Processo nº 7005791-36.2023.8.22.0000
ID: 277473794
Tribunal: TJRO
Órgão: Porto Velho - 1ª Vara da Auditoria Militar
Classe: AçãO PENAL MILITAR - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 7005791-36.2023.8.22.0000
Data de Disponibilização:
23/05/2025
Polo Ativo:
Advogados:
JOSE MARIA DE SOUZA RODRIGUES
OAB/RO XXXXXX
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ANTONIO FRACCARO
OAB/RO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA VARA DA AUDITORIA MILITAR E CARTAS PRECATÓRIAS Fórum Geral César Montenegro - Av. Pinheiro Machado, 777, Olaria - Porto Velho RO CEP 76.801-235 Central de Atend…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA VARA DA AUDITORIA MILITAR E CARTAS PRECATÓRIAS Fórum Geral César Montenegro - Av. Pinheiro Machado, 777, Olaria - Porto Velho RO CEP 76.801-235 Central de Atendimento Processual: (69) 3309-7000 | Central de Atendimento Criminal: (69) 3309-7001 E-mail: cpe1gamil@tjro.jus.br | Balcão de atendimento virtual: https://meet.google.com/whd-ijhf-jos das 07h00 às 14h00 PROCESSO: 7005791-36.2023.8.22.0000 CLASSE: Ação Penal Militar - Procedimento Ordinário ASSUNTO: Fato Atípico, Injuria real, Lesão leve AUTOR: MPRO - Ministério Público do Estado de Rondônia ADVOGADO DO AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA REU: CARLOS EDUARDO ALVES DOS SANTOS, TEDSON DE SOUZA OLIVEIRA, RODRIGO RUAS ARRUDA ADVOGADOS DOS REU: ANTONIO FRACCARO, OAB nº RO1941, JOSE MARIA DE SOUZA RODRIGUES, OAB nº RO1909, DEFENSORIA PÚBLICA DE RONDÔNIA, DEFENSORIA PÚBLICA DE RONDÔNIA, DEFENSORIA PÚBLICA DE RONDÔNIA SENTENÇA Trata-se de ação penal militar instaurada pelo Promotor de Justiça, Dr. Mauro Adilson Tomal, contra os policiais militares 3º Sgt PM Rodrigo Ruas Arruda, CB PM Tédson de Souza Oliveira e CB PM Carlos Eduardo Alves dos Santos, todos devidamente qualificados nos autos. Ao acusado CB PM Carlos Eduardo são imputados os crimes de lesão corporal leve e injúria real majorada, conforme tipificação nos artigos 209, caput, e 217 c/c 218, inciso IV, ambos em concurso material e combinados com o artigo 9º, inciso II, alínea “c”, todos do Código Penal Militar. Aos acusados 3º Sgt PM Ruas e CB PM Tédson é imputado o crime de injúria real majorada, previsto no artigo 217 c/c 218, inciso IV, e combinado com o artigo 9º, inciso II, alínea “c”, ambos do Código Penal Militar. A denúncia (ID 99794641) descreve os seguintes eventos, ocorridos em 02 de fevereiro de 2023, por volta das 21h, na Avenida Edson Lima Nascimento, em Ji-Paraná/RO: 1º Fato - Lesão Corporal e Disparos de Munição de Elastômero: O acusado CB PM Carlos Eduardo, estando em serviço, teria ofendido a integridade física da vítima A. F. N. por meio de disparos de munição de elastômero (bala de borracha), que a atingiram nas costas enquanto ela estava em uma motocicleta. Essa ação resultou na queda da vítima e nas lesões corporais posteriormente descritas em Laudo de Exame de Lesão Corporal. A denúncia detalha que, após a vítima A. F. N., avistar a guarnição, ela teria empreendido fuga em sua motocicleta, o que deu início a uma perseguição policial. Durante a perseguição, o CB PM Carlos Eduardo efetuou três disparos de arma menos letal (bala de borracha), que atingiram a vítima em suas costas e provocaram sua queda. Os disparos foram gravados pela câmera interna da viatura RPL 201833, e a conduta é apontada como violação à Diretriz de Ação Operacional 08/CPO-2007, itens 3.6 e seguintes. 2º Fato - Injúria Real Majorada com Violência: Em continuidade ao primeiro fato, os acusados 3º Sgt PM Ruas, CB PM Tédson e CB PM Carlos Eduardo, também em serviço, teriam injuriado a vítima A. F. N. com violência. A denúncia alega que os policiais desferiram empurrões, socos, chutes e pisões na vítima, atos que, pela sua natureza e meio empregado, foram considerados aviltantes. As agressões teriam sido presenciadas por, no mínimo, mais duas pessoas. O contexto fático apresentado na denúncia esclarece que, após a guarnição policial emitir uma ordem de parada, a vítima empreendeu fuga em sua motocicleta, sendo perseguida. O acusado CB PM Carlos Eduardo efetuou 03 (três) disparos de arma não letal (bala de borracha). A denúncia prossegue informando que, após a vítima em fuga colidir com o meio-fio e cair de sua moto, mesmo estando rendida e deitada no solo, os acusados 3º Sgt PM Ruas e CB PM Tédson teriam desferido socos e chutes na vítima, enquanto o CB PM Carlos Eduardo pisava em sua cabeça. A integralidade da ação foi registrada em vídeos. A denúncia foi recebida em 15 de dezembro de 2023 (ID 99984013) e encontra-se instruída com o Inquérito Policial Militar (IPM) RGF nº 23.01.5344, instaurado por meio da Portaria nº 3/2023/PM-2BPMP6, de 27 de fevereiro de 2023. O IPM contém, entre outras, as seguintes peças: Parte Especial nº 154/2023/PM-2BPM1CIAOPERACIONAL (ID 92648240 - Pág. 12), Boletim de Ocorrência Protocolo nº 3131400050 (ID 92648240 - Pág. 14-19), Parecer nº 10/2023/PM-2 (ID 92648240 - Pág. 24-26), DVD contendo imagens extraídas da viatura RPL 20183 (ID 92648240 - Pág. 48), Cópia do IPL nº 74/2023 (ID 92648240 - Pág. 50-102), Cópia do Livro da reserva de armamento do dia 02/02/2023 da 1ªCIAPM do 2º BPM (ID 92648240 - Pág. 130-132), Relatório do IPM (ID 92648240 - Pág. 134-158), Avocação do IPM (ID 92648240 - Pág. 162-170), Mídias extraídas do DVD (IDs 92648241 ao 92650459), Escalas de Serviço Ordinário nº 02 de 02/02/2023 (ID 99796231 - Pág. 4-10), Ofício nº 78112/2023/PM-2BPMP1 (ID 99796231 - Pág. 11), Resposta ao Ofício nº 78112/2023/PM-2BPMP1 (ID 99796232 - Pág. 10-12) e Relatório Complementar (ID 99796232 - Pág. 13-16) Citados (ID 101436715 e 101779478), os acusados CB PM Carlos Eduardo e 3º Sgt PM Ruas constituíram advogado, que apresentou resposta à acusação (IDs 101702889 e 102532072), sem preliminares, enquanto a resposta à acusação do acusado CB PM Tédson, ficou a cargo da Defensoria Pública, também sem preliminares (ID 101715201). Durante a instrução processual, foram inquiridas a vítima A. F. N. (ID 115092737) e as testemunhas CB PM E. V. S., CB PM M. V. do P. S., CB PM E. A. T. da S., SGT PM C. A. P. de L. e CB PM P. V. de P. L. (IDs 110731876 e 115092737). Interrogatórios (ID 115092737). As gravações das audiências foram disponibilizadas no sistema “DRS Audiências”. Na fase do art. 427 do CPPM, o Ministério Público e a defesa declararam não haver diligência a requerer. (ID 115092737- Item 8 Ata de Audiência). Por memoriais, o Promotor de Justiça Elias Chaquian Filho sustentou que restaram comprovadas a materialidade e autoria dos crimes imputados com base no conjunto probatório e requereu que seja julgado procedente o pedido contido na inicial para condenar o acusado CB PM Carlos Eduardo Alves dos Santos como incurso nas penas do artigo 209, caput, artigo 217 c/c 218, inciso IV, em concurso material, combinado com artigo 9º, inciso II, alínea “c”, ambos do Código Penal Militar. Também pediu a condenação dos acusados 3º SGT PM Rodrigo Ruas Arruda e ao CB PM Tédson como incurso nas penas do artigo 217 c/c 218, inciso IV, c/c com artigo 9º, inciso II, alínea “c”, ambos do Código Penal Militar. (ID 115268388). Em alegações finais, a defesa do CB PM Tédson sustentou que não há provas suficientes para sustentar a acusação, pois o réu negou a prática das agressões e que a única testemunha de acusação não trouxe elementos aptos que confirmem a autoria. Alegou a ausência de dolo e, de forma subsidiária, a excludente de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal, tendo em vista que a atuação policial se deu diante de situação de flagrante desobediência à ordem de parada e fuga da vítima, exigindo resposta proporcional. Ao final, requereu a absolvição, com base no art. 439, alínea “e”, do CPPM, por insuficiência de provas, invocando o princípio do in dubio pro reo (ID 115340428). Já a defesa do acusado CB PM Carlos Eduardo argumentou que a instrução probatória não confirmou as imputações descritas na denúncia, destacando que agiu no estrito cumprimento do dever legal, diante da fuga da vítima, em local ermo e com comportamento suspeito. Sustentou que o disparo com munição de elastômero foi necessário para cessar risco potencial à guarnição, sendo a lesão resultante classificada como levíssima, o que afastaria a tipicidade penal do art. 209 do CPM. Quanto à imputação de injúria real, destacou que os vídeos anexados aos autos não evidenciam agressões como socos ou chutes, tampouco demonstração de animus injuriandi, sendo que o contato físico foi limitado ao apoio do pé nas costas da vítima para contenção, sem causar lesões. Requereu, ao final, a absolvição do acusado, por ausência de prova suficiente, excludente de ilicitude e atipicidade da conduta (ID 116188422). Por fim, a defesa do 3º SGT PM Ruas alegou que o acusado não praticou agressões contra a vítima e que sua conduta limitou-se a um ato de contenção, sem qualquer intenção de injuriar ou aviltar. Destacou a ausência de animus injuriandi, elemento subjetivo essencial ao tipo penal do art. 217 do CPM, e a inexistência de terceiros presentes para justificar a causa de aumento do art. 218, IV, CPM. Enfatizou ainda que a vítima estava em fuga, resistiu à abordagem e realizou gestos suspeitos. Ao final, pleiteou a absolvição, com base no art. 439, alínea ‘b’, do CPPM, por atipicidade da conduta (ID 118258384). É o relatório. Decido. Sem preliminares arguidas pelas partes, razão pela qual passo à análise do mérito. Apura-se a suposta prática dos crimes de injúria real e lesão corporal leve, imputado ao CB PM Carlos Eduardo, bem como o crime de injúria atribuído aos demais policiais, 3º Sgt PM Ruas e CB PM Tédson. As condutas imputadas encontram-se detalhadamente descritas no relatório desta sentença, razão pela qual deixo de reproduzi-las neste momento, evitando-se repetições, diante da multiplicidade de fatos narrados. Os fatos foram noticiados através do Boletim de Ocorrência Protocolo n. 3131400050. Segundo o relatório/histórico do referido boletim: (...) Esta guarnição de serviço trafegava pela Av Edson Lima do Nascimento, sentido a T17, uma vez que a central de operações havia autorizado o J4 da guarnição, que no cruzamento da Av Edson Lima com a T14 esta guarnição percebeu que um elemento que conduzia uma motocicleta de placa HONDA/CG 125 TITAN KS (NBZ6968) acelerou o veículo ao perceber a presença desta GU, fato esse que nos chamou atenção. Que o elemento aumentou ainda mais a velocidade e olhava para trás a todo momento, de modo que passamos a acompanhar o conduzido A. F. N., tomando todas as precauções que o caso requer (giroscópio e sirene ligados). Informa que o conduzido empreendeu fuga em alta velocidade, ameaçando diversos outros condutores que estavam trafegando pela via, inclusive rampando diversas lombadas e a todo momento olhando para trás. Esta guarnição pode observar que A. arremessou algum objeto durante sua fuga, objeto esse que não foi possível encontrar posteriormente. Informo também que A. percorreu aproximadamente uns 5 km na tentativa do se desvencilhar da guarnição, sendo que o mesmo tomou direção sentido ao bairro Capelasso, percorrendo por diversas ruas e retomando novamente a Av Edson Lima sentido a T14 que foi emanado voz de parada por diversas vezes, porém A. não obedeceu, que ainda diante da tentativa de fuga do conduzido esta guarnição fez três disparos de cal. 12 não letal, sendo que aparentemente um dos disparos veio a acertar o conduzido nas costas conforme fotos em anexo. Informo também que durante a fuga A. velo a cair ao solo no momento em que bateu em um buraco existente na via, sendo na altura do prédio do SESC, que em detrimento da queda A. levo várias escoriações pelo corpo (joelhos, braços, e região dos ombros e lateral esquerda do corpo. Informo ainda que posterior a abordagem verificamos que existia uma fita preta sobre um dos números da placa, perfazendo o número 6988, sendo que o número certo lê-se 6968 conforme foto em anexo. Durante lodo o acompanhamento está guarnição foi informando a central de operações, de modo que a central repassou para as outras guarnições de área, senda que de pronto os setores 2 e 3 juntamente com a força tática foram para o local em apoio, contudo A. já havia sida abordado. Obs. Ao informar que A. havia arremessado algum objeto, esta guarnição não sabe precisar o tamanho, muito menos o que se tratava devido a distância que A. havia tomado da guarnição e também a área ser escura e cheia de mato. Informo também que foi confeccionado 6 auto de informação, uma vez que A. cometeu diversas informações de trânsito. Diante dos fatos A. foi conduzido a UNISP para registro de ocorrência. (ID 91764650 - Pág. 23-24 - sic) Além da referida comunicação, consta também o Parecer nº 10/2023/PM-2BPMP6, que relata os mesmos fatos descritos no Boletim de Ocorrência Protocolo n. 3131400050, os quais motivaram a instauração do Inquérito Policial RGF nº 23.01.5344 (ID 92648240 - Pág. 24). Também foi juntado aos autos o Inquérito Policial nº 74/2023, que apurou as condutas atribuídas à vítima, reunindo a Ocorrência nº 18508/2023 e demais elementos que complementam a investigação no âmbito militar (ID 92648240 - Pág. 50-100) Materialidade. A materialidade do delito resta comprovada pelos elementos constantes nos autos, em especial o Boletim de Ocorrência Protocolo n. 3131400050 (ID 91764650 - Pág. 23-24), o Parecer nº 10/2023/PM-2BPMP6 (ID 92648240 - Pág. 24), o Inquérito Policial nº 74/2023 (ID 92648240 - Pág. 50-100), a Cópia do Livro da reserva de armamento do dia 02/02/2023 da 1ªCIAPM do 2º BPM (ID 92648240 - Pág. 130-133), a Escala de Serviço Ordinário nº 02, do dia 02/02/2023 (ID 99796231 - Pág. 4-8), a Escala de Serviço Ordinário nº 30, do dia 02/02/2023 (ID 99796231 - Pág. 9-10), o Ofício nº 78112/2023/PM-2BPMP1 (ID 99796231 - Pág. 11-12), a Resposta ao Ofício nº 78112/2023/PM-2BPMP1 (ID 99796232 - Pág. 10-12) e as mídias referentes às imagens capturadas pela viatura (ID 92648241 ao 92650459). Consta nos autos o laudo de exame de lesão corporal emitido pelo médico legista Dr. Rafael Cardoso S. Barbosa (ID 92648240), no qual foi atestada a presença de escoriações e equimoses em diversas regiões do corpo da vítima, especialmente no ombro, cotovelo, punho, flanco e joelho esquerdos, bem como em região dorsal e identifica o instrumento como arma com bala de borracha. Em complemento, infere-se da resposta ao Ofício nº 78112/2023/PM-2BPMP1 — encaminhado ao médico legista responsável pelo Laudo de Exame de Lesão Corporal constante do IPL nº 74/2023, a fim de esclarecer os ferimentos apresentados pela vítima — que apresentava: (...) escoriações no ombro, cotovelo, punho, flanco abdominal e joelho, todas do lado esquerdo da vítima, e uma no punho direito, com marcação A1 no laudo pericial, equimoses em região dorsal compatível com lesão de tiro de borracha sendo em 3 locais, com marcação A2 no laudo pericial. Todas as lesões são superficiais e leves, lesões do tipo escoriações com 8 cm em seu menor diâmetro, e lesões nas costas do tipo equimose. Não foram observadas lesões que caracterizam agressão na vítima. No vídeo encaminhado anexo, existe correlação com as lesões visualizadas no paciente, em 03/02/2023 às 01:40am. As escoriações provenientes da queda, e as 3 marcas de equimoses com característica de tiro de borracha que correlaciona com os 3 tiros que foi dado, correlacionando com o vídeo anexado. Não é possível identificar a vítima e o agressor.(ID 99796232 - Pág. 10-12). Dessa forma, restou comprovado de maneira inequívoca, que a vítima sofreu lesão corporal, ratificando a existência de lesão e constituindo prova essencial para a persecução penal, ainda que a atribuição das lesões aos acusados dependa de apuração mais aprofundada. Contudo, considerando que a controvérsia reside na análise da atuação da guarnição — especialmente quanto à necessidade dos disparos efetuados —, a atribuição das lesões aos acusados demanda apuração detalhada. De acordo com a Escala de Serviço Ordinário nº 02, dia 02/02/2023, no dia dos fatos, os acusados, 3º Sgt PM Ruas, CB PM Tédson e CB PM Carlos Eduardo encontravam-se regularmente escalados no policiamento de radiopatrulha do segundo turno no setor I, das 19h00 às 07h00, nas funções de comandante, motorista e patrulheiro, respectivamente. (ID 99796231 - Pág. 4-8) Além da prova pericial, os autos também são instruídos com imagens extraídas da câmera da viatura RPL 20183, sendo possível visualizar parte da dinâmica dos fatos. (IDs 92648241, 92648242, 92648243, 92648244, 92648245, 92648247, 92648248, 92648249, 92650451, 92650452, 92650453, 92650454, 92650455, 92650457, 92650458 e 92650459). Dessa forma, as filmagens complementam os demais elementos probatórios. Quanto à autoria e culpabilidade, passo a análise. Ao ser interrogado, o acusado CB PM Carlos Eduardo, apontado como autor direto dos disparos, negou expressamente ter agredido fisicamente ou injuriado a vítima. Afirmou que integrava a guarnição policial composta pelos demais acusados, durante patrulhamento noturno, ocasião em que um motociclista fugiu ao avistar a viatura, realizando manobras perigosas e colocando em risco a vida de terceiros. Segundo ele, a perseguição foi iniciada após o condutor ultrapassar veículos em alta velocidade e desobedecer ordem de parada. Durante o acompanhamento, os policiais observaram o suspeito levar repetidamente a mão à cintura, gerando a suspeita de que pudesse estar armado. Conta que efetuou o disparo com munição de elastômero no instante em que o motociclista, impedido de prosseguir devido ao trânsito, levou a mão na direção da viatura — gesto interpretado como indicativo de ameaça iminente. Logo após o disparo, o suspeito perdeu o controle da motocicleta e caiu em uma poça de lama. Afirmou que demorou a desembarcar devido ao impacto da lama em seu rosto, mas que a guarnição logo determinou que o indivíduo se deitasse com as mãos na cabeça, o que ele resistiu inicialmente, colocando apenas a mão na cabeça, levando a guarnição a utilizar a força para que ele deitasse no chão. No momento da imobilização, alegou ter apenas apoiado o pé nas costas do infrator para impedir que este se virasse, ressaltando que portava uma arma longa (calibre 12) e, por isso, não poderia auxiliar diretamente na contenção. Disse que não realizou a revista pessoal, mas que, posteriormente, não foi localizado arma com a vítima, apenas uma carteira. Outras equipes chegaram a fazer buscas no trajeto para verificar a possibilidade de o suspeito ter descartado algum objeto, porém nada foi localizado. Por fim, ao ser questionado sobre os critérios que motivaram o disparo, declarou que agiu diante da dúvida concreta sobre eventual armamento do indivíduo e visando cessar o risco à integridade da guarnição, utilizando munição de menor potencial ofensivo. (CB PM Carlos Eduardo Alves dos Santos - ID 115092737) O Comandante da Guarnição, 3º Sgt PM Ruas, negou a prática dos fatos narrados na denúncia. Afirmou que estava de serviço no segundo turno e, ao chegar o horário do J4 (refeição), durante o deslocamento, avistaram um motociclista acelerar ao notar a viatura, interpretando tal comportamento como uma tentativa de fuga. Diante disso, iniciaram uma perseguição, atingindo alta velocidade (chegando a 160 km/h). Contudo, o indivíduo repetidamente mexia na cintura e aumentava a distância ao passar por quebra-molas. Em certo ponto do trajeto, a guarnição viu o suspeito lançar um objeto. Durante a fuga, alcançaram-no em uma área com pavimento irregular e muitos buracos, onde ele bateu em um buraco e caiu, sofrendo escoriações devido à queda. Ao tentarem abordá-lo, o suspeito resistiu à algemação. O Comandante confirmou ter dado um toque para adverti-lo a parar de resistir e obedecer às ordens policiais. A guarnição era composta por três policiais, e as outras guarnições chegaram posteriormente, após comunicação via rádio Quanto ao disparo com munição de elastômero, este foi registrado no boletim de ocorrência e realizado pelo patrulheiro CB PM Carlos Eduardo, sem determinação do comandante, mas devido a um movimento do suspeito de levar a mão à cintura. O Comandante informou que a carteira da vítima foi encontrada no bolso da bermuda do suspeito e que, apesar das buscas nas proximidades, o objeto arremessado não foi localizado. Ele apontou que o veículo utilizado na fuga tinha placa adulterada e era proveniente de leilão para sucata, estando, portanto, inapto para circulação. Mencionou, ainda, ter conhecimento informal de que o abordado possuía histórico de adulteração de motocicletas. Declarou possuir 22 anos de serviço na Polícia Militar, com comportamento classificado como excepcional. Relatou que o CB PM Carlos Eduardo, autor do disparo, embora não fosse membro fixo de sua guarnição, já integrava o mesmo turno há algum tempo e sempre se portou como um policial técnico, firme e respeitador da legalidade (Interrogatório 3º Sgt PM Rodrigo Ruas Arruda - ID 115092737). Em juízo, o acusado CB PM Tédson negou a prática dos crimes imputados na denúncia. Ele afirmou que integrava a guarnição policial responsável pela abordagem do motociclista, atuando como motorista da viatura. Ao avistar a viatura nas proximidades da T-14 com a 94, o condutor da moto empreendeu uma fuga repentina e suspeita, colocando repetidamente a mão na parte da frente da cintura durante todo o trajeto, o que levantou suspeitas de que estivesse portando uma arma de fogo. Posteriormente, o suspeito também levou a mão para as costas, reforçando a preocupação da guarnição. Diante dessa conduta, a guarnição decidiu realizar um acompanhamento tático, que durou cerca de 15 minutos e percorreu diversos bairros da cidade, incluindo áreas ermas. O comportamento do suspeito durante a fuga foi considerado altamente arriscado, com manobras perigosas que colocaram em risco a segurança da população e da própria guarnição. Em alguns momentos, o indivíduo pareceu lançar um objeto em direção ao mato, o que acentuou as suspeitas de que estivesse armado. Após perder o controle da motocicleta e cair ao atingir um buraco, o suspeito ofereceu resistência à abordagem, sendo necessário o uso moderado da força para contê-lo e algemá-lo. A guarnição ressaltou que sua atuação foi proporcional às circunstâncias apresentadas na ocorrência. Confirmou que o disparo com munição de elastômero foi efetuado pelo patrulheiro sem ordem direta do comandante da guarnição, sendo uma decisão individual tomada em conformidade com os protocolos operacionais de abordagem em situações de risco potencial. Por fim, a guarnição reconheceu que a região percorrida durante a perseguição incluía áreas de difícil visibilidade e acesso, o que dificultou a confirmação sobre o eventual descarte de objetos pelo suspeito.(CB PM Tédson de Souza Oliveira - ID 115092737) A vítima, A. F. N., narrou que, ao retornar do trabalho em sua motocicleta, deparou-se com uma situação irregular: estava sem a Carteira Nacional de Habilitação, o veículo com a documentação atrasada e o licenciamento vencido. Ao perceber a aproximação de uma viatura policial pela retaguarda, assustou-se e acelerou a moto, dando início a uma perseguição. Mesmo com a voz de parada, o motociclista, em pânico, não obedeceu e continuou a fuga. Durante o acompanhamento, os policiais efetuaram três disparos, sendo um deles atingindo as suas costas. Apesar do ferimento, o motociclista não caiu. Em seguida, os policiais tentaram fechar o veículo e, ao tocar a viatura com a moto, provocaram a queda. Na sequência, a vítima tentou se levantar para se render, mas foi agredida. Um policial, não identificado, desferiu um soco por trás, enquanto outro se aproximou pela lateral, pisou em sua cabeça para contê-la. Um terceiro policial, que pode ter sido o mesmo que já havia agredido a vítima ou outro, desferiu um soco e chutes nas costelas antes de algemá-lo e colocá-lo no camburão. A. F. N., esclareceu, ainda, que a acusação de ter arremessado algo no mato era infundada; na verdade, logo no início da perseguição, ele havia apenas mudado sua carteira do bolso traseiro da bermuda para a cintura, na frente, a fim de evitar que caísse. Questionado sobre as lesões, afirmou ter sofrido apenas ferimentos leves na perna e no braço devido à queda, sem gravidade. Após ser algemado, os policiais o questionaram sobre a posse de arma ou drogas, ao que ele respondeu negativamente. Sobre as agressões, reiterou “na hora que eu fui levantar, uma pessoa chegou e me bateu, me deu um murro nas costas, eu caí no chão, aí o segundo veio na lateral e pisou na minha cabeça, aí eu recebi um terceiro chute, não tinha como eu ver se era uma terceira pessoa ou se foi só ou se foi o mesmo que me bateu por trás”. Às perguntas da defesa, esclareceu que na época não tinha habilitação e a moto estava atrasada, tendo consciência disso quando da ocorrência dos fatos (A. F. N. - ID 115092737). As demais testemunhas ouvidas em sede de instrução integravam a Força Tática e o Setor 2, acionadas para prestar apoio à ocorrência. Elas esclareceram, em síntese, que não presenciaram a perseguição empreendida pela viatura dos acusados, tampouco os disparos de arma não letal efetuados durante o acompanhamento. Declararam que chegaram no local dos fatos apenas no momento em que o condutor já havia sido imobilizado ou estava em fase de contenção, limitando-se a auxiliar nos procedimentos subsequentes. O Cabo PM E. V. S. relatou que chegou ao local após a imobilização da vítima, que já se encontrava algemada. Sua função, naquele momento, foi garantir a segurança perimetral da via, dada a intensidade do fluxo de veículos e a precária iluminação da região. Ao serem exibidas as filmagens, o cabo não conseguiu reconhecer os policiais envolvidos. Ele não se recorda dos detalhes do atendimento devido à rotina de trabalho, mas enfatizou que a área da abordagem é escura e pouco habitada, característica que persiste até hoje. Esclareceu que já trabalhou com munições não letais, descrevendo-as como projéteis macios, concebidos para conter situações de risco com o mínimo de lesões. Por fim, afirmou já ter trabalhado com o Cabo Carlos Eduardo e declarou que todos os policiais envolvidos são responsáveis e cumpridores de seus deveres. (CB PM E. V. S. - ID 110731876). De forma semelhante, o Cabo PM M. V. de P. S., narrou que, durante o patrulhamento, sua equipe ouviu pelo rádio o chamado da central, comunicando o acompanhamento de um motociclista pela guarnição do Sargento Ruas. Devido à proximidade, deslocaram-se para prestar auxílio. Ao chegarem ao local, o suspeito já estava imobilizado e algemado, ainda fora da viatura. O cabo não conseguiu reconhecer os policiais que aparecem na filmagem, mas identificou a chegada da Força Tática como os últimos a chegarem. Ele não presenciou a abordagem, qualquer ato de violência ou lesões na vítima, e permaneceu nas imediações para garantir a segurança do perímetro. Confirmou que o local da ocorrência era escuro e com baixa visibilidade (CB M.V.P.S - ID 110731876). Integrando também a Força Tática como guarnição de apoio, o Cabo PM E. A. T. da S. Ele reiterou que, ao chegarem, o indivíduo já estava contido e sob o controle da guarnição inicial, algemado. No entanto, ele não se recordava da posição exata das mãos ou da localização da vítima naquele momento. Confirmou que a equipe do Sargento PM Ruas estava à frente do atendimento da ocorrência. O cabo não presenciou nenhum dos fatos narrados na denúncia e afirmou não ter observado ferimentos no abordado, nem conseguiu identificar os envolvidos ou a si mesmo nas gravações captadas pelas câmeras da viatura.(CB PM E. A. T. da S. - ID 110731876). O 3º Sargento PM C. A. P. de L., comandante da guarnição da Força Tática, reiterou em juízo o que já havia sido declarado pelos demais integrantes de sua equipe em relação ao apoio prestado à guarnição do Sargento PM Ruas. Esta guarnição estava em perseguição a um motociclista que havia desobedecido a uma ordem de parada. Segundo o Sargento C. A. P. de L., ao chegar ao local, ele encontrou o indivíduo já contido e algemado, observando apenas as finalizações das imobilizações táticas. Ele conversou brevemente com o Sargento PM Ruas, que relatou ter emitido a ordem de parada com sinais sonoros e luminosos, sem sucesso, o que culminou no acompanhamento. Em relação à vítima, o sargento não notou ferimentos. Ele chegou a conversar com o indivíduo abordado, que lhe afirmou apenas não possuir habilitação, negando que a motocicleta fosse produto de crime. O Sargento C. A. P. de L. explicou que havia um histórico recente de roubo de uma motocicleta com características semelhantes, o que gerou suspeitas. Declarou, ainda, que o acompanhamento durou cerca de dez minutos e reiterou que a abordagem foi integralmente realizada pela guarnição do Sargento PM Ruas. Sobre as imagens gravadas pela câmera da viatura, ele afirmou não ter se reconhecido nas gravações e não ter identificado com clareza os demais policiais, embora tenha indicado que o uniforme com braçal visível era característico da Força Tática. Ao final, fez observações positivas sobre os três policiais envolvidos, descrevendo-os como profissionais competentes, experientes e tecnicamente preparados para o serviço operacional. (3º SGT PM C. A. P. de L - ID 110731876). De acordo com o depoimento do Cabo PM P. V. de P. L., sua equipe esteve no local para prestar apoio na condução do abordado ou no transporte da motocicleta, não recordando exatamente qual dessas funções executou. Ele não presenciou nada a respeito dos fatos narrados na denúncia, e no local o indivíduo já se encontrava contido e algemado. Foi informado de que o indivíduo havia sido preso por direção perigosa e que o veículo seria apreendido após a queda ao solo durante a tentativa de fuga. Questionado sobre possíveis lesões na vítima, o cabo declarou não se recordar. Ele recorda que o acompanhamento da ocorrência foi prolongado, o que lhe chamou a atenção, embora não pudesse mensurar com exatidão o tempo decorrido entre o início da perseguição e sua chegada ao local. Prestou referências positivas sobre os policiais envolvidos. (CB PM Paulo Vitor de Paula Lima - ID 115092737). Pois bem! Considerando o conjunto probatório, passa-se à análise do primeiro fato, que trata da imputação de lesão corporal leve ao CB PM Carlos Eduardo, em razão de disparo de munição de elastômero que atingiu a vítima nas costas, durante acompanhamento tático. A avaliação será, neste momento, restrita aos elementos relativos à ofensa à integridade física, deixando-se para o momento oportuno a análise da acusação de injúria real. Não há controvérsia quanto ao fato de que o CB PM Carlos Eduardo efetuou três disparos com munição de elastômero durante a perseguição à vítima, e que um deles a atingiu, conforme narrado na própria ocorrência policial e confirmado pelos depoimentos prestados. A vítima, ouvida em juízo, reafirmou que foram três disparos, mas só um atingiu suas costas, a qual, segundo sua versão, não foi o que ocasionou sua queda, mas sim o contato da viatura com sua motocicleta. Não resta dúvida quanto à materialidade da lesão leve decorrente do impacto do projétil de elastômero, nem mesmo dúvida de quem foi o autor do disparo. Todavia, quanto à motivação do disparo, os acusados sustentam que a vítima, durante a fuga, realizou um movimento suspeito com o braço, próximo à cintura, o que gerou temor de que pudesse estar armada. Essa suspeita restou reforçada pela percepção de que o conduzido, durante a perseguição, arremessou algo à margem da via. Apesar dessa justificativa, a movimentação mencionada não se revela nas imagens colacionadas aos autos, nem se destaca claramente uma ação hostil ou ofensiva que pudesse representar risco iminente à guarnição. Por outro lado, a própria vítima reconheceu que, em dado momento da fuga, retirou a carteira do bolso traseiro e a posicionou na parte frontal da bermuda, o que pode ter sido interpretado como um gesto que colocaria a guarnição em risco, dado o calor da perseguição e a baixa luminosidade relatada pelas testemunhas. O cenário apresentado revela o contexto de uma fuga noturna em local ermo, de baixa visibilidade, com características suspeitas. Inclusive uma das testemunhas da Força Tática contou que teria ocorrido recentemente um roubo de motocicleta com características semelhantes às da conduzida pela vítima, o que pode ter reforçado a suspeita da guarnição. A guarnição ao avistar a moto e tentar a abordagem, os policiais se depararam com a reação de fuga do motociclista, que partiu em alta velocidade. A aproximação da viatura, somada à informação, confirmada pela vítima, de que o motoqueiro fez um movimento de troca da carteira de posição — do bolso traseiro para a parte frontal da bermuda —, pode ter sido interpretada de forma equivocada pelo acusado, como tentativa de sacar algo. Inviável o reconhecimento de uma excludente de ilicitude, mas também não é possível afirmar com segurança que houve dolo por parte do acusado ao ofender a integridade física da vítima. Pelas imagens constantes nos autos não se pode extrair o gesto alegadamente interpretado como ameaçador, assim como não se pode descartar a possibilidade de que o disparo se deu em decorrência de uma falsa percepção de risco, influenciada pelo comportamento da vítima e pelas circunstâncias operacionais já expostas. Cogitar a hipótese de erro na avaliação da situação, decorrente de falsa percepção de risco, tornaria a conduta penalmente atípica. Diante dessa dúvida, quanto à intenção do CB PM Carlos Eduardo, e ausente prova firme do dolo necessário à configuração do crime de lesão corporal, impõe-se a aplicação do princípio do in dubio pro reo, o que conduz à absolvição do acusado pela imputação do art. 209 do CPM, nos termos do art. 439, alínea “e”, do Código de Processo Penal Militar. A mesma sorte não recai sobre a injúria real, que passo a apreciar. Extrai-se da inicial que os acusados, 3º SGT PM Ruas, CB PM Tédson e CB PM Carlos Eduardo, em serviço, injuriaram a vítima, mediante violência física com empurrões, socos, chutes e pisões o que, por sua natureza e meio empregado, foi aviltante. Consta, ainda, que tais agressões foram presenciadas por, pelo menos, duas pessoas. A vítima apresentou relato coerente e compatível com os demais elementos constantes dos autos, especialmente no tocante à violência física sofrida após a queda da motocicleta. Em juízo, afirmou que, ao tentar se levantar para se render, foi surpreendido por um soco nas costas desferido por um policial que não conseguiu identificar, seguido de um pisão na cabeça praticado por outro agente que estava pela lateral, e, em sequência, um chute forte na costela, não sabendo precisar se proveniente de um terceiro policial ou do mesmo autor da agressão anterior. Embora não tenha conseguido individualizar os autores diretos dos atos, dada sua posição e o contexto da abordagem, descreveu de forma detalhada a dinâmica das agressões, desde as primeiras declarações até a instrução judicial. As testemunhas ouvidas em juízo, embora não tenham presenciado a abordagem em sua totalidade, foram unânimes ao afirmar que a contenção da vítima foi realizada exclusivamente pela guarnição composta pelos acusados, antes da chegada das demais equipes de apoio. Essa informação é essencial, uma vez que as imagens captadas por uma das câmeras da viatura policial revelam uma sequência de ações que coincide integralmente com o relato da vítima, especialmente quanto à abordagem no solo, ao uso de força física e à ocorrência dos atos descritos, como socos, pisões e chutes na costela. Observe. O vídeo nº 001, captado pela câmera frontal da viatura, registra o acompanhamento policial em andamento. Às 21h02min42s, é possível visualizar a aproximação da viatura da Polícia Militar em relação à motocicleta, que trafegava em alta velocidade. Tal aproximação se repete em outras três ocasiões, sendo que, na quarta tentativa, ocorreram os disparos e pouco depois a vítima caiu ao solo. Com a viatura já parada, observa-se a chegada de outras duas guarnições em apoio à ocorrência. (Câmera frontal ID 92650459). Já a câmera traseira da viatura registra a dinâmica da abordagem, na qual a viatura para e imediatamente os policiais desembarcaram e o motorista é o primeiro que mantém contato físico com a vítima, passa por trás da viatura, segura a vítima e nela desfere socos nas costas. Em seguida, os outros dois policiais que desceram pelo lado direito da viatura também se aproximam e com o motorista, passam a desferir chutes e pisões na cabeça da vítima, ação que ocorre na presença de outros dois policiais. (Câmera traseira ID 92650452). Nas gravações, é possível observar o momento em que a vítima está caída no solo e é imediatamente abordada por policiais, que passam a desferir golpes, que correspondem à dinâmica descrita por ela em juízo, como a aproximação por trás, o uso de força física para contê-lo e ações compatíveis com soco, pisão e chute. A sincronia entre o relato e o conteúdo audiovisual confirmam os atos de violência. Não menos importante, nota-se que as imagens captadas pela câmera traseira da viatura permitem identificar com nitidez a atuação coordenada dos três policiais acusados. O primeiro a desembarcar, que aparenta ser o condutor da viatura, segura a vítima por trás e desfere um socos nas costas. Na sequência, os dois policiais que descem pelo lado direito se aproximam: um deles pisa na cabeça da vítima, enquanto o outro desfere um chute em sua costela, todos com a vítima rendida. Tais ações, praticadas de forma subsequente e conjunta, evidenciam a participação de todos os membros da guarnição, na prática da injúria real, nos exatos termos descritos pela vítima e confirmados pelas imagens. Destaco que as filmagens não trazem qualquer indicativo de que, já no solo, a vítima apresentasse comportamento não colaborativo ou tentativa de fuga. Ao contrário, permanece sentada, rendida e ainda assim alvo de socos, chutes e pisões desferidos pelos acusados. Tais condutas, claramente desproporcionais e desvinculadas da necessidade de contenção, assumem caráter nitidamente aviltante e degradante, revelando intenção de humilhar e menosprezar o ofendido. A ação ocorreu em via pública, em horário noturno, com tráfego de veículos, de modo que a agressão foi praticada na presença de terceiros, inclusive policiais de outras guarnições, que chegaram para prestar apoio, circunstância que confere à conduta, caráter ainda mais aviltante. A conduta dos acusados amolda-se ao tipo penal previsto no art. 217 do CPM (injúria real), na medida em que ofenderam a dignidade e o decoro da vítima durante a abordagem, praticando contra ela violência física. Vale citar a precisa lição do ilustre professor Enio Luiz Rosseto: "A injúria real se distingue da injúria simples pelo emprego de violência física ou de outro ato aviltante. É a forma mais grave entre os crimes contra a honra, pois há dupla objetividade jurídica: são protegidas a honra e a incolumidade física, pela punição da violência em concurso material [...] as vias de fato (empurrão, bofetada) integram a violência." (ROSSETO, Enio Luiz. Código Penal Militar Comentado. 2a ed. São Paulo, Revista dos Tribunais. 2015, p. 713). Salienta-se que a ação dos policiais militares em combater a criminalidade é diretamente proporcional com a possibilidade de ser incriminado por aquilo que está na fronteira entre o estrito cumprimento do dever legal e o excesso ou abuso de poder. Não há de se interpretar, contudo, que para não sofrerem condenação, devam permanecer inativos e inertes, mas redobrar a observância das formalidades legais. Inclusive há casos em que a própria lei reconhece situações necessárias e aptas a excluir a ilicitude ou culpabilidade do agente, não alcançadas no caso concreto. Assim, presentes a autoria e a materialidade, a condenação é decorrência lógica. Diante da confirmação, pelas testemunhas, de que a contenção foi realizada exclusivamente por essa guarnição, e da compatibilidade entre o vídeo e a narrativa da vítima, restam plenamente demonstradas a materialidade, a autoria e o dolo comum dos três acusados na prática do delito previsto no art. 217 c/c art. 218, IV, do Código Penal Militar. Para o segundo fato, portanto, o conjunto probatório revela-se coeso e suficiente para embasar juízo condenatório. POSTO ISTO, e por tudo mais que dos autos consta JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado deduzida na denúncia para o fim de CONDENAR os policias militares CB PM Carlos Eduardo Alves dos Santos, 3º SGT PM Rodrigo Ruas Arruda e o CB PM Tédson de Souza Oliveira, qualificados nos autos, por infração a norma contida no artigo 217 c/c 218, inciso IV, c/c com artigo 9º, inciso II, alínea “c”, ambos do Código Penal Militar; e ABSOLVER o policial militar CB PM Carlos Eduardo Alves dos Santos, pela imputação tipificada no artigo 209, caput, do CPM, com suporte no artigo 439, alínea “e”, do Código de Processo Penal Militar. Passo a dosimetria da pena, seguindo as diretrizes do artigo 58, 69 (gravidade do crime praticado, personalidade do réu, maior ou menor extensão do dano ou perigo de dano, os meios empregados, o modo de execução, os motivos determinantes, as circunstâncias de tempo e lugar, os antecedentes dos réus e suas atitudes de insensibilidade, indiferença ou arrependimento após o crime) e seguintes do Código Penal Militar. A culpabilidade, entendida como o juízo de censurabilidade do fato, está evidenciada. Os acusados são primários (ID 100800695, 100800696 e 100800697). Não há elementos nos autos indicativos da personalidade, presumindo-se, assim, que seja normal. A conduta social, à falta de outras informações desabonadoras, presume-se boa. Quanto à conduta funcional, ausente ficha individual nos autos, impossibilitando a análise de suas condutas profissionais no âmbito da corporação da PMRO, motivo pelo qual se presume boa. As demais circunstâncias são normais ao crime, constituindo, assim, a própria tipicidade. Nessas condições, não se verifica razão para exasperação da pena base. Sopesadas as circunstâncias judiciais, nada justifica elevar a pena base acima do mínimo legal, que fixo em 03 (três) meses de detenção. Inexiste atenuante, porém também subsiste em seu desfavor a agravante “estando de serviço” (art. 70, inciso II, alínea ‘l’ do CPM) razão pela qual elevo a reprimenda em , nos termos do art. 73, CPM, correspondente ao acréscimo de 18 (dezoito) dias, atingindo o patamar de 03 (três) meses e 18 (dezoito) dias de detenção. Não vislumbro causa diminuição, mas há causa de aumento de pena - art. 218, inciso IV, do Código Penal Militar, uma vez que o crime foi cometido na presença de terceiros, ensejando o aumento em , correspondente a 36 (trinta) e seis dias, para encontrar a pena de 04 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de detenção a qual torno DEFINITIVA nesse patamar, ante a ausência de outras causas modificadoras. Regime inicialmente aberto domiciliar, nos termos do artigo 59 e 61, do Código Penal Militar, e orientação do STF (HC 104.174/RJ, 2a Turma, 29/03/2011, publicação: 18/05/2011). O regime aberto domiciliar, conforme reiteradas decisões dos tribunais superiores, é matéria pacificada. Neste sentido: TJRO no Agravo de Execução Penal no 0006869-10.2011.8.22.0000, 2a Câmara Criminal do TJRO, Rel. Daniel Ribeiro Lagos. j. 06.09.2011, unânime, DJe 13.09.2011; STF no Habeas Corpus no 82329/SP, 1a Turma do STF, Rel. Min. Sydney Sanches. j. 11.02.2003, unânime, DJU 11.04.2003) e STJ no AgRg no Habeas Corpus no 212259/RS (2011/0155803-3), 6a Turma do STJ, Rel. Sebastião Reis Júnior. j. 15.03.2012, unânime, DJe 16.04.2012. A fiscalização do regime aberto domiciliar será sem monitoração eletrônica, porém com visitas periódicas no endereço do acusado, para checar o cumprimento da pena. Da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. Deixo de reconhecer a possibilidade de aplicar a regra do artigo 44, do CPB (substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito) à legislação castrense, porque não existe previsão legal no CPM e CPPM, diferente do sursis (artigo 84, do CPM e 607, do CPPM). A lei comum, como é o CPB, só se aplica à legislação especial (CPM), se esta for omissa. Neste sentido, artigo 12, CP e 17 do CPM. A jurisprudência do STF é neste sentido: STF HC 91709, 1a turma, relatora Cármem Lúcia, julgado em 13/03/09; STF Rec. Extraordinário n. 273.900-6/SC, julg. 08/08/2000, Rel. Min. Sepúlveda Pertence. De forma semelhante: “(...) 4. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. Descabimento. A Lei no 9.178/94, que alterou o art. 44 do Código Penal comum, não modificou as leis especiais, tal como não modificou as leis especiais, tal como o Código Penal Militar. (...)” (AI 858175 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 28/05/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-111 DIVULG 12-06-2013 PUBLIC 13-06-2013). Sursis. Cabível, pois preenchem os requisitos legais (art. 84 e 88, CPM). Diante das circunstâncias judiciais favoráveis, por entender que o réu não voltará a delinquir e tratando-se de delito punido com detenção, concedo a suspensão condicional da pena, por 02 (dois) anos, nos termos dos artigos 607 e 608, §§, CPPM, mediante as seguintes condições: 1) Não mudar de endereço sem comunicar ao Juízo; 2) Comparecimento pessoal e obrigatório em Juízo, bimestralmente, nos primeiros dez dias dos meses pares do ano; 3) Não deixar a comarca por mais de 60 dias sem autorização do Juízo a que estiver subordinado; 4) Manter comportamento honesto e compatível com a vida em comunidade. Se intimados, pessoalmente ou por edital, com prazo de 10 dias, não comparecerem os réus à audiência admonitória, a suspensão ficará sem efeito e será executada imediatamente a pena privativa de liberdade, salvo prova de justo impedimento (art. 612, CPPM). Faculta-se ao acusado o apelo em liberdade, porque nesta condição foi processado. No processo penal militar não comporta o recolhimento de custas, emolumentos ou selos (art. 712, CPPM). Com o trânsito em julgado, dê-se conhecimento à Corregedoria da Polícia Militar e também ao INI, TRE/RO – suspensão dos direitos políticos – art. 15, III, CF, etc., da presente sentença, para as anotações devidas, e expeça-se o necessário para execução de pena no Sistema Eletrônico de Execução Unificado – SEEU. Sentença publicada no diário da justiça para fins de intimação da defesa constituída. Intime-se o Ministério Público via sistema PJE. Após o trânsito em julgado, proceda às baixas, comunicações e anotações de estilo e arquive-se. Serve a presente SENTENÇA como MANDADO DE INTIMAÇÃO para que os acusados CB PM Carlos Eduardo Alves dos Santos, 3º SGT PM Rodrigo Ruas Arruda e o CB PM Tédson de Souza Oliveira tomem pleno conhecimento teor da sentença, assegurando-lhe ainda, caso deseje, o prazo de legal de 05 (cinco) dias para interpor eventual recurso contra a sentença. Em observância às diretrizes estabelecidas pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a qualificação completa das pessoas a serem intimadas da sentença, bem como o endereço para cumprimento da intimação, encontra-se em anexo. Para a vítima, determino a expedição de mandado de intimação em apartado para que tome conhecimento apenas do dispositivo da sentença. À CPE, determino: 1. Proceda à intimação pessoal do Ministério Público via sistema (PJE) para fins de conhecimento acerca da presente sentença; 2. Considerando que a SENTENÇA serve como MANDADO DE INTIMAÇÃO para conhecimento dos acusados, proceda à distribuição junto à Central de Mandados para cumprimento acompanhada do respectivo anexo de endereços; 3. Expeça-se MANDADO DE INTIMAÇÃO em apartado para a vítima A., F., N., nele fazendo constar somente o dispositivo da sentença proferida, para conhecimento (endereco ID 99794641 - Pág. 4); 4. Aguarde-se o prazo do Ministério Público e Defesa quanto à interposição de eventual recurso, havendo recurso, concluso; 4. Inexistindo recurso, certifique-se o trânsito em julgado; 5. Após o trânsito em julgado e mantida a absolvição: a) Comunique-se ao IICC e à Corregedoria-Geral da PMRO. 6. Procedidas às comunicações, arquive-se. Porto Velho/RO, quinta-feira, 22 de maio de 2025 Carlos Augusto Teles de Negreiros Juiz de Direito
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