Processo nº 1003755-73.2025.4.01.0000
ID: 295335300
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 16 - DESEMBARGADOR FEDERAL FLAVIO JARDIM
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 1003755-73.2025.4.01.0000
Data de Disponibilização:
11/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GRAZIELA COSTA LEITE
OAB/SP XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1003755-73.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 1061398-08.2024.4.01.3400 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: G. G. B. REPR…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1003755-73.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 1061398-08.2024.4.01.3400 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: G. G. B. REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: GRAZIELA COSTA LEITE - SP303190-A POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL RELATOR(A):FLAVIO JAIME DE MORAES JARDIM PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1003755-73.2025.4.01.0000 RELATÓRIO Agravo de instrumento, com pedido de tutela recursal, interposto contra decisão que indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência, cujo objetivo era o fornecimento do medicamento ELEVIDYS ao agravante, que é portador de doença grave, denominada Distrofia Muscular de Duchenne – DMD (CID-10 G71.0). A medida cautelar foi indeferida. Contrarrazões apresentadas. Não houve interposição de agravo interno. O Ministério Público Federal apresentou parecer opinando pelo provimento do agravo de instrumento. É o relatório. PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1003755-73.2025.4.01.0000 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL FLÁVIO JARDIM - Relator: I. Em sede de análise da tutela recursal antecipada, proferi a seguinte decisão: "Conforme destacado pela decisão agravada, tramita no Supremo Tribunal Federal a Reclamação nº 68.709/DF, de Relatoria do Ministro Gilmar Mendes, cujo tema é o fornecimento do medicamento Elevidys, com fundamento no Tema nº 500 da Repercussão Geral, para o tratamento de Distrofia Muscular de Duchenne (DMD). Em 25.10.2024, o Ministro Relator proferiu decisão liminar, na qual estipulou diretrizes para a análise dos processos em que o medicamento Elevidys fosse pleiteado. Em 19.11.2024, a liminar foi referendada pelo Plenário da Corte Superior. Veja-se as diretrizes estipuladas: "1) Suspender as liminares deferidas em favor de crianças que contavam com menos de 6 anos e 6 meses, em 6.9.2024, até o fim das negociações, ressalvadas as decisões proferidas por Ministros do STF. Cabe registrar que a suspensão das liminares deferidas não tem o condão de impedir a apreciação das causas pelos Juízos de origem. Apenas os efeitos das liminares eventualmente deferidas permanecerão suspensas até a finalização das negociações, excetuadas as ressalvas acima já previstas. 2) Deve-se observar a limitação etária indicada pela farmacêutica (4 anos a 7 anos, 11 meses e 29 dias) e as condições clínicas referentes à deambulação e ao teste genético de compatibilidade, que não indique deleção dos EXON 8 e/ou 9, sem prejuízo das contraindicações e observações indicadas na bula registrada perante a FDA, com especial atenção à não recomendação a pacientes com títulos elevados de anticorpos de ligação total anti-AAVrh74 (títulos>1:400). 3) No cumprimento das liminares que não se enquadrarem na ordem de suspensão, a aquisição da medicação pela União se dará via compra direta da Uniphar, no valor acordado pelas partes no Supremo Tribunal Federal, no âmbito da PET 13.101, e a infusão será realizada pelo SUS, com todos os custos suportados pela União. Caso a União não consiga cadastrar hospitais públicos para a infusão, o procedimento será realizado por hospitais privados devidamente cadastrados. O Poder Judiciário unicamente intimará a União para fornecimento do medicamento, sem possibilidade de compra direta pela parte autora ou de sequestro de valores pelo Juízo. 4) É vedada a concessão de qualquer medida judicial (antecipatória ou definitiva) em desacordo com os critérios previstos no item 2 acima, ressalvadas as decisões proferidas por essa Corte" (STF, Rcl nº 68.709/DF, Ministro Gilmar Mendes, DJe 22.01.2024). Especificamente em relação à limitação etária, foi destacado o seguinte: "No ponto, deve-se destacar que, em todos os debates realizados nas audiência de conciliação até o momento, a Roche Brasil tem afirmado, reiteradamente, que o pedido de registro do medicamento Elevidys na ANVISA, restringe-se ao tratamento de crianças portadoras de Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) que deambulam com idade entre 4 anos e 8 anos incompletos (7 anos, 11 meses e 29 dias). A limitação etária e de condição clínica, segundo a farmacêutica, justifica-se pela ausência de estudos definitivos sobre a segurança e eficácia para as demais faixas etárias. Segundo dados da União, já existem em curso mais de 110 ações nas quais se pleiteia o fornecimento do fármaco em questão. Durante a última audiência de conciliação, representantes da União e do Ministério da Saúde estimaram que cerca de metade dos pedidos se refere a crianças fora da faixa etária indicada como segura e eficaz pela farmacêutica. Assim, levando em consideração que o ponto primordial de toda a discussão é a garantia do bem-estar e da segurança das crianças portadoras de DMD, é de extrema relevância que o Poder Judiciário aja de modo consciente, observando-se a indicação clínica da farmacêutica responsável pelo medicamento, de modo que não exponha os pacientes a riscos desconhecidos". Adicionalmente, em 18.12.2024, o Ministro Gilmar Mendes homologou parcialmente a proposta autocompositiva apresentada pelas partes, na qual uma das cláusulas estipula: "ii) Manutenção da exclusão da possibilidade de concessão judicial do medicamento fora dos termos do registro concedido pela Anvisa, em especial para menores de 4 e maiores de 8 anos ou, dentro da faixa etária de 4 a 7 anos que não sejam deambuladores, restrição que se encontra em conformidade com a faixa etária agora definida na bula registrada perante a ANVISA". No curso da decisão de homologação parcial da transação, ainda foi destacado o seguinte: "Feitas essas considerações, passo à análise da proposta. Como se observa, a proposta conjunta está alinhada às diretrizes previamente estabelecidas na decisão anterior, referendada pelo Plenário, especialmente no que diz respeito às condições indispensáveis a serem observadas pelo Poder Judiciário para a concessão do medicamento, quais sejam: a limitação etária, o preenchimento de critérios clínicos, como a capacidade de deambulação e a realização de um teste genético que comprove a ausência de deleção dos EXONs 8 e/ou 9. Além disso, é necessário o teste de anticorpos de ligação total anti-AAVrh74, cujos títulos não devem exceder 1:400. Por fim, fica vedada qualquer concessão judicial do medicamento fora dos termos do registro aprovado pela Anvisa, sem exceção. A proposta apresentada também estabelece parâmetros para a infusão, define as obrigações assumidas pela farmacêutica e traz a nova proposta de preço unitário, ofertada unilateralmente pela Roche, por meio de compra direta realizada pelo Ministério da Saúde junto à Uniphar. Destaco que o valor unitário está tarjado por se tratar de informação confidencial relativa à precificação do medicamento. O inteiro teor da proposta, com a discriminação dos valores, encontra-se na Pet 13.101, que, conforme já mencionado na decisão anterior, foi autuada em apartado e tramita em sigilo, a pedido da Roche Brasil. A proposta traz ainda condições prioritárias para análise da CEMED e da CONITEC e o compromisso da União em cumprir todas as liminares judiciais deferidas. Entendo que os pontos apresentados estão em plena consonância com os esforços desenvolvidos até o momento para a solução da controvérsia. Destaco que os Juízos de origem, ao efetivarem o cumprimento às decisões, devem observar rigorosamente os requisitos estabelecidos, notadamente a faixa etária indicada e as condições clínicas exigidas para a infusão do medicamento, nos termos fixados no registro aprovado pela Anvisa" (STF, Rcl nº 68.709/DF, Ministro Gilmar Mendes, Disponibilizada em 19.12.2024, grifos acrescidos). Nessa linha, o argumento apresentado pelo agravante, no sentido de que o cumprimento dos requisitos da bula americana seriam suficientes para a concessão do medicamento, sendo possível desconsiderar o requisito etário, contraria, a meu sentir, com as diretrizes estipuladas pelo STF na Rcl nº 68.709/DF. Vale mencionar, ainda, que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, ao aprovar o uso do medicamento Elevidys para o tratamento de Distrofia Muscular de Duchenne em crianças de 4 a 7 anos- faixa de idade já ultrapassada pelo agravante -, destacou que: "Para pacientes acima de 7 anos e que perderam a capacidade de locomoção funcional, mesmo que com algumas dificuldades ou limitações, os dados disponíveis são limitados e ainda não são suficientes para verificar o benefício do uso do produto" (Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2024/anvisa-aprova-registro-de-primeiro-produto-de-terapia-genica-para-distrofia-muscular-de-duchenne-dmd). Por fim, destaco que não desconheço da decisão monocrática proferida pelo Ministro Edson Fachin em 04.12.2024, na Reclamação nº 72.956/SP, na qual concedeu o medicamento Elevidys com base no Tema nº 500 da Repercussão Geral. Ocorre, contudo, que há uma série de decisões monocráticas posteriores, que aplicam sem exceções as diretrizes estipuladas na Rcl nº 68.709/DF, especialmente no que diz respeito à faixa etária indicada. Confira-se a título de exemplo: (i) Rcl nº 70.800/PE, Ministro Luiz Fux, DJe 06.02.2025; (ii) Rcl nº 75.514/GO, Ministro Luiz Fux, DJe 06.02.2025; e (iii) Rcl nº 75.758, Ministro Flávio Dino, DJe 05.02.2025. Confira-se a fundamentação adotada na decisão monocrática proferida na Rcl nº 70.800/PE, de Relatoria do Ministro Luiz Fux: "Superada esta questão preliminar, passo à análise da pretensão à luz da alegada violação ao Tema 500 da Repercussão Geral bem como à vista das evidências científicas que vêm sendo produzidas a respeito das circunstâncias em que o medicamento pretendido ostenta eficácia clínica comprovada. No julgamento do Tema 500 da Repercussão Geral, esta Corte afirmou a regra geral de que o Estado não pode ser obrigado a fornecer, mediante decisão judicial, medicamentos não registrados pela ANVISA. No entanto, na ocasião, esta Corte também assentou a possibilidade de concessão excepcional de medicamentos, consoante os seguintes parâmetros, in verbis: (...) Nesse contexto, à luz dos elementos constantes dos autos, tal como consignei na decisão que concedeu a liminar, verifiquei que a decisão reclamada, ao tempo em que proferida, violara os parâmetros constantes do Tema 500-RG. No entanto, como registrou a União em sua manifestação, no dia 02 de dezembro de 2024, a Anvisa publicou a Resolução-RE nº 4.486, de 29 de novembro de 2024, que concedeu o registro sanitário do Elevidys. Cumpre consignar que o registro do medicamento, no Brasil, foi concedido desde que observadas as seguintes condições, cumulativas, a saber: “[A] prescrição do tratamento deve respeitar a limitação etária indicada no registro aprovado pela ANVISA (de 4 anos a 7 anos, 11 meses e 29 dias), além disso é necessário observar as condições clínicas referentes à deambulação e ao teste genético de compatibilidade, que não devem indicar deleção dos EXON 8 e/ou 9 e o teste de anticorpos de ligação total anti-AAVrh74 não deve apresentar títulos elevados (títulos>1:400)” (doc. 60, p. 4). Frise-se que tais condicionantes clínicas já eram de observância obrigatória em virtude das decisões proferidas na Rcl 68.709, de relatoria do eminente Ministro Gilmar Mendes, em que se pleiteia igualmente o fornecimento do Elevidys. Deveras, o Ministro Relator houve por bem atribuir caráter estrutural à Reclamação 68.709 por considerar o risco de proliferação de ações similares e que podem levar ao desarranjo do SUS. Naquele feito foram realizadas audiências de tentativa de conciliação visando ao estabelecimento de diálogo entre este STF e representantes da União, da PGR, do Ministério da Saúde, da ANVISA, da Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica, do laboratório farmacêutico que produz o medicamento pretendido dentre outros atores relevantes para discussão acerca de possível “credenciamento e negociação da forma de pagamento a partir de mecanismos de compartilhamento de riscos e, também, a preços justos, mais compatíveis com o mercado interno”. Durante a realização daquelas tratativas, a União ajuizou a Pet 12.928, autuada em apenso à mencionada Rcl 68.709, com o propósito de sobrestar o cumprimento de medidas liminares que determinaram a compra do medicamento Elevidys. O Pleno deste Tribunal referendou a medida cautelar concedida pelo Relator Ministro Gilmar Mendes em acórdão que restou assim ementada: (...) Como se percebe, malgrado a suspensão determinada na Pet 12.928 não alcance liminares concedidas por Ministros do STF, o decisum em tela destacou que o pedido de registro do medicamento Elevidys indicou a sua aplicabilidade para crianças de até 7 anos de idade. Por tal razão é que a decisão do Pleno na Pet 12.928, tomada em 13.09.2024, não determinou a suspensão de liminares que beneficiem “crianças que completem 7 anos nos próximos 6 meses, a contar da publicação desta decisão, ou que já possuam 7 anos completos”. Mais recentemente, Sua Excelência o Ministro Gilmar Mendes, em decisão proferida em 25 de outubro de 2024 na mencionada Rcl 68.709, diante do acolhimento do pedido conjunto de suspensão das tentativas de conciliação por 45 dias, ou até que sobrevenha o registro do medicamento na ANVISA, houve por bem consignar, dentre outras, a seguinte diretriz: “Deve-se observar a limitação etária indicada pela farmacêutica (4 anos a 7 anos, 11 meses e 29 dias) e as condições clínicas referentes à deambulação e ao teste genético de compatibilidade, que não indique deleção dos EXON 8 e/ou 9, sem prejuízo das contraindicações e observações indicadas na bula registrada perante a FDA, com especial atenção à não recomendação a pacientes com títulos elevados de anticorpos de ligação total anti-AAVrh74 (títulos>1:400).” (grifei) Referida decisão restou referendada, à unanimidade, pelo Plenário desta Suprema Corte, em acórdão assim ementado: (...) Por fim, ressalto que, em 18 de dezembro de 2024, o eminente Ministro Gilmar Mendes, à vista do registro sanitário outorgado pela Anvisa, homologou parcialmente a proposta autocompositiva trazida pelas partes, tendo o Relator assinalado o seguinte: “Como se observa, a proposta conjunta está alinhada às diretrizes previamente estabelecidas na decisão anterior, referendada pelo Plenário, especialmente no que diz respeito às condições indispensáveis a serem observadas pelo Poder Judiciário para a concessão do medicamento, quais sejam: a limitação etária, o preenchimento de critérios clínicos, como a capacidade de deambulação e a realização de um teste genético que comprove a ausência de deleção dos EXONs 8 e/ou 9. Além disso, é necessário o teste de anticorpos de ligação total anti-AAVrh74, cujos títulos não devem exceder 1:400. Por fim, fica vedada qualquer concessão judicial do medicamento fora dos termos do registro aprovado pela Anvisa, sem exceção.” (Rcl 68.709, decisão monocrática de 18.12.2024, DJe 07.01.2025 - grifei) No caso concreto, o reclamante conta atualmente com 9 anos e 3 meses de idade (doc. 6, p. 13), o que revela a inviabilidade da pretensão deduzida nestes autos. Isto porque, como ressaltou a União em sua manifestação (doc. 45, p. 10), “pacientes com a idade do autor (9 anos) sequer foram incluídos nos estudos. Portanto, o pleito por esse medicamento, na forma buscada nesta reclamação, é desprovido de estudos clínicos conclusivos que comprovem a segurança e eficácia do fármaco, inclusive junto à FDA, visto que a parte autora não se enquadra no perfil estudado. Assim, para o caso do reclamante, há de se concluir que não atende ao requisito destacado no tema repercussão geral 500 pelo Ministro Roberto Barroso (CENÁRIO 2: MEDICAMENTOS COM SEGURANÇA E EFICÁCIA COMPROVADAS, MAS SEM REGISTRO)”. Cuida-se, efetivamente, de circunstância científica cuja notícia superveniente deve ser considerada na apreciação da presente reclamação, sob pena de se determinar o custeio de medicamento sem registro para aplicação na idade atual do reclamante. E, ainda mais relevante, é necessária a mais detida cautela a fim de evitar a administração de medicamento sem eficácia clínica a paciente na idade atual do reclamante. Diante desse contexto, ante a notícia superveniente da ausência de indicação clínica do medicamento pretendido para a faixa etária do reclamante, impõe-se a improcedência desta reclamação, ressalvando-se ulteriores evidências científicas que venham a autorizar a administração do Elevidys para crianças com a idade superior a 7 anos, 11 meses e 29 dias. Ex positis, com fundamento no art. 992 do CPC, JULGO IMPROCEDENTE a presente reclamação. Em decorrência, revogo a medida liminar anteriormente concedida nestes autos, restando prejudicados o respectivo referendo e o agravo interposto pela União em face daquela decisão (doc. 45)" (grifos acrescidos). Conforme constatado na decisão agravada e destacado acima, a parte autora possui 8 anos, 6 meses e 17 dias de idade na data de assinatura dessa decisão, eis que sua data de nascimento é 26 de julho de 2016, de modo que não se enquadra na faixa etária estipulada nas decisões proferidas na Rcl nº 68.709 ou nas recomendadas pela ANVISA para a concessão do medicamento ora requerido. Como se vê, não se demonstrou, na hipótese, a probabilidade do direito necessário para infirmar o decisum recorrido em sede de análise perfunctória. Recomendável, portanto, aguardar o exame definitivo do mérito do agravo de instrumento pela Turma, inclusive em atenção ao princípio da colegialidade. III. Em face do exposto, indefiro a antecipação da tutela recursal, com fundamento do art. 1.019, inciso I, do CPC". II. Não se verifica nenhuma circunstância, desde a decisão monocrática proferida nestes autos, que tenha alterado os contextos fático e processual do litígio. No entanto, a fim de reforçar os fundamentos adotados na decisão monocrática, é importante destacar alguns pontos. Em primeiro lugar, destaco que as decisões monocráticas proferidas na Reclamação nº 68.709/DF, utilizadas como fundamentos centrais na decisão proferida nestes autos, foram referendadas pelo Plenário do STF em fevereiro de 2025. Transcrevo a ementa do julgado: Direito à saúde. Segundo referendo na medida cautelar na reclamação 68.709 e Terceiro Referendo na medida cautelar na Pet 12.928. Homologação Parcial de proposta autocompositiva apresentada pela Roche Brasil e pela União. Cumprimento de decisões judiciais. Medicamento Elevidys. I. Caso em exame 1. Proposta autocompositiva apresentada pela Roche Brasil e pela União para definir a forma de cumprimento de decisões judiciais sobre o fornecimento do medicamento Elevidys pelo SUS. 2. A proposta busca garantir a efetividade da execução de decisões judiciais, sem configurar acordo comercial. 3. A proposta estabelece critérios para o fornecimento do medicamento, incluindo limitação etária, critérios clínicos e testes específicos. 4. A proposta define parâmetros para a infusão, obrigações da farmacêutica e um novo preço unitário, em compra direta pelo Ministério da Saúde junto à Uniphar. 5. A proposta inclui condições prioritárias para análise da CEMED e da CONITEC e o compromisso da União em cumprir todas as liminares judiciais. 6. Acolheu-se a solicitação de alteração da redação do item (x) da proposta; deixou-se de homologar o item (xii). 7. Suspensas as medidas coercitivas, indutivas, mandamentais, multas, prisões e outras medidas indiretas para o cumprimento das liminares, respeitado o prazo de 90 dias para a finalização da parte administrativa da União. 8. Homologação parcial do acordo e revogação da tutela provisória de urgência que suspendia as liminares concedidas em desfavor da União. II. Questão em discussão 9. A questão em discussão consiste em analisar a proposta autocompositiva apresentada pelas partes, verificando sua compatibilidade com as decisões judiciais anteriores e os interesses da União e dos pacientes, bem como a validade da suspensão de medidas coercitivas para o cumprimento das liminares. III. Razões de decidir 10. A proposta está alinhada às diretrizes das decisões anteriores, garantindo o acesso ao medicamento mediante o cumprimento de critérios específicos. 11. A colaboração entre as partes demonstra compromisso com a eficiência e o bem-estar coletivo. 12. A alteração do item (x) da proposta e a não homologação do item (xii) são justificadas. 13. A suspensão das medidas coercitivas é justificada pelo prazo de 90 dias concedido à União para a finalização da parte administrativa e pela natureza estrutural da demanda de abrangência nacional. 14. O item 4.1 da proposta apresenta a melhor alternativa de aquisição do medicamento para a União. 15. O Juízo deve observar rigorosamente os requisitos estabelecidos para a infusão do medicamento, nos termos fixados no registro aprovado pela Anvisa. IV. Dispositivo 16. Homologação parcial da proposta autocompositiva. Revogação da tutela provisória de urgência. Suspensão de medidas coercitivas. (Rcl 68709 MC-Ref-segundo, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 24-02-2025, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-03-2025 PUBLIC 06-03-2025, grifos acrescentados) Chamo à atenção para o item 15 da ementa, que destaca que "[o] Juízo deve observar rigorosamente os requisitos estabelecidos para a infusão do medicamento, nos termos fixados no registro aprovado pela Anvisa". A ANVISA, ao aprovar o uso do medicamento Elevidys para o tratamento de Distrofia Muscular de Duchenne, destacou o seguinte: "A Anvisa concedeu o registro do Elevidys® (delandistrogeno moxeparvoveque) para a empresa Produtos Roche Químicos e Farmacêuticos S.A. Este é o primeiro medicamento de terapia gênica aprovado no Brasil para tratar crianças deambuladores (que ainda conseguem caminhar) de 4 a 7 anos de idade com distrofia muscular de Duchenne (DMD). O registro foi publicado no Diário Oficial da União desta segunda-feira (2/12). Para pacientes acima de 7 anos e que perderam a capacidade de locomoção funcional, mesmo que com algumas dificuldades ou limitações, os dados disponíveis são limitados e ainda não são suficientes para verificar o benefício do uso do produto. Além disso, ressalta-se que há contraindicações aos pacientes com deleções (perdas de parte de um cromossomo) nos éxons 8 e/ou 9 do gene DMD ou com títulos elevados de anticorpos contra o vetor viral. Os éxons são regiões específicas do DNA do paciente" (Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2024/anvisa-aprova-registro-de-primeiro-produto-de-terapia-genica-para-distrofia-muscular-de-duchenne-dmd). Como se vê, assim como o acordo firmado nos autos da Rcl nº 68.709/DF, a ANVISA fixou requisitos específicos para o uso do medicamento em questão: (i) o cumprimento da faixa etária definida (4 a 7 anos de idade); e (ii) a não deleção dos EXON 8 e/ou 9 no gene DMD. O agravante nasceu em 26 de julho de 2016 (ID 2141239881, origem), de modo que, na data deste julgamento (23.04.2025), possui 8 anos, 8 meses e 26 dias de idade. É incontroverso, portanto, que o agravante não cumpre ao menos um dos requisitos fixados pela ANVISA para a infusão do medicamento Elevidys. Em segundo lugar, reafirmo, assim como fiz na decisão monocrática, que não desconheço a existência de algumas poucas decisões na qual Ministros do STF concederam o medicamento Elevidys para reclamantes que não cumpriam com os requisitos fixados pela ANVISA. Naquela oportunidade, destaquei a decisão monocrática proferida pelo Ministro Edson Fachin em 04.12.2024, na Reclamação nº 72.956/SP, na qual concedeu o medicamento com base no Tema nº 500 da Repercussão Geral. Como contraponto, apontei uma série de decisões monocráticas posteriores, que aplicam sem exceções as diretrizes estipuladas na Rcl nº 68.709/DF, especialmente no que diz respeito à faixa etária indicada. A título de exemplo: (i) Rcl nº 70.800/PE, Ministro Luiz Fux, DJe 06.02.2025; (ii) Rcl nº 75.514/GO, Ministro Luiz Fux, DJe 06.02.2025; e (iii) Rcl nº 75.758, Ministro Flávio Dino, DJe 05.02.2025. Após a decisão monocrática que prolatei, foram proferidas outras monocráticas pelos Ministros da Suprema Corte, aplicando sem exceções as diretrizes estipuladas na Rcl nº 68.709/DF e pela ANVISA. Novamente, a título de exemplo: (i) Rcl nº 78.257/DF, Ministro Flávio Dino, DJe 15.04.2025 e (ii) Rcl nº 76.746/DF, Ministro Gilmar Mendes, DJe 13.03.2025. Pela relevância, destaco trecho da fundamentação adotada na decisão monocrática proferida na Rcl nº 76.746/DF, de Relatoria do Ministro Gilmar Mendes, que se aplica integralmente ao caso ora analisado: "Inicialmente, cumpre assinalar que foi reconhecida a natureza estrutural da matéria em debate no âmbito da Reclamação 68.709, ensejando a instauração de procedimento de conciliação entre a União e a empresa Roche Brasil, com vistas à redução do valor do medicamento Elevidys. Em 2.12.2024, a Anvisa deferiu o registro do medicamento no Brasil. No curso das tratativas, após intensos debates entre as partes envolvidas, ficou acordado que, em respeito principalmente à segurança dos pacientes, o Elevidys deve ser administrado exclusivamente a crianças com até 7 anos, 11 meses e 29 dias. A limitação etária, segundo afirmado pela farmacêutica, responsável pela venda do medicamento no Brasil, justifica-se pela ausência de estudos definitivos sobre a segurança e a eficácia do medicamento para as demais faixas etárias. Assim, levando em consideração que o ponto primordial de toda a discussão é a garantia do bem-estar e da segurança dos pacientes diagnosticados com DMD, é de extrema relevância que o Poder Judiciário aja de modo consciente, observando a indicação clínica da farmacêutica responsável pelo medicamento, de modo que não exponha os pacientes a riscos desconhecidos. Esse entendimento foi confirmado pelo Plenário desta Suprema Corte no julgamento da Rcl 68.709-MC-Ref e da Pet 1.298 MC-Ref-Segundo, em que atuei como relator. Veja-se a ementa do acórdão: (...) Ressalte-se que ficou expressamente vedada qualquer concessão judicial do medicamento fora dos termos do registro aprovado pela ANVISA, sem exceção. Diante desse contexto, ainda que se entendesse que o medicamento pudesse, em tese, preencher os requisitos previstos no Tema 500 da repercussão geral para seu fornecimento, verifica-se que o reclamante não se enquadra na faixa etária prevista para a infusão do medicamento, estabelecida pela farmacêutica e pela Anvisa ao realizar o seu registro. Extrai-se do documento de identificação juntado aos autos (eDOC 3,ID:d6aaecff - p. 2) que o reclamante nasceu em 20.12.2006, contando atualmente com 18 anos e 2 meses de idade, o que, por si só, inviabiliza o atendimento do pedido. Nesse sentido, cito as seguintes decisões monocráticas que também negaram o fornecimento do medicamento em questão em virtude da limitação etária: Rcl 72.953, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 18.2.2025; Rcl 76.154, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 17.2.2025; Rcl 75.800, Rel. Min. Flávio Dino, DJe 13.2.2025; Rcl 75.719, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 4.2.2025; Rcl 74.543, Rel. Min. André Mendonça, DJe 3.2.2025. Por fim, manifesto minha profunda solidariedade para com as pessoas portadoras de Distrofia Muscular de Duchenne e suas famílias, reconhecendo os desafios emocionais e físicos enfrentados por elas em sua luta diária. É essencial, contudo, que priorizemos a segurança e o bem-estar dos pacientes, guiando nossas decisões pelas diretrizes médicas baseadas em evidências. Felizmente, há notícia de uma nova tecnologia terapêutica, já aprovada em renomadas agências internacionais (Estados Unidos e Reino Unido). Trata-se do fármaco Givinostat (Duvyzat), que potencialmente poderá oferecer soluções em um futuro próximo para pacientes diagnosticados com Distrofia Muscular de Duchenne com idade a partir de 6 anos. Espero que inovações possam transformar a vida dessas crianças, proporcionando novas perspectivas de tratamento" (grifos acrescidos). Além da decisão proferida na Rcl nº 72.956/SP mencionada acima, verifiquei uma única outra proferida na Rcl nº 70.781, pelo Ministro André Mendonça, na qual o medicamento Elevidys é concedido para parte que não cumpre com os requisitos fixados pela ANVISA. A concessão foi fundamentada nos seguintes termos: "Não se desconhece o entendimento que tem prevalecido entre os Ministros desta Corte, no sentido de ser viável o deferimento do medicamento Elevidys apenas aos pacientes com Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) que estejam na faixa etária de aplicação prevista pela farmacêutica e pela Anvisa (Rcl nº 72.997/PR, Rel. Min. Luiz Fux, j. 23/10/2024, p. 24/10/2024; Rcl nº 68.798/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 07/06/2024, p. 10/06/2024; Rcl nº 69.174/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 15/07/2024, p. 16/07/2024; Rcl nº 74.294/SP, Rel. Min. Flávio Dino, j. 22/01/2025, p. 23/01/2025). Todavia, observa-se, em verdade, que os fundamentos centrais que conduziram o entendimento firmado no ato reclamado pela inviabilidade de se conceder o fármaco pretendido dizem respeito a ponderações de cunho político-orçamentário, haja vista o valor elevado da medicação e a limitação de recursos públicos destinados à saúde. Nesse sentido, pontuou a autoridade reclamada: “(...) quando não há comprovação da viabilidade da terapia ao paciente e a medicação é de altíssimo custo -, penso ser indevida a intervenção judicial, eis afetar diretamente na gestão das políticas públicas, podendo acarretar limitação ao acesso da população mais vulnerável a tratamentos básicos oferecidos pelo SUS, cujos recursos são escassos, comprometendo, assim, o princípio da isonomia, mormente porque o custo do fármaco pleiteado equivale, aproximadamente, ao orçamento anual para aquisição de medicamentos de um Estado de porte médio, como é o caso de Pernambuco“ (e-doc. 2, p. 12). Impõe-se rememorar, no ponto, que o direito fundamental à saúde tem assento constitucional (art. 6º), traduzindo-se em verdadeira expressão da dignidade da pessoa humana, fundamento basilar do Estado Democrático de Direito (art. 1º, inc. III). Se bem observado, a recusa ao fornecimento de medicamento capaz de garantir um aumento de sobrevida ao paciente ou a melhoria de sua qualidade de vida, consubstancia, ao fim e ao cabo, recusa a uma condição de existência digna. A bem da verdade, a dignidade da pessoa humana, núcleo forte dos direitos fundamentais sob o qual repousam todos os demais, só se revela efetivamente garantida quando salvaguardada a possibilidade mínima do existir. Cuida-se, portanto, de um supra direito, absolutamente imponderável frente a argumentos de ordem financeira ou administrativa, insubsistentes ante violações ao mínimo existencial. Não se está a defender — deve-se frisar — uma intervenção ampla e desmesurada do Poder Judiciário em políticas públicas destinadas à saúde, mas em assentar a validade da atuação judicial subsidiária, em situações concretas e excepcionais, não alcançadas pelas políticas públicas pertinentes, nas quais necessária a tutela do mínimo existencial, indispensável à realização dos valores constitucionais. Desse modo, e a par dos argumentos delineados, entendo que na decisão reclamada não foi observada adequadamente a ratio decidendi firmada no julgamento do RE nº 566.471/RN (Tema nº 6 do ementário da Repercussão Geral), em especial no tocante aos requisitos que devem ser observados para a concessão excepcional de medicamento com registro na Anvisa pelo Poder Judiciário, revelando-se, portanto, teratológica". Conforme destacado na decisão, o entendimento majoritário do STF é no "sentido de ser viável o deferimento do medicamento Elevidys apenas aos pacientes com Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) que estejam na faixa etária de aplicação prevista pela farmacêutica e pela Anvisa". Quanto ao argumento de cunho político-orçamentário, destaco algumas das ponderações feitas pelo Ministro Gilmar Mendes, ao apreciar a medida cautelar na Rcl nº 68.709/DF, as quais entendo que atuam como contrapontos aos argumentos adotados na Rcl nº 72.956/SP: "Diante da complexidade do tema, entendi que antes de examinar o pedido formulado na citada reclamação, seria necessário analisar o efeito sistêmico que pode ser ocasionado pelo deferimento de sucessivos pedidos dessa mesma natureza, ante o impacto orçamentário dele advindo, tendo em vista que o fármaco em discussão (Elevidys) custa em torno de US$ 3,2 milhões, o equivalente a cerca de R$ 18 milhões, segundo a cotação atual. Isso porque, além do reclamante, existem milhares de outras crianças com a mesma enfermidade no País, todas necessitando de atenção do sistema de saúde brasileiro. Segundo a ANVISA, estima-se que, no Brasil, haja 1 portador da doença para cada 100.000 nascimentos. Como já assentei em outras oportunidades, a atuação do Poder Judiciário na proteção do direito à saúde não está isenta de desafios, pois envolve a conciliação com a sustentabilidade das finanças públicas. É imperativo que a atuação da Justiça se dê com responsabilidade e cautela, buscando, por um lado, garantir o acesso às terapias adequadas para o tratamento de doenças graves e, por outro, a manutenção do equilíbrio das contas públicas. Diante desse contexto, assentei que a realização de entendimento entre o Governo e a empresa farmacêutica para compartilhar os riscos quanto à eficácia do medicamento, diminuindo o impacto financeiro decorrente de sua aquisição, poderia, pelo menos em tese, ser uma solução justa para o caso do medicamento Elevidys. Além disso, consignei que, apesar de versar sobre demanda individual, a controvérsia tem potencialidade de se repetir inúmeras vezes, devido à influência exercida pelos precedentes do STF e ao número de pacientes acometidos pela doença. Por esses motivos, reconheci a natureza estrutural da demanda, que envolve não apenas os interesses legítimos da criança e de seus familiares, mas também a preocupação, igualmente legítima, dos gestores públicos com a preservação dos recursos orçamentários suficientes para o atendimento de outras demandas sociais na área da saúde pública" (STF, Rcl nº 68.709/DF, Ministro Gilmar Mendes, DJe 22.01.2024). Em razão do valor elevado do medicamento, é importante que esse componente seja analisado em conjunto com a eficácia do fármaco. Como se vê, ao definir as balizas para a concessão do medicamento Elevidys na Rcl nº 68.709/DF, foram levados em consideração os elementos relacionados ao direito fundamental à saúde e aos recursos públicos. Entendo que ampliar as hipóteses de concessão do medicamento vai de encontro ao que foi definido pelo Plenário da Corte na Rcl nº 68.709/DF. Por fim, e em terceiro lugar, destaco, em tradução livre, trecho do artigo denominado Response to overseas commentators, publicado pelo professor Ronald Dworkin, no qual analisou decisões da Corte Constitucional da África do Sul no que diz respeito a direitos positivos: "Após a Segunda Guerra Mundial, no entanto, muitas das Constituições mais recentes passaram a incluir garantias de direitos positivos, seja como aspirações não justiciáveis ou como mandatos passíveis de execução judicial. Os redatores da nova Constituição da África do Sul acreditavam, com razão, que não poderiam negar uma garantia constitucional positiva à maioria dos cidadãos que, por tanto tempo, foram privados dos requisitos básicos da dignidade humana. Por isso, optaram por incluir direitos positivos cuidadosamente elaborados e passíveis de execução judicial, na forma descrita por Chaskalson. O resumo que ele faz dos três casos que surgiram até agora na sua Corte, testando esses direitos positivos, deixa claro os desafios que eles apresentam aos juízes. Os juízes devem escolher entre duas estratégias. A primeira estratégia é substantiva. Ela exige que os juízes revisem pelo menos as principais decisões do governo na alocação de recursos para satisfazer as necessidades básicas especificadas na Constituição e rejeitem qualquer decisão que considerem irrazoável. Essa estratégia substantiva pode exigir que os juízes declarem que determinada política governamental é irrazoável porque gasta muito em saúde e, portanto, insuficientemente em habitação, por exemplo, ou vice-versa. A segunda estratégia é igualitária: ela não impõe que o governo faça uma alocação específica de recursos, mas exige que ele demonstre igual consideração por todos na distribuição que fizer. O governo não pode, por exemplo, distribuir os recursos destinados à saúde de forma que ignore necessidades mais urgentes ou básicas para atender a outras menos prioritárias, quando não há justificativa para essa alocação. Uma leitura literal da linguagem da Constituição sul-africana pode parecer recomendar a primeira estratégia, a substantiva. A Constituição declara que “[o] Estado deve tomar medidas legislativas razoáveis dentro de seus recursos disponíveis para alcançar a realização progressiva” dos direitos que reconhece. Isso pareceria significar que as principais alocações de recursos pelo Estado devem ser, elas mesmas, razoáveis. Segundo essa visão, os tribunais poderiam determinar que dinheiro deve ser retirado dos programas de construção de estradas do governo, por exemplo, para fornecer diálise renal a todos os pacientes cuja vida isso prolongaria, pois seria irrazoável destinar recursos ao transporte que poderiam ser usados para salvar vidas. No entanto, a segunda estratégia, a igualitária, também é uma interpretação plausível; o tribunal pode entender que “razoável”, nesse contexto, significa “consistente com igual consideração por todos”. O relato de Chaskalson sobre as três decisões que ele analisa sugere que o tribunal adotou (corretamente, em minha opinião) a estratégia igualitária. O Sr. Soobramoney foi tratado com igual consideração; se o governo não pode fornecer, com seu orçamento de saúde, diálise para todos os pacientes com insuficiência renal, então não há violação da igualdade ao priorizar aqueles que podem se beneficiar mais dessa tecnologia. Já os sem-teto no caso Grootboom não foram tratados com igual consideração, pois o governo havia adotado um programa habitacional abrangente que dava prioridade, dentro do orçamento estipulado, àqueles cuja necessidade era menor, enquanto adiava a assistência a pessoas sem teto e vulneráveis, cuja necessidade era manifestamente maior. A decisão do tribunal no caso Nevirapine parece ainda mais claramente igualitária, em vez de substantiva. O tribunal não determinou que a garantia constitucional de assistência médica razoável exigia que o governo instituísse um programa para fornecer aquele medicamento. No entanto, insistiu que qualquer programa implementado pelo governo para algumas crianças deveria estar disponível para todas, a menos que houvesse uma razão convincente para a discriminação. Esse é o espírito da igualdade que se destaca em todos os aspectos da brilhante carreira de Arthur Chaskalson." (Disponível em: file:///C:/Users/tr302162/Downloads/Response%20to%20overseas%20commentators%20(1).pdf. Último acesso em: 27.02.2025) - Tradução livre. O STF reconheceu que o direito constitucional à saúde, no caso em questão, ao ser concretizado, significa que a parte que cumprir com requisitos específicos deve receber o tratamento pleiteado, a despeito do alto valor de custo. Nesse contexto, compete a essa Corte adotar a estratégia igualitária, na medida em que o medicamento deve ser concedido apenas àqueles pacientes que demonstrem o cumprimento dos requisitos objetivos para a concessão do fármaco fixados pelo STF e pela ANVISA. Ou seja, a postura deste Tribunal, na presente decisão, observa o que a Suprema Corte da África do Sul assentou no caso Minister of Health and Others v Treatment Action Campaign and Others [1], na dição de Ronald Dworkin. Esta Corte, para tratar todos com igual consideração, deve observar estritamente os requisitos fixados pelo STF e pela ANVISA. Para fins de compreensão da forma como aquele país enfrenta o problema da escassez de recursos para a satisfação de todos os tipos de procedimentos e de medicamentos que as pessoas julgam necessitar, a partir de prescrições de seus próprios médicos, e da abordagem coletiva que respeita isonomicamente a todos, confira-se o seguinte trecho do voto do Justice Arthur Chaskalson, no famoso caso Soobramoney x Minister of Health KwaZulu-Nata: "Não podemos deixar de ter simpatia pelo recorrente e sua família, que enfrentam a cruel dilema de ter de empobrecer-se, a fim de garantir o tratamento que o recorrente pede, a fim de prolongar a sua vida. O fato duro e desagradável é que, se o recorrente fosse um homem rico ele seria capaz de obter esse tratamento privado; ele não é, e tem de olhar para o estado a fornecer-lhe com o tratamento. Mas os recursos estados são limitados e que a recorrente não preenche os critérios para a admissão ao programa de diálise renal. Infelizmente, isso é verdade não apenas quanto ao recorrentemas de muitos outros que precisam de acesso a unidades de diálise renal ou para outros serviços de saúde. Há também aqueles que precisam de acesso à habitação, alimentos e água, oportunidades de emprego e seguro Social. Estes também são aspectos do direito à: “uma vida humana:. o direito de viver como um ser humano, para ser parte de uma comunidade mais ampla, para compartilhar a experiência da humanidade” O Estado tem de gerir os seus recursos limitados, a fim de resolver todas estas reivindicações. Haverá momentos em que isto será exigido para adotar uma abordagem holística em prol de necessidades maiores da sociedade, em vez de se concentrar nas necessidades específicas de determinados indivíduos dentro da sociedade". [2] III. Em face do exposto, nego provimento ao agravo de instrumento. É como voto. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator [1] Minister of Health and Others v Treatment Action Campaign and Others (No 2) (CCT8/02) [2002] ZACC 15; 2002 (5) SA 721 (CC); 2002 (10) BCLR 1033 (CC) (5 July 2002). [2] (CCT32/97) [1997] ZACC 17; 1998 (1) SA 765 (CC); 1997 (12) BCLR 1696 (27 November 1997). Tradução de Karinne Fontenele Sampaio, constante do artigo O CONTROLE E A IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE: A JURISPRUDÊNCIA DA ÁFRICA DO SUL, publicada na REVISTA CONSTITUIÇÃO E GARANTIA DE DIREITOS. ISSN1982-310x, p. 92. PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1003755-73.2025.4.01.0000 Processo Referência: 1061398-08.2024.4.01.3400 AGRAVANTE: G. G. B. AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL EMENTA DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO ELEVIDYS. DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENNE. LIMITAÇÃO ETÁRIA E CLÍNICA FIXADAS PELO STF E PELA ANVISA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu tutela provisória de urgência para fornecimento do medicamento Elevidys, indicado para tratamento de Distrofia Muscular de Duchenne (DMD), pleiteado por menor com 8 anos, 6 meses e 17 dias de idade. O pedido liminar foi indeferido. Contrarrazões foram apresentadas. Não houve interposição de agravo interno. 2. A controvérsia consiste em verificar a possibilidade de concessão judicial do medicamento Elevidys a paciente que não se enquadra nos requisitos objetivos fixados pela ANVISA e pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente quanto à limitação etária e às condições clínicas exigidas. 3. A jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, especialmente nos autos da Reclamação nº 68.709/DF, fixou parâmetros obrigatórios para a concessão do medicamento Elevidys, incluindo faixa etária entre 4 anos e 7 anos, 11 meses e 29 dias, capacidade de deambulação, ausência de deleção dos éxons 8 e/ou 9 e limite de títulos de anticorpos. 4. A ANVISA ratificou tais requisitos ao aprovar o registro do Elevidys no Brasil, condicionando sua administração à observância de critérios clínicos e etários específicos. 5. No caso concreto, o agravante conta com idade superior ao limite estabelecido e, por isso, não preenche os critérios para a concessão judicial do medicamento, conforme decisões reiteradas do STF, inclusive em recentes decisões monocráticas. 6. O argumento de que o cumprimento dos requisitos da bula americana seria suficiente foi afastado, diante da prevalência das diretrizes fixadas pelo STF com base no registro da ANVISA. 7. Aplicação de estratégia igualitária de concretização dos direitos sociais, segundo a qual os recursos públicos destinados à saúde devem ser distribuídos com igual respeito e consideração para as pessoas na mesma situação, observando-se os critérios fixados para tratamentos excepcionais que são aplicados isonomicamente para pessoas em condições idênticas. Essa postura observa o que a Suprema Corte da África do Sul assentou no caso Minister of Health and Others v Treatment Action Campaign and Others, na dição de Ronald Dworkin. Citações no texto do voto. 8. Agravo de instrumento desprovido. ACÓRDÃO Decide a Sexta Turma, à unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator. Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator
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