Edna Cristina Gaia Pereira x Banco Itaúcard S.A.
ID: 282915596
Tribunal: TJPA
Órgão: 2ª Vara Cível e Empresarial de Ananindeua
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0820309-87.2024.8.14.0006
Data de Disponibilização:
29/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RENATO FIORAVANTE DO AMARAL
OAB/SP XXXXXX
Desbloquear
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ 2ª VARA CÍVEL E EMPRESARIAL DE ANANINDEUA Fórum Des. Edgar Lassance Cunha. Endereço: Av. Cláudio Sanders, 193 – 3º Andar. Centro, Ananindeua - PA, 67030-325.Tele…
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ 2ª VARA CÍVEL E EMPRESARIAL DE ANANINDEUA Fórum Des. Edgar Lassance Cunha. Endereço: Av. Cláudio Sanders, 193 – 3º Andar. Centro, Ananindeua - PA, 67030-325.Telefone: (91) 3201-4961 _____________________________________________________________________________________________________________________________________ PROCESSO: 0820309-87.2024.8.14.0006 PARTE REQUERENTE: Nome: EDNA CRISTINA GAIA PEREIRA Endereço: Avenida Zacarias de Assunção, 02, Centro, ANANINDEUA - PA - CEP: 67030-180 PARTE REQUERIDA: Nome: BANCO ITAÚCARD S.A. Endereço: AL. PEDRO CALIL, N° 43, NÃO INFORMADO, POá - SP - CEP: 08557-105 ASSUNTO: [Capitalização / Anatocismo] CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) S E N T E N Ç A Vistos etc. I – RELATÓRIO Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE REVISÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL C.C. RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO INDEVIDAMENTE proposta por EDNA CRISTINA GAIA PEREIRA em desfavor de ITAUCARD S.A, objetivando que seja determinada a revisão da relação contratual, com a declaração de nulidade de cláusulas abusivas. Segundo a autora, em 13/05/2022, A parte AUTORA, assinou contrato nº 15930093 com a ré visando a obtenção de recursos financeiros para finalidade específica. Aduz que no momento da contratação, as informações recebidas/prestadas pela ré foram mínimas, limitando-se ao valor e quantidade de parcelas. Assim, o contrato foi firmado nas seguintes condições: Valor Solicitado: R$ 58.000,00 Valor de Entrada: R$ 22.000,00 Saldo a Financiar: R$ 36.000,00 TAXAS: - Registro de Contrato: R$ 368,33 - Seguro: R$ 1.783,49 - Tarifa de Avaliação: R$ 639,00 - IOF: R$ 1.268,60 Total das taxas: R$ 4.059,42 Valor financiado: R$ 40.059,42 Taxa de juros remuneratório mensal: 2,28% Taxa de juros remuneratório anual: 31,06% CET mensal: 2,82% CET anual: 40,30% Quantidade de parcelas: 48 Valor de cada parcela: R$ 1.390,30 Valor total da operação apresentada: R$ 66.734,40. Alega que, após o recebimento do contrato e do início dos pagamentos, a parte autora surpreendeu-se ao perceber a existência de diversas cláusulas e valores ali lançados quais não foram explicados no ato da contratação, verificando-se o pagamento de valores que desconhece ou que não lhe foram informados, como por exemplo, taxas de cadastro, registro, avaliação de bens, seguros entre outros. A requerente menciona que, somente após a contratação, tomou conhecimento da aplicação do sistema de amortização PRICE, sem que outro lhe tenha sido ofertado, aderindo a um sistema matemático que, em relação a outros sistemas conhecidos e legais, como por exemplo, o sistema GLAUSS ou SAC, eleva o seu financiamento de forma exponencial. E, que diante da suposta abusividade a qual entende estar submetida, busca a parte autora a revisão contratual, pleiteando o equilíbrio do contrato que somente poderá ser alcançada através da prestação jurisdicional perseguida. Teceu arrazoado jurídico e, ao final, requereu: a revisão do contrato e a devolução em dobro à parte autora dos valores que pagou a mais em razão do contrato impugnado. Citado, o réu apresentou contestação e documentos e, no mérito, postulou pela improcedência dos pedidos – ID 136423230. Alegou preliminares e requereu a improcedência. A parte requerente apresentou réplica. Os autos vieram conclusos. É o que importa relatar. Decido. II – FUNDAMENTAÇÃO O juiz, como destinatário das provas (arts. 370 e 371 do CPC), e com fulcro no princípio do livre convencimento motivado, pode atestar o momento para julgamento, analisando as provas dos autos, e evitando o desnecessário tramitar processual, em homenagem à razoável duração do processo, garantia constitucional, art. 5º da Carta Magna. Assim,entendo que já há provas suficientes, e em respeito ao rito célere, entendo que já se encontra apto para ser julgado, não vendo necessidade de audiência de instrução e julgamento, porquanto matéria de prova eminentemente documental. No caso em tela, verificou-se a situação prevista no art. 355, I, do CPC, eis que o litígio versa sobre questões de direito e de fato, contudonão havendo prova a produzir, já que a documentação juntada aos autos é suficiente ao conhecimento da matéria. Deixo de analisar as preliminares suscitadas, pois o mérito será julgado em favor da parte requerida e com fulcro no art. 370 do CPC, entendo não ser necessária a produção de prova técnica, uma vez que os documentos que constam dos autos são suficientes para o deslinde da lide. Por oportuno, cumpre trazer à colação o entendimento do TJPA pela desnecessidade de perícia contábil em casos análogos ao presente feito, in verbis: CLÁUSULA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DIREITO DE DEFESA. REJEITADA. DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL OU DEPOIMENTO PESSOAL. MATÉRIA EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO JUNTADO AOS AUTOS. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. POSSIBILIDADE. PACTUAÇÃO EXPRESSA. TAXA ANUAL DE JUROS SUPERIOR AO DUODÉCUPLO DA TAXA MENSAL. CONTRATO FIRMADO APÓS 31/03/2000. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. O Juiz é o destinatário da prova, podendo indeferir requerimentos impertinentes, inúteis ou manifestamente protelatórios. Em casos como o dos autos, a matéria é exclusivamente de direito, restando desnecessária a realização de perícia técnica e depoimento pessoal da parte, autorizando-se, via de consequência, o julgamento antecipado da lide, mormente ao levar-se em conta que os instrumentos contratuais questionados se encontram anexados aos autos. 2. É remansoso o entendimento, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, de que “é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada." e de que "a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada" (STJ - REsp: 973827 RS 2007/0179072-3, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO: DJe 24/09/2012). 3. Recurso de Apelação Cível conhecido e improvido. (TJPA – APELAÇÃO CÍVEL – Nº 0052076-53.2013.8.14.0301 – Relator(a): MARGUI GASPAR BITTENCOURT – 1ª Turma de Direito Privado – Julgado em 15/05/2023) As partes estão bem representadas. Presentes os pressupostos processuais e os requisitos de admissibilidade da demanda, passo à análise do mérito. Cuida-se de ação em que a parte autora pugna pela declaração de nulidade de cláusulas contratuais, pela revisão do financiamento, bem como pela condenação da parte requerida ao pagamento de repetição de indébito, em dobro. O caso dos autos se submete ao regime jurídico previsto no Código de Defesa do Consumidor, haja vista que as partes se amoldam nos conceitos de consumidor e fornecedor previstos nos arts. 2º e 3º do CDC. Vale destacar o enunciado da Súmula n. 297 do STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Analisando-se os autos, não há controvérsia quanto à celebração do contrato de financiamento de veículo, fato admitido pelas partes. A controvérsia se cinge em aferir existência de práticas abusivas pela parte requerida e do consequente dever de indenizar. Quanto à distribuição do ônus da prova, aplica-se ao presente feito o disposto no art. 6º, VIII, do CDC, por estarem configuradas a relação de consumo e a hipossuficiência técnica, financeira e jurídica da parte autora. Vale ressaltar, contudo, que tal situação não afasta o ônus do consumidor de apresentar as provas mínimas de suas alegações, em especial quanto à apresentação de prova documental cuja produção esteja a seu alcance, em atenção inclusive ao dever de colaboração com a Justiça (art. 6º, CPC). Feitas as considerações, passo à análise individualizada de cada ponto levantado na petição inicial. 1 – DA TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS A fixação de juros remuneratórios superiores a 12% (doze por cento) ao ano, por si só, não os torna abusivos, uma vez que as instituições financeiras não se sujeitam à limitação imposta pelo Decreto 22.626/33 (“Lei da Usura”), conforme já pacificado pelo enunciado da Súmula nº 596 do Supremo Tribunal Federal e pelo Tema 24 do Superior Tribunal de Justiça. Assim, as instituições financeiras podem cobrar taxas de juros remuneratórios superiores às ordinárias, porque não estão submetidas à Lei de Usura, e sim às prescrições da Lei nº 4.595/64. Ademais, “são inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591, c/c o art. 406 do CC/2002” (AgRg no AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 770.625/SP (2015/0215387-1), 4ª Turma do STJ, Rel. Raul Araújo. j. 23.02.2016, DJe 07.03.2016). Quanto à possibilidade de revisão da taxa de juros, o julgamento do REsp 1.061.530/RS pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, sob o rito dos recursos repetitivos, foi fixada a seguinte tese: “é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade [seja] capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto” (REsp 1.061.530/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Segunda Seção, j. em 22/10/2008, DJe 10/3/2009) A Ministra Nancy Andrighi, relatora do REsp 1.061.530/RS, destacou em seu voto o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de considerar como abusiva as taxas de juros fixadas em contrato superiores a uma vez e meia, ao dobro ou ao triplo da taxa média de mercado: “(...) A jurisprudência, conforme registrado anteriormente, tem considerado abusivas taxas superiores a uma vez e meia (voto proferido pelo Min. Ari Pargendler no REsp 271.214/RS, Rel. p. Acórdão Min. Menezes Direito, DJ de 04.08.2003), ao dobro (Resp 1.036.818, Terceira Turma, minha relatoria, DJe de 20.06.2008) ou ao triplo (REsp 971.853/RS, Quarta Turma, Min. Pádua Ribeiro, DJ de 24.09.2007) da média. Todavia, esta perquirição acerca da abusividade não é estanque, o que impossibilita a adoção de critérios genéricos e universais. A taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central, constitui um valioso referencial, mas cabe somente ao juiz, no exame das peculiaridades do caso concreto, avaliar se os juros contratados foram ou não abusivos. (...)” Tal entendimento vem sendo seguido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará: EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONFIGURADA. JUIZ DESTINATÁRIO DA PROVA. PROVA PERICIAL. DESNECESSÁRIA. ALEGAÇÃO DE ABUSIVIDADE NA COBRANÇA DE JUROS CAPITALIZADOS DEVIDAMENTE EXPRESSOS EM CONTRATO (LIVRE PACTUAÇÃO). JUROS DENTRO DOS LIMITES ESTABELECIDOS PELO BANCO CENTRAL. POSSIBILIDADE DE CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS PELAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. JUROS DE MORA CABÍVEL PELO ATRASO NO PAGAMENTO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-PA - AC: 00115762020148140006, Relator: GLEIDE PEREIRA DE MOURA, Data de Julgamento: 04/10/2022, 2ª Turma de Direito Privado, Data de Publicação: 02/02/2023) EMENTA: APELAÇO CÍVEL. AÇÃO DE REVISO CONTRATUAL C/C DANO MORAL.EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. CAPITALIZAÇO MENSAL DE JUROS.POSSIBILIDADE. JUROS REMUNERATÓRIOS QUE NÃO SUPERAM A TAXA DE MERCADO. PREVISO CONTRATUAL E LEGAL. RECURSO DE APELAÇO CONHECIDO E IMPROVIDO. (TJ-PA - AC: 01011308020168140301, Relator: ROSILEIDE MARIA DA COSTA CUNHA, Data de Julgamento: 01/03/2021, 1ª Turma de Direito Público, Data de Publicação: 10/03/2021) Segundo a inicial, no contrato em análise, os juros remuneratórios previstos no contrato correspondem à taxa nominal mensal de 2,28% e taxa anual de 31,06%. A parte autora não apresentou informação sobre a média de juros do BACEN, no entanto, realizada pesquisa no sítio eletrônico do BACEN, no segmento do contrato aqui debatido (Taxa média mensal de juros - Pessoas físicas - aquisição de veículo), no mês de maio de 2022, a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil foi de: 2,02% a.m. e 27,15% a.a.. Assim, os juros contratuais estão abaixo da média de mercado, portanto, não se vislumbra situação excepcional que coloque o consumidor em desvantagem exagerada, a fim de permitir a revisão das taxas de juros do contrato firmado, cujas obrigações foram, de forma voluntária, assumidas pela parte autora. Ainda, ressalto que a tese jurídica sustentada pela autora não encontra amparo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Da inicial, vê-se que a autora requer a revisão dos supostos contratos de empréstimo pactuados para adequá-los à taxa média do BACEN. No entanto, não é o fato de a taxa de juros remuneratórios ser superior a uma vez e meia, ao dobro ou ao triplo da taxa média de mercado, por si só, que configura abusividade. Nesse sentido, colaciono parte da fundamentação assentada pelo Superior Tribunal de Justiça ao dizer que “ficou assentado no julgamento do recurso repetitivo (REsp. 1.061.530/RS) que a alteração das taxas de juros remuneratórios pactuadas em contratos bancários depende da demonstração cabal de abuso, o qual deve ser apurado pelo juiz em face do caso concreto, tendo em conta a situação da economia na época da contratação, o custo da captação dos recursos pela instituição financeira credora (esse custo varia entre os agentes do mercado financeiro), e sobretudo o risco envolvido na operação, aqui considerado histórico de crédito do devedor, o relacionamento mantido com o banco, as garantias da operação, entre outras peculiaridades do caso em julgamento” (REsp n. 1.821.182/RS, Quarta Turma, julgado em 23/6/2022, DJe de 29/6/2022) Ademais, no julgamento do REsp n. 1.821.18 2/RS, a Quarta Turma sintetizou uma série de fatores que podem impactar na definição da taxa de juros remuneratórios, verbis: Conforme explicado pelo Banco Central do Brasil, a taxa de juros varia de acordo com cada cliente, sendo relevantes, exemplificativamente, as seguintes características: valor requerido pelo cliente; rating do cliente/risco; valor e fontes de renda do cliente; histórico de negativação/protesto em nome do cliente; relacionamento com a instituição financeira; prazo de amortização da dívida; existência ou não de garantias para a operação; qualidade (recuperabilidade) da garantias eventualmente aportadas; existência ou não de pagamento de parcela do bem a ser financiado (entrada) e em qual proporção; forma de pagamento da operação. Ainda, no julgamento do Resp 2.009.614/SC, esta Terceira Turma fixou o entendimento de que devem ser observados os seguintes requisitos para a revisão das taxas de juros remuneratórios: a) a caracterização de relação de consumo; b) a presença de abusividade capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada; e c) a demonstração cabal, com menção expressa às peculiaridades da hipótese concreta, da abusividade verificada, levando-se em consideração, entre outros fatores, a situação da economia na época da contratação, o custo da captação dos recursos, o risco envolvido na operação, o relacionamento mantido com o banco e as garantias ofertadas. Naquela oportunidade, decidiu-se, ainda, que “são insuficientes para fundamentar o caráter abusivo dos juros remuneratórios: a) a menção genérica às “circunstâncias da causa” – ou outra expressão equivalente; b) o simples cotejo entre a taxa de juros prevista no contrato e a média de mercado divulgada pelo BACEN e c) a aplicação de algum limite adotado, aprioristicamente, pelo próprio Tribunal estadual” (REsp n. 2.009.614/SC, Terceira Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022). No presente caso, da leitura na narrativa fática da inicial, fica evidente que a autora se limitou a arguir genericamente a abusividade dos juros eventualmente pactuados unicamente em razão da distinção em relação à taxa média de mercado, sem indicar qualquer situação além da diferença entre a taxa supostamente praticada e a taxa média de mercado. Tal conduta contraria de forma expressa o entendimento já estabelecido pela Corte Superior de Justiça. É dizer: não configura abusividade o simples cotejo entre a taxa de juros prevista no contrato e a média de mercado divulgada pelo BACEN. No presente caso, não restou demonstrada, por qualquer meio técnico idôneo, a discrepância entre a taxa aplicada no contrato e a taxa média de mercado apurada pelo Banco Central à época. A alegação de que o valor final pago pela autora corresponde a quase o dobro do valor do bem financiado não é suficiente, por si só, para configurar abusividade, pois desconsidera o custo do crédito, o risco da operação e o prazo contratual. Desse modo, não há que se falar em cobranças indevidas ou em ato ilícito praticados pela instituição financeira, sendo inviável o acolhimento do pedido. 2 - DA CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS A capitalização de juros consiste, basicamente, na incorporação periódica ao saldo devedor dos juros vencidos e não pagos, passando a incidir novos juros sobre o montante total, e é plenamente admitida no ordenamento jurídico, à luz da jurisprudência há muito tempo já pacífica dos Tribunais pátrios. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 592.377/RS, com repercussão geral reconhecida, declarou a constitucionalidade formal da Medida Provisória 2.170-36/2001, que autoriza a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano nas operações realizadas por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, no julgamento do REsp n. 973.827/RS, consolidou os entendimentos geraram os Temas Repetitivos 246 e 247: Tema 246: É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada (entendimento sumulado - Súmula nº539/STJ). Tema 247: A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada. Posteriormente, foi editada a Súmula nº 539/STJ sobre o tema, cujo enunciado assim prevê: Súmula 539-STJ: É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP 1.963-17/00, reeditada como MP 2.170-36/01), desde que expressamente pactuada. STJ. 3ª Seção. Aprovada em 10/06/2015, Dje 15/06/2015 No ano de 2017, no julgamento do REsp n. 1.388.972/SC, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, firmou a tese que gerou o Tema Repetitivo 593: "a cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação". No contrato firmado entre as partes (ID 101753288), é expressamente prevista a aplicação da regra de capitalização dos juros, o que está de acordo com a jurisprudência firmada em sede de recurso repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça, não havendo qualquer ilegalidade nesse ponto, sendo inviável o acolhimento do pedido declaratório de nulidade. Portanto, sendo os valores questionados devidos, por óbvio eles compõem o valor total da contratação, incidindo sobre eles, também, os encargos remuneratórios do contrato, dos quais a parte autora teve efetiva ciência, sendo incabível o recálculo na forma pleiteada. 3 – Da forma de amortização O sistema de amortização da “Tabela PRICE”, também conhecido como “Sistema Francês de Amortização”, é um método consistente, estável, muito comum em contratos de financiamento para a aquisição de veículos e plenamente admitido pelos Tribunais pátrios. Por meio de tal sistema uma parte do valor da prestação é utilizada para a amortização do valor principal (“parcela de capital”) e outra para o pagamento dos juros do crédito disponibilizado (“parcela de juros”). Como é sabido, no início da relação contratual se paga mais juros e menos se amortiza, ao passo que no decorrer da execução do contrato a equação se inverte, passando-se a se adimplir menos juros e se amortizar mais. Ou seja, a amortização é crescente e a o pagamento dos juros é decrescente. Ainda, a sua utilização permite que as parcelas sejam homogêneas ao longo do financiamento, sofrendo apenas a incidência dos encargos contratuais. Ao entabular o contrato, a parte autora teve plena ciência dos valores cobrados, incluindo o valor das parcelas pré-fixadas, tendo concordado com a cobrança. Quanto à legalidade da aplicação da “Tabela PRICE” e a impossibilidade de substituição, destaca-se o entendimento pacífico dos Tribunais pátrios, in verbis: APELAÇÃO. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. 1. CONTROVÉRSIA. Sentença de parcial procedência dos pedidos deduzidos em ação revisional de contrato. Insurgência recursal do autor, fundada no seguinte: a) abusividade da taxa de juros remuneratórios; b) abusividade da Tabela "Price"; c) abusividade da cobrança da tarifa de registro. 2. CERCEAMENTO DE DEFESA. Afastado. Todas as questões suscitadas nos autos independem de produção de prova pericial para sua verificação. Cabe ao juiz o poder-dever de impedir a produção de prova inútil ao deslinde da causa. 3. JUROS REMUNERATÓRIOS. Mantidos. Instituições financeiras não estão sujeitas à limitação de juros remuneratórios (STJ, Súmula 539 e Tema repetitivo 953), bem como a taxa contratada é próxima da taxa de juros média divulgada pelo BACEN. 4. TABELA PRICE. Mantida. Inexistência de ilegalidade na eventual adoção do referido método de amortização. Adoção da tabela "price" que, por si só, não implica anatocismo. 5. TARIFA DE REGISTRO. Mantida. Cobrança permitida desde que comprovada a prestação dos serviços e ausente onerosidade excessiva (STJ, Tema repetitivo 958). Existência de documento a justificar a cobrança desta e ausência de onerosidade excessiva. 6. RECURSO DESPROVIDO, majorados os honorários sucumbenciais do patrono do réu de 10% para 15% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do § 11º, do art. 85, do CPC/15. (TJ-SP - Apelação Cível: 1006513-74.2023.8.26.0320 Limeira, Relator: Luís H. B. Franzé, Data de Julgamento: 02/05/2024, 17ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 02/05/2024) Nesse mesmo sentido: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE IMPOSSIBILIDADE DE CAPITALIZAÇÃO COMPOSTA DE JUROS FRENTE A RECENTE SÚMULA 539 E RESP REPETITIVO 1. 388. 972/SC TODOS DO STJ CC REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS QUE IMPLICAM EM VENDA CASADA E ONEROSIDADE EXCESSIVA E TUTELA DE EVIDÊNCIA PARA DEPÓSITO JUDICIAL DO INCONTROVERSO – SUBSTITUIÇÃO DA TABELA PRICE PELA GAUSS – IMPOSSIBILIDADE – da CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS – DO SEGURO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO. I – A utilização da Tabela PRICE não caracteriza, por si só, a prática de anatocismo, pois apenas prevê a amortização dos juros antes do principal. In casu, não é possível consignar nenhuma ilegalidade na aplicação tácita da Tabela Price - dada a explícita previsão de parcelas fixas, no contrato de financiamento sob discussão. II – Segundo posicionamento cristalizado pelo STJ no âmbito dos recursos repetitivos, não é vedada a capitalização do juros em periodicidade inferior à anual, desde que expressamente pactuada. III – Não há falar em nulidade da contratação ou em venda casada do financiamento vinculado à adesão ao seguro, se não há prova do condicionamento do negócio. (TJ-MS - AC: 08093625120228120021 Três Lagoas, Relator: Des. Ary Raghiant Neto, Data de Julgamento: 28/02/2023, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 03/03/2023) Assim como, é o entendimento descrito abaixo: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO IMOBILIÁRIO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA C/C PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO E TUTELA DE URGÊNCIA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. 1. PRELIMINAR DE NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL. NÃO ACOLHIMENTO. 2. MÉRITO. TABELA PRICE. EXPRESSA PREVISÃO CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE. PARCELAS COM VALOR FIXO. DEVER DE INFORMAÇÃO CUMPRIDO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. REVISIONAL. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS E TABELA PRICE. CONTRATAÇÃO EXPRESSA. LEGALIDADE. ABUSIVIDADE. INEXISTÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA.1. Em contratos bancários, é lícita a capitalização de juros, quando expressamente contratada. 2. A utilização da tabela Price, por si só, não implica abusividade, especialmente quando o contrato estipular o pagamento do mútuo em prestações fixas mensais. 3. Apelação cível conhecida e não provida. (TJPR - 15ª Câmara Cível - 0000550-16.2022.8.16.0159 - São Miguel do Iguaçu - Rel.: DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS GABARDO - J. 13.02.2023) (grifei) (TJPR - 15ª Câmara Cível - 0013160-25.2020.8.16.0017 - Maringá - Rel.: SUBSTITUTO LUCIANO CAMPOS DE ALBUQUERQUE - J. 29.04.2023) (TJ-PR - APL: 00131602520208160017 Maringá 0013160-25.2020.8.16.0017 (Acórdão), Relator: substituto luciano campos de albuquerque, Data de Julgamento: 29/04/2023, 15ª Câmara Cível, Data de Publicação: 30/04/2023) Assim, não há qualquer irregularidade ou abusividade, sendo inviável o acolhimento do pedido da parte autora para modificação do método de amortização. 4. Registro de Contrato A cobrança denominada Registro de Contrato corresponde ao registro da alienação fiduciária junto ao Detran, nos termos do artigo 1361 do Código Civil, além da previsão expressa na Resolução nº 689/17 do Contran, tratando-se de requisito necessário para a operação desejada pelo consumidor, até para que a alienação fiduciária conste no Certificado de Registro de Veículo – CRV. Neste sentido, deve ser destacado novamente o Recurso Repetitivo Resp 1.578.553/SP, momento que o Superior Tribunal de Justiça ratifica a validade desta cobrança: “2.3. Validade da tarifa de avaliação do bem dado em garantia, bem como da cláusula que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato, ressalvadas a: 2.3.1. abusividade da cobrança por serviço não efetivamente prestado; (...)” (REsp 1.578.553– RS - Rel. Min. Paulo De Tarso Sanseverino, DJ 06/12/2018). Nesse sentido, ao autor não é cabível a devolução de valor por atividade obrigatória por lei. 5. Tarifa de Avaliação do Bem A Tarifa de Avaliação do Bem está expressamente prevista no contrato, e possui consonância com as normas do Conselho Monetário Nacional, especificamente, com a Resolução 3.919/10, em vigor desde 01/03/2011, a qual dispõe: Art. 5º Admite-se a cobrança de tarifa pela prestação de serviços diferenciados a pessoas naturais, desde que explicitadas ao cliente ou ao usuário as condições de utilização e de pagamento, assim considerados aqueles relativos a: (...) VI - avaliação, reavaliação e substituição de bens recebidos em garantia; Nesta linha, o REsp. nº 1.578.553- SP., com julgamento em 05.12.2018, com efeito de Repetitivo, consolidou a possibilidade da cobrança da Tarifa de Avaliação do Bem: “2.3. Validade da tarifa de avaliação do bem dado em garantia, bem como da cláusula que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato, ressalvadas a: (REsp 1.578.553– RS - Rel. Min. Paulo De Tarso Sanseverino, DJ 06/12/2018). Ressalve-se que a contratação desse serviço se deu por prévia, expressa e explícita concordância da parte Autora, conforme os artigos 40, 46 e 52 do CDC, por isso, a impossibilidade de restituição do valor. 6. Seguro de Proteção O autor alega que ocorreu “venda casada de seguro” e que o financiamento do veículo somente foi liberado após a contratação do seguro, no entanto, não há nos autos comprovação de tais alegações, o contrato de financiamento e o contrato de seguro foram assinados em documentos apartados e não se verifica vinculação entre eles. O seguro foi contratado pelo autor e, nos termos do Recurso Especial Repetitivo nº 1.639.259/SP, possui a faculdade de buscar no mercado qualquer seguradora que atenda a sua necessidade. De qualquer forma, nos termos do Certificado de Seguro é sempre facultado ao consumidor, e a qualquer tempo, desistir do seguro, fazendo jus ao recebimento parcial do prêmio, em atendimento ao artigo 764 do CC. Diante do exposto, considero não ter sido a contratação do seguro uma condicionante para concessão do financiamento, portanto, fica afastada a tese de venda casada. 7. IOF A autora alega que a cobrança do IOF é abusiva e requer a devolução do valor constante no instrumento contratual, ocorre que há legalidade na cobrança de IOF no presente caso. Analisando os autos, verifica-se que não há irregularidade na cobrança do imposto sobre operações financeiras – IOF, este tributo foi instituído pela União, de acordo com a Lei nº 8.894/94 e teve sua incidência ampliada com a edição da Lei nº 9.779/99 às operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física. Importa ressalvar que, o STJ em Recurso Repetitivo, REsp 1.251.331 - RS, firmou tese quanto a legalidade do financiamento do imposto, vejamos: “(...) 3ª TESE: Podem as partes convencionar o pagamento do Imposto sobre as Operações Financeiras e de Crédito (IOF) por meio de financiamento acessório ao mútuo principal, sujeitando-o aos mesmos encargos contratuais”. Diante disso, não há abusividade na cobrança do IOF no contrato em discussão, não sendo cabível acolher o pedido da autora. 8. Da Mora e da Repetição de Indébito Segundo o enunciado da Súmula 380 do STJ: “a simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor”. Sendo os valores questionados devidos, por óbvio eles compõem o valor total da contratação, incidindo sobre eles, também, os encargos remuneratórios e moratórios do contrato, dos quais a parte autora teve efetiva ciência, sendo incabível o afastamento da mora. Nesse passo, o inadimplemento das obrigações financeiras assumidas, e a ausência de quitação do saldo devedor, autorizam a adoção pela parte ré das medidas necessárias ao seu alcance para o recebimento dos valores devidos, o que inclui a realização de cobranças nas searas extrajudicial ou judicial, bem como a inscrição do nome do devedor nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito. Quanto à repetição de indébito e declaração de abusividade de cláusulas, constatada a regularidade da contratação e inexistindo qualquer indicativo de falha na prestação dos serviços ou de práticas ilegais/abusivas, não há que se falar em cobranças indevidas ou em ato ilícito praticados pela instituição financeira, em atenção ao disposto no art. 188, I, do CC, sendo inviável o acolhimento dos pedidos. Assim, a improcedência total dos pedidos da parte autora é a medida que se impõe. III – DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial, resolvendo o mérito nos termos do art. 487, I, do CPC. Custas e honorários sucumbenciais pela autora no percentual de 10% sobre o valor da causa, suspensa a cobrança ante a concessão do benefício da justiça gratuita. Mantenho o deferimento da justiça gratuita, ante a ausência de comprovação pelo requerido da capacidade financeira da autora. Em caso de interposição de recurso, sem necessidade de nova conclusão, certifique-se a secretaria a tempestividade, intime-se a parte recorrida para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias e, após, remetam-se os autos ao E.TJPA para juízo de admissibilidade e processamento, na forma § 3º do art. 1.010 do NCPC, para os devidos fins, com as nossas homenagens. Após o trânsito em julgado, não havendo qualquer requerimento ou interposição de recurso, arquive-se os autos. P.R.I.C. Ananindeua/PA, data e hora firmados na assinatura eletrônica. (Documento assinado digitalmente) ANDREY MAGALHÃES BARBOSA Juiz de Direito Titular da 2ª Vara Cível e Empresarial de Ananindeua
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear