Processo nº 5000282-12.2025.4.03.6125
ID: 334710441
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Federal de Ourinhos
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5000282-12.2025.4.03.6125
Data de Disponibilização:
25/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ALAOR RIBEIRO JUNIOR
OAB/PR XXXXXX
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NEILSON LEITE DA CONCEICAO
OAB/SP XXXXXX
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AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5000282-12.2025.4.03.6125 / 1ª Vara Federal de Ourinhos AUTOR: POLÍCIA FEDERAL - SR/PF/SP, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP REU: VALDINEI SANTANA Advoga…
AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Nº 5000282-12.2025.4.03.6125 / 1ª Vara Federal de Ourinhos AUTOR: POLÍCIA FEDERAL - SR/PF/SP, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP REU: VALDINEI SANTANA Advogados do(a) REU: ALAOR RIBEIRO JUNIOR - PR86584, NEILSON LEITE DA CONCEICAO - SP315395 S E N T E N Ç A I – RELATÓRIO. O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em desfavor de VALDINEI SANTANA, já qualificado nos autos, imputando-lhe a prática dos crimes tipificados no artigo 18 c/c artigo 19 da Lei nº 10.826/03; artigo 334-A, caput, incisos I, II e V, e artigo 334, caput, incisos II e IV, todos Código Penal, pelos fatos assim narrados na exordial (id. 365950744): Consta dos inclusos autos que, no dia 24/04/2025, por volta das 11h00, na Rodovia SP-270, próximo ao pedágio de Palmital/SP, os policiais militares Luis Gustavo da Silva Schwarz e Fernando Ferrer abordaram o denunciado Valdinei conduzindo o veículo Ford KA e constataram que o condutor, durante a entrevista, demonstrou exacerbado nervosismo e apresentou respostas divergentes quanto às circunstâncias da viagem. Os policiais, então, resolveram realizar uma busca no veículo (Id. 361688956, p. 04/05). Durante a fiscalização no automóvel, os policiais perceberam que, entre o encosto do banco traseiro e o porta-malas, havia um fundo falso. Ao inspecionar o compartimento oculto, descobriram grande quantidade de eletrônicos, armas, carregadores de munição, bloqueadores de radiofrequência e coletes balísticos. O Termo de Apreensão nº 1649908/2025 (Id. 361688956, p. 13/15) formalizou e descreveu os objetos apreendidos como sendo 43 (quarenta e três) celulares do modelo iPhone 16 Pro Max, 3 (três) revólveres da marca Taurus Armas S.A., 3 (três) coletes balísticos Safeguard Armour, 6 (seis) carregadores de Fuzil calibre .556, 9 (nove) carregadores de pistola calibre 9mm, 1 (um) conversor para carabina Roni G1, CAA Tactical, 2 (dois) bloqueadores de sinal de dez antenas, 4 (quatro) aparelhos de radiocomunicação, 1 (um) veículo do modelo Ford Ka e 1 (um) celular POCO C65. Foi elaborado exame pericial (laudo nº 152/2025-NUTEC/DPF/MII/SP) no veículo apreendido (Id. 365240277, p. 11/20), em que restou comprovado que houve adaptação de suas características originais, com a existência de um compartimento feito em chapas metálicas em formato de cubo, localizado entre o porta-malas e o fundo do banco traseiro. Com sua conduta, o denunciado Valdinei praticou os seguintes crimes: 1º CRIME: Tráfico internacional de armas de fogo de uso restrito e permitido e de acessório para arma de fogo de uso restrito majorado (art. 18 c/c art.19 da Lei 10.826/03). Valdinei Santana importou, recebeu e favoreceu a entrada no território nacional, e, posteriormente, deteve, manteve sob sua guarda, ocultou e transportou, sem autorização da autoridade competente, os seguintes itens controlados pela legislação (armas de fogo e acessórios de arma de fogo de uso restrito): a) Pistola, marca Glock, modelo G17, calibre 9x19mm (restrito), número de série VDA317, de fabricação austríaca, de porte, semiautomática, com conversão irregular para automática, perfeitamente descrita conforme Laudo n.º 159/2025 - NUTEC/DPF/MII/SP (ID 365240277 - p.30/24); b) Revólver, marca Taurus, calibre .357 Magnum (restrito), número de série PC383231, de fabricação brasileira, de porte, de repetição, arma descrita conforme Tabela 2 do Laudo n.º 163/2025 - NUTEC/DPF/MII/SP (ID 365240277 - p.51/67); c) Revólver, marca Taurus, calibre .357 Magnum (restrito), número de série ML882240, de fabricação brasileira, de porte, de repetição, arma descrita conforme Tabela 3 do Laudo n.º 163/2025 - NUTEC/DPF/MII/SP (ID 365240277 - p.51/67); d) Revólver, marca Taurus, calibre 38 SPL (permitido), número de série QK585675, de fabricação brasileira, de porte, de repetição, arma descrita conforme Tabela 4 do Laudo n.º 163/2025 - NUTEC/DPF/MII/SP (ID 365240277 - p.51/67); e) Kit de conversão de emprego (“Kit Roni”), ou “pistol carbine conversion” (conversor pistola-carabina), modelo “Roni G1”, que converte uma arma de porte (pistola) em uma arma portátil (carabina), fabricante “CAA Tactical”, número de série raspado, acessório descrito conforme Tabela 10 do Laudo n.º 163/2025 - NUTEC/DPF/MII/SP (ID 365240277 - p.51/67); Os calibres 9x19mm e .357 Magnum são classificados como de uso restrito pela legislação vigente na data da conduta. O calibre 38 SPL é um calibre de uso permitido, embora erroneamente classificado como de uso restrito pelo laudo pericial (Decreto 11.615/23, art.12, III, c/c Portaria Conjunta - C EX/DG-PF nº 2/2023)[1]. Exames de Perícia Criminal Federal (laudos nº 159/2025 e 163/2025 - NUTEC/DPF/MII/SP (Id. 365240277, p. 30/34) periciaram as armas de fogo, constatando-se que as armas estão aptas para efetuar disparos, sem problemas de funcionamento. Além disso, o primeiro laudo destacou que a Pistola Glock, modelo G17, número de série VDA317, foi modificada para efetuar disparos no modo rajada, além de tiros intermitentes. Isso significa dizer que a arma de fogo passou por uma adaptação clandestina, não autorizada pelo fabricante da arma, que permite transformá-la de uma pistola semi-automática para uma pistola automática[2]. Essa modificação aumenta o poder de fogo do armamento, permitindo ao operador efetuar mais disparos em um menor intervalo de tempo. Por essa razão adicional, a pistola apreendida se enquadra em outra hipótese de classificação como de uso restrito (Decreto 11.615/23, art.12, I). O kit de conversão de emprego (“kit roni”), que converte uma arma de porte (pistola) em uma arma portátil (carabina), é um acessório de arma de fogo, na definição do Anexo III do Decreto 10.030/19[3]. Além disso, trata-se de acessório de uso restrito, pois catalogado no Anexo II do mesmo decreto, tipo “arma de fogo”, grupo “acessório”, c/c Portaria COLOG/EB n.º 118/2019, item 1.2.0010, tratando-se, pois, de acessório que demanda autorização do Exército para importação, aquisição e uso (PCE – Produto Controlado pelo Exército)[4]. Embora a perícia não tenha efetivado testes do acessório em situação de disparo real, isso se deu por não haver confiabilidade quanto à procedência do equipamento, o que poderia colocar em risco a integridade física dos peritos. Considerando-se que, no momento da apreensão, o acessório estava eficazmente acoplado à pistola Glock apreendida (tanto que essa circunstância impediu, em um primeiro momento, a separação dos itens, conforme Certidão n.º 1652655/2025 do Escrivão de Polícia Federal - ID 361704222 - p.5), é de se assumir a eficácia do acessório para o fim proposto, até por isso ele estava sendo trazido do exterior de forma irregular justamente para que fosse utilizado em conjunto com a arma de fogo. A internacionalidade do crime de tráfico de armas de fogo e acessório restou devidamente demonstrada nos autos pelos seguintes elementos de prova: I. A pistola de marca Glock é de fabricação austríaca, não sendo fabricada em território nacional, tratando-se, portanto, de item controlado procedente de fora do território nacional; II. Os 3 revólveres de marca Taurus, conforme documento oficial do fabricante juntado no ID 365240277, foram fabricados em território nacional mas foram, todos, objeto de exportação a empresas localizadas no Paraguai (até por isso não possuem qualquer registro no SINARM da Polícia Federal). Assim, foram itens destinados à exportação e irregularmente reinseridos no Brasil mediante a conduta do agente, caracterizando-se, assim, a procedência imediatamente estrangeira das armas de fogo; III. Registros de passagem do veículo automotor nos dias imediatamente anteriores à data da prisão revelaram que ele esteve na região de fronteira para carregamento das mercadorias apreendidas. Conforme extrato do sistema SINIVEM juntado nos IDs 361749296 e 361749297, na data de 21/04/2025, o veículo teve registro de passagem sentido fronteira com o Paraguai. Dois dias depois, em 23/04/2025, às 12h32m (dia anterior à data da prisão em flagrante), o veículo teve registro de passagem capturado deixando a região de fronteira. Vale ressaltar que o posto de captura das imagens fica na base da PRF no município de Santa Terezinha de Itaipu, no KM 714 da BR-277, e dista pouco mais de 15km da fronteira com o Paraguai através da ponte da amizade, em Foz do Iguaçú; IV. Por fim, associando-se as armas e o acessório com os demais itens apreendidos, todos igualmente de procedência estrangeira, fica perfeitamente demonstrado que os itens, no todo, tiveram procedência imediata do exterior, em específico, do Paraguai. Embora o denunciado Valdinei sustente argumento de que “pegou o veículo já carregado em Cascavel/PR”, os elementos indiciários apontados acima permitem concluir, acima de uma dúvida razoável, que o veículo esteve na região de fronteira imediatamente antes da data da apreensão, e que, na data da prisão, ele era conduzido justamente por Valdinei. Ainda que o veículo e/ou o denunciado não tenham fisicamente transposto a linha de fronteira, isso é irrelevante para fins de delimitação criminal da conduta, eis que não é necessário que haja a transposição física do bordo fronteiriço pelo agente, bastando que ele tome parte em uma cadeia de acontecimentos que demonstre a internalização ilícita de itens procedentes do exterior. Com sua conduta, em relação aos itens descritos neste tópico, Valdinei Santana incorreu nas penas do art.18, caput, da Lei 10.826/03, com a causa de aumento do art. 19 da mesma lei. 2º CRIME: Contrabando (art. 334-A do Código Penal). Nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e modo de execução, o denunciado Valdinei Santana importou, recebeu, ocultou e transportou, no exercício de atividade comercial clandestina prestada a terceiros, mercadoria proibida e que dependia de registro e autorização do órgão público competente, quais sejam: a) 3 coletes balísticos, fabricante “Safeguard Armour”, modelo “COM 1 COMS1-BXL”, nível de proteção NIJ III-A. A marca informada é uma tradicional fabricante de coletes sediada no Reino Unido. Coletes balísticos são PCEs – Produtos Controlados pelo Exército, conforme Anexo II do Decreto 10.030/19, c/c Portaria COLOG/EB n.º 118/2019, itens 8.1.0050 e 8.1.0060. Dependem de homologação técnica por empresas credenciadas pelo INMETRO, devendo obter certificado de conformidade de que atendem às normas técnicas estipuladas na Nota Técnica SENASP/MJ n.º 003/2021[5]. Sua importação, comercialização e aquisição são5 controlados, conforme art. 23 da PORTARIA Nº 18/2006, do Departamento Logístico do Exército, devendo o interessado obter prévia autorização de compra junto à Secretaria de Segurança Pública do Estado da federação. Os coletes foram analisados por meio do Laudo n.º 163/2025 - NUTEC/DPF/MII/SP - Item III.3 (ID 365240277 – p. 51/67); b) 2 dispositivos de bloqueio de sinais (“jammers”). Estes itens prestam-se a causar interferência em sinais eletromagnéticos, e são comumente utilizados na prática de crimes de roubos de carga, veículos ou sequestros, a fim de impossibilitar o rastreamento de veículos ou outros dispositivos eletrônicos. Possuem importação e comercialização restrita no Brasil (Resoluções ANATEL nº 680, de 27 de junho de 2017, e nº 760, de 6 de fevereiro de 2023). Havendo exigência de autorização legal para eventual importação, configuram crime de contrabando. Pende a conclusão do exame pericial nestes itens. c) 4 aparelhos de radiocomunicação, rádios HT marca KENWOOD, modelo KSC-32, com 04 (quatro) antenas amplificadoras de sinal. Pende a conclusão do exame pericial nestes itens e, em sendo caracterizados como itens cuja importação dependa de autorização, configurarão também delito de contrabando. Com sua conduta, em relação aos itens descritos neste tópico, Valdinei Santana incorreu nas penas do art. 334-A, caput e incisos I, II e V do Código Penal. 3º CRIME: Descaminho (art. 334 do Código Penal). Nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e modo de execução, o denunciado Valdinei Santana iludiu, no todo, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada de mercadoria no país, tendo recebido, ocultado e transportado essa mercadoria, desacompanhada de documentação legal. Trata-se dos seguintes itens: a) 43 aparelhos de telefonia celular, modelo iPhone 16 Pro Max. Pende a finalização dos trâmites aduaneiros pela Receita Federal do Brasil para apuração do valor dos tributos suprimidos, mas é possível estimar, desde logo, por similaridade com outros casos, em cerca de R$ 2.000,00 o valor dos impostos iludidos para cada um destes itens, de modo que o valor total do dano fiscal circundará a faixa de R$ 100.000,00; b) 6 carregadores para arma de fogo calibre 5,56 x 45mm. Esses itens foram descritos no Laudo n.º 163/2025 - NUTEC/DPF/MII/SP - Item III.3 (ID 365240277 - p.51/67). Conforme art. 2º, §3º, IV, do Anexo I do Decreto 10.030/19, carregadores de arma de fogo não mais são considerados PCE, não dependendo, portanto, de autorização do exército para importação ou comercialização, podendo ser livremente negociados em território nacional. Portanto, não configuram tráfico internacional de armas ou acessórios, ou mesmo contrabando, tipificando apenas crime de descaminho em face de seu valor enquanto mercadoria. Em relação aos 9 (nove) carregadores de arma de fogo calibre 9x19mm, considerando-se que foi apreendida pistola de mesmo calibre no mesmo contexto fático, esses itens devem ser absorvidos pelo crime contra o sistema nacional de armas que tem a pistola como objeto. Com sua conduta, em relação aos itens descritos neste tópico, Valdinei Santana incorreu nas penas do art. 334, caput e incisos II e IV do Código Penal. DA PAGA PELA PRÁTICA DOS CRIMES. Como paga e recompensa pelos graves crimes praticados, o denunciado Valdinei recebeu um veículo marca RAM, modelo Laramie 2500, cor preta, placa GHK-3I44, avaliado em cerca de R$ 279.000,00. Conforme documentos juntados no ID 365240277, fornecidos pelo DETRAN/PR, dias antes da prática dos crimes tratados nestes autos, Valdinei subscreveu documento de transferência do referido veículo, em que constou como adquirente. Sua assinatura foi reconhecida por autenticidade (ou seja, mediante sua presença física perante o oficial cartorário) no referido documento em 14/03/2025. Uma semana antes da prática do crime, em 16/04/2025, a documentação que transferia o veículo a Valdinei foi protocolada junto ao DETRAN/PR. No dia 23/04/2025, o processo administrativo de transferência foi concluído. No dia seguinte, 24/04/2025, Valdinei foi preso em flagrante delito. REQUERIMENTOS FINAIS Ante o exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, eis que presentes os requisitos legais, seja recebida a presente denúncia, instaurando o devido processo penal, citando-se o denunciado para apresentação de resposta à acusação e prosseguindo nos ulteriores termos até final condenação. Requer a intimação das testemunhas abaixo arroladas, para oitiva em audiência de instrução e julgamento, assim como pugna pela posterior juntada aos autos das provas pericial e documental faltantes. Considerando que, por ocasião de sua prisão, Valdinei ocultou a propriedade do veículo automotor marca RAM, modelo Laramie 2500, cor preta, placa GHK-3I44, avaliado em cerca de R$ 279.000,00, tendo declarado renda familiar mensal de R$ 8.000,00 (sequer comprovada documentalmente, até o momento), o que se mostra absolutamente incompatível com a aquisição de veículo deste valor, restando evidente, portanto, a diferença apurada entre o valor do patrimônio e o rendimento lícito declarado, requer o Ministério Público Federal seja decretado o perdimento do veículo automotor em favor da União, com base no art.91, II, “b” e 91-A do Código Penal. O réu foi preso em flagrante no dia 24.04.2025, durante fiscalização de trânsito na Rodovia SP 270 – Raposo Tavares -, próximo ao pedágio de Palmital/SP por Policiais Militares Rodoviários, e conduzido à Delegacia de Polícia Federal de Marília/SP para a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante (id. 361688956). Realizada audiência de custódia no dia 25.04.2025, ocasião em que foi homologada a prisão em flagrante do réu, a qual foi convertida em prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública e na garantia da instrução criminal (id. 361760709). Na mesma decisão, foi autorizado o pedido de quebra de sigilo dos registros telefônicos e de bloqueio de registro de transferência, junto ao sistema RENAJUD, da camioneta Ram/2500 Laramie, placas GHK-3I44, efetivado no id. 361753743. A denúncia foi recebida em 30/05/2025, ocasião em que se manteve a prisão preventiva do réu. Na mesma decisão, foi indeferido o pedido do Ministério Público Federal para o sequestro do veículo de placas GHK-3I44, RENAVAM 1252199780, bem como para a imposição de restrição à sua circulação (id. 366309783). Foram atualizadas as certidões de antecedentes do réu (Ids. 367183819, 367183820, 367183821 e 367183822). O acusado apresentou resposta à acusação por meio de defensor constituído (id. 367496833). Foi rejeitado o pedido de absolvição sumária do acusado, determinando-se o regular prosseguimento da ação penal, com a designação de audiência de instrução e julgamento para o dia 02/07/2025 (ID 367754364). Ficou estabelecida a participação do réu por meio de teleaudiência, a ser realizada a partir do estabelecimento prisional onde se encontra recluso, utilizando-se a plataforma Microsoft Teams. Após manifestação do Ministério Público Federal, foi determinada a remessa das armas de fogo e demais materiais balísticos mencionados no Ofício de id. 370768879 ao Comando do Exército; a entrega dos rádios e bloqueadores à ANATEL; e facultada ao réu a retirada do telefone celular (id. 371463341). Em audiência realizada em 02/07/2025, foram ouvidas as testemunhas de acusação, Policiais Militares (id. 374458776 e id. 374458779), e interrogado o réu (id. 374458783). Na mesma ocasião, as partes manifestaram desinteresse na realização de diligências complementares, pugnando pela apresentação de memorais escritos. Em sede de memoriais (ID. 376262458), o Ministério Público Federal requereu o acolhimento da denúncia, com a consequente condenação do réu pelos delitos descritos na peça acusatória, sustentando estarem comprovadas a materialidade, a autoria e o elemento subjetivo das condutas imputadas. Requereu, ainda, a aplicação dos efeitos penais da inabilitação para dirigir e da perda dos veículos FORD/KA, placas LTO-2I11, e RAM Laramie 2500, placas GHK-3I44, nos termos dos artigos 91, 91-A e 92 do Código Penal. A defesa, por sua vez, apresentou suas alegações finais por meio do documento identificado no Id. 389427473. Em sede preliminar, arguiu a incompetência da Justiça Federal, ao argumento de que não restou comprovada a transnacionalidade da conduta imputada ao acusado. Alegou, ainda, a inépcia da denúncia, sustentando que os verbos "ocultar" e "transportar" não integram o núcleo do tipo penal previsto no art. 18 da Lei nº 10.826/2003, o que teria comprometido o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa. No mérito, pleiteou a absolvição do réu quanto aos crimes de tráfico internacional de armas e munições e contrabando, sob o fundamento de ausência de dolo e de provas idôneas acerca da transnacionalidade da conduta. Em relação ao crime de descaminho, requereu o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, bem como a redução da pena pela participação de menor importância, nos termos do §1º do art. 29 do Código Penal. Por fim, afirmou não haver prova de que o acusado tenha recebido o veículo marca RAM, placas GHK-3I44, como forma de pagamento ou recompensa pela prática dos delitos narrados na exordial acusatória. Vieram os autos conclusos para sentença. É o relatório. Decido. II. FUNDAMENTAÇÃO. 1. Preliminares 1.1. Incompetência da Justiça Federal. A defesa alega que o juízo federal é incompetente para julgar o feito, sob o argumento de que, para a configuração da transnacionalidade do delito, não bastaria a comprovação de que o produto seja de origem estrangeira, sendo necessário demonstrar, de forma inequívoca, que houve seu ingresso efetivo no território nacional. Sustenta, ademais, a ausência de provas quanto à participação do réu na internalização das mercadorias. Sem razão, contudo. A transnacionalidade da conduta restou suficientemente demonstrada por diversos elementos constantes dos autos, que comprovam a procedência estrangeira do armamento e dos acessórios apreendidos, bem como a reintrodução clandestina de produtos originalmente exportados, preenchendo os requisitos legais para atrair a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso V, da Constituição Federal, combinado com o disposto no art. 18 da Lei nº 10.826/2003. Destacam-se, nesse sentido, os seguintes pontos. A pistola da marca Glock, apreendida em poder do réu, é de fabricação austríaca e não possui linha de produção nacional, sendo item de origem estrangeira cuja entrada no Brasil depende de autorização prévia da autoridade competente, nos moldes exigidos pela legislação vigente. Sua presença no território nacional, portanto, indica necessariamente ingresso ilícito, presumindo-se a transnacionalidade. Quanto aos três revólveres da marca Taurus, conforme documentação oficial da própria fabricante acostada ao Id. 365240277, p. 9, foram fabricados no Brasil, mas destinados exclusivamente à exportação para empresas estabelecidas no Paraguai, não havendo registro no SINARM — o que demonstra que jamais integraram o mercado interno regular de armas. O seu reaparecimento em território nacional, sem qualquer procedimento formal de reimportação, revela reentrada ilícita e caracteriza, por si só, o elemento transnacional da conduta. Adicionalmente, o extrato do sistema SINIVEM (Ids. 361749296 e 361749297) revela que o veículo utilizado para o transporte das armas realizou trajetos típicos de fronteira, estando na região limítrofe com o Paraguai nos dias imediatamente anteriores à abordagem policial. Em 21/04/2025, registrou-se sua entrada na região fronteiriça e, em 23/04/2025, o retorno ao interior do país, sendo captado por câmera da PRF em Santa Terezinha de Itaipu/PR — localidade a cerca de 15 km da Ponte Internacional da Amizade, rota conhecida de ingresso clandestino de mercadorias. Tal circunstância corrobora a tese de introdução recente e irregular do armamento em território nacional. Por fim, observa-se que os demais itens encontrados no mesmo compartimento oculto — como aparelhos celulares da marca iPhone, coletes balísticos e rádios comunicadores — também são produtos de origem estrangeira, e não acompanhados de documentação fiscal ou comprovação de regularização aduaneira, o que reforça o contexto de contrabando e tráfico transnacional. Importa destacar que, para a configuração do delito previsto no art. 18 da Lei nº 10.826/2003, não se exige a efetiva travessia de fronteiras pelo agente, tampouco sua participação direta na internalização do armamento. Basta que haja a prática de qualquer das condutas típicas — como “importar”, “exportar”, “favorecer a entrada ou saída” — de arma de fogo, acessório ou munição de forma clandestina, sem autorização legal. Assim, a comprovação de que o agente contribuiu para a circulação de armamento de origem estrangeira dentro do território nacional, ainda que não tenha atuado diretamente na fronteira, é suficiente para configurar a infração penal e sua natureza transnacional. Dessa forma, os elementos constantes dos autos — a procedência estrangeira dos armamentos, a reintrodução de produtos exportados, os deslocamentos fronteiriços e o conjunto de bens de origem internacional — comprovam de forma robusta a transnacionalidade do crime praticado, devendo, portanto, ser rechaçada a tese defensiva de ausência de prova nesse sentido e reconhecida a competência da Justiça Federal para o processamento do feito. 1.2. Inépcia da Denúncia. A alegação de inépcia da denúncia também não merece prosperar. Embora a defesa sustente que os verbos “ocultar” e “transportar” não integram o núcleo do tipo penal descrito no art. 18 da Lei nº 10.826/2003, o fato é que a denúncia descreveu com clareza a conduta atribuída ao acusado, expondo de forma suficiente os elementos essenciais à compreensão da imputação, o que possibilitou o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. O réu defende-se dos fatos narrados na peça acusatória, e não de sua capitulação jurídica, sendo pacífico o entendimento de que eventual imprecisão na tipificação penal não compromete a validade da denúncia, desde que a narrativa fática seja apta a delimitar a acusação. Importa destacar, ainda, que, para a configuração do delito previsto no art. 18 da Lei nº 10.826/2003, não se exige a efetiva travessia de fronteiras pelo agente, tampouco sua participação direta na internalização do armamento. Basta que ele pratique ou concorra para a prática de qualquer das condutas descritas no núcleo do tipo penal — tais como “importar”, “exportar”, “favorecer a entrada ou saída” — de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização legal. Assim, a conduta de transportar e ocultar armamento de origem estrangeira no território nacional pode, perfeitamente, enquadrar-se como forma de favorecimento à entrada e circulação do material ilícito, nos termos exigidos pela norma penal. Portanto, ausente qualquer vício na exposição dos fatos, não se verifica inépcia da denúncia, devendo ser afastada a preliminar suscitada pela defesa. 2. Mérito. 2.1. Materialidade dos crimes. A existência material dos delitos encontra-se comprovada por meio dos seguintes documentos coligidos aos autos: a) Auto de Prisão em Flagrante (id. 361688956), contendo os depoimentos do condutor Luís Gustavo da Silva Schwarz e da testemunha Fernando Ferrer e termo de qualificação e interrogatório do réu VALDINEI, que, devidamente cientificado de suas garantias constitucionais, optou por permanecer em silêncio; b) Termo de Apreensão nº 1649908/20252025.0044539-DPF/MII/SP, lavrado pela autoridade policial federal, no qual constou a seguinte descrição (id. 361688956, pp. 13/14): b.1) 43 (quarenta e três) celulares iPhone 16 Pro Max, lacrados sob o n° 1005007; b.2) 03 (três) revólveres (Arma de fogo), da marca TAURUS ARMAS S.A., sendo: 01 (um) 357 MAGNUM, cor prata, número de série PC 383231, Made in Brazil; 01 (um) 357 MAGNUM, cor prata, número de série ML 882240, Made in Brazil; e 01 (um) 38 SPECIAL, cor chumbo, número de série QK 585675, Made in Brazil. Lacrados sob o LACRE N° 3123217; b.3) 03 (três) Coletes balísticos, SAFEGUARD ARMOUR, cujos números de série são: 15090948 COMS1-BXL, 15090541 COMS1-BL e 15090540 COMS1-BL; b.4) 06 (seis) carregadores de Fuzil, calibre .556, lacrado sob o n° 3123247; b.5) 9 (nove) carregadores 9mm, sendo 02 (dois) com capacidade para 17 tiros e 07 (sete) com capacidade para 30 tiros, lacrados sob o n° 3123230; b.6) 01 (um) conversor para carabina, RONI G1, CAA Tatical, que transforma pistola em submetralhadora ("kit RONI conversor de pistola"), com uma pistola Glock, de cor marrom, n° série VDA317, lacrado sob o n° 1005006; b.7) 02 (dois) bloqueadores de sinal, números de série C2404964 e C2404983, lacrados sob o n° 1005002; b.8) 04 (quatro) aparelhos de Radiocomunicação (rádios HT) KENWOOD KSC-32, com 04 (quatro) antenas amplificadoras de sinal, juntamente com os seus carregadores, lacrados sob o n° 1005002; b.9) 01 (um) um veículo da marca FORD, modelo KA SE 1.0 SDC, placas LTO2I11, na cor predominante Preta, Renavam nº 01178807484, Chassi 9BFZH54L0K8285293, fabricado em 2018, modelo do ano 2019, com chaves., em nome de SUELI APARECIDA BATISTA (CPF 165.201.698-89); e b.10) 01 (um) celular POCO C65, modelo 2310FPCA4G, IMEI 1: 860493070980822/78, IMEI 2: 860493070980830/78, acompanhado de um Chip 5G TIM n° 895503200005 16199537 V170, lacrado sob o código C0001834452. c) fotos das mercadorias apreendidas (id. 361688956, p. 16/17); d) Laudo de Perícia Criminal Federal nº 180/2025, efetuado em 04 (quatro) rádio transceptores portáteis de mão (HT, do inglês “Handheld Transceiver”) marca KENWOOD, modelo TK-3180, números de série “B0200531”, “B0200686”, “B0401346” e “B0400247”, o qual constatou que os equipamentos operaram na faixa de frequências de 400 a 470 MHz, ao longo de 512 canais, com máxima potência de transmissão 5 watts. Os aparelhos em questão encontravam-se em desacordo com a regulamentação da ANATEL por não possuir selo de homologação da agência (id. 366757477, pp. 2/5); e) Laudo de Perícia Criminal Federal nº 183/2025, realizado em 02 (dois) bloqueadores portáteis de sinal (jammer) sem marca/modelo aparentes, sem inscrições de identificação além dos números de série C2404983 e C2404964. Segundo a perícia técnica, a finalidade dos bloqueadores é prejudicar ou impossibilitar os serviços de radiocomunicação das proximidades por meio da emissão de ondas eletromagnéticas em determinadas frequências capazes de causar interferência destrutiva. Em laboratório foram conduzidos testes diretos de bloqueio de sinal, tendo sido observado, em um raio de cinco metros, efetividade para bloquear sinais de telefonia operando em 5G, 4G, 3G e Wi-fi. Para detalhes, consultar seção III.3 deste laudo. Os aparelhos encontravam-se em desacordo com a regulamentação da ANATEL por não possuir selo de homologação da agência (id. 366757477, pp. /10); f) Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 159/2025, referente a uma (01) pistola da marca Glock, modelo G17, calibre 9x19mm, número de série VDA317, de funcionamento semiautomático, concluiu que se trata de arma de fabricação estrangeira (Áustria), sendo considerada eficiente para o uso. Constatou-se, ainda, que a arma foi modificada mediante a inserção de um adaptador que permite a execução de disparos em modo rajada, além dos disparos intermitentes, convertendo-a de uma pistola semiautomática para uma arma de funcionamento automático[6]. Tal modificação eleva substancialmente o poder de fogo do armamento, possibilitando ao operador realizar maior número de disparos em menor intervalo de tempo. Em razão dessa alteração, a pistola apreendida passa a se enquadrar em uma das hipóteses legais de classificação como arma de uso restrito, conforme previsto no art. 12, inciso I, do Decreto n.º 11.615/2023 (id. 365240277 – pp. 30/24). g) Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 163/2025 NUTEC/DPF/MII/SP, referente a um (01) revólver da marca Taurus, calibre .357 Magnum (trezentos e cinquenta e sete milésimos de polegada), número de série PC383231, de fabricação brasileira, de porte e de repetição, classificado como de uso restrito, conforme descrito na Tabela 2 do referido laudo. A perícia destacou que o armamento se encontrava em perfeitas condições de funcionamento, apto a efetuar disparos (id. 365240277 – pp. 51/72); h) Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 163/2025 NUTEC/DPF/MII/SP, referente a um (01) revólver da marca Taurus, calibre .357 Magnum (trezentos e cinquenta e sete milésimos de polegada), número de série ML882240, de fabricação brasileira, de porte e de repetição, classificado como de uso restrito, conforme descrito na Tabela 3 do referido laudo. A perícia destacou que o armamento se encontrava em perfeitas condições de funcionamento, apto a efetuar disparos (id. 365240277 – pp. 51/72); i) Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 163/2025 NUTEC/DPF/MII/SP, referente a um (01) revólver da marca Taurus, calibre .38spl (trinta e oito centésimos de polegada), número de série QK585675, de fabricação brasileira, de porte e de repetição, descrito na Tabela 4 do referido laudo. Embora a perícia tenha classificado a arma em questão como de uso restrito, o calibre 38 SPL é, na verdade, um calibre de uso permitido, conforme Decreto 11.615/23, art.12, III, c/c Portaria Conjunta - C EX/DG-PF nº 2/2023 - Anexo A[7]. A perícia destacou que o armamento se encontrava em perfeitas condições de funcionamento, apto a efetuar disparos (id. 365240277 – pp. 51/72); j) Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 163/2025 NUTEC/DPF/MII/SP, referente a um (01) Kit de conversão de emprego (“Kit Roni”), ou “pistol carbine conversion” (conversor pistola-carabina), modelo “Roni G1”, que converte uma arma de porte (pistola) em uma arma portátil (carabina), fabricante “CAA Tactical”, número de série raspado, acessório descrito na Tabela 10. A perícia destacou que, conforme a Portaria 118-COLOG de 04/10/2019, conjunto de conversão de funcionamento, conjunto de conversão de emprego e carregador de arma de fogo estão relacionados no anexo I da Lista de Produtos Controlados pelo Exército (id. 365240277 - pp. 51/67); Embora a perícia não tenha realizado testes do acessório em situação de disparo real, tal medida foi inviabilizada em razão da falta de confiabilidade quanto à procedência do equipamento, o que poderia comprometer a integridade física dos peritos. Todavia, considerando que, no momento da apreensão, o acessório encontrava-se efetivamente acoplado à pistola Glock apreendida — circunstância que, inclusive, impediu, em um primeiro momento, a separação dos itens, conforme registrado na Certidão n.º 1652655/2025, lavrada pelo Escrivão de Polícia Federal (ID 361704222 – p. 5) —, e que estava sendo transportado de forma clandestina já acoplado à arma de fogo, é razoável presumir a funcionalidade operacional do acessório para o fim a que se destina. k) Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 163/2025 NUTEC/DPF/MII/SP, referente a três (03) coletes balísticos, fabricante “Safeguard Armour”, modelo “COM 1 COMS1-BXL”, nível de proteção NIJ III-A, descritos na Tabela 5 a 7, o qual indica que o equipamento é fabricado no Reino Unido e suporta proteção para munições de calibres 9mm, .357 SIG, .44 MAG (id. 365240277 - pp. 51/67); l) Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 163/2025 – NUTEC/DPF/MII/SP, referente a: l.1) seis (06) carregadores de fuzil calibre .556, caracterizados e agrupados por similaridade na Tabela 8 e ilustrados nas Figuras 8 a 11 do laudo. Os carregadores encontravam-se em bom estado de conservação, não sendo submetidos a testes de disparo, em razão de a Unidade Técnico-Científica não dispor de armamento compatível com o referido calibre; e l.2) nove (09) carregadores para pistola calibre 9mm, caracterizados e agrupados por similaridade na Tabela 9 e ilustrados nas Figuras 12 a 14 do laudo, os quais apresentaram funcionamento adequado nos testes realizados durante o exame pericial (ID 365240277 – pp. 60/67); e m) depoimentos prestados pelas testemunhas de acusação e pelo interrogatório do réu em Juízo (acostados à certidão de id. 374458768). 2.2. Autoria dos crimes. A certeza da autoria delitiva deriva notadamente da própria prisão em flagrante do réu. Conforme já relatado, o acusado VALDINEI SANTANA foi preso em flagrante no dia 24 de abril de 2025 (por volta das 11h), na condução do veículo de passeio, Ford/Ka, placas Mercosul LTO-2I11, durante fiscalização de trânsito na Rodovia SP 270 – Raposo Tavares -, próximo ao pedágio de Palmital/SP, por Policiais Militares Rodoviários. Na ocasião, ao revistar o automóvel em questão, foram encontrados, em compartimento escondido, telefones celulares, armas, carregadores, coletes, rádio comunicadores e bloqueadores de sinal RF. Em seu interrogatório judicial (id. 374458783), o réu VALDINEI declarou que conduzia um veículo Ford Ka, de cor possivelmente preta, o qual lhe foi entregue por um indivíduo que se identificou apenas como "Diego", pessoa com quem nunca havia mantido contato anteriormente. A proposta de transporte do automóvel teria partido desse indivíduo, que lhe ofereceu a quantia de R$ 1.000,00 pelo serviço. O veículo foi retirado na cidade de Cascavel/PR e deveria ser entregue em Avaré/SP. Segundo o acusado, Diego declarou que o veículo transportava apenas "celulares", os quais estariam ocultos em um compartimento secreto, denominado por ele como “fundo oculto” ou “fundo falso”. O acusado afirmou não ter visualizado os itens transportados. Negou ter passado por Foz do Iguaçu/PR ou pelo Paraguai com o referido automóvel, bem como alegou desconhecer a existência de armas ou outras mercadorias proibidas no interior do veículo. Afirmou que não participou da ocultação dos objetos e que apenas recebeu o carro já preparado, com a informação de que transportava celulares. Admitiu ter ciência de que conduzia aparelhos celulares, ciente de que tal prática configura crime de descaminho, embora tenha declarado que desconhecia a quantidade exata. Reafirmou não ter qualquer envolvimento com o tráfico internacional de armas ou contrabando, sustentando não possuir conhecimento sobre a real natureza ou origem das mercadorias. Quanto à menção, constante na denúncia, de que teria recebido um veículo avaliado em R$ 279.000,00, o acusado negou tal alegação. Explicou que, aproximadamente quatro meses antes dos fatos, recebeu R$ 500,00 para buscar um carro em Brasília/DF, cujo registro pertencia a uma empresa. A transferência para seu nome só foi possível após a regularização de pendências referentes a multas vinculadas ao veículo. Afirmou que recebeu o valor combinado pela viagem, entregou o automóvel em uma garagem em Foz do Iguaçu/PR e desconhece o destino posterior do bem, assim como quem arcou com os débitos mencionados. Por sua vez, os Policiais Militares responsáveis pela abordagem do réu (depoimentos judiciais de Ids. 374458776 e 374458779) prestaram depoimentos harmônicos e convergentes quanto às circunstâncias do flagrante, revelando uniformidade nos relatos sobre a dinâmica dos fatos, o local da abordagem, a conduta do acusado e os objetos apreendidos. Em síntese, as testemunhas relataram que, na data dos fatos, realizavam fiscalização de trânsito e repressão a ilícitos diversos na Praça de Pedágio de Palmital/SP, ocasião em que abordaram o veículo conduzido por VALDINEI. Informaram que o condutor atendeu prontamente à ordem de parada e apresentou a documentação solicitada. Todavia, durante a entrevista sobre o itinerário da viagem, apresentou visível nervosismo, o que levantou suspeitas por parte da equipe policial, apesar de ter seguido todas as instruções sem demonstrar resistência ou tentar fugir. No decorrer da vistoria veicular, foi localizado um compartimento oculto (“fundo falso”) na parte posterior do banco traseiro, no porta-malas. No interior desse compartimento foram encontrados diversos itens de natureza ilícita, entre eles: aparelhos celulares da marca iPhone; três armas de fogo do tipo revólver; uma pistola e um adaptador destinado a convertê-la em submetralhadora; coletes balísticos; equipamentos inibidores de sinal de celular (receptores); e rádios comunicadores. Inicialmente, VALDINEI negou ter conhecimento dos materiais apreendidos. Posteriormente, admitiu que os teria carregado na cidade de Cascavel/PR e que o destino seria a cidade de Avaré/SP, onde receberia a quantia de R$ 800,00 pelo transporte. Alegou, ainda, que após deixar o veículo em um posto de combustível, seguiria até São Paulo e de lá retornaria a Cascavel por meio de transporte rodoviário. Contudo, o conduzido não forneceu maiores detalhes sobre a origem dos materiais nem sobre a identidade da pessoa que o contratou para o transporte. Diante da apreensão dos objetos ilícitos e da confissão parcial prestada por VALDINEI, foi-lhe dada voz de prisão, sendo encaminhado à delegacia competente para adoção das medidas legais cabíveis. Tais declarações, colhidas sob o crivo do contraditório, guardam compatibilidade com os demais elementos de prova constantes dos autos, conferindo-lhes elevada força probatória, sobretudo na ausência de qualquer indício de má-fé, animosidade ou interesse pessoal dos agentes públicos contra o acusado. O depoimento das testemunhas confirma, portanto, a materialidade dos crimes, bem como reforça a autoria atribuída ao acusado. Ademais, o próprio réu, em seu interrogatório, ainda que tenha afirmado ter conhecimento apenas da existência de aparelhos celulares, admitiu ter sido contratado para o transporte de mercadorias sabidamente ilícitas, reconhecendo que receberia contraprestação financeira pela prática, o que revela sua adesão consciente à atividade criminosa. A alegação de desconhecimento quanto à presença de armas de fogo, acessórios e munições entre os itens transportados não é suficiente para afastar a autoria delitiva, sobretudo porque tais objetos estavam ocultos no mesmo compartimento que os celulares objeto de descaminho, acondicionados no interior do veículo que o réu conduzia, sob sua posse, domínio e responsabilidade direta durante todo o percurso. Não há dúvidas, portanto, acerca da autoria delitiva. 2.3. Condutas e adequação típica. 2.3.1. Tráfico Internacional de Arma de Fogo e Munição (art. 18 da Lei n° 10.826/03) Dispõe o art. 18 da Lei n° 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento): Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 16 (dezesseis) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) Importar é trazer do estrangeiro ou introduzir no território nacional algo vindo de outro país. A conduta tipificada é ato de trazer para o país ou transportar, de forma irregular. Exportar é mandar, remeter ou levar para outro país. A conduta de favorecer a entrada ou saída do território nacional estaria, de todo modo, alcançada pelo tipo penal como participação nas modalidades básicas, podendo favorecimento estar consubstanciado na conduta de quem, sem exportar ou importar propriamente, colabora, de qualquer forma, para que esse resultado, seja alcançando, como, por exemplo, vigiando, fornecendo os meios de transporte, documentos falsos, indicando o caminho ou, no caso o servidor público, omitindo-se em relação a crime que deveria reprimir[8]. Trata-se de crime de mera conduta e de perigo abstrato, cuja consumação independe da exposição concreta de terceiros a situação de risco ou da ocorrência de resultado naturalístico. É, ainda, delito comum, passível de ser praticado por qualquer pessoa, e de ação múltipla, admitindo a realização de qualquer dos verbos descritos no tipo penal para sua configuração (importar, exportar, favorecer a entrada ou saída). O sujeito passivo é a coletividade. O art. 19 do Estatuto do Desarmamento previu causa de aumento de pena para a hipótese de a arma de fogo, acessório ou munição forem de uso restrito ou proibido. Eis a redação do dispositivo: Art. 19. Nos crimes previstos nos arts. 17 e 18, a pena é aumentada da metade se a arma de fogo, acessório ou munição forem de uso proibido ou restrito. O aumento decorre da maior lesividade das armas e munições de uso proibido ou restrito, assim definidas no art. 3º, II, do Decreto n° 10.030/2019. É importante lembrar que autor do crime é aquele que realiza a conduta descrita no núcleo do tipo penal. Ainda, segundo artigo 29 do Código Penal, "Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade". No caso em tela, conforme se depreende do conjunto probatório colacionado aos autos, o réu foi flagrado transportando: uma (01) pistola, marca Glock, modelo G17, calibre 9x19mm (uso restrito), número de série VDA317, de fabricação austríaca, de porte, semiautomática, com conversão irregular para automática, perfeitamente descrita conforme Laudo n.º 159/2025 - NUTEC/DPF/MII/SP (ID 365240277 - p.30/24); um (01) revólver, marca Taurus, calibre .357 Magnum (uso restrito), número de série PC383231, de fabricação brasileira, de porte, de repetição, arma descrita conforme Tabela 2 do Laudo n.º 163/2025 - NUTEC/DPF/MII/SP (ID 365240277 - p.51/67); um (01) revólver, marca Taurus, calibre .357 Magnum (uso restrito), número de série ML882240, de fabricação brasileira, de porte, de repetição, arma descrita conforme Tabela 3 do Laudo n.º 163/2025 - NUTEC/DPF/MII/SP (ID 365240277 - p.51/67); um (01) revólver, marca Taurus, calibre 38 SPL (uso permitido), número de série QK585675, de fabricação brasileira, de porte, de repetição, arma descrita conforme Tabela 4 do Laudo n.º 163/2025 - NUTEC/DPF/MII/SP (ID 365240277 - p.51/67); e um (01) Kit de conversão de emprego (“Kit Roni”), ou “pistol carbine conversion” (conversor pistola-carabina), modelo “Roni G1”, que converte uma arma de porte (pistola) em uma arma portátil (carabina), fabricante “CAA Tactical”, número de série raspado, acessório descrito conforme Tabela 10 do Laudo n.º 163/2025 - NUTEC/DPF/MII/SP (ID 365240277 - p.51/67). Por sua vez, a transnacionalidade do delito restou suficientemente demonstrada pela origem das armas de fogo e dos acessórios apreendidos, conforme os elementos probatórios constantes dos autos, os quais atestam, de forma inequívoca, a procedência estrangeira do material ilícito transportado pelo réu. Soma-se a isso todo o contexto da apreensão e a passagem do veículo por região de fronteira, em data próxima aos fatos, conforme já analisado de forma minuciosa ao afastar-se a alegação de incompetência da Justiça Federal (item 1.1), ao qual ora me reporto. Não foi apresentada pelo acusado, em momento algum, autorização prévia do Comando do Exército para ingresso do material bélico no território nacional, restando, pois, caracterizada a importação sem autorização da autoridade competente, de modo que o réu se enquadra no tipo penal em comento. Resta claro, portanto, que o réu inequivocamente praticou o fato penal objetivamente tipificado no art. 18, caput, da Lei n. 10.826/03: demonstrou-se sua atuação em contexto de importação/facilitação da entrada em território brasileiro de armas de fogo e munições de uso restrito de origem estrangeira, as quais eram por ele transportadas no momento dos fatos. Vale ressaltar que é desnecessário que o acusado tenha pessoalmente internalizado o armamento para que seja responsabilizado pelo crime em comento. Sobre isso, aliás, citam-se os seguintes julgados (sem grifos no original): DIREITO PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS INCONTROVERSAS. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. NÃO CABIMENTO. TRANSNACIONALIDADE COMPROVADA. DOSIMETRIA DA PENA. PRIMEIRA FASE. VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. GRANDE QUANTIDADE DE MUNIÇÃO APREENDIDA. manutenção. SEGUNDA FASE. AUSENTES CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES. CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA BEM RECONHECIDA. SÚMULA N° 231 DO STJ. MANUTENÇÃO. TERCEIRA FASE. CAUSA DE AUMENTO DO ARTIGO 19 DA LEI 10.826/2003. AUSENTES CAUSAS DE DIMINUIÇÃO DE PENA. REFORMA DE OFÍCIO DA PENA DE MULTA. REGIME INICIAL SEMIABERTO. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA. DETRAÇÃO. MANUTENÇÃO [...].- As circunstâncias em que os fatos se deram indicam que as munições foram adquiridas no Paraguai e internalizadas pelo réu ao Brasil. - Não é exigido que para a configuração do crime, o registro de que o acusado tenha efetivamente cruzado a fronteira, portanto o ilícito, bastando elementos concretos de que o artefato proveio do país vizinho. Precedentes.[...] (TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0001323-25.2012.4.03.6006, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO MARTIN DE SANCTIS, julgado em 28/03/2025, DJEN DATA:07/04/2025) EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. ARTIGO 18 C/C O ARTIGO 19 DA LEI 10.826/2003. DESCLASSIFICAÇÃO. ARTIGO 16 DO MESMO DIPLOMA. IMPOSSIBILIDADE. COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. CONDENAÇÃO MANTIDA. MAJORANTE. ARMAMENTO DE USO RESTRITO. INCIDÊNCIA. 1. O fato de o réu não ter cruzado pessoalmente a fronteira não retira o traço de internacionalidade do delito de tráfico internacional de arma de fogo. 2. Inviável a desclassificação do delito de tráfico internacional de arma de fogo de uso restrito para o tipo penal de posse e porte de arma de fogo, quando demonstrada a origem estrangeira do armamento e a transacionalidade do delito. 3. Para o reconhecimento da excludente de culpabilidade prevista no artigo 22 do Código Penal, não basta a alegação de existência de constrangimento, sendo imprescindível a prova de que o agente agiu sob coação irresistível. 4. A incidência da causa de aumento prevista no artigo 19 da Lei 10.826/2003 não exige nenhuma característica específica do sujeito ativo, ou ciência acerca das particularidades dos armamentos importados, bastando que estejam classificados como restritos na norma reguladora. Precedentes desta Corte. (TRF4, ACR 5002268-09.2023.4.04.7009, OITAVA TURMA, Relator RODRIGO KRAVETZ, juntado aos autos em 25/10/2023). Ainda, é de se destacar que incide no caso a causa de aumento de pena prevista no art. 19 da Lei n. 10.826/2003, dado que três das armas importadas são de uso restrito no Brasil. O dolo, por sua vez, é extraído das circunstâncias aferidas no caso concreto, as quais evidenciam a consciente participação do acusado na prática delituosa. Ainda que o réu, em juízo, tenha negado ter conhecimento acerca da presença das armas de fogo, acessórios e munições entre os itens transportados, tal alegação mostra-se isolada e desprovida de credibilidade diante do conjunto probatório coligido nos autos. A tentativa de dissociar arbitrariamente os itens transportados — admitindo conhecimento apenas sobre os aparelhos celulares — não encontra amparo na realidade fática, sobretudo porque o próprio réu confessou ter aceitado realizar o transporte de mercadorias sabidamente ilícitas mediante promessa de pagamento. Tal circunstância revela que, no mínimo, assumiu conscientemente o risco de transportar toda a carga, inclusive os armamentos e acessórios, caracterizando dolo eventual. A confissão parcial, ao restringir o conhecimento apenas a uma parcela do conteúdo, configura evidente tentativa de atenuar sua responsabilidade penal, em dissonância com as demais provas colhidas. A presença das armas, munições e demais artefatos ilícitos acondicionados no mesmo compartimento oculto em que se encontravam os celulares de procedência estrangeira, associada ao modus operandi adotado — com ocultação da carga em fundo falso —, evidencia que o réu detinha o domínio do fato ou, ao menos, atuou com plena consciência do risco, aderindo voluntariamente à prática delituosa. Incide, no caso, a chamada Teoria da Cegueira Deliberada, segundo a qual o agente, ciente da elevada probabilidade de estar transportando objetos ilícitos, deliberadamente se abstém de buscar maiores informações, adotando postura omissiva proposital com o fim de se beneficiar, tentando blindar-se de responsabilidade penal. Essa conduta não é apta a afastar o dolo, pelo contrário, o reforça. Assim, eventual ignorância voluntária quanto à natureza exata das mercadorias transportadas não afasta a responsabilização penal do réu, que conscientemente anuiu à prática criminosa, aceitando as consequências inerentes à atividade ilícita a que se propôs. Nesse sentido, já se decidiu (sem grifos no original): PENAL. IMPORTAÇÃO IRREGULAR DE MEDICAMENTOS. ART. 273, § 1º-B, I, DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOLO EVENTUAL. CONDENAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRECEITO SECUNDÁRIO DO ART. 33, CAPUT, C/C ART. 40, I, AMBOS DA LEI N. 11.343/06 DEFINIDA EM RSE. REFORMA DA SENTENÇA. 1. A autoria é inconteste nos autos, tendo em vista a admissão em juízo, pelo réu, de que foi contratado para o transporte de mercadorias, mediante remuneração, não tendo verificado o conteúdo das caixas transportadas. 2. Quanto ao dolo, de se ter em conta que eventual ignorância voluntária quanto ao conteúdo da carga não exime o réu da responsabilidade pela prática do delito, eis que anuiu na produção do resultado, o qual podia claramente prever. Nessa seara, pertinente a construção jurisprudencial e doutrinária do direito anglo-saxão no que se refere à teoria da cegueira deliberada (willfull blindness doctrine). 3. Enquadramento da conduta praticada pelo acusado já definido por esta Corte em julgamento prévio de Recurso Criminal em Sentido Estrito. (TRF4, ACR 5002132-53.2011.4.04.7002, SÉTIMA TURMA, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 27/08/2019) PENAL E PROCESSUAL PENAL. IMPORTAÇÃO IRREGULAR DE MEDICAMENTOS. CONTRABANDO DE SIMULACRO DE ARMA DE FOGO. MÉDIA QUANTIDADE DE MEDICAMENTOS APREENDIDA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA REFORMADA. DOSIMETRIA. TENTATIVA. ZONA PRIMÁRIA DE FISCALIZAÇÃO. CONFIGURAÇÃO. CONCURSO FORMAL DE CRIMES. PRESCRIÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. (...) 5. Nos casos de internalização de média quantidade de medicamentos, com razoável exposição da sociedade e da economia popular a eventuais danos, os fatos amoldam-se ao crime previsto no art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal, com aplicação do preceito secundário do art. 33, caput, da Lei nº. 11.343/2006. 6. A conduta de internalizar e transportar simulacros de armas de fogo, com aptidão para iludir, constitui crime de contrabando. Trata-se de mercadoria proibida, na medida em que o art. 26 da Lei nº 10.826/03 veda a importação de produtos representativos de réplicas ou simulacros de armas de fogo. 8. Pertinente, nesse cenário, a teoria da cegueira deliberada (willfull blindness doctrine), que aponta para, no mínimo, o dolo eventual. (...) (TRF4, ACR 5015646-68.2014.4.04.7002, OITAVA TURMA, Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, juntado aos autos em 16/09/2020) Desse modo, resta evidenciado que o réu, no mínimo, atuou com dolo eventual, assumindo o risco da empreitada criminosa. Assim, resta evidenciado o elemento subjetivo necessário à responsabilização penal, nos termos do art. 18, caput, c/c art. 19, ambos da Lei n. 10.826/2003. 2.3.2. Do crime previsto no artigo 334-A do CP. As provas coligidas aos autos demonstram que o acusado transportou, de forma clandestina e irregular, 03 (três) coletes balísticos, fabricante “Safeguard Armour”, modelo “COM 1 COMS1-BXL”, nível de proteção NIJ III-A; 02 (dois) dispositivos de bloqueio de sinais (“jammers”); e 04 (quatro) aparelhos de radiocomunicação. Dispõe o artigo 334-A, § 1º, I e II, do Código Penal CP: Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 ( cinco) anos. § 1o Incorre na mesma pena quem: I - pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando II - importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente; [...] V - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira. (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014) O delito de contrabando, tipificado no art. 334-A do Código Penal, consuma-se com o mero ingresso de mercadoria proibida no território nacional. Trata-se de crime formal, cuja configuração independe da ocorrência de resultado naturalístico, bastando a prática da conduta descrita no tipo penal. Por essa razão, sua consumação prescinde da apuração de qualquer débito tributário ou regularização na esfera administrativa, sendo irrelevante, para fins penais, eventual ausência de constituição de crédito tributário. Pois bem. Os coletes balísticos apreendidos qualificam-se como Produtos Controlados pelo Exército (PCEs), nos termos do Anexo II do Decreto nº 10.030/2019, em conjunto com a Portaria COLOG/EB nº 118/2019, itens 8.1.0050 e 8.1.0060. Tais equipamentos dependem de homologação técnica por empresas devidamente credenciadas pelo INMETRO, exigindo a obtenção de certificado de conformidade que ateste o atendimento às normas técnicas estabelecidas na Nota Técnica SENASP/MJ nº 003/2021[9]. Além disso, sua importação, comercialização e aquisição são atividades estritamente controladas, nos termos do art. 23 da Portaria nº 18/2006, do Departamento Logístico do Exército Brasileiro, sendo imprescindível, para tanto, a prévia autorização de compra expedida pela Secretaria de Segurança Pública do respectivo Estado da Federação. Ou seja, está claro que não existia, à época dos fatos (e tampouco depois), a possibilidade de realizar a importação dos coletes balísticos descritos sem a devida autorização do órgão público competente, afigurando-se crime de contrabando a realização da importação fora dos trâmites legais. Nesse sentido: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE CONTRABANDO DE COLETE À PROVA DE BALAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. PARECER ACOLHIDO. 1. A importação de colete à prova de balas está sujeita a proibição relativa, uma vez que sua prática exige prévia autorização do Comando do Exército, configurando crime de contrabando as condutas perpetradas fora dos moldes previstos no regulamento próprio. 2. Não se aplica o princípio da insignificância quando o bem juridicamente tutelado vai além do mero valor pecuniário do imposto elidido, pois, nesse caso, o objetivo é proteger o interesse estatal e impedir a entrada e a comercialização de produtos proibidos em território nacional. 3. Recurso ordinário em habeas corpus improvido. (RHC n. 62.851/PR, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 16/2/2016, DJe de 26/2/2016., se grifos no original) Já os dispositivos de bloqueio de sinais destinam-se à interferência em sinais eletromagnéticos e são comumente utilizados na prática de crimes como roubos de carga, de veículos ou sequestros, com o objetivo de inibir ou impedir o rastreamento de automóveis ou dispositivos eletrônicos por meio de sinal. No Brasil, sua importação e comercialização são restritas, conforme estabelecem as Resoluções ANATEL nº 680, de 27 de junho de 2017, e nº 760, de 6 de fevereiro de 2023. A Resolução nº 760/2023 da ANATEL[10], em seu art. 4º, dispõe expressamente que a utilização de bloqueadores de sinais em território nacional é restrita a determinados usuários, quais sejam: a) Presidência da República; b) Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; c) Ministério da Defesa; d) Ministério da Justiça e Segurança Pública; e) Ministério das Relações Exteriores; f) Forças Armadas; g) Agência Brasileira de Inteligência; h) Órgãos de Segurança Pública de que trata o art. 144 da Constituição Federal Brasileira de 1988; i) Órgãos de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal; e, j) Órgãos de Administração Penitenciária dos Estados e do Distrito Federal. Sua importação, por isso mesmo, é absolutamente restrita aos usuários expressamente indicados na Resolução, todos vinculados a órgãos públicos. A Resolução nº 760/2023 da ANATEL estabelece, de forma categórica: Art. 2º São vedados em todo o país a comercialização, a posse e o emprego de BSR, salvo nas circunstâncias excepcionais delimitadas por este Regulamento, as quais estão ainda condicionadas à anuência da Anatel. E ainda: Art. 5º O uso de BSR depende de anuência da Anatel, nos termos dos arts. 13 e 14. § 1º Em hipótese alguma a Anatel anuirá ao uso de BSR por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito privado, ainda que seja empresa pública ou sociedade de economia mista e suas subsidiárias. (grifos meu) Dessa forma, resta evidente que a posse de bloqueadores de sinal de radiofrequência (BSR) por particulares — pessoas físicas ou jurídicas — é expressamente vedada pela autoridade reguladora, o que, por consequência, torna ilícita a sua internalização no território nacional, configurando o crime de contrabando. Da mesma forma, os rádios transceptores apreendidos exigem, para fins de importação, comercialização e utilização, autorização específica da ANATEL, exigência regulatória que não foi observada no presente caso. De acordo com a perícia técnica, tais equipamentos operavam na faixa de frequência de 400 a 470 MHz, distribuídos em 512 canais, com potência máxima de transmissão de 5 watts, e, assim como os bloqueadores de sinal, não possuíam certificação ou homologação válida da ANATEL (ID 366757477, pp. 2/5), estando, portanto, em desconformidade com a legislação regulatória vigente. Logo, tratando-se de bens cuja importação depende de autorização do órgão competente, sua internalização no território nacional em desconformidade com as normas expedidas pela ANATEL configura o crime de contrabando, nos termos do art. 334-A, §1º, incisos I e II, do Código Penal. Quanto ao elemento subjetivo, verifica-se a presença do dolo genérico, suficiente à configuração do tipo penal em comento. No crime de contrabando, exige-se apenas a vontade livre e consciente de importar, internalizar ou transportar mercadoria de origem estrangeira sem a devida autorização legal. No caso em análise, o elemento subjetivo restou evidenciado pelas circunstâncias da apreensão, notadamente pela forma de ocultação dos equipamentos e pela ausência de qualquer documentação legal que autorizasse sua importação, o que demonstra a ciência e voluntariedade do agente quanto à ilicitude da conduta. Eventual ignorância voluntária quanto à natureza exata das mercadorias transportadas não afasta a responsabilização penal do réu, que, de forma consciente, anuiu à prática criminosa, aceitando as consequências inerentes à atividade ilícita a que deliberadamente se propôs. Desse modo, resta evidenciado que o réu, no mínimo, atuou com dolo eventual, assumindo o risco da empreitada criminosa e aderindo, de forma consciente, à possibilidade de estar transportando bens de origem e natureza proibidas. Ademais, o fato de o agente não ser o proprietário das mercadorias apreendidas não tem qualquer relevância para a sua responsabilização penal, pois o tipo de contrabando não exige a condição de proprietário para tanto. Diante disso, resta configurada a tipicidade da conduta prevista no artigo 334-A, § 1º, incisos I e II, do Código Penal, uma vez que o acusado introduziu no território nacional mercadorias cuja importação é proibida ou depende de autorização de órgão competente, requisito esse que, no presente caso, não foi observado. 2.3.3. Do crime previsto no artigo 334 do CP. Imputou-se ao acusado, também, a conduta descrita no artigo 334, caput, do Código Penal, que assim dispõe: Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014) Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014) [...] II - pratica fato assimilado, em lei especial, a descaminho; (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014) [...] IV - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos. (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014) Autor do crime é aquele que realiza a conduta descrita no núcleo do tipo penal. Ainda, segundo artigo 29 do Código Penal, "Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade". Cumpre destacar que, no crime de descaminho, a constituição definitiva do crédito tributário não é requisito para a consumação do delito, que se configura com a mera prática da conduta típica — ou seja, a entrada de mercadoria no território nacional sem o devido recolhimento dos tributos incidentes. Trata-se de crime formal, e não material, razão pela qual sua ocorrência independe da efetiva lesão ao erário ou da obtenção de lucro pelo agente. Assim, a simples conduta de introduzir bens no país sem o pagamento dos tributos devidos já consuma o crime de descaminho, sendo desnecessária a apuração ou constituição definitiva do crédito tributário na esfera administrativa para fins de responsabilização penal. No caso dos autos, restou demonstrado que o acusado atuou no transporte de 43 (quarenta e três) aparelhos de telefonia celular, modelo iPhone 16 Pro Max, vendido no Paraguai por cerca de R$ 5.905,87 (cinco mil, novecentos e cinco reais e oitenta e sete) cada unidade[11]. Considerando que a alíquota do imposto de importação é de 60%, é possível projetar um dano fiscal na ordem de R$ 152.371,26 (cento e cinquenta e dois mil, trezentos e setenta e um reais e vinte e seis centavos)[12]. Assim, do ponto de vista normativo, conclui-se que o fato se amolda à tipificação do delito de descaminho. Inaplicável, outrossim, o princípio da insignificância ao caso, pois o valor dos tributos iludidos, ainda que por estimativa, supera substancialmente o parâmetro fiscal de R$ 20.000,00. Quanto à conduta de transportar 6 (seis) carregadores de munições para fuzil, calibre 5,56 x 45mm, ao contrário da tipificação feita pelo Ministério Público Federal, entendo que ela não configura crime autônomo de descaminho, pois resta absorvida pelo delito de tráfico internacional de armas, munições e acessórios, previsto no art. 18 da Lei nº 10.826/2003. Com efeito, os carregadores foram encontrados no mesmo compartimento oculto em que se localizavam armas de fogo e munições de origem estrangeira, compondo um único contexto fático e finalístico, qual seja, a introdução irregular de armamento no território nacional. Ainda que, nos termos do art. 2º, §3º, inciso IV, do Anexo I do Decreto nº 10.030/2019, os carregadores de arma de fogo não sejam mais classificados como Produtos Controlados pelo Exército (PCE) — o que afastaria, em tese, a tipificação como contrabando —, também não se sustenta o enquadramento autônomo como crime de descaminho, uma vez que tais acessórios estavam diretamente vinculados à introdução ilícita das armas e munições, e integravam funcionalmente a empreitada criminosa mais abrangente. Portanto, aplica-se à espécie o princípio da consunção, segundo o qual a infração penal menos grave ou que constitui etapa preparatória do crime mais abrangente é por este absorvida. Assim, a conduta descrita é incorporada pelo crime mais gravoso de tráfico internacional de armas, munições e acessórios, não subsistindo como infração penal autônoma. A respeito da dimensão subjetiva do tipo penal (dolo na conduta), a prova constante dos autos revela que o acusado tinha pleno conhecimento da ilicitude do que fazia e que executou o delito de forma finalística, com vontade dirigida à concretização do resultado típico. Essa conclusão decorre das circunstâncias fáticas apuradas e, também, da confissão prestada pelo réu em audiência, ocasião em que admitiu ter ciência de que transportava aparelhos celulares, reconhecendo que tal prática configura o crime de descaminho. Ainda que tenha alegado desconhecer a quantidade exata dos bens, tal fato não afasta o dolo, uma vez que ele tinha plena consciência da natureza ilícita da atividade e da sua inserção voluntária na empreitada criminosa. Ademais, nos termos de iterativa jurisprudência, é irrelevante o fato de ter realizado pessoalmente a internalização e ser, ou não, o proprietário das mercadorias apreendidas. Nesses termos, demonstrada a tipicidade do delito previsto no artigo 334, caput, do Código Penal. 2.4. Ilicitude e Culpabilidade. Não foram alegadas e tampouco estão presentes quaisquer causas de exclusão da ilicitude do fato (estado de necessidade, legítima defesa e estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito). A culpabilidade é o juízo de censura (reprovabilidade) que incide sobre a formação e a exteriorização da vontade do responsável pela prática de um fato típico e antijurídico, com o propósito de aferir a necessidade de imposição da pena. As excludentes de culpabilidade, também denominadas de dirimentes ou eximentes, se traduzem nas causas que excluem imputabilidade, a consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. Não verifico a ocorrência, ou mesmo dúvida razoável, acerca de qualquer dessas causas excludentes. Diante do exposto, deve o acusado VALDINEI ser condenado. 2.5. Individualização da pena. 2.5.1. Do crime de tráfico internacional de armas de uso restrito - artigo 18 c/c artigo 19, da Lei nº 10.826/2003. Pena abstrata - reclusão, de 8 (oito) a 16 (dezesseis) anos, e multa. Causa especial de aumento - art. 19. 1ª Fase, pena-base (artigos 59, CP). A culpabilidade é de reprovabilidade normal de acordo com a natureza do crime. O réu não possui condenações aptas a configurar maus antecedentes (informações de Ids. 367183819, 367183820, 367183821 e 367183822). Não há elementos que permitam analisar a conduta social do réu e sua personalidade, devendo ser consideradas neutras. Os motivos do crime foram o lucro fácil, o que é ínsito ao tipo penal em análise. Quanto às circunstâncias do crime, estas devem ser valoradas negativamente, diante da ocultação do produto do crime em fundo falso de veículo, adredemente preparado para ocultar (conforme laudo de perícia criminal federal nº 152/2025-NUTEC/DPF/MII/SP (id. 365240277, pp. 17/19), demonstrando grau de sofisticação e planejamento na ação criminosa, a representar, concretamente, maior dificuldade à fiscalização. Diante da gravidade concreta dessa circunstância, acrescento 1 (um) ano de reclusão à pena-base. As consequências do crime não foram consideráveis, considerando a apreensão do produto ilícito. Não há falar em comportamento da vítima. Considerando a circunstância negativa pontuada acima e o valor a ela conferido, fixo a pena-base em 09 (nove) anos de reclusão. 2ª Fase, pena intermediária. Não há agravantes a serem reconhecidas. Especificamente, não se aplica a agravante genérica do art. 62, inciso IV, do Código Penal, pois, embora o intuito de lucro esteja presente, este é inerente à prática do delito de tráfico internacional de armas e munições, especialmente quando o agente atua na condição de “mula”, sendo esta circunstância insuficiente para justificar o agravamento da pena. (Precedentes: TRF4, ACR 5005238-47.2016.4.04.7002, 7ª Turma, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, julgado em 16/07/2019; ACR 5001134-85.2011.4.04.7002, 8ª Turma, Relator para Acórdão JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, julgado em 21/02/2018). Por outro lado, conquanto o réu tenha negado ter conhecimento específico sobre armas e acessórios transportados, sua conduta revela a existência de cegueira deliberada, configurando-se, portanto, o dolo eventual. Tal conclusão decorre da própria declaração do acusado, que admitiu ter sido contratado para transportar produto objeto de descaminho, com plena ciência da ilicitude das mercadorias. Diante disso, aplico ao caso a Súmula 545 do Superior Tribunal de Justiça, reconhecendo a atenuante da confissão espontânea, ainda que indireta, nos termos do artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal, o que autoriza a redução da pena em 1/6. Nesse contexto, fica a pena intermediária estipulada em 08 (oito) anos de reclusão, diante da impossibilidade de diminuir a pena abaixo do mínimo legal nesta fase, nos termos da Súmula 231 do STJ. 3ª Fase, pena definitiva. Na terceira fase de aplicação da pena, incide a causa de aumento prevista no art. 19 da Lei nº 10.826/03 (uso restrito), razão por que aumento a pena de metade, e, não estando presentes minorantes, fixo a pena definitiva em 12 (doze) anos de reclusão. A pena de multa é fixada com base no método bifásico, observando-se a proporcionalidade em relação à pena privativa de liberdade aplicada. Assim, estabeleço o total de 270 (duzentos e setenta) dias-multa. Considerando a condição econômica do réu, que declarou em audiência possuir renda variável decorrente da atividade de construtor, fixo o valor de cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos descritos na denúncia (abril de 2025), devendo tal valor ser atualizado monetariamente até o efetivo pagamento. 2.5.2. Contrabando (Artigo 334-A, § 1º, incisos I e II, do Código Penal). Pena abstrata - reclusão, de 02 a 05 anos. 1ª Fase, pena-base (artigos 59, CP). A culpabilidade é de reprovabilidade normal de acordo com a natureza do crime. O réu não possui condenações aptas a configurar maus antecedentes (informações de Ids. 367183819, 367183820, 367183821 e 367183822). Não há elementos que permitam analisar a conduta social do réu e sua personalidade, devendo ser consideradas neutras. Os motivos do crime são neutros. Quanto às circunstâncias do crime, estas devem ser valoradas negativamente, diante da ocultação do produto do crime em fundo falso de veículo, adredemente preparado para ocultar (conforme laudo de perícia criminal federal nº 152/2025-NUTEC/DPF/MII/SP (id. 365240277, pp. 17/19), demonstrando grau de sofisticação e planejamento na ação criminosa, a representar, concretamente, maior dificuldade à fiscalização. As consequências do crime não foram consideráveis, considerando a apreensão dos produtos ilícitos. Não há falar em comportamento da vítima, em razão de o crime ter como sujeito passivo a coletividade. Considerando a existência de uma vetorial negativa, aumento a pena-base em 05 (cinco) meses, fixando-a em 02 (dois) anos e 05 (cinco) meses de reclusão. 2ª Fase, pena intermediária. Não há agravantes. Nesse sentido, deixo de aplicar a agravante de cometimento de crime mediante paga ou promessa de recompensa (artigo 62, IV, do Código Penal), conforme requerido pelo MPF, porquanto o descaminho/contrabando pressupõe a intenção de lucro, sendo a vantagem econômica uma característica inerente ao tipo penal (Precedentes: TRF4, ACR 5006602-37.2019.4.04.7200, 8ª Turma, Relator para Acórdão LORACI FLORES DE LIMA, julgado em 18/06/2025; e ACR 5008129-29.2021.4.04.7208, 7ª Turma, Relator para Acórdão LUIZ CARLOS CANALLI, julgado em 29/04/2025). Por outro lado, conquanto o réu tenha negado ter conhecimento específico sobre os produtos objeto de contrabando, sua conduta revela a existência de cegueira deliberada, configurando-se, portanto, o dolo eventual. Tal conclusão decorre da própria declaração do acusado, que admitiu ter sido contratado para transportar produto objeto de descaminho, com plena ciência da ilicitude das mercadorias. Diante disso, aplico ao caso a Súmula 545 do Superior Tribunal de Justiça, reconhecendo a atenuante da confissão espontânea, ainda que indireta, nos termos do artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal, o que autoriza a redução da pena em 1/6. Assim, fica a pena intermediária estipulada em 02 (dois) anos de reclusão. 3ª Fase, pena definitiva. Ausentes causas de aumento ou de diminuição, restando a pena privativa de liberdade definitivamente fixada 02 (dois) anos de reclusão. 2.5.3. Descaminho (Artigo 334, caput, do Código Penal). Pena abstrata - reclusão, de 01 a 04 anos. 1ª Fase, pena-base (artigos 59, CP). A culpabilidade é de reprovabilidade normal de acordo com a natureza do crime. O réu não possui condenações aptas a configurar maus antecedentes (informações de Ids. 367183819, 367183820, 367183821 e 367183822). Não há elementos que permitam analisar a conduta social do réu e sua personalidade, devendo ser consideradas neutras. Os motivos do crime são neutros. Quanto às circunstâncias do crime, estas devem ser valoradas negativamente, diante da ocultação do produto do crime em fundo falso de veículo, adredemente preparado para ocultar (conforme laudo de perícia criminal federal nº 152/2025-NUTEC/DPF/MII/SP (id. 365240277, pp. 17/19), demonstrando grau de sofisticação e planejamento na ação criminosa, a representar, concretamente, maior dificuldade à fiscalização. As consequências do crime não foram consideráveis, considerando a apreensão dos produtos ilícitos. Não há falar em comportamento da vítima, em razão de o crime ter como sujeito passivo a coletividade. Considerando a existência de uma vetorial negativa, aumento a pena-base em 03 (três) meses, fixando-a em 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão. 2ª Fase, pena intermediária. Não há agravantes. Nesse sentido, deixo de aplicar a agravante de cometimento de crime mediante paga ou promessa de recompensa (artigo 62, IV, do Código Penal), conforme requerido pelo MPF, porquanto o descaminho/contrabando pressupõe a intenção de lucro, sendo a vantagem econômica uma característica inerente ao tipo penal (Precedentes: TRF4, ACR 5006602-37.2019.4.04.7200, 8ª Turma, Relator para Acórdão LORACI FLORES DE LIMA, julgado em 18/06/2025; e ACR 5008129-29.2021.4.04.7208, 7ª Turma, Relator para Acórdão LUIZ CARLOS CANALLI, julgado em 29/04/2025). Considerando que o réu confessou o delito de descaminho reconheço a incidência da atenuante da confissão espontânea (artigo 65, inciso III, "d", do CP), razão pela qual reduzo a pena em 1/6 (um sexto). Assim, fica a pena intermediária estipulada em 01 (um) ano reclusão. 3ª Fase, pena definitiva. A defesa pleiteou a aplicação da causa de diminuição prevista no §1º do art. 29 do Código Penal, sob o argumento de que o réu teria tido participação de menor relevância na empreitada delitiva relacionada ao crime de descaminho. Todavia, a tese não encontra amparo nos elementos de prova colhidos nos autos. Conforme apurado, o réu atuou diretamente no transporte das mercadorias estrangeiras desprovidas de documentação fiscal, inseridas em compartimento oculto no veículo por ele conduzido. Ademais, não há qualquer elemento que indique que sua atuação tenha sido acessória, episódica ou de relevância substancialmente reduzida em relação ao todo da atividade criminosa. Ao contrário, verifica-se que sua conduta foi essencial para a concretização do delito, desempenhando papel de executor direto da infração penal, assumindo os riscos da empreitada, inclusive quanto à guarda e transporte do material ilícito. Não se trata, pois, de mero coadjuvante ou figura secundária. É pacífico na jurisprudência que a incidência da minorante prevista no art. 29, §1º, do Código Penal exige prova clara e segura de que a contribuição do agente foi efetivamente de menor importância, o que não se observa no caso em análise. Nesse contexto, ausente comprovação inequívoca de atuação marginal ou desproporcionalmente inferior à dos demais envolvidos — inclusive porque não foram identificados outros coautores no curso da instrução —, não há como reconhecer a participação de menor importância. Dessa forma, afasta-se a incidência da causa de diminuição prevista no art. 29, §1º, do Código Penal. Assim, ausentes causas de aumento ou de diminuição, restando a pena privativa de liberdade definitivamente fixada 01 (um) ano de reclusão. 2.6. Concurso de crimes. Da análise do conjunto probatório, observa-se que as condutas delitivas imputadas ao réu — relativas à guarda e ao transporte de armas, acessórios, munições e produtos objeto de contrabando e descaminho, entre outros itens — decorreram de uma única ação, praticada no mesmo contexto fático e sob uma unidade de desígnios. Assim, a hipótese em exame ajusta-se ao concurso formal, nos termos do artigo 70 do Código Penal. Com efeito, inexistindo nos autos elementos que indiquem desígnios autônomos para cada uma das infrações, deve-se reconhecer o concurso formal próprio, em que uma só ação ou omissão resulta em dois ou mais crimes, devendo ser aplicada apenas a pena mais grave, com aumento proporcional, conforme dispõe o caput do referido artigo. Assim, adotando-se como parâmetro a pena mais grave aplicada, que foi de 12 (doze) anos de reclusão em razão do crime de tráfico internacional de armas e acessórios de uso restrito, acrescida de 1/5 (um quinto) face a quantidade de crimes (3[13]), a pena privativa de liberdade resulta em 14 (quatorze) anos e 04 (quatro) meses reclusão. Saliento que a pena ora fixada não excede aquela que resultaria da aplicação da regra prevista no art. 69 do Código Penal. Quanto à pena de multa, aplica-se ao caso o disposto no artigo 72 do Código Penal, segundo o qual, no concurso de crimes, as penas de multa devem ser aplicadas de forma cumulativa, distinta e integral. Assim, resta a pena de multa fixada em 270 (duzentos e setenta) dias-multa, estabelecendo-se o valor unitário do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos, nos termos do artigo 49, §1º, do Código Penal, valor este que deverá ser atualizado monetariamente até o efetivo pagamento. 2.7. Detração e regime inicial de cumprimento de pena. Examinando conjugadamente os artigos 33, § 2º, alínea 'a', e artigo 59 do Código Penal, estabeleço o regime inicial fechado para o cumprimento da pena privativa de liberdade. Cabe consignar que o réu está preso desde 24/04/2025, o que deverá ser considerado pelo juízo da execução penal, para fins de detração penal. Em atenção ao disposto no artigo no art. 387, § 2º, do Código de Processo Penal, observo que o réu ainda não cumpriu o tempo necessário para a progressão de regime de cumprimento de pena. 2.8. Substituição e suspensão condicional da pena. Em vista do quantum da pena privativa de liberdade, a substituição por pena restritiva de direitos é incabível, consoante o disposto no artigo 44, inciso I, do Código Penal. Registro também ser inaplicável a suspensão condicional da pena prevista no artigo 77 do Código Penal. 2.9. Do direito de apelar em liberdade. Manutenção da prisão preventiva. Entendo que a manutenção da segregação cautelar, mesmo após a prolação da sentença condenatória, mostra-se necessária e devidamente justificada. O réu permaneceu preso durante toda a instrução criminal, em razão da decretação de sua prisão preventiva ainda na fase de inquérito policial (decisão de ID 361760709). As razões que fundamentaram a decretação da custódia cautelar permanecem plenamente válidas e encontram-se ainda mais reforçadas com a condenação ora imposta, evidenciando-se a necessidade da prisão preventiva como medida indispensável à garantia da ordem pública, diante da gravidade concreta do delito, caracterizado pelo transporte de materiais de elevado potencial lesivo, como armas de fogo de uso restrito, carregadores, bloqueadores de sinal, radiocomunicadores e coletes balísticos. Tais circunstâncias indicam, inclusive, possível vínculo do réu com organização criminosa voltada à prática de crimes de caráter transnacional. Alegações defensivas, no sentido de que o réu é primário, sem antecedentes, possui residência declarada, ocupação lícita e vínculos familiares, embora juridicamente relevantes, não se mostram suficientes para afastar a necessidade da custódia cautelar, diante da concreta periculosidade evidenciada pelas circunstâncias do caso. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica ao reconhecer que condições pessoais favoráveis, por si sós, não autorizam a revogação da prisão preventiva quando presentes fundamentos concretos que justificam sua manutenção. Ademais, a pena aplicada — 14 (quatorze) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial fechado — reforça o risco de evasão à aplicação da lei penal, caso o réu venha a aguardar em liberdade o julgamento de eventual recurso, o que, por si só, constitui fundamento autônomo para a preservação da prisão preventiva. Diante de todo o exposto, reconheço a subsistência dos pressupostos e fundamentos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal e, por conseguinte, mantenho a prisão preventiva do réu, como medida necessária à garantia da ordem pública, à aplicação da lei penal e em razão da gravidade concreta dos fatos. 3. Dos efeitos da condenação. 3.1. Dos bens apreendidos. As armas de fogo, munições e demais materiais balísticos apreendidos foram regularmente periciados, conforme laudos constantes dos autos, e tiveram sua destinação previamente definida, nos termos da decisão proferida sob o Id. 361301160, que determinou seu encaminhamento ao Comando do Exército. Da mesma forma, na referida decisão, considerando que os rádios comunicadores e bloqueadores de sinal também já haviam sido submetidos à perícia técnica, foi determinada sua entrega prévia à ANATEL, órgão competente para análise e destinação desses equipamentos. Quanto às demais mercadorias objeto do crime de descaminho, considerando tratar-se de produtos provenientes de atividade criminosa, declaro a sua perda em favor da Administração Pública Federal, nos termos da legislação vigente. Caberá à Receita Federal do Brasil proceder à administração e destinação adequada dos referidos bens, o que inclui, conforme o caso, a realização de leilões, alienações ou outras formas legais de disposição. O aparelho celular apreendido, por não mais interessar à instrução criminal, e não havendo manifestação de interesse na sua retirada pelo réu, deverá ser destinado à destruição ambientalmente adequada, conforme determinado na decisão de Id. 371463341 Quanto às mídias extraídas do telefone celular, determino que, após o trânsito em julgado, seja ouvido o Ministério Público Federal acerca do eventual interesse na sua preservação, especialmente para fins de investigação de outros delitos. Na ausência de manifestação ou havendo expressa desnecessidade, deverá ser procedida a destruição do material, com a devida observância das formalidades legais. Por fim, decreto a perda, em favor da União, do veículo Ford Ka, placas LTO2I11, Renavam nº 00329719769, porquanto adredemente preparado para a prática criminosa, conforme se extrai do Laudo de Perícia Criminal Federal nº 152/2025-NUTEC/DPF/MII/SP (Id. 365240277, pp. 17/19). A medida é adotada com fundamento no art. 91, inciso II, alínea “a”, do Código Penal, uma vez que o referido veículo foi utilizado como instrumento na execução dos crimes, mediante a instalação de compartimento oculto (fundo falso), voltado à ocultação e transporte de mercadorias ilícitas, circunstância que evidencia seu uso direto na empreitada delitiva. 3.2. Confisco Alargado. A Lei nº 13.964/2019 introduziu no ordenamento jurídico brasileiro o instituto do confisco alargado, por meio da inclusão do art. 91-A no Código Penal, como importante mecanismo de enfrentamento à criminalidade organizada e à acumulação ilícita de patrimônio por meio da prática de infrações penais graves. Nos termos do caput do referido artigo, na hipótese de condenação por crime ao qual a lei comine pena máxima superior a seis anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens que excedam o valor compatível com o rendimento lícito do condenado, desde que demonstrada essa desproporcionalidade. A medida possui natureza sancionatória e patrimonial, e tem como pressuposto a constatação de diferença injustificada entre o patrimônio do réu e os seus rendimentos lícitos, presumindo-se, nesses casos, a origem criminosa ou ilícita dos bens. Vejamos: Art. 91-A. Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 1º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) I - de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) II - transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 2º O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 3º A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 4º Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 5º Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Grifou-se) Cabe ao condenado, conforme prevê o §2º, demonstrar a inexistência de incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio, incumbindo-lhe, portanto, o ônus de comprovar que os bens adquiridos são fruto de atividade legal e compatível com sua renda declarada. No caso em exame, conforme se extrai da documentação acostada ao Id. 365240277, pp. 36/42, fornecida pelo DETRAN/PR, restou comprovado que o veículo RAM Laramie 2500, placas GHK-3I44, avaliado em aproximadamente R$ 279.000,00, foi formalmente transferido para o nome do réu Valdinei Santana dias antes da prática dos crimes descritos na denúncia. Consta que o réu assinou pessoalmente o documento de transferência do veículo em 14/03/2025, com reconhecimento de firma por autenticidade. A formalização da transferência junto ao DETRAN/PR ocorreu em 16/04/2025, sendo finalizada em 23/04/2025, véspera da prisão em flagrante. Ocorre que o réu não apresentou comprovação de renda lícita compatível com a aquisição de bem de alto valor. Na fase policial, declarou uma renda mensal variável de R$ 8.000,00 (Id. 361688956, p. 10), valor não demonstrado documentalmente. Em audiência de custódia, afirmou receber R$ 3.000,00 mensais, e, em juízo, declarou apenas fazer “bicos” na construção civil, não sendo capaz sequer de estimar um rendimento médio mensal, o que evidencia a inconsistência de suas declarações e a ausência de base financeira para a aquisição do bem. Ainda que tenha negado a propriedade do veículo, o réu apresentou versão sem credibilidade e destituída de respaldo probatório, alegando que teria recebido R$ 500,00 para buscar o automóvel em Brasília/DF e que desconhecia as razões da transferência para seu nome. Não explicou, contudo, quem teria assumido as pendências financeiras do veículo ou autorizado a regularização em seu nome, nem apresentou qualquer elemento que infirmasse a relação patrimonial direta com o bem. A narrativa apresentada, portanto, não se mostra verossímil, e reforça a conclusão de que o veículo foi recebido como forma de pagamento ou recompensa pela prática criminosa, sem qualquer lastro financeiro legítimo. Diante disso, reconheço que o réu não demonstrou, como lhe competia, a origem lícita do bem em questão, nos termos do §2º do art. 91-A do Código Penal, nem afastou a incompatibilidade evidente entre sua capacidade econômica e o valor do patrimônio sob sua titularidade. Presentes, assim, os requisitos legais: (i) condenação por crime cuja pena máxima excede seis anos; (ii) requerimento expresso do Ministério Público, com indicação da diferença patrimonial; (iii) ausência de demonstração de origem lícita dos bens —, é cabível a aplicação do confisco alargado. Dessa forma, com fundamento no art. 91-A do Código Penal, decreto a perda, em favor da União, do veículo RAM, modelo Laramie 2500, placas GHK-3I44, por representar bem de valor manifestamente incompatível com os rendimentos lícitos do condenado, configurando acréscimo patrimonial presumidamente decorrente da atividade criminosa. Inclua-se restrição de circulação no veículo em questão. 3.3. Inabilitação para dirigir. Nos termos do art. 92, inciso III, do Código Penal, a imposição da pena acessória de inabilitação para dirigir veículo automotor exige fundamentação específica e concreta quanto à sua necessidade no caso concreto, conforme entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ, REsp nº 1.505.722/RS, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 24/03/2015, DJe 06/04/2015; AgRg no AREsp n. 1.713.978/PR, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 29/3/2021). Embora se reconheça que o réu tenha utilizado veículo automotor na prática dos delitos objeto da presente ação penal, a aplicação da referida pena acessória não se revela adequada nem proporcional, especialmente à luz do princípio da ressocialização, que orienta o sistema penal brasileiro. A restrição ao direito de dirigir, sem demonstração de habitualidade no uso do veículo para fins ilícitos ou de perigo concreto à ordem pública, tende a agravar os obstáculos enfrentados pelos egressos do sistema prisional, sobretudo no processo de reinserção no mercado de trabalho — realidade já marcada por estigmatização social e escassez de oportunidades, em que a posse de habilitação pode representar um diferencial relevante para o exercício de atividade lícita e digna. Ademais, há previsão de sanção administrativa autônoma prevista no art. 278-A do Código de Trânsito Brasileiro, que prevê a cassação da CNH em caso de utilização de veículo para a prática dos crimes de contrabando e descaminho. Tal medida, de natureza não penal, já se mostra suficiente e eficaz para coibir a reiteração da conduta, sendo desnecessária, portanto, a imposição cumulativa de penalidade no âmbito penal. Diante disso, indefiro a aplicação da pena acessória de inabilitação para dirigir veículo automotor, prevista no art. 92, inciso III, do Código Penal, por ausência de necessidade concreta. Considero, para tanto, a existência de sanção administrativa específica, a necessidade de preservar as condições mínimas de reintegração social do apenado, bem como a inexistência de prova quanto à habitualidade delitiva no uso de veículo para fins ilícitos. 4. Considerações finais. Deixo de fixar um valor mínimo para a reparação dos eventuais danos (inciso IV do art. 387 do CPP) pela ausência de requerimento do órgão acusatório nesse sentido, o que inviabiliza o contraditório e a ampla defesa. III – DISPOSITIVO. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a denúncia oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para CONDENAR o réu VALDINEI SANTANA à pena privativa de liberdade de 14 (quatorze) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e à pena de multa de 270 (duzentos e setenta) dias-multa, à razão unitária de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente na data do fato (abril de 2025), atualizado desde então até o efetivo pagamento, por infração ao artigo 18 c/c artigo 19 da Lei nº 10.826/03; artigo 334-A, caput, incisos I e II, artigo 334, caput, todos Código Penal. Decreto a pena de perdimento, em favor da União, dos veículos Ford Ka, placas LTO-2I11, e RAM, modelo Laramie 2500, placas GHK-3I44, nos termos dos artigos 91, inciso II, alínea “a”, e 91-A do Código Penal. Inclua-se restrição de circulação no veículo RAM, modelo Laramie 2500, placas GHK-3I44. Condeno o réu, ainda, ao pagamento das custas processuais (artigo 804, CPP c/c art. 6º da Lei n. 9.289/96). Eventual pedido de gratuidade de justiça, deverá ser formulado perante o Juízo da execução. Mantenho a prisão preventiva do réu, conforme item 2.9 da fundamentação. Sendo assim, o réu não poderá apelar em liberdade. Caberá ao juízo da Execução Penal efetuar a detração dos dias em que o réu permaneceu preso provisoriamente desde 24.04.2025, conforme item 2.7 da fundamentação. Considerando o disposto no Enunciado nº 192 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, declino da competência para a execução provisória da pena privativa de liberdade a que foi condenado o réu VALDINEI SANTANA à Vara de Execuções Criminais que tem jurisdição sobre a Penitenciária Masculina de Caiuá/SP, onde se encontra recolhido o réu. Assim, providencie-se a remessa das principais peças dos autos ao Juízo ora declinado, com urgência, comunicando-se à Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) do Estado de São Paulo, extraindo-se a ficha individual com a pena total do condenado e a observação de que está preso provisoriamente desde 24.04.2025, a fim de que perante aquele Juízo possa ser feita a detração, de tudo formando-se o processo de Execução Penal Provisória, para fins de controle e acompanhamento, pelo Juízo Federal, das decisões relativas ao sentenciado. Havendo interposição de recurso(s), presentes os pressupostos subjetivos e objetivos (em especial, tempestividade), o que deverá ser verificado pela Secretaria, desde logo, recebo-o(s). Intime(m)-se a(s) parte(s) para apresentação das razões recursais, no prazo de 08 (oito) dias, e para apresentar as contrarrazões recursais, em igual prazo. Após o trânsito em julgado, com a manutenção da condenação: 1) lance-se o nome do réu no rol dos culpados; 2) comunique-se ao Instituto de Identificação e à Polícia Federal para que este proceda aos ajustes das informações do réu em relação à ação penal objeto desta sentença. 3) comunique-se à Justiça Eleitoral o teor desta sentença, para fins do artigo 15, inciso III, da Constituição Federal. 4) remetam-se os autos ao SUDP para mudança da situação do réu nos autos. 5) providencie-se a destinação dos bens apreendidos, conforme item 3 da fundamentação; 6) intime-se o DETRAN do Estado competente, para informar a condenação e viabilizar eventuais providências administrativas de competência do órgão de trânsito, na forma do art. 278-A do Código de Trânsito Brasileiro (redação incluída pela Lei n. 13.804/2019). Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se, observando quanto ao réu o disposto no art. 392, II, CPP (intimação pessoal). Ourinhos, na data em que assinado eletronicamente. ANDRÉIA LOUREIRO DA SILVA, Juíza Federal Substituta na Titularidade Plena. [1] Publicada no DOU de 14/11/2023 | Edição: 216 | Seção: 1 | Página: 50 [2] Decreto 11.615/23: Art. 2º Para fins do disposto neste Decreto, considera-se: (...) IX - arma de fogo semiautomática - arma de fogo que realiza automaticamente todas as operações de funcionamento, com exceção dos disparos, cujas ocorrências dependem individualmente de novo acionamento do gatilho; X - arma de fogo automática - arma de fogo cujo carregamento, disparo e demais operações de funcionamento ocorrem continuamente, enquanto o gatilho estiver acionado [3] Decreto 10.030/19. Anexo III. Glossário. Acessório de arma de fogo : artefatos listados nominalmente na legislação como Produto Controlado pelo Exército - PCE que, acoplados a uma arma, possibilitam a alteração da configuração normal do armamento, tal como um supressor de som. (Redação dada pelo Decreto nº 10.627, de 2021) Vigência [4] https://www.sgex.eb.mil.br/sg8/006_outras_publicacoes/07_publicacoes_diversas/06_comando_logist ico/port_n_118_colog_04out2019.html [5] ttps://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-seguranca/seguranca-publica/pro-seguranca/normas/nt- senasp-no-003-2021-coletes-de-protecao-balistica/view [6] Decreto 11.615/23: Art. 2º Para fins do disposto neste Decreto, considera-se: (...) IX - arma de fogo semiautomática - arma de fogo que realiza automaticamente todas as operações de funcionamento, com exceção dos disparos, cujas ocorrências dependem individualmente de novo acionamento do gatilho; X - arma de fogo automática - arma de fogo cujo carregamento, disparo e demais operações de funcionamento ocorrem continuamente, enquanto o gatilho estiver acionado [7] https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-conjunta-c-ex/dg-pf-n-2-de-6-de-novembro-de-2023-522877171 [8] BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes Federais – 12 ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: Editora JusPodivm, 2023. [9] https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-seguranca/seguranca-publica/pro-seguranca/normas/nt-senasp-no-003-2021-coletes-de-protecao-balistica/view [10] https://informacoes.anatel.gov.br/legislacao/resolucoes/2023/1842-resolucao-760 [11] https://www.comprasparaguai.com.br/celular-apple-iphone-16-pro-max-256gb_55844/ [12] https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/aduana-e-comercio-exterior/manuais/remessas-postal-e-expressa/calculadora-versao-iii/calculadora.html [13] PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO E CASA DE PROSTITUIÇÃO. DOSIMETRIA. PENA-BASE SUPERIOR AO MÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. FUNDAMENTO IDÔNEO. AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM. CONCURSO FORMAL DE CRIMES. FRAÇÃO DE AUMENTO. PARÂMETRO JURISPRUDENCIAL. NÚMERO DE DELITOS PRATICADOS. VÍTIMAS DISTINTAS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A pena-base dos crimes de favorecimento da prostituição sexual e casa de prostituição foi exasperada em 1/6 em razão da quantidade de vítimas e da forma como os crimes eram praticados, com privação à liberdade das vítimas, que deviam grande quantia de dinheiro para o estabelecimento. Tais elementos são concretos e denotam maior reprovabilidade da conduta e maior gravidade do modus operandi dos delitos, justificando, portanto o aumento operado. 2. Não se constata o alegado bis in idem na fundamentação, pois as qualificadoras dos §§ 2º e 3º do art. 228 do CP referem-se ao emprego de violência ou grave ameaça ou fraude e à obtenção de lucro e não à privação de liberdade das vítimas. Outrossim, a quantidade de vítimas (mais de uma) está descrita na sentença e no acórdão impugnado, não sendo cabível na estreita via do writ alterar este entendimento. 3. O aumento decorrente do concurso formal deve ter como parâmetro o número de delitos perpetrados, devendo ser a pena de um dos crimes exasperada de 1/6 até 1/2. Nesses termos, aplica-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4 para 4 infrações; 1/3 para 5 infrações e 1/2 para 6 ou mais infrações; e 2/3, para 7 ou mais infrações. No caso, levando em conta que foram praticados 3 crimes contra, ao menos, 3 vítimas, o que totaliza mais de 6 infrações, não se mostra desproporcional a fração de 1/3 de aumento. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 866.667/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 20/5/2024, DJe de 23/5/2024.)
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