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Joao Sichieri Junior x Cooperativa De Crédito De Livre Admissão Do Sudoeste Da Amazônia Ltda - Sicoob Credisul

ID: 317915578

Tribunal: TJMT Órgão: 1ª VARA CÍVEL DE SORRISO Classe: EMBARGOS à EXECUçãO Nº Processo: 1016475-71.2024.8.11.0040

Data de Disponibilização: 07/07/2025

Polo Ativo:

JOAO SICHIERI JUNIOR

Polo Passivo:

COOPERATIVA DE CRÉDITO DE LIVRE ADMISSÃO DO SUDOESTE DA AMAZÔNIA LTDA - SICOOB CREDISUL

Decisão

Advogados:

MAURICIO AYRES RAMOS

OAB/RS XXXXXX Desbloquear

CRISTIANE TESSARO

OAB/RO XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 1ª VARA CÍVEL DE SORRISO DECISÃO Processo: 1016475-71.2024.8.11.0040. EMBARGANTE: JOAO SICHIERI JUNIOR EMBARGADO: COOPERATIVA DE CRÉDITO DE LIVRE ADMISSÃO DO SU… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 1ª VARA CÍVEL DE SORRISO DECISÃO Processo: 1016475-71.2024.8.11.0040. EMBARGANTE: JOAO SICHIERI JUNIOR EMBARGADO: COOPERATIVA DE CRÉDITO DE LIVRE ADMISSÃO DO SUDOESTE DA AMAZÔNIA LTDA - SICOOB CREDISUL Vistos etc. Trata-se de Embargos à Execução opostos por JOÃO SICHIERI JUNIOR em face de COOPERATIVA DE CRÉDITO DE LIVRE ADMISSÃO DO SUDOESTE DA AMAZÔNIA LTDA - SICOOB CREDISUL, ambos devidamente qualificados nos autos, em que o embargante alega, em síntese: (i) incompetência territorial diante da existência de cláusula de eleição de foro prevista nos contratos; (ii) nulidade da execução quanto à cédula de crédito bancário nº 57055-4, por ter sido objeto de transação homologada por sentença nos autos nº 1002745-95.2021.8.11.0040; (iii) impossibilidade de cumulação de títulos judicial e extrajudicial; (iv) nulidade da execução por falta de liquidez do título; (v) aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e cabimento da inversão do ônus da prova; (vi) excesso de execução; (vii) natureza de crédito rural; (viii) cobrança de juros moratórios acima de 1% ao ano; e (ix) cobrança indevida de tarifas não contratadas. O embargante aduz que a embargada, ao ajuizar a execução, omitiu informação relevante de que a cédula de crédito de nº 57055-4 foi objeto de transação homologada por sentença nos autos nº 1002745-95.2021.8.11.0040, em trâmite neste juízo. Sustenta que a embargada cobrou encargos indevidamente, resultando em excesso de execução no montante de R$ 1.303.796,19. Pugnou pela concessão de efeito suspensivo aos embargos e, no mérito, pela procedência dos pedidos. Inicialmente, foi indeferido o pedido de concessão da justiça gratuita (ID 177152815), decisão mantida pelo Tribunal de Justiça (ID 190677785). Na sequência, foi deferido o parcelamento das custas processuais, sem atribuição de efeito suspensivo aos embargos (ID 185326222). A parte embargante interpôs agravo de instrumento (RAI 1008847-20.2025.8.11.0000) contra a decisão que indeferiu o efeito suspensivo, tendo o Tribunal de Justiça dado provimento ao recurso, atribuindo efeito suspensivo aos embargos, reconhecendo que houve formalização de penhora sobre o imóvel dado em hipoteca, o que supriu o requisito da garantia do juízo (ID 197285507). A embargada apresentou impugnação aos embargos (ID 192960789), alegando, preliminarmente, a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, argumentando que a relação entre as partes é de associativismo cooperativo e não de consumo. No mérito, sustentou a exequibilidade e liquidez do título executivo, ausência de excesso de execução e regularidade dos encargos contratuais. Refutou a tese de que o crédito possui natureza rural, argumentando que se trata de crédito pessoal. Por fim, pugnou pela improcedência dos embargos. Vieram os autos conclusos. É O RELATÓRIO. DECIDO. Inicialmente, passo à apreciação a alegada impossibilidade de execução do termo aditivo à cédula de crédito bancário nº 57055-4 como título extrajudicial. O embargante sustenta que a execução é nula em relação à cédula de crédito bancário nº 57055-4, pois esta teria sido objeto de transação homologada por sentença nos autos nº 1002745-95.2021.8.11.0040, transformando-se, portanto, em título executivo judicial. Compulsando os autos, verifico que, de fato, as partes entabularam acordo nos autos do processo nº 1002745-95.2021.8.11.0040, referente à mesma cédula de crédito bancário nº 57055-4, acordo este que foi homologado por sentença. O documento ID 177024971 comprova que houve transação homologada judicialmente, tendo constado na decisão que "em caso de descumprimento do acordo basta a simples manifestação da parte interessada para prosseguimento do feito". Desta feita, dispõe o artigo 515, inciso III, do Código de Processo Civil: "Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título: (...) III - a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza;" No caso em apreço, o acordo celebrado entre as partes e homologado judicialmente transformou a cédula de crédito bancário nº 57055-4 em título executivo judicial, não podendo mais ser executada como título extrajudicial. Ademais, o artigo 780 do CPC estabelece que: "Art. 780. O exequente pode cumular várias execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, quando o executado for o mesmo e desde que para todas elas seja competente o mesmo juízo e idêntico o procedimento." Conforme a doutrina processual e a jurisprudência consolidada, não é possível a cumulação de execuções lastreadas em títulos judiciais e extrajudiciais no mesmo processo, pois os procedimentos são distintos. Nesse sentido, colaciono os seguintes precedentes: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. CUMULAÇÃO DE TÍTULOS EXECUTIVOS JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. PROCEDIMENTOS DIVERSOS. A cumulação de execuções é possível apenas quando observados os requisitos do art. 780 do CPC, dentre os quais, a identidade procedimental. Considerando que o título executivo judicial segue procedimento próprio, qual seja, o cumprimento de sentença, não é possível a sua cumulação com execução fundada em título extrajudicial, eis que regida por procedimentos distintos." (TJSP, AI 2033212-20.2023.8.26.0000, Rel. Des. Hélio Nogueira, 22ª Câmara de Direito Privado, j. 07/04/2023) "APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CUMULAÇÃO DE TÍTULOS. TÍTULO JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. PROCEDIMENTOS DIVERSOS. ART. 780 DO CPC. 1. A cumulação de execuções somente é possível quando preenchidos os requisitos do art. 780 do CPC, dentre os quais está a identidade de procedimento. 2. Considerando que os títulos judiciais e extrajudiciais se submetem a procedimentos executivos diversos, não é possível a sua cumulação em um mesmo processo de execução. 3. Recurso conhecido e provido." (TJDF, APL 0705486-19.2021.8.07.0001, Rel. Des. Cesar Loyola, 2ª Turma Cível, j. 22/03/2023) "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. CUMULAÇÃO DE TÍTULOS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS. IMPOSSIBILIDADE. PROCEDIMENTOS DISTINTOS. 1. A cumulação de execuções, nos termos do art. 780 do CPC, só é possível quando, além de o executado ser o mesmo e de o mesmo juízo ser competente, o procedimento for idêntico. 2. Tendo em vista que os títulos executivos judicial e extrajudicial possuem procedimentos executórios diversos, não é possível a cumulação das respectivas execuções no mesmo processo. 3. Recurso provido." (TJRJ, AI 0026486-18.2023.8.19.0000, Rel. Des. Antônio Carlos dos Santos Bitencourt, 27ª Câmara de Direito Privado, j. 19/10/2023) Assim, reconheço a nulidade da execução em relação à cédula de crédito bancário nº 57055-4 e seu aditivo nº 101879-8, permanecendo válida apenas em relação à cédula de crédito bancário nº 134555-5. Quanto à alegação de ausência de liquidez do título executivo, verifica-se que a cédula de crédito bancário nº 134555-5 atende aos requisitos legais estabelecidos pelo artigo 28 da Lei nº 10.931/2004, que dispõe: "Art. 28. A Cédula de Crédito Bancário é título executivo extrajudicial e representa dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível, seja pela soma nela indicada, seja pelo saldo devedor demonstrado em planilha de cálculo, ou nos extratos da conta corrente, elaborados conforme previsto no § 2º." O § 2º do mesmo artigo estabelece: "§ 2º Sempre que necessário, a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, representado pela Cédula de Crédito Bancário, será feita pelo credor, por meio de planilha de cálculo e, quando for o caso, de extrato emitido pela instituição financeira, em favor da qual a Cédula de Crédito Bancário foi originalmente emitida, documentos esses que integrarão a Cédula, observado que: I - os cálculos realizados deverão evidenciar de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais devidos, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela de atualização monetária ou cambial, a parcela correspondente a multas e demais penalidades contratuais, as despesas de cobrança e de honorários advocatícios devidos até a data do cálculo e, por fim, o valor total da dívida;" Examinando os documentos juntados pela embargada à execução, constato a existência da cédula de crédito bancário nº 134555-5, acompanhada de planilha de cálculo que demonstra o valor total cobrado. Entretanto, conforme bem apontado pelo embargante e corroborado pelo parecer técnico por ele apresentado, a planilha de cálculo não evidencia "de modo claro, preciso e de fácil entendimento" todos os elementos que compõem o débito, especialmente no que diz respeito aos pagamentos realizados e à evolução da dívida. O Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência consolidada no sentido de que a ausência de demonstrativo de evolução da dívida que atenda aos requisitos legais compromete a liquidez do título executivo: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. PLANILHA DE CÁLCULO. AUSÊNCIA DE CLAREZA E PRECISÃO. LIQUIDEZ DO TÍTULO AFASTADA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que a Cédula de Crédito Bancário, para constituir título executivo extrajudicial líquido, certo e exigível, deve estar acompanhada de planilha de cálculo que evidencie, de forma clara e precisa, os valores utilizados no cálculo do débito. 2. No caso, o Tribunal de origem concluiu pela ausência de liquidez do título, uma vez que os demonstrativos apresentados pelo credor não atenderam aos requisitos legais. A alteração dessas conclusões demandaria o reexame de fatos e provas, providência vedada pela Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno não provido." (STJ, AgInt no REsp 1979432/MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, j. 13/03/2023, DJe 20/03/2023) "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. AUSÊNCIA DE CLAREZA NA DEMONSTRAÇÃO DA EVOLUÇÃO DA DÍVIDA. LIQUIDEZ DO TÍTULO AFASTADA. PRECEDENTES. SÚMULA 7/STJ. 1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que, para que a cédula de crédito bancário tenha força executiva, o credor deve instruí-la com demonstrativo de débito que apresente de forma clara, precisa e de fácil entendimento, o valor do principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais, a parcela de juros, a metodologia de cálculo utilizada para sua evolução, permitindo ao devedor o controle da exatidão do valor cobrado. 2. Agravo interno não provido." (STJ, AgInt no AREsp 1836954/MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, j. 10/10/2022, DJe 17/10/2022) No caso em exame, o parecer técnico apresentado pelo embargante aponta diversas inconsistências nos cálculos apresentados pela embargada, especialmente quanto à ausência de discriminação de pagamentos realizados e evolução da dívida. A embargada, em sua impugnação, não contestou de forma específica estas alegações, limitando-se a defender genericamente a liquidez do título. Destaco o seguinte trecho do parecer técnico, que evidencia a ausência de clareza na demonstração do débito: "Os 'Cálculos' referente à Cédula nº 134555-5 que constam nos autos (id Num 169714306 – pág. 1), não discriminam os valores pagos pelo Emitente e a sua correspondente evolução da dívida, sendo extremamente confuso e desprovido de clareza, não atendendo ao disposto na Lei nº 10.931 de 02/08/2004, que trata da 'CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO'." A documentação apresentada pela embargada não permite verificar com precisão os pagamentos realizados pelo embargante, o que compromete a liquidez do título executivo em relação à cédula remanescente (nº 134555-5). Nesse contexto, reconheço a ausência de liquidez do título executivo, nos termos do artigo 803, inciso I, do CPC, o que impõe a extinção da execução. Por fim, apenas a título de esclarecimento, em que pese a discussão sobre a natureza do crédito (se rural ou pessoal) e a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, tais questões se mostram prejudicadas diante do reconhecimento da nulidade da execução com base nos fundamentos já expostos. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os embargos à execução, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para: Declarar a nulidade da execução em relação à cédula de crédito bancário nº 57055-4 e seu aditivo nº 101879-8, em virtude de ter sido objeto de transação homologada por sentença nos autos nº 1002745-95.2021.8.11.0040, transformando-se em título executivo judicial; Reconhecer a ausência de liquidez do título executivo em relação à cédula de crédito bancário nº 134555-5, por não atender aos requisitos do artigo 28, § 2º, da Lei nº 10.931/2004; Determinar a extinção da execução, nos termos do artigo 803, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno a embargada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da execução, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Transitada em julgado, traslade-se cópia desta sentença para os autos da execução (processo nº 1012957-73.2024.8.11.0040), cumprindo-se as providências necessárias à extinção daquele feito. P.R.I.C. Sorriso/MT, data da assinatura digital.

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Rui Wilke Santos x Fundo De Investimento Em Direitos Creditórios Não-Padronizados Npl I

ID: 282155051

Tribunal: TJMT Órgão: 1ª VARA CÍVEL DE LUCAS DO RIO VERDE Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1008847-16.2024.8.11.0045

Data de Disponibilização: 28/05/2025

Polo Ativo:

RUI WILKE SANTOS

Polo Passivo:

FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS NÃO-PADRONIZADOS NPL I

Sentença

Advogados:

CARLOS EDUARDO BELLOTTI DE REZENDE

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HEMELLY BURATTO

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DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA

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THIAGO MAHFUZ VEZZI

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA VARA CÍVEL DA COMARCA DE LUCAS DO RIO VERDE PJE n. 1008847-16.2024.8.11.0045 SENTENÇA Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito c/c pedid… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA VARA CÍVEL DA COMARCA DE LUCAS DO RIO VERDE PJE n. 1008847-16.2024.8.11.0045 SENTENÇA Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito c/c pedido de indenização proposta por RUI WILKE SANTOS em face de FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS NÃO-PADRONIZADOS NPL I, ambas as partes qualificadas nos autos. A autora alegou que foi vítima de fraudadores que se utilizaram de seus dados pessoais para contrair empréstimos em seu nome junto a várias instituições financeiras, contraindo em seu nome dívidas nos valores de R$ 13.539,40 (treze mil, quinhentos e trinta e nove reais e quarenta centavos) referente ao contrato n. 000006291404 e R$ 18.425,02 (dezoito mil, quatrocentos e vinte e cinco reais e dois centavos) referente ao contrato n. 000006240590. Sustentou que nunca firmou contrato ou solicitou qualquer serviço da requerida, desconhecendo a referida dívida em cobrança. Informou que as restrições indevidas já resultaram em outras ações declaratórias de inexistência de débito em face da Energisa, Banco Bradesco, Banco do Brasil e Banco Itaú. Relatou que em ação anterior contra o Banco do Brasil foi realizada perícia grafotécnica que comprovou que as assinaturas apostas em cheques e contratos bancários não apresentavam qualquer similaridade com sua verdadeira assinatura. Argumentou que as restrições indevidas lhe causaram diversos prejuízos, impedindo-o de viver normalmente e com dignidade, sendo tido como caloteiro e mau pagador, tendo inclusive perdido empregos em decorrência da ampla lista de restrições em seu nome. Pleiteou a declaração da inexistência da dívida e a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais. Com a petição inicial vieram documentos. A demanda foi recebida, sendo o requerido citado validamente. A requerida apresentou contestação alegando a necessidade de comparecimento pessoal da parte autora para esclarecimentos dos fatos. Informou que, independentemente da concessão da tutela antecipada, providenciou baixa dos apontamentos lançados em desfavor da parte autora, sem que tal conduta importasse em reconhecimento do pedido. Sustentou a origem e validade do débito, informando que os negócios jurídicos foram devidamente celebrados por agente capaz, com objeto lícito e em forma não defesa em lei. Esclareceu que os contratos se originaram junto ao Grupo Santander, tendo sido objeto de cessão de crédito à requerida em 30/04/2015, sendo os contratos: nº 000006240590 (Cartão Mastercard) e nº 000006291404 (Cartão Visa). Alegou que, ainda que não houvesse prova cabal da contratação, a reiterada utilização dos cartões de crédito demonstra de forma clara que o autor efetivamente contratou e usufruiu do serviço oferecido. Quanto à cessão de crédito, sustentou que foi regular e que houve devida notificação da operação à parte autora por intermédio de comunicação do órgão de proteção ao crédito, cumprindo-se a devida informação e transparência. Argumentou pela ausência de ato ilícito e inexistência de danos morais, sustentando que agiu no exercício regular de um direito ao lançar o nome da parte autora nos órgãos de proteção ao crédito em face do persistente inadimplemento contratual. Invocou a aplicação da Súmula 385 do STJ, alegando que a parte autora possuía outras restrições preexistentes, o que descaracterizaria os danos morais. Pleiteou a improcedência total dos pedidos. Com a defesa vieram documentos. Foi realizada audiência de conciliação, porém não houve transação. A parte autora apresentou réplica (Id n. 182135239). Vieram os autos conclusos II – Fundamentação Processo em ordem, sem vícios ou irregularidades pendentes de saneamento, presentes estando os pressupostos processuais de existência e de validade da relação constituída, bem como as correlatas condições da ação. MÉRITO DA APLICAÇAO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Inicialmente, cumpre analisar a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à relação jurídica estabelecida entre as partes. O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 2º, define consumidor como "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatária final". Por sua vez, o art. 3º estabelece que fornecedor é "toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços". No caso em análise, o requerente é pessoa física que, segundo alega, foi vítima de contratação fraudulenta de serviços financeiros, enquadrando-se perfeitamente no conceito de consumidor previsto no art. 2º do Código de Defesa do Consumidor. A requerida FIDC NPL I é pessoa jurídica que desenvolve atividades de natureza financeira e creditícia, atuando no mercado de cessão de créditos bancários. Tal atividade enquadra-se no conceito de fornecedor estabelecido no art. 3º do CDC, especialmente considerando-se o disposto no § 2º do mesmo artigo, que expressamente inclui no conceito de serviço "as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária". A aplicabilidade do CDC às instituições financeiras e equiparadas encontra-se pacificada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme disposto na Súmula nº 297/STJ: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras". Quanto à destinação final, elemento caracterizador da relação de consumo, verifica-se que o autor utilizaria os alegados serviços financeiros para suas necessidades pessoais, não os reintroduzindo na cadeia produtiva, configurando-se como destinatário final econômico. Portanto, restam preenchidos todos os requisitos para caracterização da relação de consumo, quais sejam: (i) a presença de consumidor (pessoa física que utiliza o serviço como destinatário final); (ii) a presença de fornecedor (pessoa jurídica que presta serviços de natureza financeira); e (iii) a existência de produto ou serviço (serviços bancários/financeiros). Desta forma, este Juízo CONSIGNA que a demanda será analisada sob a ótica do CDC. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS A análise dos elementos probatórios carreados aos autos conduz à conclusão de que o requerente foi efetivamente vítima de fraude perpetrada por terceiros, restando demonstrada a inexistência de relação jurídica válida entre as partes. A perícia grafotécnica realizada no processo nº 91737, da 1ª Vara Cível de Lucas do Rio Verde, constitui prova técnica e científica de inquestionável valor probatório. A conclusão pericial naquele caso foi categórica ao afirmar que "as assinaturas apostas em cheques e contratos bancários, não apresentavam qualquer similaridade com a verdadeira assinatura do requerente", evidenciando de forma inequívoca a falsificação documental. Tal elemento probatório, por si só, seria suficiente para demonstrar a inexistência da obrigação. Contudo, o conjunto probatório é ainda mais robusto. O requerente comprova ter sido vítima de múltiplas fraudes perpetradas por terceiros em diversas instituições financeiras, conforme demonstram as ações judiciais ajuizadas: (i) JEC – Processo nº 8010789-47.2013.811.0045 – contra Banco Bradesco S/A – acordo homologo entre as partes; (ii) JEC - Processo nº 8010795-54.2013.811.0045 – contra ENERGISA – demanda procedente; (iii) 1ª Vara Cível - Processo nº 5623-73.2013.811.0045 – em face do Banco do Brasil S/A – ação procedente. Este padrão sistemático de utilização fraudulenta dos dados pessoais do requerente por terceiros evidencia a existência de esquema criminoso organizado, sendo absolutamente inverossímil que o próprio requerente fosse o responsável por todas essas contratações. Aplicam-se ao caso os benefícios da inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII do CDC, uma vez que se encontram presentes tanto a verossimilhança das alegações quanto a hipossuficiência do consumidor. A verossimilhança resta evidenciada pela perícia grafotécnica e pelo histórico de múltiplas fraudes comprovadas judicialmente. A hipossuficiência manifesta-se pela impossibilidade técnica do consumidor em produzir prova negativa (de que não contratou), bem como pela dificuldade de acesso aos sistemas internos de controle da instituição financeira. A requerida não logrou êxito em comprovar a origem lícita dos créditos objeto da cessão. Embora alegue ter recebido os créditos do Grupo Santander mediante cessão regular, não demonstrou que a contratação originária foi realizada de forma válida e lícita. A simples alegação de que houve "reiterada utilização" dos cartões não se sustenta e tampouco restou demonstrado no processo. Ademais, a utilização dos cartões por terceiros portadores de documentos falsificados não gera direito legítimo à cobrança. Nos termos do art. 14 do CDC, a responsabilidade do fornecedor de serviços é objetiva, independendo da demonstração de culpa. A instituição financeira assume os riscos inerentes à sua atividade empresarial, não podendo transferir ao consumidor os prejuízos decorrentes de falhas em seus sistemas de segurança. Conforme pacificado na Súmula nº 479 do STJ: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". A fraude praticada por terceiros constitui fortuito interno, risco inerente à atividade desenvolvida, não se constituindo em excludente de responsabilidade. A cessão de crédito, ainda que formalmente válida entre cedente e cessionário, não tem o condão de criar direito onde este não existia. Se a obrigação originária é nula de pleno direito por ter sido constituída mediante fraude, a cessão não pode convalidar tal vício. Nos termos do art. 166, II do Código Civil, "é nulo o negócio jurídico quando for ilícito, impossível ou indeterminado o seu objeto". A contratação mediante documentos falsificados configura negócio jurídico com objeto ilícito, sendo nulo de pleno direito. O princípio da boa-fé objetiva, consagrado no art. 422 do Código Civil e no art. 4º, III do CDC, impõe às partes contratantes deveres anexos de cuidado, lealdade e informação. A instituição financeira possui o dever qualificado de verificar a autenticidade dos documentos apresentados e a legitimidade das contratações, não podendo alegar desconhecimento ou ausência de culpa quando falha em tais deveres essenciais. Portanto, o conjunto probatório é inequívoco no sentido de demonstrar que: (a) o requerente foi vítima de múltiplas fraudes comprovada através de perícia grafotécnica; (b) inexiste relação jurídica válida entre as partes; (c) a requerida não comprovou a origem lícita dos créditos cobrados; (d) aplica-se a responsabilidade objetiva do fornecedor; (e) o débito é inexistente e a cobrança é indevida. Portanto, os argumentos fáticos e jurídicos expostos pelo requerente encontram integral respaldo no ordenamento jurídico e nas provas carreadas aos autos, impondo-se a declaração de inexistência do débito referente aos contratos nº 000006291404 e nº 000006240590. VIOLAÇÃO À DIREITO DE PERSONALIDADE Os direitos de personalidade constituem direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, encontrando amparo no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88) e na proteção constitucional específica prevista no art. 5º, X da Constituição Federal, que assegura serem "invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". O nome civil, enquanto elemento identificador da pessoa na sociedade, constitui um dos principais direitos de personalidade, conforme disposto nos arts. 16 a 19 do Código Civil. A honra objetiva, representada pelo conceito que a pessoa goza perante a sociedade, e a imagem, enquanto projeção social da personalidade, integram o núcleo essencial desses direitos fundamentais. A inscrição indevida do nome do consumidor em órgãos de proteção ao crédito configura dano moral presumido (in re ipsa), prescindindo de prova específica do abalo ou constrangimento sofrido. A presunção decorre da natureza do próprio ato lesivo, que carrega em si a potencialidade de causar abalo ao crédito, constrangimento, humilhação e diminuição do conceito social. No caso em análise, a conduta da requerida violou múltiplos aspectos dos direitos de personalidade do autor: (i) violação ao nome civil: A manutenção de inscrição baseada em débito inexistente maculou o nome do requerente, elemento fundamental de sua identificação social; (ii) lesão à honra objetiva: A inscrição em órgãos restritivos projeta na sociedade a falsa imagem de pessoa inadimplente, afetando diretamente o conceito social de que goza o indivíduo; (iii) abalo ao crédito: A restrição indevida impede ou dificulta o exercício de atividades básicas da vida civil, como a realização de compras a prazo, obtenção de financiamentos e celebração de contratos em geral; (iv) Constrangimento e humilhação: A condição de "negativado" gera sentimentos de vergonha, constrangimento e diminuição da autoestima, constituindo sofrimento psíquico indenizável. O nexo de causalidade entre a conduta da requerida (inscrição indevida) e o dano moral sofrido pelo autor resta inequivocamente demonstrado. A inscrição decorreu diretamente da cobrança de débito inexistente, sendo a requerida a responsável direta pela manutenção da restrição creditícia. Não há que se falar em excludentes de responsabilidade, uma vez que a fraude praticada por terceiros constitui fortuito interno, risco inerente à atividade da fornecedora. Há enorme celeuma doutrinária e jurisprudencial em relação ao montante a ser arbitrado nas hipóteses de danos extrapatrimoniais, tendo em vista a dificuldade de sua mensuração dada a sua subjetividade e o critério do arbitramento. É patente a inadmissibilidade de tarifar o dano moral experimentado, sendo sedimentado no verbete n. 281 do Colendo Superior Tribunal de Justiça: “A indenização por dano moral não está sujeita a tarifação prevista na Lei de Imprensa”. De toda sorte, o dano extrapatrimonial também não pode ser fonte de lucro por aqueles que eventualmente foram aviltados em seus direitos, devendo ser norteado pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Nesse compasso, segue as lições do civilista Sérgio Carvalieri Filho quando almeja explicar as balizas para a fixação dos danos morais: “Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. Enfim, razoável é aquilo que é, ao mesmo tempo, adequado, necessário e proporcional. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e consequências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes”. Saliente-se que não há critério ou método exclusivo para a quantificação do dano, podendo ser utilizado a razoabilidade, a ponderação, o arbitramento a equidade, entre outros modelos propugnados pela ciência jurídica. Em relação ao dano moral, especialmente no caso em tela, será utilizado critério do arbitramento, utilizando-se como balizador a lógica do razoável, inspirando-se no princípio da reparação integral encontrado no art. 944 do Código Civil[1]. Assim, tomando-se como norte as máximas da razoabilidade e da proporcionalidade, diante, revela-se como adequado arbitrar o montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). III – Dispositivo Diante do exposto, este Juízo JULGA PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos iniciais para o fim de: a) declarar a inexistência dos débitos referentes aos contratos nº 000006291404, no valor de R$ 13.539,40 (treze mil, quinhentos e trinta e nove reais e quarenta centavos), e nº 000006240590, no valor de R$ 18.425,02 (dezoito mil, quatrocentos e vinte e cinco reais e dois centavos), por serem inexigíveis em face do requerente; b) determinar a exclusão definitiva do nome do requerente dos órgãos de proteção ao crédito (SERASA, SPC e congêneres) relativamente aos débitos ora declarados inexistentes, tornando definitiva a tutela antecipada eventualmente concedida; c) condenar a requerida ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em favor de cada parte autora, devendo tal valor ser monetariamente corrigido pelo IPCA/IBGE desde a data do arbitramento. Os juros moratórios, contados desde a data do evento danoso, deverão ser calculados conforme a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), deduzido o índice de atualização monetária (IPCA/IBGE) de que trata o parágrafo único do art. 389 do Código Civil, conforme o art. 406, §§ 1º e 2º, do Código Civil. Por conseguinte, EXTINGUE-SE o processo, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. CONDENA-SE a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixa-se em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º do CPC. Transitado em julgado, certifique-se e ARQUIVE-SE com as cautelas de estilo. INTIMEM-SE. CUMPRA-SE. Lucas do Rio Verde/MT, 27 de maio de 2025. JEAN PAULO LEÃO RUFINO Juiz de Direito [1] Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

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Processo nº 1000172-25.2017.4.01.3601

ID: 335962962

Tribunal: TRF1 Órgão: 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Cáceres-MT Classe: AçãO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Nº Processo: 1000172-25.2017.4.01.3601

Data de Disponibilização: 28/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

JOCENILDO CAETANO DA SILVA

Intimação

Advogados:

EMERSON SANABRIA CARVALHO

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LEDSON GLAUCO MONTEIRO CATELAN

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FRANSERGIO ROJAS PIOVESAN

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LUIZ ANTONIO DA SILVA

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FABIO GONCALVES DUARTE

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VICTOR LUIZ MARTINS DE ALMEIDA

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RICHARD RODRIGUES DA SILVA

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HAMILTON LOBO MENDES FILHO

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MARCELO GERALDO COUTINHO HORN

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JOSELAINE DUARTE GONZAGA

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ROBERTA FARIA LIMA NUNES

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BENEDITA IVONE ADORNO

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CAMILA GONZAGA VANINI

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ADRIANE APARECIDA BARBOSA DO NASCIMENTO

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CIBELI SIMOES DOS SANTOS

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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Cáceres-MT 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Cáceres-MT SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1000172-25.2017.4.01.3601 CLASSE: AÇÃO CIVIL DE IM… PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Cáceres-MT 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Cáceres-MT SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1000172-25.2017.4.01.3601 CLASSE: AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (64) POLO ATIVO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - MPF POLO PASSIVO: espolio de MARIA LUIZA VILA RAMOS DE FARO e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: CIBELI SIMOES DOS SANTOS - MT11468/O, ADRIANE APARECIDA BARBOSA DO NASCIMENTO - MT23635/O, CAMILA GONZAGA VANINI - MT23640/O, BENEDITA IVONE ADORNO - MT6391/O, ROBERTA FARIA LIMA NUNES - GO32092, MARCELO GERALDO COUTINHO HORN - MT13522/B, HAMILTON LOBO MENDES FILHO - MT10791/O, RICHARD RODRIGUES DA SILVA - MT23636/O, VICTOR LUIZ MARTINS DE ALMEIDA - MT25974/O, FABIO GONCALVES DUARTE - GO25771, LUIZ ANTONIO DA SILVA - GO30882, FRANSERGIO ROJAS PIOVESAN - MT4.848, LEDSON GLAUCO MONTEIRO CATELAN - MT14309/O e EMERSON SANABRIA CARVALHO - MT6413/O SENTENÇA Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ajuizada pelo Ministério Público Federal em face de ARLEME JANISSARA DE OLIVEIRA ALCÂNTARA e diversos outros, com o objetivo de apurar responsabilidades relativas à aquisição irregular de medicamentos pela Secretaria de Saúde do Município de Cáceres/MT, mediante contratação direta, fora das hipóteses legais, e posterior simulação de procedimento licitatório (Convite nº 54/2012), que teria por escopo encobrir dívidas previamente assumidas. A inicial narra a existência de fracionamento indevido do objeto da licitação, conluio entre os licitantes e, por fim, a ocorrência de superfaturamento no valor de R$ 53.425,80, ocasionando prejuízo aos cofres públicos. Com base nesses fatos, o Parquet requereu a decretação liminar da indisponibilidade de bens dos requeridos, com vistas à garantia de ressarcimento ao erário, bem como, ao final, a condenação dos réus às sanções previstas nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92. O valor atribuído à causa foi de R$ 321.130,00. Em decisão inicial, registrada sob ID 195352442, o Juízo deferiu o recebimento da petição inicial, reconhecendo a presença de elementos indiciários suficientes para o prosseguimento da ação. Determinou-se, ainda, a citação dos réus para apresentação de defesa preliminar, com a preservação da formação do contraditório. Na sequência, a União manifestou-se nos autos informando não possuir interesse jurídico a justificar sua intervenção como litisconsorte. Por outro lado, alguns dos réus apresentaram defesa preliminar com alegações diversas. Maria Luiza Vila Ramos de Faro e Gilberto José da Costa sustentaram imunidade profissional; Enoque Ramos Duarte e Edson Flávio Santos, por sua vez, alegaram ilegitimidade passiva em razão de sua atuação na condição de membros da comissão de licitação. Outros réus invocaram, em suas peças, ausência de dolo, nulidades formais e inexigibilidade de procedimento licitatório. Parte dos demandados, entre eles Jocenildo Caetano da Silva, Arleme Janissara, Tania Tolotti e José Mendes de Rezende, deixou de apresentar defesa preliminar, o que, todavia, não resultou em revelia, conforme assinalado pelo Juízo. O Ministério Público Federal, por sua vez, apresentou manifestação na qual refutou todas as preliminares levantadas e pugnou pelo prosseguimento regular do feito. Por meio da decisão de ID 1726517553, o Juízo rejeitou todas as alegações preliminares, recebeu as contestações tempestivamente apresentadas e determinou a abertura da fase de especificação de provas, oportunidade em que intimou também o MPF para manifestação quanto ao pedido de levantamento de indisponibilidade de bem formulado por um dos réus. Posteriormente, o Parquet manifestou-se contrariamente ao desbloqueio de veículo Jeep Compass pertencente a Gilberto José da Costa, alegando que permanecem presentes indícios relevantes de sua participação nos atos ímprobos, sendo necessária a cautelar patrimonial para resguardar o resultado útil da demanda. Também foi requerida a produção de prova oral, com destaque para a oitiva dos réus. Na decisão de ID 2017111673, o Juízo deferiu a produção da prova oral e determinou a realização dos interrogatórios dos réus, além de acolher o pedido de prova emprestada formulado por Edson Flávio Santos e Jonesia Gracioli. Na mesma oportunidade, foi reafirmada a manutenção da medida de indisponibilidade de bens. Em decisão subsequente (ID 2129968208), registrou-se que somente Maria Luiza Vila Ramos de Faro e Edson Flávio Santos manifestaram desinteresse em serem ouvidos em juízo. Os demais réus, silentes, foram considerados interessados, autorizando-se o prosseguimento da instrução. Assim, foi realizada audiência por videoconferência em 27 de junho de 2024 (ID 2134689679), na qual a ré Jonesia Pouso Gracioli, não compareceu, sendo deferido prazo para juntada de atestado médico. Durante a tramitação, sobreveio o falecimento da ré Maria Luiza Vila Ramos de Faro. Em razão disso, o MPF peticionou requerendo a regularização do polo passivo, informando a existência de inventário em curso no TJMT (processo nº 1008847-36.2024.8.11.0006), cuja autora é Rafaela Vila Ramos Pereira de Faro, filha da falecida, a quem se atribui a função de inventariante. Em nova petição, o Ministério Público reiterou pedido de prioridade na tramitação do feito, considerando sua antiguidade e a relevância do interesse público envolvido. Na decisão de ID 2188029633, o Juízo determinou a emenda da petição inicial pelo Ministério Público, com o objetivo de adequá-la às exigências da nova redação da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 14.230/2021), especialmente quanto à individualização das condutas e à demonstração do dolo de cada réu, conforme exigido pelo artigo 17-C, inciso I, da Lei nº 8.429/92, com a nova redação. A decisão também mencionou que o pleito de Gilberto José da Costa quanto ao excesso de penhora seria oportunamente apreciado. Em resposta, o Ministério Público Federal, por meio da petição de ID 2195603737, apresentou manifestação na qual sustenta não ser necessária a emenda da inicial, considerando que a petição já atende aos requisitos legais aplicáveis, inclusive após a vigência da nova legislação, e que o momento oportuno para análise mais aprofundada das condutas e da presença do dolo seria após a instrução probatória. Argumentou, ainda, que a inicial está devidamente instruída com provas documentais e periciais extraídas do Inquérito Civil nº 1.20.001.000097/2016-78, do relatório da CGU e da Operação Fidare. Na mesma linha de regularização processual, foi juntado aos autos instrumento de procuração e habilitação da herdeira Rafaela Vila Ramos Pereira de Faro, na qualidade de inventariante do espólio de Maria Luiza, conforme documento ID 2174505003. Na petição, a habilitante apresentou contestação, na qual ressaltou sua ilegitimidade passiva pessoal e a limitação da responsabilidade do espólio ao valor da herança, nos termos do artigo 8º da LIA e do princípio da responsabilidade patrimonial do herdeiro. Alegou, ainda, inexistirem provas de enriquecimento ilícito ou de acréscimos patrimoniais à de cujus, limitando-se sua atuação à sucessão em curso, ainda sem definição do quinhão hereditário. É o relatório. Vieram-me os autos conclusos. Decido. 1. Introdução: Ação de Improbidade Administrativa – Fundamento Constitucional, Histórico e Reforma Legislativa A ação de improbidade administrativa constitui instrumento processual colocado à disposição do Estado para proteger o erário e os princípios que regem a Administração Pública, conforme previsão expressa no artigo 37, § 4º, da Constituição da República: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” Regulada originalmente pela Lei nº 8.429/1992, a chamada Lei de Improbidade Administrativa (LIA) representou resposta do legislador ao dever constitucional de repressão a condutas lesivas à moralidade administrativa, à legalidade e à proteção do patrimônio público, estabelecendo tipos e sanções severas. Durante anos, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a responsabilidade por improbidade administrativa admitia as modalidades dolo e culpa, a depender da tipificação prevista nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA. A conduta culposa era tradicionalmente admitida, sobretudo nos casos de lesão ao erário (art. 10 da LIA), sendo suficiente a negligência ou imperícia do agente. No entanto, esse regime normativo sofreu substancial transformação com a promulgação da Lei nº 14.230/2021, que introduziu reforma estrutural na disciplina da improbidade administrativa. Entre as inovações mais relevantes, destaca-se: a) A supressão da modalidade culposa como fundamento autônomo de responsabilização; b) A exigência de dolo específico para a caracterização de atos ímprobos em todas as hipóteses previstas na lei; c) A fixação de prazos de prescrição intercorrente, inclusive com aplicação retroativa; d) A introdução de salvaguardas à ampla defesa e ao devido processo legal, restringindo a responsabilização a condutas graves e intencionais. A reforma legislativa passou a exigir não apenas o dolo genérico, mas o dolo específico dirigido à finalidade ilícita de enriquecimento indevido ou prejuízo ao erário, sendo insuficiente a mera desídia, imperícia ou imprudência para atrair a tutela repressiva da improbidade administrativa. 2. Tema 1199 da Repercussão Geral – Tese Firmada e Consequências Jurídicas Em sede de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o ARE 843.989/PR, firmou a seguinte tese no Tema 1199: "A exigência de dolo específico para a configuração do ato de improbidade administrativa prevista na Lei 14.230/2021 aplica-se retroativamente às ações em curso, salvo aos casos com coisa julgada material." O entendimento, de efeito vinculante, implicou modificação do regime jurídico aplicável às ações de improbidade administrativa propostas antes da nova lei, mas ainda pendentes de julgamento definitivo, determinando a retroatividade da norma mais benéfica, com fundamento no princípio constitucional da lex mitior (art. 5º, XL, da CRFB). Dentre os desdobramentos jurídicos essenciais da tese firmada, destacam-se: a) A extinção das ações baseadas exclusivamente em culpa, uma vez que tal modalidade de conduta foi expurgada do ordenamento como fundamento de improbidade; b) A necessidade de revisão do elemento subjetivo nas ações em curso, exigindo do juízo a verificação da existência ou não de dolo, antes de prosseguir com a instrução processual; c) A vedação à reconfiguração retroativa dos fatos ou da capitulação legal, após o oferecimento da inicial e apresentação da resposta, em respeito ao art. 17, § 10-C, da própria Lei 8.429/1992; d) A inaplicabilidade da ação rescisória como instrumento de desconstituição de coisa julgada fundada em culpa, conforme decidiu a maioria da Corte. Neste cenário, o Supremo estabeleceu que os efeitos da Lei nº 14.230/2021 devem incidir imediatamente sobre todos os processos em curso, inclusive na fase recursal, com o objetivo de garantir tratamento isonômico e racionalidade jurídica na persecução de atos ímprobos. 3. Do caso concreto No caso concreto, o Ministério Público Federal imputou de a prática de atos de improbidade administrativa a diversos agentes públicos e particulares, no contexto da condução do Convite n.º 054/2012. Isso porque, em abril de 2014 teria sido desarticulada uma complexa e multitudinária organização criminosa voltada para a prática de ilícitos criminais e administrativos, que atuava no âmbito da Secretaria de Saúde do Município de Cáceres/MT. As investigações tornaram-se conhecidas como "Operação Fidare", tendo sido apurados, segundo o MPF, inúmeros crimes e condutas contrárias à administração pública, bem como ao princípio da moralidade administrativa, ensejando um prejuízo aos cofres públicos estimado em mais de R$ 1.474.109,94 (um milhão, quatrocentos e setenta e quatro mil, cento e nove reais e noventa e quatro centavos). Especificamente no caso dos autos o prejuízo estimado à administração pública foi de R$ 53.452,80 (cinquenta três mil quatrocentos e cinquenta e dois reais e oitenta centavos), conforme Id. Num. 3905242 - Pág. 38. Consoante a inicial, as hipóteses descritas nos artigos 10, incisos V e VIII e art. 11, caput, e inciso I, ambos da Lei 8.429/92 – com redação anterior àquela dada pela Lei 14.230/2021, se subsomem às condutas dos demandados na ação, razão pela qual a análise da compatibilidade com a lei nova restringirá a esses dispositivos, sob pena de nulidade (art. 17, §10-F, da Lei 8.429/92). 3.1. Artigo 10, incisos V e VIII, da Lei 8.429/1992 Dispõe o art. 10, incisos V e VIII, da Lei 8.429/92, com redação dada pela Lei 14.230/2021 que: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (…) V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado; (...) VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva; No entanto, quando do ajuizamento da ação, o caput do art. 10 enunciava constituir ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa. Forte nisso e, atendendo os ditames da época, o Ministério Público Federal, na inicial, expressamente consignou que a demonstração do dolo, ou seja, do elemento subjetivo da conduta, seria PRESCINDÍVEL nas hipóteses do art. 10 da Lei n. 8.429/92. Isso porque, segundo acrescentou, a configuração dos atos de improbidade administrativa tipificados no art. 10 da Lei n. 8.429/92 não exige, necessariamente, a presença do dolo na conduta dos agentes. Veja-se: Devidamente intimado para que procedesse à individualização das condutas dos réus, à tipificação precisa dos atos de improbidade e à demonstração do elemento subjetivo dolo, nos termos da legislação vigente, conforme entendimento vinculante do Supremo tribunal Federal, o Ministério Público Federal limitou-se a pedir a reconsideração da decisão argumentando que há tópico específico sobre a “individualização das condutas”. No entanto, são requisitos CUMULATIVOS da petição inicial, segundo disposto no art. 17, §6º, incisos I e II, da Lei 8.429/92 que: Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (Vide ADI 7042) (Vide ADI 7043) (...) § 6º A petição inicial observará o seguinte: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) I - deverá individualizar a conduta do réu e apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência das hipóteses dos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei e de sua autoria, salvo impossibilidade devidamente fundamentada; (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) II - será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições constantes dos arts. 77 e 80 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) A existência de capítulo destinado à individualização das condutas, na inicial, não satisfaz o comando legal acima mencionado, pois remanesce sem cumprimento o inciso II do art. 6º, da LIA, que diz respeito ao dolo específico. A decisão que recebeu a inicial (Id. 195352442), de fato, não apontou nenhum vício ou irregularidade formal na demanda porque proferida antes da reforma promovida pela Lei 14.230/21. Logo, na época, a petição inicial cumpria com os ditames legais. Por outro lado, a decisão de Id. 1726517553, embora proferida em 24/08/2023, não enfrentou, especificamente, a questão da inexistência de demonstração de dolo específico em nenhuma das preliminares vindicadas, tampouco de o fez de ofício, não havendo que se falar, portanto, em preclusão pro judicato. Neste sentido: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PRECLUSÃO PRO JUDICATO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO . IMPOSSIBILIDADE. 1. O STJ entende que mesmo as matérias de ordem pública estão sujeitas à preclusão pro judicato, razão pela qual não podem ser revisitadas se já tiverem sido objeto de anterior manifestação jurisdicional. 2 . A revisão do entendimento do aresto hostilizado no tocante à existência de decisum não recorrido nos autos principais (cumprimento de sentença) em que rechaçado anterior pleito de fixação de verba honorária esbarra no óbice da Súmula 7 do STJ, uma vez que o Tribunal de origem decidiu a questão com base na realidade fático-probatória dos autos. 3. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no REsp: 2046956 RS 2023/0004562-8, Relator.: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 27/11/2023, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/12/2023) E, uma vez não atendidos os requisitos, preceitua o art. 17, §6-B, da Lei 8.429/92, a petição inicial deve ser rejeitada. Veja-se: § 6º-B A petição inicial será rejeitada nos casos do art. 330 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), bem como quando não preenchidos os requisitos a que se referem os incisos I e II do § 6º deste artigo, ou ainda quando manifestamente inexistente o ato de improbidade imputado. (grifei) Neste sentido, já decidiu o Tribunal Regional Federal da 1ª Região: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PELA PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECEBIMENTO DA INICIAL. IMPUTAÇÃO GENÉRICA DOS ATOS DE IMPROBIDADE. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS INDICATIVOS DE DOLO. INICIAL REJEITADA. SENTENÇA PROLATADA EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE E DO STJ. SENTENÇA MANTIDA. REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. 1. A Lei 14 .230/2021 trouxe algumas inovações à Lei 8.429/92, as quais se aplicam aos processos pendentes, conforme entendimento que vem se consolidando na jurisprudência. Tais inovações trazidas por esse novo diploma legal em virtude de sua natureza jurídica, de cunho sancionatório (tantas as normas de natureza material e processual), devem ser observadas retroativamente aos casos em curso, por ser mais benéfica que a Lei nº 8.429/92, à luz do artigo 5º, XL da Constituição Federal . 2. A Lei nº. 8.429/92 sofreu alterações com a edição da Lei nº . 14.230/21, entre as quais, observa-se que o legislador afastou a aplicação do instituto da remessa necessária nas ações de improbidade administrativa, conforme prevê o art. 17, § 19º, inciso IV, da Lei nº. 8 .429/92 vigente. 3. Afigura-se da legislação em vigor que em sede de ação de improbidade administrativa não haverá remessa necessária nas sentenças de improcedência, nos termos do art. 17, § 19º, inciso IV, da Lei nº . 8.429/92. 4. A nova redação dada pela Lei 14 .230/2021, prevê que o magistrado somente poderá rejeitar a inicial da ação de improbidade administrativa quanto não estiverem presentes as condições da ação e os pressupostos processuais necessários, previstos no art. 330 do CPC (for inepta; a parte for manifestamente ilegítima, entre outros). 5. Depreende-se, que, como em qualquer ação cível, a de improbidade, para ser recebida, deverá preencher as condições da ação e os pressupostos processuais, não podendo tecer imputações genéricas aos réus, bem como deverá apresentar indícios da existência do ato de improbidade administrativa, bem como quando deverá ser instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou com razões fundamentadas . 6. O magistrado a quo, extinguiu o feito, sem resolução do mérito, pois considerou que, o que se infere dos autos é que, embora tenha havido imputação da prática de ato ímprobo em relação à empresa BH Oliveira Costa & Cia (fls. 31-33), o Ministério Público Federal atribuiu genericamente aos réus, então agentes públicos, responsabilidade no evento fundado na mera potencialidade de repetição de irregularidades havidas em procedimentos licitatórios diversos, apurados no bojo Inquérito Civil Público nº. 1 .31.000.000080/2013-02. É dizer: não houve, na espécie, a indicação de fatos concretos que demonstrassem, ainda que minimamente, a atuação de agentes públicos nos atos tidos como ímprobos (fl . 130 doc. n. 143871047). 7 . O que consta no caderno processual é a imputação genérica de atos de improbidade administrativa, ocasião em que a parte autora aponta diversas irregularidades em procedimentos licitatórios realizados no âmbito do Município de Porto Velho/RO, sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Projetos e Obras Especiais SEMPRE, sem indicar, ainda que indícios mínimos, a participação dos agentes públicos. 8. Pela total falta de elementos que pudessem levar a uma análise diferente da que foi empreendida na sentença, afigura-se que a inicial não pode tecer imputações genéricas aos réus, nem deixar de apresentar indícios de participação nos atos supostamente tidos como ímprobos, atrelando-os a provas documentais que justifiquem a veracidade dos fatos e do dolo imputado aos réus. 9 . Sentença mantida. 10. Remessa necessária não conhecida. 11 . Apelação não provida. (TRF-1 - AC: 00125485220164014100, Relator.: DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO, Data de Julgamento: 12/04/2022, 3ª Turma, Data de Publicação: PJe 25/04/2022 PAG PJe 25/04/2022 PAG) grifei Consoante entendimento do e. Tribunal Regional da 1ª Região, "1. O julgamento do Tema 1199 pelo STF deu alcance temporal imediato para as alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021 à Lei 8.429/1992, à exceção dos novos prazos prescricionais, de aplicação apenas para as ações propostas após a lei" e, por consequência, "[p]ara os demais processos que estejam na fase de conhecimento prevalece a compreensão de que os pedidos devem ser ajustados à nova matriz legal, nisso se incluindo os novos critérios para a demonstração da tipificação dos atos elencados nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/1992, em especial a presença do elemento volitivo do agente (dolo) na ação supostamente ímproba, que passou a ser obrigatório" (TRF1. AG 1037532-54.2022.4.01.0000, JUIZ FEDERAL SAULO JOSÉ CASALI BAHIA, TRF1 - DÉCIMA TURMA, PJe 11/10/2023) grifei Ademais, o Superior Tribunal de Justiça já vinha, mesmo antes da reforma, exigindo demonstração de má-fé para a caracterização da improbidade, conforme julgado paradigmático: “De fato, a lei alcança o administrador desonesto, não o inábil, despreparado, incompetente e desastrado.” (REsp 213.994/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DOU 27.09.1999) Nesta oportunidade, tenho por relevante acrescentar que, novamente o e. TRF1, possui precedente exigindo a adequada tipificação dos tipos ímprobos nos autos: “9. À luz dos balizamentos fixados pela Suprema Corte, afigura-se plenamente possível concluir que as novas disposições da LIA no que concerne à tipificação do ato de improbidade (normas de direito material mais benéficas) devem ser aplicadas às ações em curso, ou seja, nas quais ainda não se operou o trânsito em julgado”1, autorizando o indeferimento da petição inicial em caso de “falta de adequação do pleito autoral aos ditames preconizados pela atual redação da Lei nº 8.429/92”. Ressoa ainda do e. TRF1 ser “[c]orreta, pois, a r. sentença que, diante do não cumprimento da determinação, indeferiu a inicial e extinguiu o feito sem resolução de mérito”2, porque “intimado para emendar a petição inicial, para que se adequasse às disposições acima citadas, o MPF limitou-se a reiterar que a Lei 14.230/2021 não se aplica ao caso concreto”. Tais entendimentos se alinham perfeitamente à sistemática do Código de Processo Civil, cujo art. 321, parágrafo único, determina que, se o autor não cumprir a diligência de emenda da petição inicial no prazo estipulado, o juiz a indeferirá. O pedido de reconsideração do Ministério Público Federal não possui previsão legal, tampouco supre a exigência de que a demonstração do dolo deve acompanhar a inicial, e não ser “produzido durante a instrução”. Logo, é de se aplicar a consequência processual expressamente prevista em lei, culminando na extinção do feito sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, I, do CPC. Acrescento. Impende registrar que a adequação do feito para as diretrizes trazidas pela Lei nº 14.230/21 é imperativa e decorre da interpretação doutrinária mais consentânea dada a casos como tais. Não por acaso, Fábio Medina Osório leciona: “[a] prestação jurisdicional deve ser completa, satisfazendo as demandas postas em juízo. As decisões administrativas também devem corresponder ao princípio da congruência, devem aquilatar, acolhendo ou rejeitando, as teses fundamentais das partes, sob pena de arbitrariedade”3 Isto porque, preceitua o art. 487, caput e inciso I, do Código de Processo Civil – CPC determina que “Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: I - acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção”, inexistindo margem para apreciação de questões ausentes na petição inicial. Nesta senda, na sentença da ação de improbidade, o(a) juiz(a) pode julgar procedente a ação se e apenas se o Ministério Público demonstrar a prática do ato ímprobo, a desonestidade do(s) réu(s) e a correção da imputação feita por si na petição inicial. É interditado, portanto, ao Juiz ter na petição inicial apenas um guia, como se ele mesmo fosse o responsável primeiro pelo cotejo dos documentos dos autos a fim de decidir quais são os documentos relevantes para comprovar a materialidade, autoria e dolo específico do ato de improbidade e o seu correto enquadramento dentro dos tipos da LIA. Dito isto e, sem maiores delongas, a rejeição superveniente da petição inicial - porque não preenchidos os requisitos a que se refere o inciso II do § 6º do art. 17 da Lei 8.429/92, é medida que se impõe. 3.2. Artigo 11, caput, e inciso I, da Lei 8.429/1992 O Ministério Público Federal imputou ato de improbidade administrativa aos requeridos, na forma do art. 11, caput e inciso I, da Lei 8.429/92 que, na redação anterior à Lei 14.230/2021, poderia ser culposo. Como consequência, asseverou que o elemento subjetivo – o dolo, estaria intrínseco às condutas dos réus posto que voluntariamente teriam violado os princípios da administração pública. Veja-se: No entanto, com a entrada em vigor da Lei 14.230/2021, que alterou de modo substancial a Lei 8.429/92, não existe mais a possibilidade de responsabilização por ato de improbidade administrativa culposo. Isso porque, o art. 1º, §1º, da Lei 8.429/92 assevera que: Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei. § 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais. Por sua vez, o § 2º, do mesmo artigo, não deixa margem de dúvidas no sentido de que, a mera voluntariedade do agente não basta para configuração de atos de improbidade: § 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente. Do mesmo modo é o teor do §3º, de tal artigo: § 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa. Seguindo a mesma ideia, dispõe os §§ 1º e 2º, do artigo 11: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (...) § 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.587, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. § 2º Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei. Ainda: Art. 17-C. A sentença proferida nos processos a que se refere esta Lei deverá, além de observar o disposto no art. 489 da Lei nº 13.105, de março de 2015 (Código de Processo Civil): (...) § 1º A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade. Dolo específico, especialmente para os fins de caracterização de ato de improbidade, é o ato eivado de má-fé. O erro grosseiro, a falta de zelo com a coisa pública, a negligência, podem até ser punidos em outra esfera, de modo que não ficarão necessariamente impunes, mas não mais caracterizarão atos de improbidade. Busca-se, agora, a punição do desonesto e não do incompetente (GAJARDONI; CRUZ; FAVRETO, 2022:46).4 Com efeito, o dolo do agente para toda e qualquer conduta tipificada na lei de Improbidade Administrativa passa a ser específico: consciência + vontade + finalidade de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. Logo, deve a imputação de improbidade por ato culposo ser julgada improcedente, neste ponto, por atipicidade superveniente. 4. Dispositivo Ante o exposto: a) INDEFIRO A PETIÇÃO INICIAL, nos termos do art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil, c/c o art. 17, §6º-B, da Lei nº 8.429/1992, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, e, por conseguinte, julgo extinto o processo sem resolução de mérito, com fundamento no art. 485, inciso I, do Código de Processo Civil, com relação à imputação do art. 10, incisos V e VIII, ambos da Lei 8.429/92. b) JULGO PARCIALMENTE IMPROCEDENTE a inicial, no que diz respeito à imputação do art. 11, caput e inciso I, da Lei 8.429/92, por atipicidade superveniente, em razão da revogação do inciso I do art. 11 da Lei 8.429/92 promovida pela Lei n.º 14.230/21. c) Como consequência, após o trânsito em julgado, determino o levantamento de todos os gravames incidentes sobre bens e direitos dos requeridos que decorram, única e exclusivamente, de ordem oriunda deste processo. Para tanto, os requeridos devem juntar informação nos autos indicando, de maneira clara, objetiva e individualizada quais dos seus bens e/ou direitos estariam atingidos por indisponibilidade em razão do presente feito. d) Prejudicado o pedido da defesa de Gilberto José da Costa (Id. 2176959765), posto que já deferido o levantamento dos gravames, conforme item c. Sem custas e sem honorários (art. 18 da Lei 7.347/85). Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cáceres/MT, data da assinatura digital. Assinado digitalmente FERNANDA GATTASS OLIVEIRA FIDELIS Juíza Federal Substituta 1AC 1002368-75.2021.4.01.4005, DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA, TRF1 - TERCEIRA TURMA, PJe 24/08/2023. 2AC 0002748-81.2013.4.01.4301, DESEMBARGADOR FEDERAL CESAR CINTRA JATAHY FONSECA, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 27/06/2024. 3 Direito Administrativo Sancionador - Ed. 2025, Autor: Fábio Medina Osório, Editora: Revista dos Tribunais, Página RB-6.16. 4 Comentários à Nova Lei de Improbidade Administrativa - Ed. 2023, Autor: Fernando da Fonseca Gajardoni, Fernão Borba Franco, Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz, Luiz Manoel Gomes Junior, Rogerio Favreto, Editora: Revista dos Tribunais, Página RL-1.9

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Processo nº 1000172-25.2017.4.01.3601

ID: 335962981

Tribunal: TRF1 Órgão: 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Cáceres-MT Classe: AçãO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Nº Processo: 1000172-25.2017.4.01.3601

Data de Disponibilização: 28/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

RAFAELA VILA RAMOS PEREIRA DE FARO

Intimação

Advogados:

EMERSON SANABRIA CARVALHO

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LEDSON GLAUCO MONTEIRO CATELAN

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FRANSERGIO ROJAS PIOVESAN

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LUIZ ANTONIO DA SILVA

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FABIO GONCALVES DUARTE

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VICTOR LUIZ MARTINS DE ALMEIDA

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RICHARD RODRIGUES DA SILVA

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HAMILTON LOBO MENDES FILHO

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MARCELO GERALDO COUTINHO HORN

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JOSELAINE DUARTE GONZAGA

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ROBERTA FARIA LIMA NUNES

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BENEDITA IVONE ADORNO

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CAMILA GONZAGA VANINI

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ADRIANE APARECIDA BARBOSA DO NASCIMENTO

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CIBELI SIMOES DOS SANTOS

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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Cáceres-MT 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Cáceres-MT SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1000172-25.2017.4.01.3601 CLASSE: AÇÃO CIVIL DE IM… PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Cáceres-MT 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Cáceres-MT SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1000172-25.2017.4.01.3601 CLASSE: AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (64) POLO ATIVO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - MPF POLO PASSIVO: espolio de MARIA LUIZA VILA RAMOS DE FARO e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: CIBELI SIMOES DOS SANTOS - MT11468/O, ADRIANE APARECIDA BARBOSA DO NASCIMENTO - MT23635/O, CAMILA GONZAGA VANINI - MT23640/O, BENEDITA IVONE ADORNO - MT6391/O, ROBERTA FARIA LIMA NUNES - GO32092, MARCELO GERALDO COUTINHO HORN - MT13522/B, HAMILTON LOBO MENDES FILHO - MT10791/O, RICHARD RODRIGUES DA SILVA - MT23636/O, VICTOR LUIZ MARTINS DE ALMEIDA - MT25974/O, FABIO GONCALVES DUARTE - GO25771, LUIZ ANTONIO DA SILVA - GO30882, FRANSERGIO ROJAS PIOVESAN - MT4.848, LEDSON GLAUCO MONTEIRO CATELAN - MT14309/O e EMERSON SANABRIA CARVALHO - MT6413/O SENTENÇA Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ajuizada pelo Ministério Público Federal em face de ARLEME JANISSARA DE OLIVEIRA ALCÂNTARA e diversos outros, com o objetivo de apurar responsabilidades relativas à aquisição irregular de medicamentos pela Secretaria de Saúde do Município de Cáceres/MT, mediante contratação direta, fora das hipóteses legais, e posterior simulação de procedimento licitatório (Convite nº 54/2012), que teria por escopo encobrir dívidas previamente assumidas. A inicial narra a existência de fracionamento indevido do objeto da licitação, conluio entre os licitantes e, por fim, a ocorrência de superfaturamento no valor de R$ 53.425,80, ocasionando prejuízo aos cofres públicos. Com base nesses fatos, o Parquet requereu a decretação liminar da indisponibilidade de bens dos requeridos, com vistas à garantia de ressarcimento ao erário, bem como, ao final, a condenação dos réus às sanções previstas nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92. O valor atribuído à causa foi de R$ 321.130,00. Em decisão inicial, registrada sob ID 195352442, o Juízo deferiu o recebimento da petição inicial, reconhecendo a presença de elementos indiciários suficientes para o prosseguimento da ação. Determinou-se, ainda, a citação dos réus para apresentação de defesa preliminar, com a preservação da formação do contraditório. Na sequência, a União manifestou-se nos autos informando não possuir interesse jurídico a justificar sua intervenção como litisconsorte. Por outro lado, alguns dos réus apresentaram defesa preliminar com alegações diversas. Maria Luiza Vila Ramos de Faro e Gilberto José da Costa sustentaram imunidade profissional; Enoque Ramos Duarte e Edson Flávio Santos, por sua vez, alegaram ilegitimidade passiva em razão de sua atuação na condição de membros da comissão de licitação. Outros réus invocaram, em suas peças, ausência de dolo, nulidades formais e inexigibilidade de procedimento licitatório. Parte dos demandados, entre eles Jocenildo Caetano da Silva, Arleme Janissara, Tania Tolotti e José Mendes de Rezende, deixou de apresentar defesa preliminar, o que, todavia, não resultou em revelia, conforme assinalado pelo Juízo. O Ministério Público Federal, por sua vez, apresentou manifestação na qual refutou todas as preliminares levantadas e pugnou pelo prosseguimento regular do feito. Por meio da decisão de ID 1726517553, o Juízo rejeitou todas as alegações preliminares, recebeu as contestações tempestivamente apresentadas e determinou a abertura da fase de especificação de provas, oportunidade em que intimou também o MPF para manifestação quanto ao pedido de levantamento de indisponibilidade de bem formulado por um dos réus. Posteriormente, o Parquet manifestou-se contrariamente ao desbloqueio de veículo Jeep Compass pertencente a Gilberto José da Costa, alegando que permanecem presentes indícios relevantes de sua participação nos atos ímprobos, sendo necessária a cautelar patrimonial para resguardar o resultado útil da demanda. Também foi requerida a produção de prova oral, com destaque para a oitiva dos réus. Na decisão de ID 2017111673, o Juízo deferiu a produção da prova oral e determinou a realização dos interrogatórios dos réus, além de acolher o pedido de prova emprestada formulado por Edson Flávio Santos e Jonesia Gracioli. Na mesma oportunidade, foi reafirmada a manutenção da medida de indisponibilidade de bens. Em decisão subsequente (ID 2129968208), registrou-se que somente Maria Luiza Vila Ramos de Faro e Edson Flávio Santos manifestaram desinteresse em serem ouvidos em juízo. Os demais réus, silentes, foram considerados interessados, autorizando-se o prosseguimento da instrução. Assim, foi realizada audiência por videoconferência em 27 de junho de 2024 (ID 2134689679), na qual a ré Jonesia Pouso Gracioli, não compareceu, sendo deferido prazo para juntada de atestado médico. Durante a tramitação, sobreveio o falecimento da ré Maria Luiza Vila Ramos de Faro. Em razão disso, o MPF peticionou requerendo a regularização do polo passivo, informando a existência de inventário em curso no TJMT (processo nº 1008847-36.2024.8.11.0006), cuja autora é Rafaela Vila Ramos Pereira de Faro, filha da falecida, a quem se atribui a função de inventariante. Em nova petição, o Ministério Público reiterou pedido de prioridade na tramitação do feito, considerando sua antiguidade e a relevância do interesse público envolvido. Na decisão de ID 2188029633, o Juízo determinou a emenda da petição inicial pelo Ministério Público, com o objetivo de adequá-la às exigências da nova redação da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 14.230/2021), especialmente quanto à individualização das condutas e à demonstração do dolo de cada réu, conforme exigido pelo artigo 17-C, inciso I, da Lei nº 8.429/92, com a nova redação. A decisão também mencionou que o pleito de Gilberto José da Costa quanto ao excesso de penhora seria oportunamente apreciado. Em resposta, o Ministério Público Federal, por meio da petição de ID 2195603737, apresentou manifestação na qual sustenta não ser necessária a emenda da inicial, considerando que a petição já atende aos requisitos legais aplicáveis, inclusive após a vigência da nova legislação, e que o momento oportuno para análise mais aprofundada das condutas e da presença do dolo seria após a instrução probatória. Argumentou, ainda, que a inicial está devidamente instruída com provas documentais e periciais extraídas do Inquérito Civil nº 1.20.001.000097/2016-78, do relatório da CGU e da Operação Fidare. Na mesma linha de regularização processual, foi juntado aos autos instrumento de procuração e habilitação da herdeira Rafaela Vila Ramos Pereira de Faro, na qualidade de inventariante do espólio de Maria Luiza, conforme documento ID 2174505003. Na petição, a habilitante apresentou contestação, na qual ressaltou sua ilegitimidade passiva pessoal e a limitação da responsabilidade do espólio ao valor da herança, nos termos do artigo 8º da LIA e do princípio da responsabilidade patrimonial do herdeiro. Alegou, ainda, inexistirem provas de enriquecimento ilícito ou de acréscimos patrimoniais à de cujus, limitando-se sua atuação à sucessão em curso, ainda sem definição do quinhão hereditário. É o relatório. Vieram-me os autos conclusos. Decido. 1. Introdução: Ação de Improbidade Administrativa – Fundamento Constitucional, Histórico e Reforma Legislativa A ação de improbidade administrativa constitui instrumento processual colocado à disposição do Estado para proteger o erário e os princípios que regem a Administração Pública, conforme previsão expressa no artigo 37, § 4º, da Constituição da República: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” Regulada originalmente pela Lei nº 8.429/1992, a chamada Lei de Improbidade Administrativa (LIA) representou resposta do legislador ao dever constitucional de repressão a condutas lesivas à moralidade administrativa, à legalidade e à proteção do patrimônio público, estabelecendo tipos e sanções severas. Durante anos, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a responsabilidade por improbidade administrativa admitia as modalidades dolo e culpa, a depender da tipificação prevista nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA. A conduta culposa era tradicionalmente admitida, sobretudo nos casos de lesão ao erário (art. 10 da LIA), sendo suficiente a negligência ou imperícia do agente. No entanto, esse regime normativo sofreu substancial transformação com a promulgação da Lei nº 14.230/2021, que introduziu reforma estrutural na disciplina da improbidade administrativa. Entre as inovações mais relevantes, destaca-se: a) A supressão da modalidade culposa como fundamento autônomo de responsabilização; b) A exigência de dolo específico para a caracterização de atos ímprobos em todas as hipóteses previstas na lei; c) A fixação de prazos de prescrição intercorrente, inclusive com aplicação retroativa; d) A introdução de salvaguardas à ampla defesa e ao devido processo legal, restringindo a responsabilização a condutas graves e intencionais. A reforma legislativa passou a exigir não apenas o dolo genérico, mas o dolo específico dirigido à finalidade ilícita de enriquecimento indevido ou prejuízo ao erário, sendo insuficiente a mera desídia, imperícia ou imprudência para atrair a tutela repressiva da improbidade administrativa. 2. Tema 1199 da Repercussão Geral – Tese Firmada e Consequências Jurídicas Em sede de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o ARE 843.989/PR, firmou a seguinte tese no Tema 1199: "A exigência de dolo específico para a configuração do ato de improbidade administrativa prevista na Lei 14.230/2021 aplica-se retroativamente às ações em curso, salvo aos casos com coisa julgada material." O entendimento, de efeito vinculante, implicou modificação do regime jurídico aplicável às ações de improbidade administrativa propostas antes da nova lei, mas ainda pendentes de julgamento definitivo, determinando a retroatividade da norma mais benéfica, com fundamento no princípio constitucional da lex mitior (art. 5º, XL, da CRFB). Dentre os desdobramentos jurídicos essenciais da tese firmada, destacam-se: a) A extinção das ações baseadas exclusivamente em culpa, uma vez que tal modalidade de conduta foi expurgada do ordenamento como fundamento de improbidade; b) A necessidade de revisão do elemento subjetivo nas ações em curso, exigindo do juízo a verificação da existência ou não de dolo, antes de prosseguir com a instrução processual; c) A vedação à reconfiguração retroativa dos fatos ou da capitulação legal, após o oferecimento da inicial e apresentação da resposta, em respeito ao art. 17, § 10-C, da própria Lei 8.429/1992; d) A inaplicabilidade da ação rescisória como instrumento de desconstituição de coisa julgada fundada em culpa, conforme decidiu a maioria da Corte. Neste cenário, o Supremo estabeleceu que os efeitos da Lei nº 14.230/2021 devem incidir imediatamente sobre todos os processos em curso, inclusive na fase recursal, com o objetivo de garantir tratamento isonômico e racionalidade jurídica na persecução de atos ímprobos. 3. Do caso concreto No caso concreto, o Ministério Público Federal imputou de a prática de atos de improbidade administrativa a diversos agentes públicos e particulares, no contexto da condução do Convite n.º 054/2012. Isso porque, em abril de 2014 teria sido desarticulada uma complexa e multitudinária organização criminosa voltada para a prática de ilícitos criminais e administrativos, que atuava no âmbito da Secretaria de Saúde do Município de Cáceres/MT. As investigações tornaram-se conhecidas como "Operação Fidare", tendo sido apurados, segundo o MPF, inúmeros crimes e condutas contrárias à administração pública, bem como ao princípio da moralidade administrativa, ensejando um prejuízo aos cofres públicos estimado em mais de R$ 1.474.109,94 (um milhão, quatrocentos e setenta e quatro mil, cento e nove reais e noventa e quatro centavos). Especificamente no caso dos autos o prejuízo estimado à administração pública foi de R$ 53.452,80 (cinquenta três mil quatrocentos e cinquenta e dois reais e oitenta centavos), conforme Id. Num. 3905242 - Pág. 38. Consoante a inicial, as hipóteses descritas nos artigos 10, incisos V e VIII e art. 11, caput, e inciso I, ambos da Lei 8.429/92 – com redação anterior àquela dada pela Lei 14.230/2021, se subsomem às condutas dos demandados na ação, razão pela qual a análise da compatibilidade com a lei nova restringirá a esses dispositivos, sob pena de nulidade (art. 17, §10-F, da Lei 8.429/92). 3.1. Artigo 10, incisos V e VIII, da Lei 8.429/1992 Dispõe o art. 10, incisos V e VIII, da Lei 8.429/92, com redação dada pela Lei 14.230/2021 que: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (…) V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado; (...) VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva; No entanto, quando do ajuizamento da ação, o caput do art. 10 enunciava constituir ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa. Forte nisso e, atendendo os ditames da época, o Ministério Público Federal, na inicial, expressamente consignou que a demonstração do dolo, ou seja, do elemento subjetivo da conduta, seria PRESCINDÍVEL nas hipóteses do art. 10 da Lei n. 8.429/92. Isso porque, segundo acrescentou, a configuração dos atos de improbidade administrativa tipificados no art. 10 da Lei n. 8.429/92 não exige, necessariamente, a presença do dolo na conduta dos agentes. Veja-se: Devidamente intimado para que procedesse à individualização das condutas dos réus, à tipificação precisa dos atos de improbidade e à demonstração do elemento subjetivo dolo, nos termos da legislação vigente, conforme entendimento vinculante do Supremo tribunal Federal, o Ministério Público Federal limitou-se a pedir a reconsideração da decisão argumentando que há tópico específico sobre a “individualização das condutas”. No entanto, são requisitos CUMULATIVOS da petição inicial, segundo disposto no art. 17, §6º, incisos I e II, da Lei 8.429/92 que: Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (Vide ADI 7042) (Vide ADI 7043) (...) § 6º A petição inicial observará o seguinte: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) I - deverá individualizar a conduta do réu e apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência das hipóteses dos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei e de sua autoria, salvo impossibilidade devidamente fundamentada; (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) II - será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições constantes dos arts. 77 e 80 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) A existência de capítulo destinado à individualização das condutas, na inicial, não satisfaz o comando legal acima mencionado, pois remanesce sem cumprimento o inciso II do art. 6º, da LIA, que diz respeito ao dolo específico. A decisão que recebeu a inicial (Id. 195352442), de fato, não apontou nenhum vício ou irregularidade formal na demanda porque proferida antes da reforma promovida pela Lei 14.230/21. Logo, na época, a petição inicial cumpria com os ditames legais. Por outro lado, a decisão de Id. 1726517553, embora proferida em 24/08/2023, não enfrentou, especificamente, a questão da inexistência de demonstração de dolo específico em nenhuma das preliminares vindicadas, tampouco de o fez de ofício, não havendo que se falar, portanto, em preclusão pro judicato. Neste sentido: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PRECLUSÃO PRO JUDICATO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO . IMPOSSIBILIDADE. 1. O STJ entende que mesmo as matérias de ordem pública estão sujeitas à preclusão pro judicato, razão pela qual não podem ser revisitadas se já tiverem sido objeto de anterior manifestação jurisdicional. 2 . A revisão do entendimento do aresto hostilizado no tocante à existência de decisum não recorrido nos autos principais (cumprimento de sentença) em que rechaçado anterior pleito de fixação de verba honorária esbarra no óbice da Súmula 7 do STJ, uma vez que o Tribunal de origem decidiu a questão com base na realidade fático-probatória dos autos. 3. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no REsp: 2046956 RS 2023/0004562-8, Relator.: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 27/11/2023, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/12/2023) E, uma vez não atendidos os requisitos, preceitua o art. 17, §6-B, da Lei 8.429/92, a petição inicial deve ser rejeitada. Veja-se: § 6º-B A petição inicial será rejeitada nos casos do art. 330 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), bem como quando não preenchidos os requisitos a que se referem os incisos I e II do § 6º deste artigo, ou ainda quando manifestamente inexistente o ato de improbidade imputado. (grifei) Neste sentido, já decidiu o Tribunal Regional Federal da 1ª Região: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PELA PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECEBIMENTO DA INICIAL. IMPUTAÇÃO GENÉRICA DOS ATOS DE IMPROBIDADE. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS INDICATIVOS DE DOLO. INICIAL REJEITADA. SENTENÇA PROLATADA EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE E DO STJ. SENTENÇA MANTIDA. REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. 1. A Lei 14 .230/2021 trouxe algumas inovações à Lei 8.429/92, as quais se aplicam aos processos pendentes, conforme entendimento que vem se consolidando na jurisprudência. Tais inovações trazidas por esse novo diploma legal em virtude de sua natureza jurídica, de cunho sancionatório (tantas as normas de natureza material e processual), devem ser observadas retroativamente aos casos em curso, por ser mais benéfica que a Lei nº 8.429/92, à luz do artigo 5º, XL da Constituição Federal . 2. A Lei nº. 8.429/92 sofreu alterações com a edição da Lei nº . 14.230/21, entre as quais, observa-se que o legislador afastou a aplicação do instituto da remessa necessária nas ações de improbidade administrativa, conforme prevê o art. 17, § 19º, inciso IV, da Lei nº. 8 .429/92 vigente. 3. Afigura-se da legislação em vigor que em sede de ação de improbidade administrativa não haverá remessa necessária nas sentenças de improcedência, nos termos do art. 17, § 19º, inciso IV, da Lei nº . 8.429/92. 4. A nova redação dada pela Lei 14 .230/2021, prevê que o magistrado somente poderá rejeitar a inicial da ação de improbidade administrativa quanto não estiverem presentes as condições da ação e os pressupostos processuais necessários, previstos no art. 330 do CPC (for inepta; a parte for manifestamente ilegítima, entre outros). 5. Depreende-se, que, como em qualquer ação cível, a de improbidade, para ser recebida, deverá preencher as condições da ação e os pressupostos processuais, não podendo tecer imputações genéricas aos réus, bem como deverá apresentar indícios da existência do ato de improbidade administrativa, bem como quando deverá ser instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou com razões fundamentadas . 6. O magistrado a quo, extinguiu o feito, sem resolução do mérito, pois considerou que, o que se infere dos autos é que, embora tenha havido imputação da prática de ato ímprobo em relação à empresa BH Oliveira Costa & Cia (fls. 31-33), o Ministério Público Federal atribuiu genericamente aos réus, então agentes públicos, responsabilidade no evento fundado na mera potencialidade de repetição de irregularidades havidas em procedimentos licitatórios diversos, apurados no bojo Inquérito Civil Público nº. 1 .31.000.000080/2013-02. É dizer: não houve, na espécie, a indicação de fatos concretos que demonstrassem, ainda que minimamente, a atuação de agentes públicos nos atos tidos como ímprobos (fl . 130 doc. n. 143871047). 7 . O que consta no caderno processual é a imputação genérica de atos de improbidade administrativa, ocasião em que a parte autora aponta diversas irregularidades em procedimentos licitatórios realizados no âmbito do Município de Porto Velho/RO, sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Projetos e Obras Especiais SEMPRE, sem indicar, ainda que indícios mínimos, a participação dos agentes públicos. 8. Pela total falta de elementos que pudessem levar a uma análise diferente da que foi empreendida na sentença, afigura-se que a inicial não pode tecer imputações genéricas aos réus, nem deixar de apresentar indícios de participação nos atos supostamente tidos como ímprobos, atrelando-os a provas documentais que justifiquem a veracidade dos fatos e do dolo imputado aos réus. 9 . Sentença mantida. 10. Remessa necessária não conhecida. 11 . Apelação não provida. (TRF-1 - AC: 00125485220164014100, Relator.: DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO, Data de Julgamento: 12/04/2022, 3ª Turma, Data de Publicação: PJe 25/04/2022 PAG PJe 25/04/2022 PAG) grifei Consoante entendimento do e. Tribunal Regional da 1ª Região, "1. O julgamento do Tema 1199 pelo STF deu alcance temporal imediato para as alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021 à Lei 8.429/1992, à exceção dos novos prazos prescricionais, de aplicação apenas para as ações propostas após a lei" e, por consequência, "[p]ara os demais processos que estejam na fase de conhecimento prevalece a compreensão de que os pedidos devem ser ajustados à nova matriz legal, nisso se incluindo os novos critérios para a demonstração da tipificação dos atos elencados nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/1992, em especial a presença do elemento volitivo do agente (dolo) na ação supostamente ímproba, que passou a ser obrigatório" (TRF1. AG 1037532-54.2022.4.01.0000, JUIZ FEDERAL SAULO JOSÉ CASALI BAHIA, TRF1 - DÉCIMA TURMA, PJe 11/10/2023) grifei Ademais, o Superior Tribunal de Justiça já vinha, mesmo antes da reforma, exigindo demonstração de má-fé para a caracterização da improbidade, conforme julgado paradigmático: “De fato, a lei alcança o administrador desonesto, não o inábil, despreparado, incompetente e desastrado.” (REsp 213.994/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DOU 27.09.1999) Nesta oportunidade, tenho por relevante acrescentar que, novamente o e. TRF1, possui precedente exigindo a adequada tipificação dos tipos ímprobos nos autos: “9. À luz dos balizamentos fixados pela Suprema Corte, afigura-se plenamente possível concluir que as novas disposições da LIA no que concerne à tipificação do ato de improbidade (normas de direito material mais benéficas) devem ser aplicadas às ações em curso, ou seja, nas quais ainda não se operou o trânsito em julgado”1, autorizando o indeferimento da petição inicial em caso de “falta de adequação do pleito autoral aos ditames preconizados pela atual redação da Lei nº 8.429/92”. Ressoa ainda do e. TRF1 ser “[c]orreta, pois, a r. sentença que, diante do não cumprimento da determinação, indeferiu a inicial e extinguiu o feito sem resolução de mérito”2, porque “intimado para emendar a petição inicial, para que se adequasse às disposições acima citadas, o MPF limitou-se a reiterar que a Lei 14.230/2021 não se aplica ao caso concreto”. Tais entendimentos se alinham perfeitamente à sistemática do Código de Processo Civil, cujo art. 321, parágrafo único, determina que, se o autor não cumprir a diligência de emenda da petição inicial no prazo estipulado, o juiz a indeferirá. O pedido de reconsideração do Ministério Público Federal não possui previsão legal, tampouco supre a exigência de que a demonstração do dolo deve acompanhar a inicial, e não ser “produzido durante a instrução”. Logo, é de se aplicar a consequência processual expressamente prevista em lei, culminando na extinção do feito sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, I, do CPC. Acrescento. Impende registrar que a adequação do feito para as diretrizes trazidas pela Lei nº 14.230/21 é imperativa e decorre da interpretação doutrinária mais consentânea dada a casos como tais. Não por acaso, Fábio Medina Osório leciona: “[a] prestação jurisdicional deve ser completa, satisfazendo as demandas postas em juízo. As decisões administrativas também devem corresponder ao princípio da congruência, devem aquilatar, acolhendo ou rejeitando, as teses fundamentais das partes, sob pena de arbitrariedade”3 Isto porque, preceitua o art. 487, caput e inciso I, do Código de Processo Civil – CPC determina que “Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: I - acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção”, inexistindo margem para apreciação de questões ausentes na petição inicial. Nesta senda, na sentença da ação de improbidade, o(a) juiz(a) pode julgar procedente a ação se e apenas se o Ministério Público demonstrar a prática do ato ímprobo, a desonestidade do(s) réu(s) e a correção da imputação feita por si na petição inicial. É interditado, portanto, ao Juiz ter na petição inicial apenas um guia, como se ele mesmo fosse o responsável primeiro pelo cotejo dos documentos dos autos a fim de decidir quais são os documentos relevantes para comprovar a materialidade, autoria e dolo específico do ato de improbidade e o seu correto enquadramento dentro dos tipos da LIA. Dito isto e, sem maiores delongas, a rejeição superveniente da petição inicial - porque não preenchidos os requisitos a que se refere o inciso II do § 6º do art. 17 da Lei 8.429/92, é medida que se impõe. 3.2. Artigo 11, caput, e inciso I, da Lei 8.429/1992 O Ministério Público Federal imputou ato de improbidade administrativa aos requeridos, na forma do art. 11, caput e inciso I, da Lei 8.429/92 que, na redação anterior à Lei 14.230/2021, poderia ser culposo. Como consequência, asseverou que o elemento subjetivo – o dolo, estaria intrínseco às condutas dos réus posto que voluntariamente teriam violado os princípios da administração pública. Veja-se: No entanto, com a entrada em vigor da Lei 14.230/2021, que alterou de modo substancial a Lei 8.429/92, não existe mais a possibilidade de responsabilização por ato de improbidade administrativa culposo. Isso porque, o art. 1º, §1º, da Lei 8.429/92 assevera que: Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei. § 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais. Por sua vez, o § 2º, do mesmo artigo, não deixa margem de dúvidas no sentido de que, a mera voluntariedade do agente não basta para configuração de atos de improbidade: § 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente. Do mesmo modo é o teor do §3º, de tal artigo: § 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa. Seguindo a mesma ideia, dispõe os §§ 1º e 2º, do artigo 11: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (...) § 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.587, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. § 2º Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei. Ainda: Art. 17-C. A sentença proferida nos processos a que se refere esta Lei deverá, além de observar o disposto no art. 489 da Lei nº 13.105, de março de 2015 (Código de Processo Civil): (...) § 1º A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade. Dolo específico, especialmente para os fins de caracterização de ato de improbidade, é o ato eivado de má-fé. O erro grosseiro, a falta de zelo com a coisa pública, a negligência, podem até ser punidos em outra esfera, de modo que não ficarão necessariamente impunes, mas não mais caracterizarão atos de improbidade. Busca-se, agora, a punição do desonesto e não do incompetente (GAJARDONI; CRUZ; FAVRETO, 2022:46).4 Com efeito, o dolo do agente para toda e qualquer conduta tipificada na lei de Improbidade Administrativa passa a ser específico: consciência + vontade + finalidade de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. Logo, deve a imputação de improbidade por ato culposo ser julgada improcedente, neste ponto, por atipicidade superveniente. 4. Dispositivo Ante o exposto: a) INDEFIRO A PETIÇÃO INICIAL, nos termos do art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil, c/c o art. 17, §6º-B, da Lei nº 8.429/1992, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, e, por conseguinte, julgo extinto o processo sem resolução de mérito, com fundamento no art. 485, inciso I, do Código de Processo Civil, com relação à imputação do art. 10, incisos V e VIII, ambos da Lei 8.429/92. b) JULGO PARCIALMENTE IMPROCEDENTE a inicial, no que diz respeito à imputação do art. 11, caput e inciso I, da Lei 8.429/92, por atipicidade superveniente, em razão da revogação do inciso I do art. 11 da Lei 8.429/92 promovida pela Lei n.º 14.230/21. c) Como consequência, após o trânsito em julgado, determino o levantamento de todos os gravames incidentes sobre bens e direitos dos requeridos que decorram, única e exclusivamente, de ordem oriunda deste processo. Para tanto, os requeridos devem juntar informação nos autos indicando, de maneira clara, objetiva e individualizada quais dos seus bens e/ou direitos estariam atingidos por indisponibilidade em razão do presente feito. d) Prejudicado o pedido da defesa de Gilberto José da Costa (Id. 2176959765), posto que já deferido o levantamento dos gravames, conforme item c. Sem custas e sem honorários (art. 18 da Lei 7.347/85). Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cáceres/MT, data da assinatura digital. Assinado digitalmente FERNANDA GATTASS OLIVEIRA FIDELIS Juíza Federal Substituta 1AC 1002368-75.2021.4.01.4005, DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA, TRF1 - TERCEIRA TURMA, PJe 24/08/2023. 2AC 0002748-81.2013.4.01.4301, DESEMBARGADOR FEDERAL CESAR CINTRA JATAHY FONSECA, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 27/06/2024. 3 Direito Administrativo Sancionador - Ed. 2025, Autor: Fábio Medina Osório, Editora: Revista dos Tribunais, Página RB-6.16. 4 Comentários à Nova Lei de Improbidade Administrativa - Ed. 2023, Autor: Fernando da Fonseca Gajardoni, Fernão Borba Franco, Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz, Luiz Manoel Gomes Junior, Rogerio Favreto, Editora: Revista dos Tribunais, Página RL-1.9

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Processo nº 1000172-25.2017.4.01.3601

ID: 335963009

Tribunal: TRF1 Órgão: 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Cáceres-MT Classe: AçãO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Nº Processo: 1000172-25.2017.4.01.3601

Data de Disponibilização: 28/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

JOSE MENDES DE REZENDE

Intimação

Advogados:

EMERSON SANABRIA CARVALHO

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LEDSON GLAUCO MONTEIRO CATELAN

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FRANSERGIO ROJAS PIOVESAN

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LUIZ ANTONIO DA SILVA

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FABIO GONCALVES DUARTE

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VICTOR LUIZ MARTINS DE ALMEIDA

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RICHARD RODRIGUES DA SILVA

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HAMILTON LOBO MENDES FILHO

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MARCELO GERALDO COUTINHO HORN

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JOSELAINE DUARTE GONZAGA

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ROBERTA FARIA LIMA NUNES

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BENEDITA IVONE ADORNO

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CAMILA GONZAGA VANINI

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ADRIANE APARECIDA BARBOSA DO NASCIMENTO

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CIBELI SIMOES DOS SANTOS

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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Cáceres-MT 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Cáceres-MT SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1000172-25.2017.4.01.3601 CLASSE: AÇÃO CIVIL DE IM… PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Cáceres-MT 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Cáceres-MT SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1000172-25.2017.4.01.3601 CLASSE: AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (64) POLO ATIVO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - MPF POLO PASSIVO: espolio de MARIA LUIZA VILA RAMOS DE FARO e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: CIBELI SIMOES DOS SANTOS - MT11468/O, ADRIANE APARECIDA BARBOSA DO NASCIMENTO - MT23635/O, CAMILA GONZAGA VANINI - MT23640/O, BENEDITA IVONE ADORNO - MT6391/O, ROBERTA FARIA LIMA NUNES - GO32092, MARCELO GERALDO COUTINHO HORN - MT13522/B, HAMILTON LOBO MENDES FILHO - MT10791/O, RICHARD RODRIGUES DA SILVA - MT23636/O, VICTOR LUIZ MARTINS DE ALMEIDA - MT25974/O, FABIO GONCALVES DUARTE - GO25771, LUIZ ANTONIO DA SILVA - GO30882, FRANSERGIO ROJAS PIOVESAN - MT4.848, LEDSON GLAUCO MONTEIRO CATELAN - MT14309/O e EMERSON SANABRIA CARVALHO - MT6413/O SENTENÇA Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ajuizada pelo Ministério Público Federal em face de ARLEME JANISSARA DE OLIVEIRA ALCÂNTARA e diversos outros, com o objetivo de apurar responsabilidades relativas à aquisição irregular de medicamentos pela Secretaria de Saúde do Município de Cáceres/MT, mediante contratação direta, fora das hipóteses legais, e posterior simulação de procedimento licitatório (Convite nº 54/2012), que teria por escopo encobrir dívidas previamente assumidas. A inicial narra a existência de fracionamento indevido do objeto da licitação, conluio entre os licitantes e, por fim, a ocorrência de superfaturamento no valor de R$ 53.425,80, ocasionando prejuízo aos cofres públicos. Com base nesses fatos, o Parquet requereu a decretação liminar da indisponibilidade de bens dos requeridos, com vistas à garantia de ressarcimento ao erário, bem como, ao final, a condenação dos réus às sanções previstas nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92. O valor atribuído à causa foi de R$ 321.130,00. Em decisão inicial, registrada sob ID 195352442, o Juízo deferiu o recebimento da petição inicial, reconhecendo a presença de elementos indiciários suficientes para o prosseguimento da ação. Determinou-se, ainda, a citação dos réus para apresentação de defesa preliminar, com a preservação da formação do contraditório. Na sequência, a União manifestou-se nos autos informando não possuir interesse jurídico a justificar sua intervenção como litisconsorte. Por outro lado, alguns dos réus apresentaram defesa preliminar com alegações diversas. Maria Luiza Vila Ramos de Faro e Gilberto José da Costa sustentaram imunidade profissional; Enoque Ramos Duarte e Edson Flávio Santos, por sua vez, alegaram ilegitimidade passiva em razão de sua atuação na condição de membros da comissão de licitação. Outros réus invocaram, em suas peças, ausência de dolo, nulidades formais e inexigibilidade de procedimento licitatório. Parte dos demandados, entre eles Jocenildo Caetano da Silva, Arleme Janissara, Tania Tolotti e José Mendes de Rezende, deixou de apresentar defesa preliminar, o que, todavia, não resultou em revelia, conforme assinalado pelo Juízo. O Ministério Público Federal, por sua vez, apresentou manifestação na qual refutou todas as preliminares levantadas e pugnou pelo prosseguimento regular do feito. Por meio da decisão de ID 1726517553, o Juízo rejeitou todas as alegações preliminares, recebeu as contestações tempestivamente apresentadas e determinou a abertura da fase de especificação de provas, oportunidade em que intimou também o MPF para manifestação quanto ao pedido de levantamento de indisponibilidade de bem formulado por um dos réus. Posteriormente, o Parquet manifestou-se contrariamente ao desbloqueio de veículo Jeep Compass pertencente a Gilberto José da Costa, alegando que permanecem presentes indícios relevantes de sua participação nos atos ímprobos, sendo necessária a cautelar patrimonial para resguardar o resultado útil da demanda. Também foi requerida a produção de prova oral, com destaque para a oitiva dos réus. Na decisão de ID 2017111673, o Juízo deferiu a produção da prova oral e determinou a realização dos interrogatórios dos réus, além de acolher o pedido de prova emprestada formulado por Edson Flávio Santos e Jonesia Gracioli. Na mesma oportunidade, foi reafirmada a manutenção da medida de indisponibilidade de bens. Em decisão subsequente (ID 2129968208), registrou-se que somente Maria Luiza Vila Ramos de Faro e Edson Flávio Santos manifestaram desinteresse em serem ouvidos em juízo. Os demais réus, silentes, foram considerados interessados, autorizando-se o prosseguimento da instrução. Assim, foi realizada audiência por videoconferência em 27 de junho de 2024 (ID 2134689679), na qual a ré Jonesia Pouso Gracioli, não compareceu, sendo deferido prazo para juntada de atestado médico. Durante a tramitação, sobreveio o falecimento da ré Maria Luiza Vila Ramos de Faro. Em razão disso, o MPF peticionou requerendo a regularização do polo passivo, informando a existência de inventário em curso no TJMT (processo nº 1008847-36.2024.8.11.0006), cuja autora é Rafaela Vila Ramos Pereira de Faro, filha da falecida, a quem se atribui a função de inventariante. Em nova petição, o Ministério Público reiterou pedido de prioridade na tramitação do feito, considerando sua antiguidade e a relevância do interesse público envolvido. Na decisão de ID 2188029633, o Juízo determinou a emenda da petição inicial pelo Ministério Público, com o objetivo de adequá-la às exigências da nova redação da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 14.230/2021), especialmente quanto à individualização das condutas e à demonstração do dolo de cada réu, conforme exigido pelo artigo 17-C, inciso I, da Lei nº 8.429/92, com a nova redação. A decisão também mencionou que o pleito de Gilberto José da Costa quanto ao excesso de penhora seria oportunamente apreciado. Em resposta, o Ministério Público Federal, por meio da petição de ID 2195603737, apresentou manifestação na qual sustenta não ser necessária a emenda da inicial, considerando que a petição já atende aos requisitos legais aplicáveis, inclusive após a vigência da nova legislação, e que o momento oportuno para análise mais aprofundada das condutas e da presença do dolo seria após a instrução probatória. Argumentou, ainda, que a inicial está devidamente instruída com provas documentais e periciais extraídas do Inquérito Civil nº 1.20.001.000097/2016-78, do relatório da CGU e da Operação Fidare. Na mesma linha de regularização processual, foi juntado aos autos instrumento de procuração e habilitação da herdeira Rafaela Vila Ramos Pereira de Faro, na qualidade de inventariante do espólio de Maria Luiza, conforme documento ID 2174505003. Na petição, a habilitante apresentou contestação, na qual ressaltou sua ilegitimidade passiva pessoal e a limitação da responsabilidade do espólio ao valor da herança, nos termos do artigo 8º da LIA e do princípio da responsabilidade patrimonial do herdeiro. Alegou, ainda, inexistirem provas de enriquecimento ilícito ou de acréscimos patrimoniais à de cujus, limitando-se sua atuação à sucessão em curso, ainda sem definição do quinhão hereditário. É o relatório. Vieram-me os autos conclusos. Decido. 1. Introdução: Ação de Improbidade Administrativa – Fundamento Constitucional, Histórico e Reforma Legislativa A ação de improbidade administrativa constitui instrumento processual colocado à disposição do Estado para proteger o erário e os princípios que regem a Administração Pública, conforme previsão expressa no artigo 37, § 4º, da Constituição da República: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” Regulada originalmente pela Lei nº 8.429/1992, a chamada Lei de Improbidade Administrativa (LIA) representou resposta do legislador ao dever constitucional de repressão a condutas lesivas à moralidade administrativa, à legalidade e à proteção do patrimônio público, estabelecendo tipos e sanções severas. Durante anos, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a responsabilidade por improbidade administrativa admitia as modalidades dolo e culpa, a depender da tipificação prevista nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA. A conduta culposa era tradicionalmente admitida, sobretudo nos casos de lesão ao erário (art. 10 da LIA), sendo suficiente a negligência ou imperícia do agente. No entanto, esse regime normativo sofreu substancial transformação com a promulgação da Lei nº 14.230/2021, que introduziu reforma estrutural na disciplina da improbidade administrativa. Entre as inovações mais relevantes, destaca-se: a) A supressão da modalidade culposa como fundamento autônomo de responsabilização; b) A exigência de dolo específico para a caracterização de atos ímprobos em todas as hipóteses previstas na lei; c) A fixação de prazos de prescrição intercorrente, inclusive com aplicação retroativa; d) A introdução de salvaguardas à ampla defesa e ao devido processo legal, restringindo a responsabilização a condutas graves e intencionais. A reforma legislativa passou a exigir não apenas o dolo genérico, mas o dolo específico dirigido à finalidade ilícita de enriquecimento indevido ou prejuízo ao erário, sendo insuficiente a mera desídia, imperícia ou imprudência para atrair a tutela repressiva da improbidade administrativa. 2. Tema 1199 da Repercussão Geral – Tese Firmada e Consequências Jurídicas Em sede de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o ARE 843.989/PR, firmou a seguinte tese no Tema 1199: "A exigência de dolo específico para a configuração do ato de improbidade administrativa prevista na Lei 14.230/2021 aplica-se retroativamente às ações em curso, salvo aos casos com coisa julgada material." O entendimento, de efeito vinculante, implicou modificação do regime jurídico aplicável às ações de improbidade administrativa propostas antes da nova lei, mas ainda pendentes de julgamento definitivo, determinando a retroatividade da norma mais benéfica, com fundamento no princípio constitucional da lex mitior (art. 5º, XL, da CRFB). Dentre os desdobramentos jurídicos essenciais da tese firmada, destacam-se: a) A extinção das ações baseadas exclusivamente em culpa, uma vez que tal modalidade de conduta foi expurgada do ordenamento como fundamento de improbidade; b) A necessidade de revisão do elemento subjetivo nas ações em curso, exigindo do juízo a verificação da existência ou não de dolo, antes de prosseguir com a instrução processual; c) A vedação à reconfiguração retroativa dos fatos ou da capitulação legal, após o oferecimento da inicial e apresentação da resposta, em respeito ao art. 17, § 10-C, da própria Lei 8.429/1992; d) A inaplicabilidade da ação rescisória como instrumento de desconstituição de coisa julgada fundada em culpa, conforme decidiu a maioria da Corte. Neste cenário, o Supremo estabeleceu que os efeitos da Lei nº 14.230/2021 devem incidir imediatamente sobre todos os processos em curso, inclusive na fase recursal, com o objetivo de garantir tratamento isonômico e racionalidade jurídica na persecução de atos ímprobos. 3. Do caso concreto No caso concreto, o Ministério Público Federal imputou de a prática de atos de improbidade administrativa a diversos agentes públicos e particulares, no contexto da condução do Convite n.º 054/2012. Isso porque, em abril de 2014 teria sido desarticulada uma complexa e multitudinária organização criminosa voltada para a prática de ilícitos criminais e administrativos, que atuava no âmbito da Secretaria de Saúde do Município de Cáceres/MT. As investigações tornaram-se conhecidas como "Operação Fidare", tendo sido apurados, segundo o MPF, inúmeros crimes e condutas contrárias à administração pública, bem como ao princípio da moralidade administrativa, ensejando um prejuízo aos cofres públicos estimado em mais de R$ 1.474.109,94 (um milhão, quatrocentos e setenta e quatro mil, cento e nove reais e noventa e quatro centavos). Especificamente no caso dos autos o prejuízo estimado à administração pública foi de R$ 53.452,80 (cinquenta três mil quatrocentos e cinquenta e dois reais e oitenta centavos), conforme Id. Num. 3905242 - Pág. 38. Consoante a inicial, as hipóteses descritas nos artigos 10, incisos V e VIII e art. 11, caput, e inciso I, ambos da Lei 8.429/92 – com redação anterior àquela dada pela Lei 14.230/2021, se subsomem às condutas dos demandados na ação, razão pela qual a análise da compatibilidade com a lei nova restringirá a esses dispositivos, sob pena de nulidade (art. 17, §10-F, da Lei 8.429/92). 3.1. Artigo 10, incisos V e VIII, da Lei 8.429/1992 Dispõe o art. 10, incisos V e VIII, da Lei 8.429/92, com redação dada pela Lei 14.230/2021 que: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (…) V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado; (...) VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva; No entanto, quando do ajuizamento da ação, o caput do art. 10 enunciava constituir ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa. Forte nisso e, atendendo os ditames da época, o Ministério Público Federal, na inicial, expressamente consignou que a demonstração do dolo, ou seja, do elemento subjetivo da conduta, seria PRESCINDÍVEL nas hipóteses do art. 10 da Lei n. 8.429/92. Isso porque, segundo acrescentou, a configuração dos atos de improbidade administrativa tipificados no art. 10 da Lei n. 8.429/92 não exige, necessariamente, a presença do dolo na conduta dos agentes. Veja-se: Devidamente intimado para que procedesse à individualização das condutas dos réus, à tipificação precisa dos atos de improbidade e à demonstração do elemento subjetivo dolo, nos termos da legislação vigente, conforme entendimento vinculante do Supremo tribunal Federal, o Ministério Público Federal limitou-se a pedir a reconsideração da decisão argumentando que há tópico específico sobre a “individualização das condutas”. No entanto, são requisitos CUMULATIVOS da petição inicial, segundo disposto no art. 17, §6º, incisos I e II, da Lei 8.429/92 que: Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (Vide ADI 7042) (Vide ADI 7043) (...) § 6º A petição inicial observará o seguinte: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) I - deverá individualizar a conduta do réu e apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência das hipóteses dos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei e de sua autoria, salvo impossibilidade devidamente fundamentada; (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) II - será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições constantes dos arts. 77 e 80 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) A existência de capítulo destinado à individualização das condutas, na inicial, não satisfaz o comando legal acima mencionado, pois remanesce sem cumprimento o inciso II do art. 6º, da LIA, que diz respeito ao dolo específico. A decisão que recebeu a inicial (Id. 195352442), de fato, não apontou nenhum vício ou irregularidade formal na demanda porque proferida antes da reforma promovida pela Lei 14.230/21. Logo, na época, a petição inicial cumpria com os ditames legais. Por outro lado, a decisão de Id. 1726517553, embora proferida em 24/08/2023, não enfrentou, especificamente, a questão da inexistência de demonstração de dolo específico em nenhuma das preliminares vindicadas, tampouco de o fez de ofício, não havendo que se falar, portanto, em preclusão pro judicato. Neste sentido: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PRECLUSÃO PRO JUDICATO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO . IMPOSSIBILIDADE. 1. O STJ entende que mesmo as matérias de ordem pública estão sujeitas à preclusão pro judicato, razão pela qual não podem ser revisitadas se já tiverem sido objeto de anterior manifestação jurisdicional. 2 . A revisão do entendimento do aresto hostilizado no tocante à existência de decisum não recorrido nos autos principais (cumprimento de sentença) em que rechaçado anterior pleito de fixação de verba honorária esbarra no óbice da Súmula 7 do STJ, uma vez que o Tribunal de origem decidiu a questão com base na realidade fático-probatória dos autos. 3. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no REsp: 2046956 RS 2023/0004562-8, Relator.: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 27/11/2023, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/12/2023) E, uma vez não atendidos os requisitos, preceitua o art. 17, §6-B, da Lei 8.429/92, a petição inicial deve ser rejeitada. Veja-se: § 6º-B A petição inicial será rejeitada nos casos do art. 330 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), bem como quando não preenchidos os requisitos a que se referem os incisos I e II do § 6º deste artigo, ou ainda quando manifestamente inexistente o ato de improbidade imputado. (grifei) Neste sentido, já decidiu o Tribunal Regional Federal da 1ª Região: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PELA PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECEBIMENTO DA INICIAL. IMPUTAÇÃO GENÉRICA DOS ATOS DE IMPROBIDADE. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS INDICATIVOS DE DOLO. INICIAL REJEITADA. SENTENÇA PROLATADA EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE E DO STJ. SENTENÇA MANTIDA. REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. 1. A Lei 14 .230/2021 trouxe algumas inovações à Lei 8.429/92, as quais se aplicam aos processos pendentes, conforme entendimento que vem se consolidando na jurisprudência. Tais inovações trazidas por esse novo diploma legal em virtude de sua natureza jurídica, de cunho sancionatório (tantas as normas de natureza material e processual), devem ser observadas retroativamente aos casos em curso, por ser mais benéfica que a Lei nº 8.429/92, à luz do artigo 5º, XL da Constituição Federal . 2. A Lei nº. 8.429/92 sofreu alterações com a edição da Lei nº . 14.230/21, entre as quais, observa-se que o legislador afastou a aplicação do instituto da remessa necessária nas ações de improbidade administrativa, conforme prevê o art. 17, § 19º, inciso IV, da Lei nº. 8 .429/92 vigente. 3. Afigura-se da legislação em vigor que em sede de ação de improbidade administrativa não haverá remessa necessária nas sentenças de improcedência, nos termos do art. 17, § 19º, inciso IV, da Lei nº . 8.429/92. 4. A nova redação dada pela Lei 14 .230/2021, prevê que o magistrado somente poderá rejeitar a inicial da ação de improbidade administrativa quanto não estiverem presentes as condições da ação e os pressupostos processuais necessários, previstos no art. 330 do CPC (for inepta; a parte for manifestamente ilegítima, entre outros). 5. Depreende-se, que, como em qualquer ação cível, a de improbidade, para ser recebida, deverá preencher as condições da ação e os pressupostos processuais, não podendo tecer imputações genéricas aos réus, bem como deverá apresentar indícios da existência do ato de improbidade administrativa, bem como quando deverá ser instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou com razões fundamentadas . 6. O magistrado a quo, extinguiu o feito, sem resolução do mérito, pois considerou que, o que se infere dos autos é que, embora tenha havido imputação da prática de ato ímprobo em relação à empresa BH Oliveira Costa & Cia (fls. 31-33), o Ministério Público Federal atribuiu genericamente aos réus, então agentes públicos, responsabilidade no evento fundado na mera potencialidade de repetição de irregularidades havidas em procedimentos licitatórios diversos, apurados no bojo Inquérito Civil Público nº. 1 .31.000.000080/2013-02. É dizer: não houve, na espécie, a indicação de fatos concretos que demonstrassem, ainda que minimamente, a atuação de agentes públicos nos atos tidos como ímprobos (fl . 130 doc. n. 143871047). 7 . O que consta no caderno processual é a imputação genérica de atos de improbidade administrativa, ocasião em que a parte autora aponta diversas irregularidades em procedimentos licitatórios realizados no âmbito do Município de Porto Velho/RO, sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Projetos e Obras Especiais SEMPRE, sem indicar, ainda que indícios mínimos, a participação dos agentes públicos. 8. Pela total falta de elementos que pudessem levar a uma análise diferente da que foi empreendida na sentença, afigura-se que a inicial não pode tecer imputações genéricas aos réus, nem deixar de apresentar indícios de participação nos atos supostamente tidos como ímprobos, atrelando-os a provas documentais que justifiquem a veracidade dos fatos e do dolo imputado aos réus. 9 . Sentença mantida. 10. Remessa necessária não conhecida. 11 . Apelação não provida. (TRF-1 - AC: 00125485220164014100, Relator.: DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO, Data de Julgamento: 12/04/2022, 3ª Turma, Data de Publicação: PJe 25/04/2022 PAG PJe 25/04/2022 PAG) grifei Consoante entendimento do e. Tribunal Regional da 1ª Região, "1. O julgamento do Tema 1199 pelo STF deu alcance temporal imediato para as alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021 à Lei 8.429/1992, à exceção dos novos prazos prescricionais, de aplicação apenas para as ações propostas após a lei" e, por consequência, "[p]ara os demais processos que estejam na fase de conhecimento prevalece a compreensão de que os pedidos devem ser ajustados à nova matriz legal, nisso se incluindo os novos critérios para a demonstração da tipificação dos atos elencados nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/1992, em especial a presença do elemento volitivo do agente (dolo) na ação supostamente ímproba, que passou a ser obrigatório" (TRF1. AG 1037532-54.2022.4.01.0000, JUIZ FEDERAL SAULO JOSÉ CASALI BAHIA, TRF1 - DÉCIMA TURMA, PJe 11/10/2023) grifei Ademais, o Superior Tribunal de Justiça já vinha, mesmo antes da reforma, exigindo demonstração de má-fé para a caracterização da improbidade, conforme julgado paradigmático: “De fato, a lei alcança o administrador desonesto, não o inábil, despreparado, incompetente e desastrado.” (REsp 213.994/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DOU 27.09.1999) Nesta oportunidade, tenho por relevante acrescentar que, novamente o e. TRF1, possui precedente exigindo a adequada tipificação dos tipos ímprobos nos autos: “9. À luz dos balizamentos fixados pela Suprema Corte, afigura-se plenamente possível concluir que as novas disposições da LIA no que concerne à tipificação do ato de improbidade (normas de direito material mais benéficas) devem ser aplicadas às ações em curso, ou seja, nas quais ainda não se operou o trânsito em julgado”1, autorizando o indeferimento da petição inicial em caso de “falta de adequação do pleito autoral aos ditames preconizados pela atual redação da Lei nº 8.429/92”. Ressoa ainda do e. TRF1 ser “[c]orreta, pois, a r. sentença que, diante do não cumprimento da determinação, indeferiu a inicial e extinguiu o feito sem resolução de mérito”2, porque “intimado para emendar a petição inicial, para que se adequasse às disposições acima citadas, o MPF limitou-se a reiterar que a Lei 14.230/2021 não se aplica ao caso concreto”. Tais entendimentos se alinham perfeitamente à sistemática do Código de Processo Civil, cujo art. 321, parágrafo único, determina que, se o autor não cumprir a diligência de emenda da petição inicial no prazo estipulado, o juiz a indeferirá. O pedido de reconsideração do Ministério Público Federal não possui previsão legal, tampouco supre a exigência de que a demonstração do dolo deve acompanhar a inicial, e não ser “produzido durante a instrução”. Logo, é de se aplicar a consequência processual expressamente prevista em lei, culminando na extinção do feito sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, I, do CPC. Acrescento. Impende registrar que a adequação do feito para as diretrizes trazidas pela Lei nº 14.230/21 é imperativa e decorre da interpretação doutrinária mais consentânea dada a casos como tais. Não por acaso, Fábio Medina Osório leciona: “[a] prestação jurisdicional deve ser completa, satisfazendo as demandas postas em juízo. As decisões administrativas também devem corresponder ao princípio da congruência, devem aquilatar, acolhendo ou rejeitando, as teses fundamentais das partes, sob pena de arbitrariedade”3 Isto porque, preceitua o art. 487, caput e inciso I, do Código de Processo Civil – CPC determina que “Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: I - acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção”, inexistindo margem para apreciação de questões ausentes na petição inicial. Nesta senda, na sentença da ação de improbidade, o(a) juiz(a) pode julgar procedente a ação se e apenas se o Ministério Público demonstrar a prática do ato ímprobo, a desonestidade do(s) réu(s) e a correção da imputação feita por si na petição inicial. É interditado, portanto, ao Juiz ter na petição inicial apenas um guia, como se ele mesmo fosse o responsável primeiro pelo cotejo dos documentos dos autos a fim de decidir quais são os documentos relevantes para comprovar a materialidade, autoria e dolo específico do ato de improbidade e o seu correto enquadramento dentro dos tipos da LIA. Dito isto e, sem maiores delongas, a rejeição superveniente da petição inicial - porque não preenchidos os requisitos a que se refere o inciso II do § 6º do art. 17 da Lei 8.429/92, é medida que se impõe. 3.2. Artigo 11, caput, e inciso I, da Lei 8.429/1992 O Ministério Público Federal imputou ato de improbidade administrativa aos requeridos, na forma do art. 11, caput e inciso I, da Lei 8.429/92 que, na redação anterior à Lei 14.230/2021, poderia ser culposo. Como consequência, asseverou que o elemento subjetivo – o dolo, estaria intrínseco às condutas dos réus posto que voluntariamente teriam violado os princípios da administração pública. Veja-se: No entanto, com a entrada em vigor da Lei 14.230/2021, que alterou de modo substancial a Lei 8.429/92, não existe mais a possibilidade de responsabilização por ato de improbidade administrativa culposo. Isso porque, o art. 1º, §1º, da Lei 8.429/92 assevera que: Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei. § 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais. Por sua vez, o § 2º, do mesmo artigo, não deixa margem de dúvidas no sentido de que, a mera voluntariedade do agente não basta para configuração de atos de improbidade: § 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente. Do mesmo modo é o teor do §3º, de tal artigo: § 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa. Seguindo a mesma ideia, dispõe os §§ 1º e 2º, do artigo 11: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (...) § 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.587, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. § 2º Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei. Ainda: Art. 17-C. A sentença proferida nos processos a que se refere esta Lei deverá, além de observar o disposto no art. 489 da Lei nº 13.105, de março de 2015 (Código de Processo Civil): (...) § 1º A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade. Dolo específico, especialmente para os fins de caracterização de ato de improbidade, é o ato eivado de má-fé. O erro grosseiro, a falta de zelo com a coisa pública, a negligência, podem até ser punidos em outra esfera, de modo que não ficarão necessariamente impunes, mas não mais caracterizarão atos de improbidade. Busca-se, agora, a punição do desonesto e não do incompetente (GAJARDONI; CRUZ; FAVRETO, 2022:46).4 Com efeito, o dolo do agente para toda e qualquer conduta tipificada na lei de Improbidade Administrativa passa a ser específico: consciência + vontade + finalidade de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. Logo, deve a imputação de improbidade por ato culposo ser julgada improcedente, neste ponto, por atipicidade superveniente. 4. Dispositivo Ante o exposto: a) INDEFIRO A PETIÇÃO INICIAL, nos termos do art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil, c/c o art. 17, §6º-B, da Lei nº 8.429/1992, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, e, por conseguinte, julgo extinto o processo sem resolução de mérito, com fundamento no art. 485, inciso I, do Código de Processo Civil, com relação à imputação do art. 10, incisos V e VIII, ambos da Lei 8.429/92. b) JULGO PARCIALMENTE IMPROCEDENTE a inicial, no que diz respeito à imputação do art. 11, caput e inciso I, da Lei 8.429/92, por atipicidade superveniente, em razão da revogação do inciso I do art. 11 da Lei 8.429/92 promovida pela Lei n.º 14.230/21. c) Como consequência, após o trânsito em julgado, determino o levantamento de todos os gravames incidentes sobre bens e direitos dos requeridos que decorram, única e exclusivamente, de ordem oriunda deste processo. Para tanto, os requeridos devem juntar informação nos autos indicando, de maneira clara, objetiva e individualizada quais dos seus bens e/ou direitos estariam atingidos por indisponibilidade em razão do presente feito. d) Prejudicado o pedido da defesa de Gilberto José da Costa (Id. 2176959765), posto que já deferido o levantamento dos gravames, conforme item c. Sem custas e sem honorários (art. 18 da Lei 7.347/85). Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cáceres/MT, data da assinatura digital. Assinado digitalmente FERNANDA GATTASS OLIVEIRA FIDELIS Juíza Federal Substituta 1AC 1002368-75.2021.4.01.4005, DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA, TRF1 - TERCEIRA TURMA, PJe 24/08/2023. 2AC 0002748-81.2013.4.01.4301, DESEMBARGADOR FEDERAL CESAR CINTRA JATAHY FONSECA, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 27/06/2024. 3 Direito Administrativo Sancionador - Ed. 2025, Autor: Fábio Medina Osório, Editora: Revista dos Tribunais, Página RB-6.16. 4 Comentários à Nova Lei de Improbidade Administrativa - Ed. 2023, Autor: Fernando da Fonseca Gajardoni, Fernão Borba Franco, Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz, Luiz Manoel Gomes Junior, Rogerio Favreto, Editora: Revista dos Tribunais, Página RL-1.9

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