Processo nº 1012254-62.2024.8.11.0002
ID: 330875007
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1012254-62.2024.8.11.0002
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1012254-62.2024.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Empréstimo consignado] Relator: Des(a). SEBAST…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1012254-62.2024.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Empréstimo consignado] Relator: Des(a). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES] Parte(s): [OSVALDINO ROCHA PEREIRA - CPF: 178.287.241-87 (APELANTE), CASSIO ROBSON DE ALMEIDA BEZERRA - CPF: 071.596.134-90 (ADVOGADO), BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. - CNPJ: 07.207.996/0001-50 (APELADO), RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA - CPF: 444.850.181-72 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. E M E N T A DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATO FINANCEIRO. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE REJEITADA. NEGATIVA DE CONTRATAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. NULIDADE DO CONTRATO. RESTITUIÇÃO SIMPLES DOS VALORES. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ AFASTADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame: 1. Apelação cível interposta por consumidor contra sentença que julgou improcedentes os pedidos de declaração de inexistência de contrato, devolução de valores e indenização por danos morais, e o condenou por litigância de má-fé, em razão da suposta falsidade das alegações sobre inexistência da contratação com instituição financeira. II. Questão em discussão: 2. Há duas questões em discussão: (i) se a apelação observa o princípio da dialeticidade, mediante impugnação específica aos fundamentos da sentença; (ii) se o contrato bancário impugnado é válido e se houve descontos indevidos, passíveis de devolução e de eventual indenização por dano moral. III. Razões de decidir: 3. Rejeita-se a preliminar de ausência de dialeticidade, pois a parte apelante expôs fundamentos suficientes e específicos de impugnação à sentença. 4. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras (Súmula 297/STJ), com inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, CDC). 5. Diante da impugnação da assinatura no contrato, caberia à instituição financeira comprovar sua autenticidade, o que não foi feito, conforme decidido no Tema Repetitivo 1.061 do STJ. 6. A ausência de prova válida da contratação justifica a declaração de nulidade do contrato e a devolução dos valores descontados. 7. A restituição deve ocorrer de forma simples, não havendo má-fé por parte da instituição financeira. 8. Inexistindo prova de exposição ao ridículo, negativação ou constrangimento, afasta-se a configuração de dano moral. 9. Inviável a condenação por litigância de má-fé, pois ausentes os requisitos do art. 80 do CPC. IV. Dispositivo e tese: 10. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: “1. Apresentada impugnação específica à sentença, não se configura violação ao princípio da dialeticidade. 2. Impugnada a autenticidade da assinatura em contrato bancário, incumbe à instituição financeira a prova de sua veracidade. A ausência de comprovação da contratação autoriza a declaração de nulidade do contrato e a devolução simples dos valores descontados, não se configurando, no caso, dano moral nem litigância de má-fé.” Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 6º, 85, 86, 373, II, 429, II, 80 e 81; CDC, arts. 6º, VIII, e 42, parágrafo único. Jurisprudência relevante citada: STJ, Tema Repetitivo 1.061; STJ, Súmulas 43, 54 e 297; STJ, AgInt no AREsp 1689624/GO, Rel. Min. Raul Araújo, DJe 07.04.2021. R E L A T Ó R I O Trata-se de Recursos de Apelação Cíveis interpostos por OSVALDINO ROCHA PEREIRA contra a r. sentença proferida pelo Juízo da 1ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE VÁRZEA GRANDE – MT que, nos autos da AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA CONTRATO FINANCEIRO, C/C PAGAMENTO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS nº 1012254-62.2024.8.11.0002, ajuizada em desfavor dO BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A., julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais nos seguintes termos: (destaques no original) [...] Em se tratando de alegação negativa e de ter sido acionada a ré a se defender, juntou aos autos contrato devidamente assinado pelo Sr. OSVALDINO ROCHA PEREIRA em Id. n. 163178859. Fatos esses, que destoam completamente da narrativa contida na exordial, em que o autor, mediante seu patrono, afirma categoricamente não ter contratado serviço junto à ré, tenho que esse conjunto fático-documental é claro em demonstrar a inverídica alegação da exordial no sentido de inexistência de relação entre as partes. É flagrante, pois, a intenção de induzir o juízo a erro com tese falaciosa. [...] Após analisar a documentação trazida aos autos pude concluir que a parte autora pratica conduta reprochável, prevista no art. 80, I, II e III do NCPC. Isso, porque, a meu ver, inverteu a realidade dos fatos com nítida intenção de obter provimento jurisdicional que lhe favorecesse, apresentando teses inverídicas. Consequentemente, entendo que deve ser penalizado por sua conduta pérfida. [...] Assim, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos desta AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA CONTRATO FINANCEIRO C/C PAGAMENTO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Pelo princípio da sucumbência, condeno o autor ao pagamento de honorários advocatícios em favor da ré, esses arbitrados em 10% (dez) por cento sobre o valor atualizado da causa (CPC, art. 85, § 2º e art. 98, § 2º), com a ressalva do art. 98, § 3º, do CPC[1]. Custas processuais pela autora, cuja obrigação deverá ser suspensa (CPC, art. 98, § 3º). Ainda, condeno a autora, ex officio, ao pagamento de multa por litigância de má-fé, que fixo em 5% sobre o valor corrigido da causa (CPC, art. 81). [...] A consumidora apelante defende o provimento do recurso de apelação e a consequente reforma da sentença aduzindo, em síntese, que: 1) “[...] Não tratou do conteúdo da Réplica, na qual a parte autora não reconheceu a digital constante no referido contrato, nem, tampouco, a assinatura à rogo [...]”; 2) “[...] A parte autora reitera réplica, pugnando que seja considerada inidônea a prova contratual apresentada, visto que não é reconhecida pela demandante [...]”; E 3) “[...] nesse caso cabia ao banco demandado demonstrar a autenticidade do instrumento contratual, por todos os meios possíveis, inclusive por meio de perícia grafotécnica, o que não ocorreu nos autos. [...]”. Assim, requer o provimento do recurso e a reforma da sentença para que sejam julgados totalmente procedentes os pedidos iniciais. A parte apelada, em suas contrarrazões (ID. 284539696), alega, preliminarmente, a ocorrência de ofensa ao princípio da dialeticidade. No mérito, pugna pelo desprovimento do recurso e pela manutenção da sentença. É o relatório. V O T O R E L A T O R VOTO – PRELIMINAR CONTRARRECURSAL - OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE Aduz a parte apelada que a Apelante se limitou apenas em repetir exatamente os mesmos argumentos anteriormente apresentados, sem impugnar especificamente os fundamentos da sentença, razão pela qual o recurso de apelação estaria em desacordo com o princípio da dialeticidade. É cediço que o sistema recursal civil se orienta por essa norma jurídica, que norteia o exercício do direito da parte em recorrer, de modo que o princípio da dialeticidade prescreve a necessidade de a parte recorrente impugnar expressamente as razões de decidir expostas na decisão objeto da insurgência, mostrando o suposto desacerto. Nesse contexto, verifico que a preliminar deve ser rejeitada. Isso porque a parte apelante apresentou claramente seus argumentos contra a sentença. Trouxe argumentos que, a seu ver, seriam suficientes para o êxito do recurso, o que não configura ausência de regularidade formal ou violação ao princípio da dialeticidade. Ante o exposto, REJEITO a preliminar de ofensa ao princípio da dialeticidade. VOTO – MÉRITO Conforme relatado, trata-se de Recurso de Apelação em que a parte consumidora pugna pela reforma da sentença e a total procedência dos pedidos iniciais. A parte consumidora impugna a autenticidade da assinatura constante no contrato de empréstimo consignado apresentado. A instituição financeira, por sua vez, afirma que o consumidor realizou efetivamente a contratação e recebeu os valores à título de empréstimo, razão pela qual defende a manutenção da sentença de improcedência. Pois bem. O recurso merece parcial provimento. Como é sabido, às instituições financeiras se aplica o Código de Defesa do Consumidor, conforme a Súmula nº. 297 do Superior Tribunal de Justiça: “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. O CDC, em seu art. 6º, VIII, prevê a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, com o intuito de facilitar a defesa dos seus direitos. Neste viés, embora o banco apelante alegue ter comprovado a relação jurídica entre as partes com a apresentação do contrato firmado na contestação, é certo que o documento apresentado foi veementemente impugnado pela parte consumidora. Além disso, a parte Autora alegou desconhecer a assinatura e que houve a fraude na contratação, frisando que a instituição financeira sequer trouxe cópia original do contrato aos autos, de modo que caberia à apelada comprovar a validade da assinatura. Nesse sentido, no julgamento do Tema Repetitivo 1.061, o STJ firmou a seguinte tese: “Na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (CPC, arts. 6º, 369 e 429, II)”. Além disso, a 2ª Seção do STF definiu que “[...] havendo impugnação da autenticidade da assinatura constante de contrato bancário por parte do consumidor, caberá à instituição financeira o ônus de provar sua autenticidade, mediante perícia grafotécnica ou outro meio de prova” (STJ - AgInt no REsp: 1978383 PB 2022/0001143-0, Relator.: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 03/04/2023, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/04/2023). No mesmo sentido são os julgados deste Tribunal de Justiça abaixo transcritos: (grifamos) RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZATÓRIA – PRELIMINARES – CERCEAMENTO DE DEFESA – AUSÊNCIA DE DECISÃO SANEADORA – ILEGITIMIDADE PASSIVA – REJEITADAS – DESCONTOS INDEVIDOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – CONTRATAÇÃO MEDIANTE FRAUDE – ILEGALIDADE DA CONTRATAÇÃO EVIDENCIADA – VALOR INDEVIDAMENTE CREDITADO NA CONTA DEVOLVIDO MEDIANTE DEPÓSITO NOS AUTOS – DANO MORAL – CONFIGURADO – DESCONTOS QUE ULTRAPASSAM OS MEROS DISSABORES COTIDIANOS – NATUREZA ALIMENTAR DA APOSENTADORIA – INDENIZAÇÃO DEVIDA – “QUANTUM” INDENIZATÓRIO – PROPORCIONAL E RAZOÁVEL – REPETIÇÃO DO INDÉBITO – NA FORMA SIMPLES – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. As controvérsias de direito material devem ser dirimidas à luz das normas protetivas da Lei 8.078/1990, em que a autora, na qualidade de consumidora, tem em seu favor os direitos básicos tutelados no artigo 6º, entre eles a inversão do ônus probatório e a plenitude da reparação dos danos, a par da responsabilidade civil objetiva da empresa (art. 14 – teoria do risco do negócio). No Tema Repetitivo 1061/STJ foi firmada a tese de que se “consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (CPC, arts. 6º, 369 e 429, II)”. Cumpre ao réu comprovar a regularidade da contratação (art. 373, II, do CPC). Restando comprovada a fraude da contratação, é de rigor a declaração de nulidade do negócio jurídico questionado e o arbitramento de indenização, porquanto é o bastante para a configuração do dano moral suportado pela parte autora, que decorre diretamente do ato ilícito perpetrado pelo fornecedor, tendo em vista que esse tipo de dano é ‘in re ipsa’, ou seja, prescinde de comprovação, nos termos do verbete da Súmula n.º 479 do Superior Tribunal de Justiça. A devolução do indevidamente descontado deve ser feita de forma simples, uma vez que não comprovada a má-fé do banco, que, aliás, não se presume. A indenização deve ser suficiente para atender ao caráter punitivo, pedagógico e compensatório, e, portanto, se encontra justo, quando não é exorbitante nem desproporcional ao dano sofrido. [1] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. Salvador: Ed. JusPodivm, 17 Ed., 2015, p. 343. (N.U 1009064-59.2022.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 14/02/2024, Publicado no DJE 16/02/2024) RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO COM REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – DIREITO BANCÁRIO – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NA APOSENTADORIA – PRELIMINAR DE JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS NA FASE RECURSAL – REJEITADA - BIOMETRIA FACIAL - NEGATIVA DE CONTRATAÇÃO - REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO NÃO COMPROVADA - FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - DANO MATERIAL COMPROVADO - RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO CORRIGIDO E DE FORMA SIMPLES – VERBA HONORÁRIA SUCUMBENCIAL – FIXAÇÃO SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO – CONFORMIDADE COM O ART. 85, § 2º, DO CPC – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO É ônus do réu comprovar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, o que nas ações declaratórias de inexistência de débito refere-se à prova da dívida (art. 373, II, do CPC). Havendo negativa de contratação de serviços por biometria facial, é reponsabilidade da instituição financeira a demonstração inequívoca da ocorrência. (art. 429, II, do CPC e Tema Repetitivo 1.061 do Superior Tribunal de Justiça). Os descontos indevidos são restituídos na forma simples quando não evidenciada a má-fé (art. 42, parágrafo único, do CDC). Não demonstrada a contratação, os descontos efetivados imotivadamente configuram ato ilícito gerador de dano moral. A indenização tem de ser fixada em quantia que cumpra a função compensatória, punitiva e preventiva da medida. Quanto aos honorários sucumbenciais, sua base de cálculo tem, por ordem de preferência, o valor da condenação e, não havendo condenação, proveito econômico obtido pelo vencedor e, só quando não for possível mensurá-lo, o valor atualizado da causa e, por fim, havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa. Inteligência do art. 85,§ 2º, do CPC e precedente do Superior Tribunal de Justiça no REsp n. 1.746.072/PR. (N.U 1033438-59.2021.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 23/04/2024, Publicado no DJE 25/04/2024) Todavia, quando intimado para se manifestar a respeito das provas que pretendia produzir, o banco apelante não requereu a realização de perícia grafotécnica da assinatura, nem produziu qualquer outra prova capaz de sustentar suas alegações, deixando de trazer aos autos, por exemplo, comprovantes das alegadas transferências de valores, de modo que, havendo a inversão do ônus da prova, não restou comprovada a veracidade da contratação. Assim, considerando o art. 373, II, do CPC, a parte apelante deixou de comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Portanto, deve ser considerado nulo o contrato, com o retorno das partes ao status quo. Como não restou comprovada validade da contratação é de concluir que os descontos realizados são ilegais. Dessa maneira, o quantum descontado tem de ser restituído à parte apelante. Entretanto, diferente do que foi determinado em sentença e acolhendo uma das teses da Apelação, entendo que a devolução deve ser de forma simples e não de forma dobrada, em consonância com o art. 42, § único, do CDC, posto que, a meu ver, houve erro justificável da instituição financeira. Nesse sentido, transcrevo julgados recentes desta Corte: (grifamos) RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – CONTRATO DE SEGURO – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO - AUSÊNCIA DE PROVA DA RELAÇÃO JURÍDICA – DESCONTOS INDEVIDOS – DANO MORAL CARACTERIZADO - DANO IN RE IPSA – QUANTUM INDENIZATÓRIO - FIXAÇÃO EM VALOR MÓDICO – PEDIDO DE REDUÇÃO - INVIABILIDADE – REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES - PRECEDENTES – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I – Tratando-se de obrigação de trato sucessivo, o termo inicial do prazo prescricional tem início apenas após o vencimento da última parcela do contrato. II - Para a caracterização do abalo moral passível de reparação pecuniária, é despicienda a comprovação de efetivo prejuízo ao ofendido, bastando o simples débito indevido em conta bancária do cliente. III – O valor da indenização, se fixado em patamar inferior aos parâmetros aplicáveis na espécie, sem que a parte beneficiária manifeste sua irresignação pelas vias recursais adequadas, a indenização por danos morais merece apenas ser mantida, em atenção ao preceito que veda a reformatio in pejus. IV - A devolução em dobro do valor indevidamente cobrado e pago, pressupõe a ocorrência de má-fé, a qual não se presume. V - Não ficando demonstrada a má-fé nas cobranças realizadas, ainda que indevidas, não se mostra justificável a imposição da devolução em dobro dos valores recebidos. (N.U 1000533-09.2023.8.11.0048, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 24/07/2024, Publicado no DJE 25/07/2024) APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE BUSCA E PREENSÃO – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – PEDIDO REVISIONAL EM CONTESTAÇÃO – SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA – ABUSIVIDADE DEMONSTRADA –VENDA CASADA CONFIGURADA – COBRANÇA AFASTADA – RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. Nos termos definidos pelo Egrégio STJ no julgamento do REsp n. 1.639.320/SP, submetido ao regime dos recursos repetitivos, a estipulação de seguro prestamista (ou de proteção financeira), em contratos bancários, deve garantir ao consumidor, além da opção de contratar ou não o seguro, a possibilidade de escolher a instituição com a qual contratar, sob pena de configurar venda casada, prática abusiva nos termos do art. 39, inc. I, do CDC. A devolução em dobro do que foi cobrado a maior se faz necessária demonstração da má-fé da parte, o que não se verifica na espécie. (N.U 1000809-12.2023.8.11.0025, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, GUIOMAR TEODORO BORGES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 24/07/2024, Publicado no DJE 27/07/2024) APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REVISÃO DE VALOR PAGO A TÍTULO DE RECUPERAÇÃO DE CONSUMO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO – FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA – FATURA DE RECUPERAÇÃO DE CONSUMO – DESCUMPRIMENTO DO PROCEDIMENTO PREVISTO NA RESOLUÇÃO Nº 414/2010 DA ANEEL – ABUSIVIDADE CONSTATADA – READEQUAÇÃO DE ACORDO COM OS CÁLCULOS APRESENTADOS PELO AUTOR EM CONSONÂNCIA COM O LAUDO DO PERITO JUDICIAL – AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ – RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES – SENTENÇA REFORMADA NO PONTO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Nos casos de recuperação de consumo em que há necessidade de retirada do medidor é imprescindível que se lacre o equipamento após a retirada, mediante recibo, e que seja encaminhado por meio de transporte adequado para realização da avaliação técnica em laboratório, conforme prevê o § 5º do art. 129 da Resolução nº. 414/2010 da ANEEL, o que não ocorreu na hipótese dos autos. Descumprida a exigência, a perícia administrativa não é hábil a comprovar a irregularidade e a cobrança nos moldes impostos pela concessionária, porquanto o ato ofendeu aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Havendo comprovação de que o valor apurado é abusivo conforme detectado pelo perito judicial, devida a readequação de acordo com os cálculos apresentados pelo autor em consonância com o laudo do expert judicial. A repetição em dobro a que alude o art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, pressupõe a existência de pagamento indevido, bem como a má-fé do credor, o que não ocorreu no caso em apreço, razão pela qual a devolução deve se dar na forma simples. (N.U 1002285-54.2020.8.11.0037, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 24/07/2024, Publicado no DJE 24/07/2024) Considerando se tratar de caso de responsabilidade extracontratual, o valor a ser devolvido deve ser corrigido pelo INPC a partir da data dos descontos efetuados (Súmula 43 do STJ) e com incidência, ainda, de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês a partir de cada desconto indevido, conforme Súmula 54 do STJ. Em relação ao pedido de compensação feito pela parte apelada em sua defesa, entendo que não há como acolhê-lo, posto que não há qualquer prova mínima dos autos de que tenha sido depositado na conta do consumidor o valor indicado pela instituição financeira, no importe de R$ 10.174,54 (ID. 284539679 – fl. 04). Em relação ao dano moral, é cediço que não há uma indenização propriamente dita, mas uma compensação ou satisfação moral ao ofendido e, paralelamente, a reprovação do ato do ofensor, de modo a desestimulá-lo a reincidir. Por fim, em relação ao Dano Moral, entendo que no presente caso não houve comprovação de sua ocorrência, haja vista não ter ocorrido nada além da cobrança indevida, não tendo ocorrido negativação etc., nem provas de que o consumidor foi exposto ao ridículo ou sofrido qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Esse é o entendimento jurisprudencial deste Tribunal de Justiça, consoante se verifica das ementas abaixo transcritas (grifos nossos): APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO C.C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS - UTILIZAÇÃO DE SALDO DO CARTÃO DE CRÉDITO (RMC) - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - CONVERSÃO DA MODALIDADE CONTRATUAL PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES DOS VALORES DESCONTADOS EM EXCESSO, CASO HAJA COMPROVAÇÃO - DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Configura falha na prestação do serviço a conduta da instituição financeira que induz o cliente a erro ao celebrar contrato de cartão de crédito consignado, quando o consumidor acredita tratar-se de empréstimo pessoal. É caso de conversão da contratação para empréstimo consignado, observada a taxa média de mercado dos juros remuneratórios para operações da mesma natureza, condição que enseja a restituição, na forma simples, de valores descontados em excesso, caso haja comprovação. Se não demonstrados os requisitos da reparação civil, não é cabível a indenização a título de dano moral. (TMT - N.U 1005380-61.2020.8.11.0015, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, GUIOMAR TEODORO BORGES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 14/09/2022, Publicado no DJE 15/09/2022) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL C/C DANOS MORAIS. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. INCIDÊNCIA DO CDC. REVISÃO CONTRATUAL. POSSIBILIDADE. MITIGAÇÃO DA “PACTA SUNT SERVANDA”. ARTIGO 6º INCISO V DO CDC. JUROS REMUNERATÓRIOS. ACIMA DA MÉDIA DO MERCADO. ABUSIVIDADE COMPROVADA. REVISÃO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL VERIFICADA NO CASO CONCRETO. POSSIBILIDADE. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DEVIDA. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA NO CASO CONCRETO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. [...] 6. A simples constatação de encargos abusivos e a consequente revisão contratual não ensejam danos morais. 7. No caso dos autos, muito embora incida o Código de Defesa do Consumidor, não há nenhuma hipótese de dano “in re ipsa”, posto que sequer houve inscrição do nome do autor nos órgãos de proteção ao crédito, cabia ao autor/apelado comprovar que sofreu os danos morais. [...] (TJMT - N.U 1023268-96.2019.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Vice-Presidência, Julgado em 19/05/2020, Publicado no DJE 22/05/2020) Salvo algumas situações pontuais e excepcionais, diviso do entendimento emanado pelo STJ, de que “Consoante entendimento desta Corte Superior, não há falar em dano moral in re ipsa em virtude de cobrança indevida, quando inexistente ato restritivo de crédito ou inscrição em cadastro de inadimplentes. Precedentes.” (STJ - AgInt no AREsp: 1689624 GO 2020/0085068-5, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 15/03/2021, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/04/2021) Dessa forma, diante do exposto, não há de ser reconhecida a existência de danos morais no caso em apreço. Por fim, como consequência do exposto alhures, entendo que deve ser afastada a condenação do consumidor em litigância de má-fé, posto que, a meu ver, não se configurou as hipóteses previstas no artigo 80 do CPC. Ante todo exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO para: 1) Reconhecer a nulidade do contrato discutido; 2) Determinar a devolução de valores descontados indevidamente do benefício previdenciário do consumidor, na forma simples, valores estes que deverão ser corrigidos pelo INPC a partir da data dos descontos efetuados (Súmula 43 do STJ) e com incidência, ainda, de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês a partir de cada desconto indevido, conforme Súmula 54 do STJ; e 3) Afastar a condenação por litigância de má-fé. Em razão do parcial provimento do recurso da parte consumidora e o parcial provimento da inicial, com fundamento no art. 86 do CPC, redistribuo os ônus sucumbenciais fixados em sentença, condenando ambas as partes ao pagamento dos honorários advocatícios no montante de 10% sobre o proveito econômico obtido, na proporção de 50% para cada, respeitando-se a suspensão da exigibilidade em face do consumidor em razão do benefício da justiça gratuita. Ao arremate, para viabilizar eventual acesso às vias extraordinária e especial, considera-se prequestionada toda matéria infraconstitucional e constitucional, observado o pacífico entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, tratando-se de prequestionamento, é desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido decidida (EDROMS 18.205/SP, Eminente Ministro Felix Fischer, DJ 08/05/2006, p. 240). É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/07/2025
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