por conta do art. 115, lei 8.213, de 1991. Os requeridos aduziram, ademais, que o demandante não teria suportado os danos morais e materiais noticiados na peça inicial.
Em síntese, essa é a delimitação das narrativas sobre os fatos, controvertidas no presente processo.
2.9. Quanto à aplicação do regime consumerista:
Com a publicação do CDC, inaugurou-se uma conhecida polêmica sobre o alcance das suas disposições. Grosso modo, as opiniões distribuíram-se em duas grandes correntes: os finalistas e os maximalistas.
Os finalistas amparam-se sobremodo na regra do art. 2º da lei 8078/1990:
"Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final."
Logo, em princípio, o CDC apenas tutelaria aquelas relações em que o serviço fosse prestado ou o bem fosse fornecido ao destinatário último, sem subsequentes repasses.
Essa orientação foi compartilhada, ao que se sabe, pelos principais idealizadores do projeto que eclodiu no código consumerista brasileiro: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e outros.
Já a orientação maximalista promove uma leitura ampla do conceito de consumidor, destacando que a lei 8078 não tutelaria apenas o destinatário final de bens e serviços, sendo oponível também às relações entre empresas e até mesmo a órgãos públicos (amparando-se, nesse caso, na regra do art. 22, CDC). Essa orientação parece ser compartilhada por Rizzato Nunes, por exemplo (conforme o seu
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004).
Com esse pano de fundo, inúmeras discussões foram promovidas ao longo desses anos de vigência da lei 8078. Ao que releva, o CDC se aplica a entidades da Administração Pública, quando em causa serviços remunerados mediante preços públicos (art. 22, CDC).
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado
. 4. Recurso a que se nega provimento.(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. CONTRATO DE TRANSPORTE DE ENCOMENDA SEM DECLARAÇÃO DE VALOR. EXTRAVIO DE MERCADORIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO.1.
Qualifica-se como de consumo a relação jurídica contratual de transporte de encomendas. Precedente do STJ
. 2. É do fornecedor o ônus de provar claramente as condições contratuais particularmente em relação à opção de informar ou não o valor da mercadoria e o custo do serviço para o fim de indenização em caso de extravio segundo o valor exato da mercadoria transportada.3. Não é aceitável o fornecedor simplesmente alegar que o consumidor não declarou o valor para indenizar o prejuízo de acordo com critério unilateral.4. Apelação provida. (AC 00626681319984010000, JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ DATA:23/06/2005 PAGINA:81.)
D'outro tanto, em princípio, pessoas jurídicas também podem ser qualificadas como consumidoras, para fins de aplicação da lei 8.078/1990, desde que não esteja em causa a aquisição de matéria prima para seus processos produtivos.
RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIO FINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.078/90.I - "
O conceito de "destinatário final", do Código de Defesa do Consumidor, alcança a empresa ou o profissional que adquire bens ou serviços e os utiliza em benefício próprio
" (AgRg no Ag nº807159/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 25/10/2008).II - No caso em exame, a recorrente enquadra-se em tal conceituação,visto ser empresa prestadora de serviços médico-hospitalares, que utiliza a água para a manutenção predial e o desenvolvimento de suas atividades, ou seja, seu consumo é em benefício próprio.III - A empresa por ser destinatária final do fornecimento de água e, portanto, por se enquadrar no conceito de consumidora, mantém coma recorrida relação de consumo, o que torna aplicável o disposto no artigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078/90. IV - Recurso especial conhecido e provido...EMEN: (RESP 200800133166, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:30/04/2008..DTPB:.)
Quanto à aplicação do CDC, quando se trate da prestação de serviços por empresas públicas, remunerados mediante preços públicos/tarifas, convém atentar para o art. 22, CDC:
"
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos
. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."
Atente-se ainda para os seguintes julgados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREIOS. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. 1. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem- se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 2. No caso, a contratação de serviços postais oferecidos pelos Correios, por meio de tarifa especial, para envio de carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem revela a existência de contrato de consumo, devendo a fornecedora responder objetivamente ao cliente por danos morais advindos da falha do serviço quando não comprovada a efetiva entrega. 3. É incontroverso que o embargado sofreu danos morais decorrentes do extravio de sua correspondência, motivo pelo qual o montante indenizatório fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi mantido pelo acórdão proferido pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena de enriquecimento sem causa. 4. Embargos de divergência não providos. ..EMEN:
(ERESP 201303279910, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:24/02/2015 ..DTPB:.)
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado. 4. Recurso a que se nega provimento.
(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
De sua parte, Justen Filho enfatiza a dificuldade, não raro, de se conjugar o regime jurídico público - próprio das concessões ou de empresas públicas - com a aplicação da lógica do Código de Defesa do Consumidor:
"Ocorre que nem sempre é possível conciliar o regime de direito público com aquele do direito do consumidor. A cumulação dos mecanismos de serviço público e de direito do consumidor provoca um conflito de competências e de regime jurídico, cuja solução deve ser realizada com cautela.
Um exemplo permite compreender de imediato o problema. Segundo o direito do consumidor, é obrigatório o empresário manter a oferta realizada nas condições originais. Já no âmbito do serviço público, a mutabilidade é da sua inerência. Suponha-se, portanto, o caso da telefonia fixa. Imagine-se que o concessionário estabeleça relação jurídica com o usuário, orientando-se por determinada regulação do poder concedente. Se houver necessidade e conveniência, o poder concedente alterará as regras pertinentes, com reflexos na situação jurídica do usuário. Em face do regime de Direito Administrativo, o usuário não poderia invocar direito adquirido à manutenção de regime jurídico. Mas sua pretensões poderia encontrar respaldo no regime característico do direito do consumidor.
Não seria excessivo afirmar que a concepção do serviço público defere ao poder concedente a função de tutelar e defender o interesse coletivo (aí abrangido também o interesse do usuário). Já o direito do consumidor assegura ao próprio consumidor e às entidades da sociedade a função de sua defesa (sem que isso exclua a intervenção de órgãos estatais)
.
É fundamental tomar em vista, então, que a aplicação das normas do direito do consumidor não pode fazer-se em face do serviço público com idêntica extensão aplicável no caso de relações puramente privadas, relacionadas com a exploração de atividade econômica em sentido restrito." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Teoria geral das
concessões
de serviço público.
São Paulo: Dialética, 2003, p. 557-558)
De outro norte, consolidou-se a orientação jurisprudencial que reconhece a sua plena aplicação no âmbito dos contratos bancários, desde que pactuados depois de 1990.
Ora, essa solução é alvo de duas conhecidas súmulas do STJ:
Súmula 297 - O Código de Defesa do consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Súmula 285 -
Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do consumidor incide a multa moratória nele prevista.
A Suprema Corte reconheceu, ademais, a plena aplicação do CDC às relações estabelecidas entre os bancos e seus clientes, nessa condição, conforme se infere da ADIn 2591/DF, relatada pelo Min. Carlos Velloso. Tudo conjugado, o CDC aplica-se ao caso vertente, no que diz respeito à relação entre a demandante e o banco requerido.
Solução semelhante não pode ser dispensada, contudo, à relação entre a autora e o INSS,
eis que submetida aos ditames do direito administrativo, não se tratando de vínculo consumerista.
Com efeito, na espécie, o vínculo com o INSS não deu ensejo ao pagamento de preços públicos ou tarifas -- ao contrário do que ocorre com o uso de rodovias pedagiadas, ou pagamento do fornecimento de água e energia elétrica.
Não se aplica ao caso o art. 22, CDC
, de modo que não se aplica o código do consumidor quanto à relação travada entre a autora e a autarquia.
2.10. Efeitos da aplicação parcial do CDC ao caso:
Dada a aplicação do CDC, no que toca à relação entre a autora e o banco demandado, isso implica o reconhecimento de um conjunto de garantias asseguradas ao consumidor, conforme arts. 4º, 39 e 51 da lei 8078/1990.
Destaco, nesse âmbito, o dever de atuar com boa-fé (e o correspondente respeito à boa-fé objetiva), preconizado no art. 4º, III, CDC. Como diz Rizzatto Nunes,
"a boa-fé objetiva, que é a que está presente no Código de
defesa do consumidor
, pode ser definida, grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo (...) Assim, quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra."
(RIZZATTO NUNES
apud
EFING, Antônio Carlos.
Contratos e procedimentos bancários à luz do Código de defesa do consumidor.
2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2012, p. 87).
Esse dever de respeito à boa-fé também foi preconizado pelo art. 422, Código Civil:
"Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé."
Vale a pena atentar para a lição de Antônio Carlos Efing:
"A boa-fé, assim, possui no macrossistema de direito civil, e, consequentemente no microssistema do direito do consumidor, uma séria de efeitos, seja como um princípio de função interpretativa, seja como cláusula geral geradora de deveres anexos e critério de constatação de exercício abusivo de um direito ou de uma cláusula abusiva. Como bem sintetiza Cláudia Lima Marques, 'o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui muitas funções na nova teoria contratual: (a) como fonte de novos deveres especiais de conduta na nova teoria contratual; (b) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos, e (c) na concreção e interpretação dos contratos." (EFING, Antônio Carlos.
Obra citada.
p. 90).
De outro tanto, a incidência do CDC implica o dever, por parte do fornecedor, de disponibilizar ao consumidor informação adequada e clara sobre os diferentes serviços e produtos, com especificação correta da quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço (art. 6º, III, CDC c/ redação veiculada pela lei 12.741/2012).
Esses são alguns dos efeitos decorrentes da aplicação do CDC, quanto ao vínculo entre a requerente e o banco demandado.
2.11. Eficácia vinculante dos contratos:
O contrato é manifestação da autonomia da vontade. Em regra, desde que a vontade seja exteriorizada sem vícios (dolo, coação, vício redibitório etc.), ele vincula as partes, obrigando-as ao cumprimento das cláusulas avençadas. É fato que essa concepção liberal do contrato tem sido esmaecida, dada a sua progressiva funcionalização. Importa dizer: a legislação atual também exige, para exame da validade do contrato, que os seus resultados sejam tidos em conta (p.ex., a vedação da onerosidade excessiva, conforme arts. 39 e 51,
CDC
e arts. 478/480, CC).
Logo, em determinados casos, esse caráter vinculante dos contratos resta mitigado, frente à constatação de que muitos pactos são celebrados por adesão (contratos formulário), a existência de contratos cativos, superendividamento de muitos consumidores, propaganda abusiva etc. Assim, não se desconhece que o Direito pátrio esposou, de certa forma, a teoria das bases objetivas do contrato, desenvolvida por Karl Larenz em solo alemão:
"Pela base objetiva do negócio tem de se entender o conjunto de circunstâncias e estado geral de coisas cuja existência ou subsistência é objetivamente necessária para que o contrato, segundo o significado das intenções de ambos os contratantes, possa subsistir como regulação dotada de sentido.
A base do negócio objetivo tem desaparecido: a) quando a relação de equivalência entre prestação e contraprestação pressuposta no contrato se tem destruído em tal medida que não pode falar-se racionalmente de uma contraprestação (destruição da relação de equivalência); b) quando a comum finalidade objetiva do contrato, expressada em seu conteúdo, tenha resultado definitivamente inalcançável, ainda quando a prestação do devedor seja, todavia, possível (frustração da finalidade).
Nos casos de destruição da relação de equivalência (IX, a), a parte prejudicada, no caso de não haver realizado a prestação, pode negar-se a fazê-lo contanto que a outra parte não consinta um adequado aumento da contraprestação que restaure a equivalência. Se se rechaça este aumento terminantemente
, a parte prejudicada pode resolver ou, em caso de uma prestação de larga duração já iniciada, denunciar imediatamente o contrato. Se tem realizado sua prestação pode, quando não se admita um adequado aumento posterior da contraprestação, reclamar uma indenização pelo valor do enriquecimento da outra parte.
Nos casos de frustração da finalidade (IX, b), o credor da prestação que resultou inútil pode recusá-la e negar-se a realizar sua contraprestação desde que suporte os gastos que a outra parte tenha realizado para a preparação e execução do contrato e que podiam considerar-se indispensáveis" (LARENZ, Karl.
Base del negócio jurídico y cumplimiento de los contratos.
Tradução do alemão para o espanhol por Carlos Fernándes Rodrigues. Granada: Editorial Comares, 2.002, pp. 211-212. Traduzi).
Reporto-me, a respeito do tema, ao seguinte julgado:
"
Não se perquire mais, como na teoria da Imprevisão, sobre a previsibilidade do fato econômico superveniente. E nem se deveria
. Com efeito, o fato pode ser até previsível, mas não é esperado, porque se esperado fosse, nem o Banco emprestaria o dinheiro e nem o tomador assumiria um compromisso que não pode arcar. Logo, o fato previsível, mas não esperado, situa-se na área do risco inerente a qualquer atividade negocial."
(TJRS, apelação cível de autos 193051083, quarta câmara cível, relator desembargador Márcio de Oliveira Puggina, julgado em 24 de junho de 1994)
Ademais, a legislação consumerista determina a revisão parcial dos contratos, atingindo-se apenas as cláusulas eventualmente viciadas, mas preservando seus demais termos (art. 51, §2º, CDC).
Em que pese tudo isso, é fato, porém, que o contrato não pode ser simplesmente desconsiderado pelo Judiciário. Ele ainda é instituto fundamental para a economia, permitindo o fluxo de bens e o planejamento individual. Logo, conquanto seja certo que o contrato não pode ser suposto como algo inexorável, igualmente certo que tampouco pode ser simplesmente abstraído, como se fosse destituído de qualquer eficácia obrigacional. Tanto por isso, a revisão contratual deve ser promovida com cautelas. Deve-se conjugar a preservação dos direitos fundamentais - cláusulas de ordem pública veiculadas na lei 8078/1990 -, com o reconhecimento da força vinculante dos pactos.
Por sinal, eventuais dificuldades financeiras, caso suportadas pelo devedor, não justificam, por si, o reconhecimento de onerosidade excessiva. Pode-se cogitar de eventual aplicação da teoria da lesão contratual, mas desde que preenchidos os rigorosos requisitos do art. 157, CC.
"A desproporção manifesta é sempre referida à prestação considerada objetivamente, e não à situação subjetiva na qual se encontra o devedor cujas dívidas derivadas de outras relações obrigacionais tenham, por hipótese, aumentado."
(COSTA, Judith Martins.
Comentários ao novo código civil.
Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Arts. 304 a 388.
Volume V, tomo I, 2. ed. RJ: Forense, 2003, p. 305).
2.12. Funcionalização dos pactos:
Em que pese tudo isso, é fato, porém, que o contrato não pode ser simplesmente desconsiderado pelo Judiciário. Ele ainda é instituto fundamental para a economia, permitindo o fluxo de bens e o planejamento individual.
Logo, conquanto seja certo que o contrato não pode ser suposto como inexorável, igualmente certo que tampouco pode ser simplesmente abstraído, como se fosse destituído de eficácia obrigacional. Tanto por isso, a revisão contratual deve ser promovida com cautelas. Deve-se conjugar a preservação dos direitos fundamentais - cláusulas de ordem pública veiculadas na lei 8078 -, com o reconhecimento da força vinculante dos pactos.
Por sinal, eventuais dificuldades financeiras, caso suportadas pelo devedor, não justificam, por si, o reconhecimento de onerosidade excessiva. Pode-se cogitar de eventual aplicação da teoria da lesão contratual, mas desde que preenchidos os rigorosos requisitos do art. 157, CC.
"A desproporção manifesta é sempre referida à prestação considerada objetivamente, e não à situação subjetiva na qual se encontra o devedor cujas dívidas derivadas de outras relações obrigacionais tenham, por hipótese, aumentado." (Judith Martins-Costa. Comentários ao novo código civil. Do direito das obrigações.
Do adimplemento e da extinção das obrigações.
Arts. 304 a 388, volume V, tomo I. 2ª ed. RJ: Forense, 2003, p. 305).
2.13. Interpretação de contratos de adesão:
Diante do já exposto, vê-se que o instituto jurídico do contrato tem sido funcionalizado, em tempo mais recente. Isso significa que ele deve atender a interesses sociais relevantes, viabilizando-se um controle do seu conteúdo quanto às cláusulas abusivas, manifestamente desproporcionais. O tema é bem exemplificado pela ingerência estatal em contratos de locação, contratos educacionais etc.
Ao mesmo tempo, porém, o sistema continua a viabilizar a revisão e anulação de pactos, sempre que comprovado que, por época da sua celebração, a vontade não teria sido manifestada de modo livre, como se infere dos conhecidos institutos do dolo, coação, vício redibitório e teoria da lesão (arts. 138, 145, 151 e 157, Código Civil/2002).
Note-se, todavia, que o contrato não pode ser presumido como inválido tão somente por ter sido lavrado em um formulário padronizado (contrato de adesão). Afinal de contas, tais instrumentos são indispensáveis para o comércio jurídico contemporâneo.
Contudo, havendo cláusulas ambíguas, a lei determina que sejam interpretadas de modo mais favorável ao aderente, conforme art. 423, Código Civil:
"Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente."
Outra ressalva importante é ditada pelo art. 424, CC/2002:
"
Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio
."
De outro tanto, registro que a súmula nº 381 do STJ preconiza que "
nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas
.
" Na espécie, todavia, referida norma é suavizada por força da designação do defensor dativo para atuar no caso.
2.14. Exceção de contrato não cumprido:
Cuidando-se de contrato sinalagmático,
"nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
" (art. 476, Código Civil/2002). Cuida-se de simples projeção do postulado
non venire contra factum proprium,
dado que ninguém pode exigir aquilo que não está disposto a cumprir. Quem inadimpliu o contrato tampouco pode exigir que o outro contratante cumpra suas obrigações, como cediço.
Explicita Maria Helena Diniz que
"A exceptio non adimpleti contractus é a cláusula resolutiva tácita que se prende ao contrato bilateral.
Isto é assim porque o contrato bilateral requer que as duas prestações sejam cumpridas simultaneamente, de forma que nenhum dos contratantes poderá, antes de cumprir suas obrigações, exigir o implemento das do outro
. (...) Pelo enunciado n. 24, aprovado na 1. Jornada de direito comercial, os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância."
(DINIZ, Maria Helena.
Código civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 450). Por conseguinte, também nesse âmbito, deve-se aferir se houve adimplemento substancial.
2.15. Quanto ao ônus da prova:
Em regra, incumbe a quem alega - ou seja, à parte autora - o ônus de comprovar a veracidade da narrativa dos fatos, promovida na peça inicial. É o que se infere do art. 373, I, CPC. Cabe à parte demandada comprovar a ocorrência de eventuais fatos impeditivos do acolhimento da pretensão da autora, contanto que tenham sido alegados na contestação, conforme art. 373, II, CPC.
Em situações em que haja uma assimetria significativa entre as partes; ou que uma delas se revele vulnerável, o CPC preconiza a inversão do ônus da prova, conforme art. 373, §1º, CPC, devendo o Juízo atribuir à parte demandada o ônus de comprovar a inveracidade da narrativa empreendida na peça inicial.
Ao que releva, é fato que, por época do julgamento do
REsp nº 1.846.649-MA
, submetido ao rito dos recursos repetitivos, o STJ decidiu que, sendo impugnada a assinatura de um instrumento de contrato bancário, compete à instituição financeira o ônus de provar sua autenticidade, mediante inversão ditada pelo art. 373, §1º, CPC/15:
"Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso especial para, nessa extensão, negar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Para os fins repetitivos, foi aprovada a seguinte tese: "
Na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (CPC, arts. 6º, 369 e 429, II )
." Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira. (STJ, REsp 1.846.649-MA, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, DJe 09.12.2021).
Aludida solução deve ser aplicada ao caso, por força do art. 927 e lógica do art. 489, §1º, VI, CPC, que versam sobre a eficácia cogente dos precedentes judiciais.
2.16. Ainda quanto à narrativa dos fatos havidos:
NA ESPÉCIE, a autora alegou ter sido vítima de fraude quanto ao aludido contrato, eis que teria sido promovido à sua revelia. Tratar-se-ia, assim, segundo a peça inicial, de uma hipótese de inexistência de negócio jurídico, no que tocaria à demandante, dado que a manifestação de vontade teria sido promovida por terceiros, sem seu consentimento.
Assim, em primeiro exame, a demanda gravita em torno dos seguintes tópicos
: (a) alegada ausência de contratação de empréstimos pela autora junto ao agente financeiro demandado; (b) deve-se aferir se tal empréstimo foi realizado com fraude, como alegou a requerente; (c) se os montantes decorrentes dos contratos de empréstimo de alguma forma teriam sido utilizado pela autora; (d) saber se tal contexto enseja a obrigação de indenização de danos materiais, alegados pela requerente; (e) aferir se a autora suportou danos morais em razão de tal contexto e se, nesse caso, os requeridos estão obrigados a repará-los; (f) aferir, tendo havido danos morais, o montante da indenização devida.
Diante das premissas acima equacionadas - notadamente, diante do REsp nº 1.846.649-MA -, é ônus da entidade financeira demandada comprovar a autenticidade das assinaturas e dos documentos atribuídos à requerente. Isso pode ser promovido com a demonstração de ter sido exigido reconhecimento de firma, testemunhas etc., hábeis a demonstrar que, de fato, o requerente teria realmente celebrado os mencionados mútuos feneratícios.
Cabe ao banco demonstrar, ademais, que os recursos tidos por emprestados foram aportados na conta da autora e por ela utilizados, para eventual aplicação do art 884, Código Civil/2002.
2.17. Dilação probatória:
Em regra, o Poder Judiciário deve facultar às partes, observados os prazos de lei, a realização da mais ampla dilação probatória, desde que conexa o pedido e causa de pedir deduzidos nos autos.
Isso não significa, porém, que todo e qualquer pedido, lançado pelos contendores, deva ser automaticamente deferido. Ao contrário, as diligências destinadas a esclarecer fatos totalmente impertinentes com o
thema decidendum
não hão de ser realizadas, sob pena de converter o processo em um verdadeiro trabalho de Sísifo. Como sabido,
frusta probatur quod probantum non relevat.
Importa dizer: não se defere a realização de diligências destinadas a demonstrar fatos insuscetíveis de influenciar o resultado da demanda.
Esse é, por exemplo, o conteúdo do art. 464, §1º, do CPC. Reporto-me também ao art. 38, §2º, da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo:
"Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias."
Outro não é o conteúdo do art. 370, parágrafo único, CPC/15.
NA ESPÉCIE, anoto que as partes anexaram documentos aos autos, tendo a parte autora requerido a produção de prova pericial grafotécnica.
Diante da inversão do ônus da prova, nos termos do julgado no
REsp nº 1.846.649-MA
, determino ao contendores que digam se persiste interesse na realização da prova técnica requerida pela autora.
Em relação à produção de prova documental, observo que o momento adequado para juntada de documentos é o da contestação para o réu e o da inicial para o autor, sendo facultada, no entanto, a juntada de novos documentos, desde que atendidos os requisitos do art. 435, CPC.
III - EM CONCLUSÃO
3.1.
DELIMITEI, acima, as narrativas sobre os fatos havidos e também as questões jurídicas que tangenciam o debate travado nestes autos. RESSALVO nova análise de tais questões por época da prolação da sentença.
3.2. INTIMEM-SE as partes para, querendo, apontar eventual necessidade de esclarecimentos ou ajustes, indicar teses não consignadas nesta decisão e que deverão ser analisadas na sentença, no prazo comum de 5 (cinco) dias úteis, conforme artigo 357, §1.º, CPC, também aplicável ao rito dos Juizados. Prazo: 5 (cinco) dias úteis, contados na forma do artigo 219 e 357, CPC.
3.3. Sobrevindo pedidos de esclarecimentos, VOLTEM-ME CONCLUSOS para deliberação.
3.4. Sem prejuízo, INTIME-SE a parte autora para justificar e retificar o valor atribuído à causa, bem assim para juntar comprovante de endereço atualizado.
3.5. DETERMINO a inversão do ônus probatório, no que diz respeito ao dever da entidade financeira credora do financiamento comprovar a autenticidade dos documentos e assinaturas atribuídas à requerente, conforme precedente do STJ acima aludido.
3.6. INTIMEM-SE as partes para que digam no prazo de 15 (quinze) dias úteis, se persiste o interesse na produção da prova pericial requerida.
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