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Processo nº 1012583-46.2025.8.11.0000

ID: 304997611

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 1012583-46.2025.8.11.0000

Data de Disponibilização: 23/06/2025

Polo Ativo:

CONSTRUART LTDA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

JULIANA CRISTINA MARTINELLI RAIMUNDI

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1012583-46.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Prestação de Serviços, Provas, Cabiment… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1012583-46.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Prestação de Serviços, Provas, Cabimento] Relator: Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Turma Julgadora: [DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). DIRCEU DOS SANTOS] Parte(s): [JULIANA CRISTINA MARTINELLI RAIMUNDI - CPF: 023.580.389-89 (ADVOGADO), CONSTRUART LTDA - CNPJ: 09.338.459/0001-74 (AGRAVANTE), HT GARCIA TERRAPLANAGEM E CONSTRUCAO CIVIL LTDA - CNPJ: 14.691.064/0002-71 (AGRAVADO), LUCAS FELIPE LOPES DE SOUZA - CPF: 034.184.621-03 (ADVOGADO), THAYANE CAMILA FERREIRA PRADO - CPF: 052.456.521-02 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXIGIR CONTAS. PROVA EMPRESTADA. AMPLIAÇÃO CONTRATUAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame Agravo de instrumento contra decisão que admitiu prova emprestada oriunda de processo diverso e excluiu da análise pericial elementos relativos à obra denominada “John Deere”, no âmbito de ação de exigir contas fundada em contrato de construção civil com previsão de comissão sobre lucros. II. Questão em Discussão Há duas questões em discussão: (i) saber se é admissível a utilização de laudo pericial não homologado como prova emprestada, oriundo de processo distinto (ii) saber se é válida a exclusão da análise pericial de parte da obra contemplada por aditivo contratual, considerada pela origem como estranha ao contrato principal. III. Razões de decidir A utilização de prova emprestada é admitida, desde que observado o contraditório, nos termos do art. 372 do CPC. A exclusão da obra “John Deere” da perícia judicial compromete a completa análise da avença, pois o aditivo contratual nº 10 comprova a inclusão dessa parte no objeto contratual, sendo necessária sua consideração para correta apuração dos lucros e das contas exigidas. IV. Dispositivo e Tese Agravo de instrumento parcialmente provido. Tese de julgamento: “1. É admissível a utilização de prova emprestada oriunda de outro processo, desde que assegurado o contraditório no processo de destino. 2. A perícia judicial deve considerar todos os elementos da construção previstos em aditivo contratual válido, incluindo a parcela relativa à obra da John Deere.” R E L A T Ó R I O Trata-se de agravo de instrumento interposto por Construart Ltda., contra decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Lucas do Rio Verde, nos autos da ação de exigir contas, que admitiu a utilização de prova emprestada oriunda de outro processo e delimitou, no contexto das perícias técnicas em curso, que apenas os elementos atinentes à obra da Rota Oeste (Scania) seriam considerados no escopo contratual objeto da lide. A agravante sustenta que a documentação aceita como prova emprestada não atende aos requisitos legais, pois não teria sido homologada no processo originário, tampouco submetida ao contraditório, além de ser imprestável e ter sido juntada intempestivamente. Alega, ainda, que a decisão recorrida desconsiderou o fato de que a edificação objeto do contrato celebrado com a agravada é una e indivisível, abrangendo tanto a estrutura destinada à concessionária Scania (Rota Oeste) quanto aquela correspondente à John Deere. Argumenta que a limitação imposta pelo juízo de origem compromete a integridade da análise técnica e prejudica o esclarecimento dos elementos necessários à correta apuração das contas exigidas. Forte em tais argumentos, requer a reforma da decisão a quo, para que sejam indeferidos os documentos utilizados como prova emprestada e para que a perícia judicial leve em consideração os elementos relacionados à obra da empresa John Deere. A tutela provisória recursal foi indeferida por meio da decisão de ID n. 282822882. Informações prestadas comunicando a manutenção da decisão agravada. Certificado o decurso do prazo sem apresentação de contraminuta pela agravada (ID n. 288652881). É o relatório. Cuiabá, 18 de junho de 2025. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Relator V O T O R E L A T O R Cuida-se, na origem, de ação de exigir contas ajuizada por HT Garcia, em razão de contrato de prestação de serviços de construção civil firmado com a agravante Construart. O ponto central da controvérsia consiste na aferição do lucro obtido com a obra executada, uma vez que parte do pagamento devido à HT Terraplanagem, ora agravada, corresponde a 30% sobre os lucros auferidos. A demanda encontra-se em sua segunda fase, com perícias contábil e de engenharia designadas e ainda pendentes de finalização. No curso da instrução processual, o juiz a quo entendeu necessário complementar o laudo pericial apresentado e, diante disso, determinou à perita judicial determinadas providências, dentre as quais: (i) a utilização como prova emprestada de documentação extraída do processo n.º 0005185-88.2015.8.11.0041 (produção antecipada de provas), especialmente laudo pericial não homologado, relacionado à obra da concessionária “Rota Oeste Scania”, sob o fundamento de que já havia aproximadamente 25,74% da construção realizada antes da atuação da Construart e HT Garcia; (ii) a desconsideração, por parte dos peritos, de documentos atinentes à obra da “John Deere”, por entender que referida obra não integra o objeto do contrato ora discutido. Insurge-se, então, a agravante. Sustenta, em síntese, a nulidade da decisão agravada, aduzindo que os documentos tidos como prova emprestada são imprestáveis, porquanto oriundos de laudo pericial não homologado, produzido em processo com partes distintas e sem a observância do contraditório. E quanto à exclusão dos documentos, diz que a decisão recorrida desconsiderou o fato de que a edificação objeto do contrato celebrado com a agravada é una e indivisível, abrangendo tanto a estrutura destinada à concessionária Scania (Rota Oeste) quanto àquela correspondente à sede da concessionaria John Deer. Pois bem. A controvérsia posta neste agravo gravita em torno de duas deliberações contidas na decisão proferida no bojo da ação de exigir contas, quais sejam: (i) a admissão, como prova emprestada, de documentação extraída de processo distinto (nº 0005185-88.2015.8.11.0041), ainda não homologada judicialmente e sem identidade subjetiva entre as partes; e (ii) a exclusão, da análise pericial, dos elementos relacionados à obra denominada “John Deere”, considerada, pela instância de origem, estranha ao objeto contratual. No que concerne ao segundo ponto, entendo que assiste razão à agravante. A perícia de engenharia, instrumento técnico-jurídico indispensável à elucidação do quantum de lucro obtido e, por conseguinte, da comissão a ser paga à agravada, deve refletir a integralidade do objeto da avença, sob pena de restringir indevidamente o alcance da prestação jurisdicional. Da análise dos autos, observa-se que, no decorrer da execução do contrato, foi celebrado entre a empresa Construart Ltda. e a Rota Oeste Veículos Ltda. o Aditivo Contratual nº 10 (ID nº 193983909, autos de origem), o qual prevê, de maneira expressa, a ampliação da unidade já em construção, a fim de incluir a ampliação da sede da concessionária John Deere, contemplando serviços de forro de gesso, tubulação elétrica embutida e reparos estruturais. Referidos serviços, conforme demonstrado na própria documentação técnica e visual apresentada (inclusive fotografias e plantas do empreendimento), integram a mesma estrutura física do projeto principal, cujo escopo inicial envolvia a edificação destinada à concessionária da marca Scania, mas que, posteriormente, sofreu acréscimos para contemplar a ampliação da unidade da John Deere. Dessa forma, a exclusão sumária de parte da construção – notadamente da que se refere à John Deere – sem análise da documentação contratual e probatória pertinente, incorre em vício decisório que compromete o objeto da perícia e, em última instância, o próprio mérito da ação de exigir contas, fundada na apuração do resultado financeiro global da obra. Impõe-se, assim, a inclusão da referida parcela construtiva como cenário relevante de prova na perícia judicial. No tocante à admissão da prova emprestada, oriunda de processo diverso e que instrui a produção antecipada de provas de n.º 0005185-88.2015.8.11.0041, impende consignar que a jurisprudência pátria e a doutrina especializada já assentaram que a prova emprestada é admissível no processo civil, desde que respeitado o contraditório e a ampla defesa, nos termos do artigo 372 do Código de Processo Civil: “Art. 372. O juiz poderá permitir o uso de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observados o contraditório e a ampla defesa.” Com efeito, a possibilidade de valoração da prova emprestada está diretamente condicionada à observância do contraditório, que deve ter sido garantido no processo originário da prova, ou, alternativamente, deve ser oportunizado no processo de destino. Assim sendo, a utilização de laudo pericial elaborado em processo diverso exige, como condição, que as partes envolvidas no feito em que se pretende emprestar a prova tenham tido oportunidade efetiva de impugná-la, sob pena de nulidade. No caso concreto, o juízo de origem admitiu a utilização como fonte informativa para a perícia de engenharia, e nada obsta que no curso da atual ação, seja observado o contraditório em relação ao conteúdo da prova emprestada, facultando-se à parte adversa o pleno exercício do direito de impugnação técnica, jurídica e fática. Assim, não se determina o indeferimento da prova emprestada, mas sim sua admissibilidade condicionada à estrita observância do contraditório, a ser garantido no presente processo. Logo, a prova empresta é possível, desde que a parte contraria se manifeste amplamente, o que deve ser franqueado pelo juiz a quo. Dessa forma, entendo que o recurso merece provimento parcial, apenas para determinar que a perícia judicial leve em consideração os elementos relativos à obra da John Deere, por se tratar de parte relevante da construção global, incluída por aditivo contratual válido, mantendo-se a possibilidade de utilização da prova emprestada, desde que assegurado o contraditório à parte. Assim, concluo que a decisão merece reforma parcial, unicamente para determinar que a perícia judicial, tanto de engenharia quanto contábil, contemple, como cenário de apuração, os serviços relacionados à obra da John Deere, mencionados no Aditivo Contratual nº 10, sem prejuízo da admissibilidade da prova emprestada, cuja valoração deverá observar a efetiva garantia do contraditório. Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao agravo de instrumento. Cuiabá, 18 de junho de 2025. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 17/06/2025

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Processo nº 1012583-46.2025.8.11.0000

ID: 304997616

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 1012583-46.2025.8.11.0000

Data de Disponibilização: 23/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

HT GARCIA TERRAPLANAGEM E CONSTRUCAO CIVIL LTDA

Acórdão

Advogados:

THAYANE CAMILA FERREIRA PRADO

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LUCAS FELIPE LOPES DE SOUZA

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1012583-46.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Prestação de Serviços, Provas, Cabiment… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1012583-46.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Prestação de Serviços, Provas, Cabimento] Relator: Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Turma Julgadora: [DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). DIRCEU DOS SANTOS] Parte(s): [JULIANA CRISTINA MARTINELLI RAIMUNDI - CPF: 023.580.389-89 (ADVOGADO), CONSTRUART LTDA - CNPJ: 09.338.459/0001-74 (AGRAVANTE), HT GARCIA TERRAPLANAGEM E CONSTRUCAO CIVIL LTDA - CNPJ: 14.691.064/0002-71 (AGRAVADO), LUCAS FELIPE LOPES DE SOUZA - CPF: 034.184.621-03 (ADVOGADO), THAYANE CAMILA FERREIRA PRADO - CPF: 052.456.521-02 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXIGIR CONTAS. PROVA EMPRESTADA. AMPLIAÇÃO CONTRATUAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame Agravo de instrumento contra decisão que admitiu prova emprestada oriunda de processo diverso e excluiu da análise pericial elementos relativos à obra denominada “John Deere”, no âmbito de ação de exigir contas fundada em contrato de construção civil com previsão de comissão sobre lucros. II. Questão em Discussão Há duas questões em discussão: (i) saber se é admissível a utilização de laudo pericial não homologado como prova emprestada, oriundo de processo distinto (ii) saber se é válida a exclusão da análise pericial de parte da obra contemplada por aditivo contratual, considerada pela origem como estranha ao contrato principal. III. Razões de decidir A utilização de prova emprestada é admitida, desde que observado o contraditório, nos termos do art. 372 do CPC. A exclusão da obra “John Deere” da perícia judicial compromete a completa análise da avença, pois o aditivo contratual nº 10 comprova a inclusão dessa parte no objeto contratual, sendo necessária sua consideração para correta apuração dos lucros e das contas exigidas. IV. Dispositivo e Tese Agravo de instrumento parcialmente provido. Tese de julgamento: “1. É admissível a utilização de prova emprestada oriunda de outro processo, desde que assegurado o contraditório no processo de destino. 2. A perícia judicial deve considerar todos os elementos da construção previstos em aditivo contratual válido, incluindo a parcela relativa à obra da John Deere.” R E L A T Ó R I O Trata-se de agravo de instrumento interposto por Construart Ltda., contra decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Lucas do Rio Verde, nos autos da ação de exigir contas, que admitiu a utilização de prova emprestada oriunda de outro processo e delimitou, no contexto das perícias técnicas em curso, que apenas os elementos atinentes à obra da Rota Oeste (Scania) seriam considerados no escopo contratual objeto da lide. A agravante sustenta que a documentação aceita como prova emprestada não atende aos requisitos legais, pois não teria sido homologada no processo originário, tampouco submetida ao contraditório, além de ser imprestável e ter sido juntada intempestivamente. Alega, ainda, que a decisão recorrida desconsiderou o fato de que a edificação objeto do contrato celebrado com a agravada é una e indivisível, abrangendo tanto a estrutura destinada à concessionária Scania (Rota Oeste) quanto aquela correspondente à John Deere. Argumenta que a limitação imposta pelo juízo de origem compromete a integridade da análise técnica e prejudica o esclarecimento dos elementos necessários à correta apuração das contas exigidas. Forte em tais argumentos, requer a reforma da decisão a quo, para que sejam indeferidos os documentos utilizados como prova emprestada e para que a perícia judicial leve em consideração os elementos relacionados à obra da empresa John Deere. A tutela provisória recursal foi indeferida por meio da decisão de ID n. 282822882. Informações prestadas comunicando a manutenção da decisão agravada. Certificado o decurso do prazo sem apresentação de contraminuta pela agravada (ID n. 288652881). É o relatório. Cuiabá, 18 de junho de 2025. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Relator V O T O R E L A T O R Cuida-se, na origem, de ação de exigir contas ajuizada por HT Garcia, em razão de contrato de prestação de serviços de construção civil firmado com a agravante Construart. O ponto central da controvérsia consiste na aferição do lucro obtido com a obra executada, uma vez que parte do pagamento devido à HT Terraplanagem, ora agravada, corresponde a 30% sobre os lucros auferidos. A demanda encontra-se em sua segunda fase, com perícias contábil e de engenharia designadas e ainda pendentes de finalização. No curso da instrução processual, o juiz a quo entendeu necessário complementar o laudo pericial apresentado e, diante disso, determinou à perita judicial determinadas providências, dentre as quais: (i) a utilização como prova emprestada de documentação extraída do processo n.º 0005185-88.2015.8.11.0041 (produção antecipada de provas), especialmente laudo pericial não homologado, relacionado à obra da concessionária “Rota Oeste Scania”, sob o fundamento de que já havia aproximadamente 25,74% da construção realizada antes da atuação da Construart e HT Garcia; (ii) a desconsideração, por parte dos peritos, de documentos atinentes à obra da “John Deere”, por entender que referida obra não integra o objeto do contrato ora discutido. Insurge-se, então, a agravante. Sustenta, em síntese, a nulidade da decisão agravada, aduzindo que os documentos tidos como prova emprestada são imprestáveis, porquanto oriundos de laudo pericial não homologado, produzido em processo com partes distintas e sem a observância do contraditório. E quanto à exclusão dos documentos, diz que a decisão recorrida desconsiderou o fato de que a edificação objeto do contrato celebrado com a agravada é una e indivisível, abrangendo tanto a estrutura destinada à concessionária Scania (Rota Oeste) quanto àquela correspondente à sede da concessionaria John Deer. Pois bem. A controvérsia posta neste agravo gravita em torno de duas deliberações contidas na decisão proferida no bojo da ação de exigir contas, quais sejam: (i) a admissão, como prova emprestada, de documentação extraída de processo distinto (nº 0005185-88.2015.8.11.0041), ainda não homologada judicialmente e sem identidade subjetiva entre as partes; e (ii) a exclusão, da análise pericial, dos elementos relacionados à obra denominada “John Deere”, considerada, pela instância de origem, estranha ao objeto contratual. No que concerne ao segundo ponto, entendo que assiste razão à agravante. A perícia de engenharia, instrumento técnico-jurídico indispensável à elucidação do quantum de lucro obtido e, por conseguinte, da comissão a ser paga à agravada, deve refletir a integralidade do objeto da avença, sob pena de restringir indevidamente o alcance da prestação jurisdicional. Da análise dos autos, observa-se que, no decorrer da execução do contrato, foi celebrado entre a empresa Construart Ltda. e a Rota Oeste Veículos Ltda. o Aditivo Contratual nº 10 (ID nº 193983909, autos de origem), o qual prevê, de maneira expressa, a ampliação da unidade já em construção, a fim de incluir a ampliação da sede da concessionária John Deere, contemplando serviços de forro de gesso, tubulação elétrica embutida e reparos estruturais. Referidos serviços, conforme demonstrado na própria documentação técnica e visual apresentada (inclusive fotografias e plantas do empreendimento), integram a mesma estrutura física do projeto principal, cujo escopo inicial envolvia a edificação destinada à concessionária da marca Scania, mas que, posteriormente, sofreu acréscimos para contemplar a ampliação da unidade da John Deere. Dessa forma, a exclusão sumária de parte da construção – notadamente da que se refere à John Deere – sem análise da documentação contratual e probatória pertinente, incorre em vício decisório que compromete o objeto da perícia e, em última instância, o próprio mérito da ação de exigir contas, fundada na apuração do resultado financeiro global da obra. Impõe-se, assim, a inclusão da referida parcela construtiva como cenário relevante de prova na perícia judicial. No tocante à admissão da prova emprestada, oriunda de processo diverso e que instrui a produção antecipada de provas de n.º 0005185-88.2015.8.11.0041, impende consignar que a jurisprudência pátria e a doutrina especializada já assentaram que a prova emprestada é admissível no processo civil, desde que respeitado o contraditório e a ampla defesa, nos termos do artigo 372 do Código de Processo Civil: “Art. 372. O juiz poderá permitir o uso de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observados o contraditório e a ampla defesa.” Com efeito, a possibilidade de valoração da prova emprestada está diretamente condicionada à observância do contraditório, que deve ter sido garantido no processo originário da prova, ou, alternativamente, deve ser oportunizado no processo de destino. Assim sendo, a utilização de laudo pericial elaborado em processo diverso exige, como condição, que as partes envolvidas no feito em que se pretende emprestar a prova tenham tido oportunidade efetiva de impugná-la, sob pena de nulidade. No caso concreto, o juízo de origem admitiu a utilização como fonte informativa para a perícia de engenharia, e nada obsta que no curso da atual ação, seja observado o contraditório em relação ao conteúdo da prova emprestada, facultando-se à parte adversa o pleno exercício do direito de impugnação técnica, jurídica e fática. Assim, não se determina o indeferimento da prova emprestada, mas sim sua admissibilidade condicionada à estrita observância do contraditório, a ser garantido no presente processo. Logo, a prova empresta é possível, desde que a parte contraria se manifeste amplamente, o que deve ser franqueado pelo juiz a quo. Dessa forma, entendo que o recurso merece provimento parcial, apenas para determinar que a perícia judicial leve em consideração os elementos relativos à obra da John Deere, por se tratar de parte relevante da construção global, incluída por aditivo contratual válido, mantendo-se a possibilidade de utilização da prova emprestada, desde que assegurado o contraditório à parte. Assim, concluo que a decisão merece reforma parcial, unicamente para determinar que a perícia judicial, tanto de engenharia quanto contábil, contemple, como cenário de apuração, os serviços relacionados à obra da John Deere, mencionados no Aditivo Contratual nº 10, sem prejuízo da admissibilidade da prova emprestada, cuja valoração deverá observar a efetiva garantia do contraditório. Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao agravo de instrumento. Cuiabá, 18 de junho de 2025. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 17/06/2025

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Processo nº 1003292-74.2021.4.01.4300

ID: 316988091

Tribunal: TRF1 Órgão: Gab. 40 - DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO CARVALHO VELOSO Classe: APELAçãO / REMESSA NECESSáRIA Nº Processo: 1003292-74.2021.4.01.4300

Data de Disponibilização: 07/07/2025

Polo Ativo:

SAGRAMOR ANGELA PICCOLI

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

RICARDO PECHANSKY HELLER

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CESAR AUGUSTO PINTO RIBEIRO FILHO

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CRISTIAN SCHEUER DE OLIVEIRA

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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1003292-74.2021.4.01.4300 PROCESSO REFERÊNCIA: 1003292-74.2021.4.01.4300 CLASSE: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) POLO ATIVO: SAGR… JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1003292-74.2021.4.01.4300 PROCESSO REFERÊNCIA: 1003292-74.2021.4.01.4300 CLASSE: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) POLO ATIVO: SAGRAMOR ANGELA PICCOLI REPRESENTANTES POLO ATIVO: CRISTIAN SCHEUER DE OLIVEIRA - RS104277-A, CESAR AUGUSTO PINTO RIBEIRO FILHO - RS102917-A e RICARDO PECHANSKY HELLER - RS66044-A POLO PASSIVO:UNIAO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL) RELATOR(A):ROBERTO CARVALHO VELOSO PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 40 - DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO CARVALHO VELOSO Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 1003292-74.2021.4.01.4300 RELATÓRIO O Exmo. Sr. Desembargador Federal Roberto Carvalho Veloso (Relator): Trata-se de remessa necessária e de apelações interpostas por ambas as partes contra a sentença que concedeu parcialmente a segurança pleiteada por SAGRAMOR ANGELA PICCOLI, titular de serventia extrajudicial, para declarar a inexigibilidade da contribuição ao Salário-Educação relativamente aos empregados contratados em seu nome como pessoa física, afastando, contudo, o pedido de compensação dos valores indevidamente recolhidos anteriormente à impetração do mandado de segurança. Em suas razões recursais, a UNIÃO sustenta, em síntese, que os titulares de cartório, embora pessoas físicas, exercem atividade econômica organizada, contando com estrutura, empregados e responsabilidade direta sobre a prestação dos serviços notariais, o que atrai sua equiparação à empresa para fins de incidência das contribuições previdenciárias, inclusive o Salário-Educação, nos termos da legislação vigente. Argumenta que o art. 212, § 5º, da Constituição Federal, bem como o art. 15 da Lei n. 9.424/1996, preveem a obrigação tributária em questão, sendo que a legislação previdenciária amplia o conceito de empresa, equiparando-lhe o contribuinte individual com empregados. Destaca, ainda, que os titulares de serventia estão obrigados a manter inscrição no CNPJ e no Cadastro Específico do INSS (CEI), o que reforça a caracterização como empresa para fins de cumprimento de obrigações tributárias. Aponta precedentes do STJ e de Tribunais Regionais Federais que sustentam a sujeição passiva dos cartórios à contribuição ao Salário-Educação. Por sua vez, a impetrante SAGRAMOR ANGELA PICCOLI busca a reforma da sentença na parte em que afastou o reconhecimento do direito à compensação dos valores indevidamente recolhidos nos cinco anos anteriores à impetração do mandado de segurança. Defende que, conforme entendimento jurisprudencial consolidado pelo STJ, é admissível o uso do mandado de segurança com finalidade declaratória e preventiva para reconhecer o direito à compensação tributária, sem que isso implique efeitos patrimoniais retroativos ou substituição de ação de cobrança. Invoca o Tema 118 dos recursos repetitivos e a Súmula 213 do STJ, alegando que o reconhecimento do direito à compensação, nos termos pleiteados, encontra amparo na jurisprudência, sendo possível mesmo sem a comprovação exata dos valores, desde que demonstrada a existência da relação jurídico-tributária e os pagamentos indevidos. Contrarrazões apresentadas por ambas as partes. É o relatório. Desembargador Federal ROBERTO CARVALHO VELOSO Relator PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 40 - DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO CARVALHO VELOSO Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 1003292-74.2021.4.01.4300 VOTO O Exmo. Sr. Desembargador Federal Roberto Carvalho Veloso (Relator): Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço das apelações e da remessa necessária. A sentença concessiva da segurança está sujeita à remessa necessária em razão do disposto no art. 14, § 1º da Lei n. 12.016/09. A controvérsia posta nos autos reside na exigência da contribuição ao Salário-Educação imposta à titular de serventia extrajudicial, que contrata empregados diretamente em nome próprio, na qualidade de pessoa física. A sentença reconheceu a inexigibilidade da referida contribuição, mas limitou os efeitos patrimoniais à data da impetração do mandado de segurança, afastando o direito à compensação dos valores recolhidos nos cinco anos anteriores. A União interpôs apelação buscando a reforma da decisão no tocante à inexigibilidade da contribuição, enquanto a impetrante, por sua vez, apelou visando o reconhecimento do direito à compensação tributária no período não alcançado pela prescrição. A irresignação da União não merece acolhimento. De acordo com o artigo 212, § 5º, da Constituição Federal, "a educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas na forma da lei." A legislação infraconstitucional que regulamenta a matéria é a Lei n. 9.424/1996, cujo artigo 15 dispõe que o Salário-Educação, previsto no art. 212, § 5º, da Constituição Federal e devido pelas empresas, na forma em que vier a ser disposto em regulamento, é calculado com base na alíquota de 2,5% sobre o total de remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados. Conforme entendimento sedimentado na jurisprudência e doutrina, os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público, nos termos do artigo 236 da Constituição Federal e do artigo 3º da Lei n. 8.935/1994. Essa atividade, ainda que pública em sua essência, é prestada diretamente por pessoa física, que assume pessoalmente os riscos e os ônus da atividade. Não obstante a obrigatoriedade de inscrição da serventia no CNPJ e no CEI – Cadastro Específico do INSS –, tais registros administrativos não são aptos a conferir personalidade jurídica própria à serventia ou de transmutar a natureza da relação tributária. A inscrição no CNPJ visa tão somente atender exigências cadastrais de ordem fiscal e administrativa. No tocante à contribuição ao Salário-Educação, o sujeito passivo definido por lei é a "empresa". A Lei n. 9.424/1996 e os decretos regulamentares que a sucederam expressamente vinculam a obrigação à figura da empresa ou sociedade empresária. A titular de cartório, enquanto pessoa física, mesmo com empregados, não se enquadra na definição legal de empresa. Ainda que a legislação previdenciária amplie o conceito de empresa para fins de incidência de contribuições sociais, tal equiparação não pode ser interpretada extensivamente para alcançar obrigações cuja incidência está expressamente limitada à empresa no texto constitucional e legal, como é o caso do Salário-Educação. A equiparação prevista no parágrafo único do artigo 15 da Lei n. 8.212/1991 tem aplicação específica para as contribuições previdenciárias, e não para contribuições sociais de outra natureza, como o Salário-Educação, cuja exigência carece de base legal clara quando se trata de pessoa física empregadora. A matéria ora controvertida foi afetada ao rito dos recursos repetitivos no Superior Tribunal de Justiça (Tema Repetitivo 1228) e ainda está pendente de julgamento. A questão submetida a julgamento consiste em “Definir se a pessoa física que exerce serviço notarial ou registral é contribuinte da contribuição social do salário-educação, prevista no § 5º do art. 212 da Constituição Federal de 1988 e instituída pelo art. 15 da Lei 9.424/96”. Há determinação da suspensão do processamento de todos os processos, individuais ou coletivos, que versem sobre a mesma matéria, nos quais tenha havido a interposição de recurso especial ou de agravo em recurso especial, na Segunda Instância, ou que estejam em tramitação no STJ. Portanto, a suspensão não compreende o caso dos autos, de sorte que não há óbice ao julgamento das apelações. A despeito do julgamento pendente, o STJ possui jurisprudência reiterada no sentido de que as pessoas físicas titulares de serviços notariais e de registro não se enquadram na definição de sujeito passivo da contribuição para o salário educação, portanto, não são contribuintes. Nesse sentido, cito os seguintes julgados: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA. TITULAR DE CARTÓRIO. RECOLHIMENTO DA CONTRIBUIÇÃO AO SALÁRIO-EDUCAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. O STJ, no julgamento do REsp 1.162.307/RJ, da relatoria do Ministro Luiz Fux, sob o rito dos Recursos Repetitivos, firmou a orientação de que "a contribuição para o salário-educação tem como sujeito passivo as empresas, assim entendidas as firmas individuais ou sociedades que assumam o risco de atividade econômica, urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, em consonância com o art. 15 da Lei 9.424/96, regulamentado pelo Decreto 3.142/99, sucedido pelo Decreto 6.003/2006". 2. Nos termos, ainda, da jurisprudência desta Corte, "a definição do sujeito passivo da obrigação tributária referente à contribuição ao salário-educação foi realizada pelo art. 1º, § 3º, da Lei 9.766/1998, pelo art. 2º, § 1º, do Decreto 3.142/1999 e, posteriormente, pelo art. 2º, do Decreto 6.003/2006. Sendo assim, em havendo lei específica e regulamento específico, não se aplica à contribuição ao salário-educação o disposto no parágrafo único, do art. 15, da Lei 8.212/1991, que estabelece a equiparação de contribuintes individuais e pessoas físicas a empresas no que diz respeito às contribuições previdenciárias" (REsp 1.812.828/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 31.8.2022). 4. Com relação às pessoas físicas titulares de serviços notariais e de registro, este Tribunal já proclamou que elas não se enquadram na definição de sujeito passivo da contribuição para o salário-educação, ao fundamento de que "o art. 178 da CF/69 indica como sujeito passivo da contribuição para o salário-educação as empresas comerciais, industriais e agrícolas. O Tabelionato de Notas é uma serventia judicial, que desenvolve atividade estatal típica, não se enquadrando como empresa" (REsp 262.972/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJU de 27.5.2002). Precedentes. 5. Agravo Interno não provido. (AgInt no REsp n. 2.081.843/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 23/10/2023, DJe de 18/12/2023.) TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO AO SALÁRIO-EDUCAÇÃO. SERVIÇO NOTARIAL. PESSOA FÍSICA. INEXIGIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Esta Corte já se manifestou, no julgamento do REsp 1.162.307/RJ, sob o rito dos feitos repetitivos, de relatoria do Ministro Luiz Fux, publicado em 3/12/2010, no sentido de que "a contribuição para o salário-educação tem como sujeito passivo as empresas, assim entendidas as firmas individuais ou sociedades que assumam o risco de atividade econômica, urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, em consonância com o art. 15 da Lei 9.424/96, regulamentado pelo Decreto 3.142/99, sucedido pelo Decreto 6.003/2006". 2. Contudo, a jurisprudência desta Corte entende que a pessoa física que exerce serviço notarial ou registral não é contribuinte da contribuição social salário-educação instituída pelo art. 15 da Lei 9.424/96, não podendo ser equiparada à pessoa do empresário. Precedentes: AgInt no REsp n. 2.011.986/PR, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 11/9/2023, DJe de 13/9/2023; AgInt no REsp n. 2.011.986/PR, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 11/9/2023, DJe de 13/9/2023. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp n. 2.072.632/RS, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 13/11/2023, DJe de 17/11/2023.) TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. SERVIÇOS CARTORÁRIOS. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. ATVIDADE ESTATAL TÍPICA. NÃO ENQUADRAMENTO COMO EMPRESA PARA FINS DE INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO DE SALÁRIO-EDUCAÇÃO. MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Aplica-se, no caso, o Código de Processo Civil de 2015. II - Os serviços cartorários são serventias extrajudiciais que desenvolvem atividade estatal típica, de modo que as pessoas físicas titulares de serviços notariais e de registro não se enquadram na definição de sujeito passivo da contribuição para o salário-educação. Precedentes. III - Em regra, descabe a imposição da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015 em razão do mero desprovimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso. IV - Agravo Interno improvido. (AgInt no REsp n. 2.089.170/PR, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 30/10/2023, DJe de 3/11/2023.) Corroborando o entendimento exposto, cito julgado deste Tribunal Regional Federal: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. SALÁRIO-EDUCAÇÃO. TITULAR DE CARTÓRIO PESSOA NATURAL. NÃO INCIDÊNCIA. 1. Aplica-se o prazo prescricional de cinco anos previsto na Lei Complementar nº 118/2005 às ações ajuizadas a partir de 09/06/2005 (RE nº 566.621/RS, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, repercussão geral, maioria, DJe 11/10/2011 Tema 4). 2. O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos, decidiu que "A contribuição para o salário-educação tem como sujeito passivo as empresas, assim entendidas as firmas individuais ou sociedades que assumam o risco de atividade econômica, urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, em consonância com o art. 15 da Lei 9.424/1996, regulamentado pelo Decreto 3.142/1999, sucedido pelo Decreto 6.003/2006"(Tema 362). 3. O titular de serviços notariais e registrais que desenvolve atividade estatal típica, na condição de pessoa física ou natural, não se enquadra no conceito de empresa, não podendo ser considerado sujeito passivo da contribuição para o salário-educação. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 4. O Supremo Tribunal Federal decidiu, em repercussão geral, que "Não se mostra admissível a restituição administrativa do indébito reconhecido na via judicial, sendo indispensável a observância do regime constitucional de precatórios, nos termos do art. 100 da Constituição Federal" (RE 1.420.691-SP, Tema 1.262). 5. A compensação dos valores recolhidos indevidamente deve realizar-se na esfera administrativa, após o trânsito em julgado da decisão judicial, de acordo com a lei vigente na data do encontro das contas. Precedentes. 6. Apelação interposta pela União (PFN) e remessa necessária não providas. (AMS 1012583-93.2023.4.01.3600, JUIZ FEDERAL JESUS CRISOSTOMO DE ALMEIDA, TRF1 - OITAVA TURMA, PJe 24/05/2024) Dessa forma, correta a sentença ao reconhecer a inexigibilidade da contribuição ao Salário-Educação em face da impetrante, titular de cartório, que atua como empregadora pessoa física. Passo à análise da apelação da impetrante. Nesse ponto, a insurgência merece acolhimento. A sentença afastou o direito à compensação dos valores recolhidos indevidamente nos cinco anos anteriores à impetração, amparando-se nas Súmulas 269 e 271 do Supremo Tribunal Federal. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência firme no sentido de que é possível a declaração do direito à compensação tributária em sede mandamental, inclusive no que diz respeito ao período pretérito. Veja-se: PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. INDÉBITO TRIBUTÁRIO. DECLARAÇÃO DO DIREITO À COMPENSAÇÃO DOS VALORES RECOLHIDOS NOS 5 (CINCO) ANOS ANTERIORES À IMPETRAÇÃO. POSSIBILIDADE. COMPENSAÇÃO ADMINISTRATIVA OU POR VIA JUDICIAL CABÍVEL. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. Tendo o recurso sido interposto contra decisão publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele previsto, conforme Enunciado Administrativo n. 3/2016/STJ. 2. Esta Corte de Justiça possui o entendimento de que "o mandado de segurança constitui instrumento adequado à declaração do direito à compensação do indébito recolhido em período anterior à impetração, observado o prazo prescricional de 5 (cinco) anos contados retroativamente a partir da data do ajuizamento da ação mandamental" (AgInt no REsp n. 1.778.268/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 2/4/2019). 3. A possibilidade de a sentença mandamental declarar o direito à compensação, nos termos da Súmula 213/STJ, de créditos ainda não atingidos pela prescrição não implica concessão de efeitos patrimoniais pretéritos à impetração, nem chancela eventual creditamento já realizado pelo contribuinte, porquanto a comprovação do indébito e a efetiva compensação deverão ser pleiteadas na via administrativa - cabendo à Administração Tributária a quantificação dos créditos -, ou pela via judicial própria (Súmula 271/STF), uma vez que a via mandamental não é substitutivo de ação de cobrança (Súmula 269/STF). Precedentes. 4. Esta Corte consolidou posicionamento segundo o qual o mandado de segurança em que se declara o direito à compensação não é a via adequada para se postular a repetição do indébito por meio de precatório, requisição de pequeno valor, bem como jamais se permitir a restituição administrativa em espécie (dinheiro). Precedentes. 5. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 2.667.851/RO, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 10/2/2025, DJEN de 21/2/2025.) Por conseguinte, a adequada compreensão dos efeitos patrimoniais cabíveis no mandado de segurança é a de que pode haver declaração do direito à compensação a ser realizada na via administrativa, observada a prescrição quinquenal. Nesse contexto, o mandado de segurança não se confunde com ação de cobrança e não possui efeitos condenatórios, sendo instrumento adequado para reconhecimento do direito à compensação tributária, conforme reiteradamente reconhecido pela jurisprudência. Por conseguinte, é admissível a compensação administrativa dos valores recolhidos indevidamente, a ser realizada sob o crivo das autoridades fazendárias, após o trânsito em julgado (art. 170-A do CTN). A lei que regula a compensação tributária é a vigente à data do encontro de contas. A compensação dos indébitos deve ser efetivada com quaisquer tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, excetuados os débitos das contribuições previstas nos arts. 2° e 3° da Lei 11.457/2007, caso o contribuinte não utilize o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial), conforme o art. 26-A, I, do referido diploma. Sobre os créditos a serem compensados deve incidir a taxa SELIC, com a exclusão de qualquer outro índice de correção monetária ou juros de mora. Ante o exposto, nego provimento à apelação da União e à remessa necessária e dou provimento à apelação da impetrante para declarar o direito à compensação administrativa dos valores recolhidos indevidamente nos cinco anos anteriores à data da impetração, nos termos do voto. Sem honorários advocatícios (art. 25 da Lei 12.016/09). É como voto. Desembargador Federal ROBERTO CARVALHO VELOSO Relator Voto de concordância, com ressalva a) Termo inicial da compensação administrativa de tributo impugnado em mandado de segurança A compensação pressupõe a existência de créditos e débitos recíprocos, que se extinguem até onde se compensarem; para a extinção do crédito tributário é necessário que o devedor tenha, contra a Fazenda Pública, crédito de igual natureza, líquido e certo, vencido ou vincendo (art. 170, caput, do CTN). Dispõe, ainda, o art. 170-A do CTN que não se admite a compensação mediante aproveitamento de tributo objeto de contestação judicial antes do trânsito em julgado, porque só aí é que se terá a certeza do crédito contra a Fazenda Pública a ser compensado com débito do contribuinte. A hipótese dos autos é de contestação de exigência fiscal, de sorte que apenas nas mesmas condições para expedição de precatório é que se podem apresentar os créditos do contribuinte à compensação, vale dizer, após o trânsito em julgado, poderá o contribuinte optar pela restituição mediante precatório ou compensação desse montante na via administrativa. Assentem-se, ainda, como critérios gerais, que, (a) cuidando-se de impugnação de tributo em mandado de segurança, só se podem aproveitar os valores, para restituição ou compensação, a partir da impetração (Tema 831-STF, Súmula n. 271-STF e Súmula n. 213-STJ), (b) nas ações ordinárias, observar-se-á a prescrição quinquenal e (c) a lei da compensação é a vigente ao tempo do encontro de contas, e não a vigente no período de apuração desses valores a compensar (REsp n. 1.164.452/MG, relator Min. TEORI ZAVASCKI). No que se refere ao mandado de segurança, “a opção pela compensação ou restituição do indébito se refere à restituição administrativa do indébito e não à restituição via precatório ou RPV, uma vez que a pretensão manifestada na via mandamental de condenação da Fazenda Nacional à restituição de tributo indevidamente pago no passado, viabilizando o posterior recebimento desse valor pela via do precatório, implica utilização do mandado de segurança como substitutivo da ação de cobrança, o que não se admite, conforme entendimento cristalizado na Súmula 269/STF.” (AgInt no REsp 1.928.782/SP, relator Ministro OG FERNANDES, Segunda Turma, DJe 02/09/2021). Em agosto de 2024, no REsp n. 2.034.977-MG, em que se assentou tese concernente à desnecessidade de demonstração da repercussão econômica para fins de compensação do ICMS pago a maior no regime de substituição tributária “para frente”, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, conforme voto do relator, Ministro HERMAN BENJAMIN, quanto à impossibilidade de retroação dos efeitos do mandado de segurança à data anterior à impetração. Confira-se o seguinte excerto da ementa: “25. Procede, porém, a alegação do Estado de Minas Gerais quando afirma ser inutilizável o Mandado de Segurança para produzir efeitos pretéritos, já que o writ não se equipara a uma ação de cobrança. 26. O STJ entende que ‘a possibilidade de a sentença mandamental declarar o direito à compensação (ou creditamento), nos termos da Súmula 213/STJ, de créditos ainda não atingidos pela prescrição não implica concessão de efeitos patrimoniais pretéritos à impetração’ (REsp n. 1.596.218/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 10.8.2016, grifei.). Contudo, o acórdão de origem concluiu que ‘a parte autora faz jus à restituição do ICMS pago a maior no regime de substituição tributária para frente, após 19 de outubro de 2016’ (fl. 269, e-STJ, grifei), quando o Mandado de Segurança apenas foi impetrado em 29 de agosto de 2019. Como se observa, foram atribuídos efeitos pretéritos ao ajuizamento do presente writ. 27. É possível, em Mandado de Segurança, o reconhecimento do direito à restituição referente a valores vencidos a partir da impetração do writ, mas não referentes a valores pretéritos à impetração, como houve no caso dos autos.” Portanto, tratando-se de mandado de segurança, a declaração do direito de não pagar o tributo e a respectiva compensação do que se pagou indevidamente só produz efeitos a partir da impetração, não havendo falar em retroação a período anterior. E isso está bem claro também no Tema 118 dos Repetitivos do Superior Tribunal de Justiça: “(a) tratando-se de Mandado de Segurança impetrado com vistas a declarar o direito à compensação tributária, em virtude do reconhecimento da ilegalidade ou inconstitucionalidade da anterior exigência da exação...”, de sorte que, se a ilegalidade ou a inconstitucionalidade da exigência do tributo se reconhece no mandado de segurança, é só a partir da impetração que se pode compensar o que efetivamente se recolheu, porque de outro modo estar-se-á conferido efeito retrospectivos à ação mandamental. Se se deixa de pagar tributo vincendo com tributo vencido antes da impetração (observando-se a prescrição quinquenal), parece-me que se está atribuindo efeito retrospectivo à segurança, de modo que os valores pretéritos deveriam ser objeto de ação própria. Esse é o entendimento deste relator quanto ao tema b) Posicionamento da Turma Ampliada na sessão de 25/06/2025 Sucedeu, porém, depois de externadas divergências nessa questão no âmbito desta 13ª Tuma, de virem a julgamento em Turma Ampliada dezenas de apelações e remessas necessárias na sessão de 25/06/2025, destacando-se as seguintes apelações e remessas: a) 1046905-78.2023.4.01.3200, b) 1042516-50.2023.4.01.3200, c) 1034837-96.2023.4.01.3200, d) 1009255-18.2020.4.01.4100 e e) 1001381-29.2021.4.01.3200, entre muitas outras, todas de minha relatoria. Desses julgamentos participaram, juntamente com os integrantes da 13ª Turma, desembargadores da 8ª Turma, para ampliação do quorum nos termos do art. 942 do Código de Processo Civil. Conclui-se, em todos esses casos julgados na sessão do dia 25/06, que a compensação mesmo de tributo declarado indevido em mandado de segurança pode retroagir à data anterior à sua impetração, observada a prescrição quinquenal. Transcrevo uma das certidões: “Prosseguindo no julgamento, nos termos do artigo 942 do CPC, mantidos os votos proferidos pelos integrantes da turma, foram colhidos os votos do Exmo. Sr. Desembargador Federal NOVELY VILANOVA e da Exma. Sra. Juíza Federal CLEMÊNCIA MARIA ALMADA LIMA DE ÂNGELO (Convocada nos termos do ato PRESI 653/2025), que acompanharam o voto parcialmente divergente. Em conclusão, a Turma ampliada, à unanimidade, deu provimento à apelação do impetrante e, por maioria, negou provimento à apelação da União e à remessa necessária, nos termos do voto parcialmente divergente do Exmo. Sr. Desembargador Federal Roberto Carvalho Veloso, admitindo-se a compensação dos valores recolhidos no quinquênio anterior à data da impetração do mandado de segurança, vencido em parte, o relator, Exmo. Sr. Desembargador Federal Jamil Rosa de Jesus Oliveira, que limitava a compensação à data da impetração. Lavrará o acórdão o Exmo. Sr. Desembargador Federal JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA, que ficou vencido em parte mínima.” Portanto, atento ao quanto disposto no art. 926 do Código de Processo Civil, segundo o qual “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente“, adiro à conclusão da turma, em composição ampliada, embora contra o meu entendimento, acima declinado. Assim, admito também a retroatividade da compensação de tributo declarado indevido em mandado de segurança a data anterior à impetração, observada a prescrição quinquenal. c) Conclusão Acompanho o relator. É o voto. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 40 - DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO CARVALHO VELOSO Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 1003292-74.2021.4.01.4300 APELANTE: SAGRAMOR ANGELA PICCOLI APELADO: UNIAO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL) EMENTA DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA. CONTRIBUIÇÃO AO SALÁRIO-EDUCAÇÃO. PESSOA FÍSICA TITULAR DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. INEXIGIBILIDADE DA CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DO DIREITO À COMPENSAÇÃO ADMINISTRATIVA. PERÍODO ANTERIOR À IMPETRAÇÃO. I. Caso em exame 1. Remessa necessária e apelações interpostas por ambas as partes contra sentença que concedeu parcialmente a segurança pleiteada por Sagramor Angela Piccoli, titular de serventia extrajudicial, para declarar a inexigibilidade da contribuição ao Salário-Educação relativamente aos empregados contratados em nome próprio, na condição de pessoa física, afastando, contudo, o pedido de compensação dos valores recolhidos indevidamente nos cinco anos anteriores à impetração. II. Questão em discussão 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se é exigível a contribuição ao Salário-Educação de pessoa física titular de cartório com empregados; (ii) estabelecer se é cabível, em sede de mandado de segurança, o reconhecimento do direito à compensação tributária dos valores indevidamente recolhidos no quinquênio anterior à impetração. III. Razões de decidir 3. A Constituição Federal, em seu art. 212, § 5º, estabelece que a contribuição ao Salário-Educação é devida pelas empresas, e não por pessoas físicas. 4. A Lei 9.424/1996 e os decretos regulamentares vinculam a obrigação tributária à figura jurídica da empresa, não sendo cabível interpretação extensiva que abranja titulares de cartório pessoa física, ainda que com empregados. 5. Há jurisprudência reiterada no STJ no sentido de que os titulares de cartório, na condição de pessoas físicas, não se enquadram como contribuintes da contribuição ao Salário-Educação. 6. A obrigatoriedade de inscrição no CNPJ e no CEI para titulares de cartório tem caráter meramente cadastral e não implica a equiparação à empresa para fins tributários. 7. A jurisprudência consolidada do STJ admite o reconhecimento do direito à compensação tributária em mandado de segurança, inclusive no tocante aos valores recolhidos nos cinco anos anteriores à impetração, desde que observado o regime do art. 170-A do CTN. 8. A compensação deverá ocorrer exclusivamente na via administrativa, após o trânsito em julgado, nos termos da legislação vigente à data do encontro de contas. IV. Dispositivo e tese Apelação e remessa necessária desprovidas. Apelação da parte impetrante provida. Tese de julgamento: 1. Pessoa física titular de cartório extrajudicial não se enquadra como sujeito passivo da contribuição ao Salário-Educação, nos termos do art. 212, § 5º, da CF/1988 e do art. 15 da Lei 9.424/1996. 2. É admissível o uso do mandado de segurança para fins de declaração do direito à compensação tributária de valores recolhidos indevidamente nos cinco anos anteriores à impetração, observada a via administrativa e o art. 170-A do CTN. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 212, § 5º; Lei 9.424/1996, art. 15; Lei 8.935/1994, art. 3º; Lei 8.212/1991, art. 15, parágrafo único; CTN, art. 170-A; Lei 12.016/2009, arts. 14, § 1º, e 25. Jurisprudência relevante: STJ, REsp 1.162.307/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 3.12.2010 (repetitivo); STJ, AgInt no REsp 2.081.843/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 18.12.2023; STJ, AgInt no REsp 2.072.632/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 17.11.2023; STJ, AgInt no AREsp 2.667.851/RO, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJEN 21.2.2025; TRF1, AMS 1012583-93.2023.4.01.3600, Rel. Juiz Federal Jesus Crisóstomo de Almeida, PJe 24.5.2024. ACÓRDÃO Decide a 13ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da União e à remessa necessária, bem como dar provimento à apelação da impetrante. Desembargador Federal ROBERTO CARVALHO VELOSO Relator

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Processo nº 1013736-19.2023.4.01.4100

ID: 311783993

Tribunal: TRF1 Órgão: Gab. 19 - DESEMBARGADOR FEDERAL I'TALO FIORAVANTI SABO MENDES Classe: APELAçãO / REMESSA NECESSáRIA Nº Processo: 1013736-19.2023.4.01.4100

Data de Disponibilização: 01/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

JOAO HENRIQUE TATIBANA DE SOUZA

Acórdão

Advogados:

ALAN DE ALMEIDA PINHEIRO DA SILVA

OAB/RO XXXXXX Desbloquear

JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1013736-19.2023.4.01.4100 PROCESSO REFERÊNCIA: 1013736-19.2023.4.01.4100 CLASSE: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) POLO ATIVO: UNIA… JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1013736-19.2023.4.01.4100 PROCESSO REFERÊNCIA: 1013736-19.2023.4.01.4100 CLASSE: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) POLO ATIVO: UNIAO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL) POLO PASSIVO:JOAO HENRIQUE TATIBANA DE SOUZA REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: ALAN DE ALMEIDA PINHEIRO DA SILVA - RO7495-A RELATOR(A):I'TALO FIORAVANTI SABO MENDES PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO Gab. 19 - Desembargador Federal I'talo Fioravanti Sabo Mendes Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) 1013736-19.2023.4.01.4100 R E L A T Ó R I O A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CLEMÊNCIA MARIA ALMADA LIMA DE ÂNGELO (RELATORA CONVOCADA):- Trata-se de remessa necessária e de apelação interposta pela União (FAZENDA NACIONAL), em face de sentença proferida pelo MM. Juízo Federal a quo, em demanda na qual se discute, em síntese, a exigibilidade da contribuição social a título de salário-educação, em relação à pessoa física que exerce serviço notarial e de registro. Em defesa de sua pretensão, a apelante trouxe à discussão, em resumo, a postulação e as teses jurídicas constantes do recurso de apelação (ID 431771548). Houve contrarrazões (ID 431771551). O d. Ministério público Federal, no parecer de ID 431861110, deixou de se manifestar sobre o mérito da causa. É o relatório. Juíza Federal CLEMÊNCIA MARIA ALMADA LIMA DE ÂNGELO Relatora (Convocada) PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO Gab. 19 - Desembargador Federal I'talo Fioravanti Sabo Mendes Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) 1013736-19.2023.4.01.4100 V O T O A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CLEMÊNCIA MARIA ALMADA LIMA DE ÂNGELO (RELATORA CONVOCADA):- Por vislumbrar presentes os requisitos de admissibilidade do presente recurso, dele conheço. De início, impende ressaltar que o egrégio Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 566621/RS, sob a sistemática da repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar n.º 118/2005, decidindo pela aplicação do prazo prescricional quinquenal para as ações ajuizadas a partir de 09/06/2005, como no caso concreto. A propósito, merece realce a ementa do acórdão proferido no RE 566621, na qual se pode ler que: “DIREITO TRIBUTÁRIO – LEI INTERPRETATIVA – APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI COMPLEMENTAR Nº 118/2005 – DESCABIMENTO – VIOLAÇÃO À SEGURANÇA JURÍDICA – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA VACACIO LEGIS – APLICAÇÃO DO PRAZO REDUZIDO PARA REPETIÇÃO OU COMPENSAÇÃO DE INDÉBITOS AOS PROCESSOS AJUIZADOS A PARTIR DE 9 DE JUNHO DE 2005. Quando do advento da LC 118/05, estava consolidada a orientação da Primeira Seção do STJ no sentido de que, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação, o prazo para repetição ou compensação de indébito era de 10 anos contados do seu fato gerador, tendo em conta a aplicação combinada dos arts. 150, § 4º, 156, VII, e 168, I, do CTN. A LC 118/05, embora tenha se auto-proclamado interpretativa, implicou inovação normativa, tendo reduzido o prazo de 10 anos contados do fato gerador para 5 anos contados do pagamento indevido. Lei supostamente interpretativa que, em verdade, inova no mundo jurídico deve ser considerada como lei nova. Inocorrência de violação à autonomia e independência dos Poderes, porquanto a lei expressamente interpretativa também se submete, como qualquer outra, ao controle judicial quanto à sua natureza, validade e aplicação. A aplicação retroativa de novo e reduzido prazo para a repetição ou compensação de indébito tributário estipulado por lei nova, fulminando, de imediato, pretensões deduzidas tempestivamente à luz do prazo então aplicável, bem como a aplicação imediata às pretensões pendentes de ajuizamento quando da publicação da lei, sem resguardo de nenhuma regra de transição, implicam ofensa ao princípio da segurança jurídica em seus conteúdos de proteção da confiança e de garantia do acesso à Justiça. Afastando-se as aplicações inconstitucionais e resguardando-se, no mais, a eficácia da norma, permite-se a aplicação do prazo reduzido relativamente às ações ajuizadas após a vacatio legis, conforme entendimento consolidado por esta Corte no enunciado 445 da Súmula do Tribunal. O prazo de vacatio legis de 120 dias permitiu aos contribuintes não apenas que tomassem ciência do novo prazo, mas também que ajuizassem as ações necessárias à tutela dos seus direitos. Inaplicabilidade do art. 2.028 do Código Civil, pois, não havendo lacuna na LC 118/08, que pretendeu a aplicação do novo prazo na maior extensão possível, descabida sua aplicação por analogia. Além disso, não se trata de lei geral, tampouco impede iniciativa legislativa em contrário. Reconhecida a inconstitucionalidade art. 4º, segunda parte, da LC 118/05, considerando-se válida a aplicação do novo prazo de 5 anos tão-somente às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9 de junho de 2005. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC aos recursos sobrestados. Recurso extraordinário desprovido”. (RE 566621/RS, Relatora Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 04/08/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-195 DIVULG 10-10-2011 PUBLIC 11-10-2011 EMENT VOL-02605-02 PP-00273 RTJ VOL-00223-01 PP-00540). (Sublinhei). Prosseguindo, no que se refere à matéria em debate, o egrégio Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1162307/RJ, realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos, estabeleceu a tese no sentido de que “A contribuição para o salário-educação tem como sujeito passivo as empresas, assim entendidas as firmas individuais ou sociedades que assumam o risco de atividade econômica, urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, em consonância com o art. 15 da Lei 9.424/96, regulamentado pelo Decreto 3.142/99, sucedido pelo Decreto 6.003/2006” (REsp n. 1.162.307/RJ, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 24/11/2010, DJe de 3/12/2010). Ademais, o colendo Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade da contribuição do salário-educação, em sede de repercussão geral, por ocasião do julgamento do RE 660.933 RG, reafirmando o teor da Súmula 732 daquela Corte Suprema, senão vejamos: “TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DESTINADA AO CUSTEIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA. SALÁRIO-EDUCAÇÃO. COBRANÇA NOS TERMOS DO DL 1.422/1975 E DOS DECRETOS 76.923/1975 E 87.043/1982. CONSTITUCIONALIDADE SEGUNDO AS CARTAS DE 1969 E 1988. PRECEDENTES. Nos termos da Súmula 732/STF. é constitucional a cobrança da contribuição do salário-educação, seja sob a Carta de 1969, seja sob a Constituição Federal de 1988, e no regime da Lei 9.424/1996. A cobrança da exação, nos termos do DL 1.422/1975 e dos Decretos 76.923/1975 e 87.043/1982 é compatível com as Constituições de 1969 e 1988. Precedentes. Repercussão geral da matéria reconhecida e jurisprudência reafirmada, para dar provimento ao recurso extraordinário da União”. (RE 660933 RG, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, julgado em 02/02/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-037 DIVULG 22-02-2012 PUBLIC 23-02-2012) (Sublinhei). Por outro lado, impende ressaltar que o egrégio Superior Tribunal de Justiça decidiu que “(...) a pessoa física que exerce serviço notarial ou registral não é contribuinte da contribuição social salário-educação instituída pelo art. 15 da Lei 9.424/96, não podendo ser equiparada à pessoa do empresário”, sendo essa, concessa venia, a hipótese dos autos. Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes jurisprudenciais do egrégio Superior Tribunal de Justiça cujas ementas seguem abaixo transcritas: TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO AO SALÁRIO-EDUCAÇÃO. SERVIÇO NOTARIAL. PESSOA FÍSICA. INEXIGIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Esta Corte já se manifestou, no julgamento do REsp 1.162.307/RJ, sob o rito dos feitos repetitivos, de relatoria do Ministro Luiz Fux, publicado em 3/12/2010, no sentido de que "a contribuição para o salário-educação tem como sujeito passivo as empresas, assim entendidas as firmas individuais ou sociedades que assumam o risco de atividade econômica, urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, em consonância com o art. 15 da Lei 9.424/96, regulamentado pelo Decreto 3.142/99, sucedido pelo Decreto 6.003/2006". 2. Contudo, a jurisprudência desta Corte entende que a pessoa física que exerce serviço notarial ou registral não é contribuinte da contribuição social salário-educação instituída pelo art. 15 da Lei 9.424/96, não podendo ser equiparada à pessoa do empresário. Precedentes: AgInt no REsp n. 2.011.986/PR, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 11/9/2023, DJe de 13/9/2023; AgInt no REsp n. 2.011.986/PR, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 11/9/2023, DJe de 13/9/2023. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp n. 2.072.632/RS, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 13/11/2023, DJe de 17/11/2023). (Sublinhei). TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO AO SALÁRIO-EDUCAÇÃO. SERVIÇO NOTARIAL. TITULAR DO SERVIÇO NOTARIAL E REGISTRAL. PESSOA FÍSICA. CONTRIBUIÇÃO. INEXIGIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. Tendo o recurso sido interposto contra decisão publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele previsto, conforme Enunciado Administrativo n. 3/2016. 2. O STJ, no julgamento do REsp 1.162.307/RJ pelo rito dos recursos repetitivos, firmou a orientação de que "a contribuição para o salário-educação tem como sujeito passivo as empresas, assim entendidas as firmas individuais ou sociedades que assumam o risco de atividade econômica, urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, em consonância com o art. 15 da Lei 9.424/96, regulamentado pelo Decreto 3.142/99, sucedido pelo Decreto 6.003/2006" (STJ, REsp 1.162.307/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe de 3/12/2010). 3. Segundo a jurisprudência consolidada do STJ, os serviços cartorários são serventias extrajudiciais que desenvolvem atividade estatal típica, não se enquadrando como empresa para fins de incidência de contribuição de salário-educação em relação aos seus empregados. Precedentes. 4. A definição do sujeito passivo da obrigação tributária referente à contribuição ao salário-educação foi realizada por normas específicas (art. 1º, § 3º, da Lei 9.766/98, pelo art. 2º, § 1º, do Decreto 3.142/99 e, posteriormente, pelo art. 2º do Decreto 6.003/2006), de modo que não se aplica à contribuição ao salário-educação o disposto no parágrafo único do art. 15 da Lei 8.212/1991, que estabelece a equiparação de contribuintes individuais e pessoas físicas a empresas no que diz respeito às contribuições previdenciárias (REsp 1.812.828/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 31/8/2022). 5. Assim, na forma da jurisprudência do STJ, a pessoa física que exerce serviço notarial ou registral não é contribuinte da contribuição social salário-educação instituída pelo art. 15 da Lei 9.424/1996, sobretudo porque ela não pode ser equiparada à empresário (REsp 262.972/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJU de 27/5/2002). Precedentes. 6. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 2.011.986/PR, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 11/9/2023, DJe de 13/9/2023). (Sublinhei). TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA. TITULAR DE CARTÓRIO. RECOLHIMENTO DA CONTRIBUIÇÃO AO SALÁRIO-EDUCAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. O STJ, no julgamento do REsp 1.162.307/RJ, da relatoria do Ministro Luiz Fux, sob o rito dos Recursos Repetitivos, firmou a orientação de que "a contribuição para o salário-educação tem como sujeito passivo as empresas, assim entendidas as firmas individuais ou sociedades que assumam o risco de atividade econômica, urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, em consonância com o art. 15 da Lei 9.424/96, regulamentado pelo Decreto 3.142/99, sucedido pelo Decreto 6.003/2006". 2. Nos termos, ainda, da jurisprudência desta Corte, "a definição do sujeito passivo da obrigação tributária referente à contribuição ao salário-educação foi realizada pelo art. 1º, § 3º, da Lei 9.766/1998, pelo art. 2º, § 1º, do Decreto 3.142/1999 e, posteriormente, pelo art. 2º, do Decreto 6.003/2006. Sendo assim, em havendo lei específica e regulamento específico, não se aplica à contribuição ao salário-educação o disposto no parágrafo único, do art. 15, da Lei 8.212/1991, que estabelece a equiparação de contribuintes individuais e pessoas físicas a empresas no que diz respeito às contribuições previdenciárias" (REsp 1.812.828/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 31.8.2022). 4. Com relação às pessoas físicas titulares de serviços notariais e de registro, este Tribunal já proclamou que elas não se enquadram na definição de sujeito passivo da contribuição para o salário-educação, ao fundamento de que "o art. 178 da CF/69 indica como sujeito passivo da contribuição para o salário-educação as empresas comerciais, industriais e agrícolas. O Tabelionato de Notas é uma serventia judicial, que desenvolve atividade estatal típica, não se enquadrando como empresa" (REsp 262.972/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJU de 27.5.2002). Precedentes. 5. Agravo Interno não provido. (AgInt no REsp n. 2.081.843/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 23/10/2023, DJe de 18/12/2023). (Sublinhei). Nesse mesmo sentido, confiram-se os seguintes precedentes jurisprudenciais deste Tribunal Regional Federal cujas ementas seguem abaixo transcritas: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. SALÁRIO-EDUCAÇÃO. TITULAR DE CARTÓRIO PESSOA NATURAL. NÃO INCIDÊNCIA. 1. Aplica-se o prazo prescricional de cinco anos previsto na Lei Complementar nº 118/2005 às ações ajuizadas a partir de 09/06/2005 (RE nº 566.621/RS, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, repercussão geral, maioria, DJe 11/10/2011 Tema 4). 2. O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos, decidiu que "A contribuição para o salário-educação tem como sujeito passivo as empresas, assim entendidas as firmas individuais ou sociedades que assumam o risco de atividade econômica, urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, em consonância com o art. 15 da Lei 9.424/1996, regulamentado pelo Decreto 3.142/1999, sucedido pelo Decreto 6.003/2006"(Tema 362). 3. O titular de serviços notariais e registrais que desenvolve atividade estatal típica, na condição de pessoa física ou natural, não se enquadra no conceito de empresa, não podendo ser considerado sujeito passivo da contribuição para o salário-educação. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 4. O Supremo Tribunal Federal decidiu, em repercussão geral, que "Não se mostra admissível a restituição administrativa do indébito reconhecido na via judicial, sendo indispensável a observância do regime constitucional de precatórios, nos termos do art. 100 da Constituição Federal" (RE 1.420.691-SP, Tema 1.262). 5. A compensação dos valores recolhidos indevidamente deve realizar-se na esfera administrativa, após o trânsito em julgado da decisão judicial, de acordo com a lei vigente na data do encontro das contas. Precedentes. 6. Apelação interposta pela União (PFN) e remessa necessária não providas. (AMS 1012583-93.2023.4.01.3600, JUIZ FEDERAL JESUS CRISOSTOMO DE ALMEIDA, TRF1 - OITAVA TURMA, PJe 24/05/2024 PAG.). (Sublinhei). PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. SALÁRIO-EDUCAÇÃO. TITULAR DE CARTÓRIO PESSOA NATURAL. NÃO INCIDÊNCIA. POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO. EFEITOS PRETÉRITOS. POSSIBILIDADE. 1. Os embargos de declaração são cabíveis quando houver no acórdão obscuridade, contradição ou quando for omitido ponto sobre o qual deveria pronunciar-se o juiz ou tribunal, bem como para corrigir erro material (art. 1.022 do Código de Processo Civil). 2. Não constituem, por isso, veículo próprio para o exame de razões relativas ao inconformismo da parte, tampouco meio de revisão, rediscussão e reforma de matéria já decidida, quando não constatados os vícios indicados em lei. 3. Não deve ser reconhecida omissão quando no voto condutor do acórdão consta expressamente que o titular de serviços notariais e registrais, que desenvolve atividade estatal típica, na condição de pessoa física ou natural, não se enquadra no conceito de empresa, não podendo ser considerado sujeito passivo da contribuição para o salário-educação, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 4. Se a parte discorda dos fundamentos do acórdão, a matéria deve ser suscitada em recurso próprio. 5. Deve ser retificado erro material no acórdão para reconhecer que o contribuinte tem direito de realizar a compensação do indébito, na esfera administrativa, observado o prazo de prescrição e os termos da lei vigente à data do encontro de contas. 6. No caso de opção pela restituição do indébito, a concessão do mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais, em relação ao período pretérito à impetração. 7. Embargos opostos pela União (PFN) rejeitados. Embargos apresentados pelo Impetrante acolhidos em parte, com efeitos modificativos. (EDAC 1004783-86.2020.4.01.3901, DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA MAURA MARTINS MORAES TAYER, TRF1 - OITAVA TURMA, PJe 14/08/2024 PAG.) (Sublinhei). Acerca da compensação dos valores indevidamente recolhidos, deve-se observar o disposto no art. 74, da Lei nº 9.430/1996, com a redação dada pela Lei nº 10.637, de 2002: “O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão”. No entanto, impende ressaltar que eventual compensação com débitos das contribuições previstas nos arts. 2° e 3°, da Lei nº 11.457/2007, deverá observar as restrições contidas no art. 26-A dessa mesma lei, com redação dada pela Lei nº 13.670, de 30 de maio de 2018, que assim dispõe: “Art. 26-A. O disposto no art. 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996: (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018) I - aplica-se à compensação das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei efetuada pela sujeito passivo que utilizar o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial), para apuração das referidas contribuições, observado o disposto no § 1º deste artigo; (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018) II - não se aplica à compensação das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei efetuada pelas demais sujeitos passivos; e (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018) III - não se aplica ao regime unificado de pagamento de tributos, de contribuições e dos demais encargos do empregador doméstico (Simples Doméstico). (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018) § 1º Não poderão ser objeto da compensação de que trata o inciso I do caput deste artigo: (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018) I - o débito das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei: (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018) a) relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para a apuração das referidas contribuições; e (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018) b) relativo a período de apuração posterior à utilização do eSocial com crédito dos demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil concernente a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições; e (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018) II - o débito dos demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil: (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018) a) relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração de tributos com crédito concernente às contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei; e (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018) b) com crédito das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições. (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018) § 2º A Secretaria da Receita Federal do Brasil disciplinará o disposto neste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.670, de 2018)” A compensação, em arremate, deverá ser realizada de acordo com a lei vigente na data do encontro de contas. Nesse sentido, merece realce, a propósito, o precedente jurisprudencial do egrégio Superior Tribunal de Justiça, adotado sob a sistemática dos recursos repetitivos, a teor do acórdão cuja ementa segue abaixo transcrita: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA. LEI APLICÁVEL. VEDAÇÃO DO ART. 170-A DO CTN. INAPLICABILIDADE A DEMANDA ANTERIOR À LC 104/2001. 1. A lei que regula a compensação tributária é a vigente à data do encontro de contas entre os recíprocos débito e crédito da Fazenda e do contribuinte. Precedentes. 2. Em se tratando de compensação de crédito objeto de controvérsia judicial, é vedada a sua realização 'antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial', conforme prevê o art. 170-A do CTN, vedação que, todavia, não se aplica a ações judiciais propostas em data anterior à vigência desse dispositivo, introduzido pela LC 104/2001. Precedentes. 3. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08. (REsp 1164452/MG, Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Primeira Seção, julgado em 25/08/2010, DJe 02/09/2010) - (Destaquei). Por fim, a compensação é vedada antes do trânsito em julgado (art. 170-A, CTN) e os juros não são capitalizáveis (art. 167, parágrafo único, CTN). A correção monetária deverá ser feita na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal (Resolução CJF 134, de 21/12/2010, com alterações da Resolução CJF 267, de 02/12/2013), considerando que em sintonia com o entendimento jurisprudencial (REsp nº 1.495.146 – Tema 905). Portanto, concessa venia de entendimento em sentido diverso, deve ser mantida a r. sentença recorrida. Diante disso, nego provimento à apelação da União (FAZENDA NACIONAL) e dou parcial provimento à remessa necessária, para reconhecer que eventual compensação deverá ser realizada de acordo com a lei vigente na data do encontro de contas, nos termos acima expostos. Incabível a condenação em honorários advocatícios (art. 25 da Lei nº 12.016/2009). Custas, como de lei. É o voto. Juíza Federal CLEMÊNCIA MARIA ALMADA LIMA DE ÂNGELO Relatora (Convocada) PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO Gab. 19 - Desembargador Federal I'talo Fioravanti Sabo Mendes Processo Judicial Eletrônico 28/PJE APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) 1013736-19.2023.4.01.4100 APELANTE: UNIAO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL) APELADO: JOAO HENRIQUE TATIBANA DE SOUZA E M E N T A TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PESSOA FÍSICA. SERVIÇO NOTARIAL OU REGISTRAL. EQUIPARAÇÃO. EMPRESÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. CONTRIBUIÇÃO. SALÁRIO-EDUCAÇÃO. NÃO INCIDÊNCIA. 1. O egrégio Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 566621/RS, sob a sistemática da repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar n.º 118/2005, decidindo pela aplicação do prazo prescricional quinquenal para as ações ajuizadas a partir de 09/06/2005, como no caso concreto. 2. No que se refere à matéria em debate, o egrégio Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1162307/RJ, realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos, estabeleceu a tese no sentido de que “A contribuição para o salário-educação tem como sujeito passivo as empresas, assim entendidas as firmas individuais ou sociedades que assumam o risco de atividade econômica, urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, em consonância com o art. 15 da Lei 9.424/96, regulamentado pelo Decreto 3.142/99, sucedido pelo Decreto 6.003/2006” (REsp n. 1.162.307/RJ, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 24/11/2010, DJe de 3/12/2010). 3. Ademais, o colendo Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade da contribuição do salário-educação, em sede de repercussão geral, por ocasião do julgamento do RE 660.933 RG, reafirmando o teor da Súmula 732 daquela Corte Suprema. 4. Por outro lado, impende ressaltar que o egrégio Superior Tribunal de Justiça decidiu que “(...) a pessoa física que exerce serviço notarial ou registral não é contribuinte da contribuição social salário-educação instituída pelo art. 15 da Lei 9.424/96, não podendo ser equiparada à pessoa do empresário”, sendo essa a hipótese dos autos. 5. Precedentes jurisprudenciais do egrégio Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal Regional Federal. 6. Acerca da compensação dos valores indevidamente recolhidos, deve-se observar o disposto no art. 74, da Lei nº 9.430/1996, com a redação dada pela Lei nº 10.637, de 2002: “O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão”. 7. No entanto, impende ressaltar que eventual compensação com débitos das contribuições previstas nos arts. 2° e 3°, da Lei nº 11.457/2007, deverá observar as restrições contidas no art. 26-A dessa mesma lei, com redação dada pela Lei nº 13.670, de 30 de maio de 2018. 8. A compensação deverá ser realizada de acordo com a lei vigente na data do encontro de contas. Aplicação de precedente jurisprudencial do egrégio Superior Tribunal de Justiça. 9. A correção monetária deverá ser feita na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal (Resolução CJF 134, de 21/12/2010, com alterações da Resolução CJF 267, de 02/12/2013), considerando que em sintonia com o entendimento jurisprudencial (REsp nº 1.495.146 – Tema 905). 10. Apelação da União (FAZENDA NACIONAL) desprovida. 11. Remessa necessária parcialmente provida. A C Ó R D Ã O Decide a Turma, à unanimidade, negar provimento à apelação da União (FAZENDA NACIONAL) e dar parcial provimento à remessa necessária, nos termos do voto da Relatora. 7ª Turma do TRF da 1ª Região – Sessão virtual de 19/05/2025 a 23/05/2025. Juíza Federal CLEMÊNCIA MARIA ALMADA LIMA DE ÂNGELO Relatora (Convocada)

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Processo nº 1049463-19.2020.4.01.3300

ID: 326262458

Tribunal: TRF1 Órgão: 10ª Vara Federal Cível da SJBA Classe: AçãO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Nº Processo: 1049463-19.2020.4.01.3300

Data de Disponibilização: 16/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

ARNALDO DE ASSIS ARAUJO AURELINO DOS SANTOS NUNES CARLOS ALBERTO ANDRADE DOS SANTOS FABIO LACERDA GUIMARAES GOMES FRANCISCO DE ASSIS SOUZA GUILHERME OLIVEIRA JOSAN SANTOS DE ARAUJO MARAIZA CARVALHO DOS SANTOS VITORINO ALMEIDA OLIVEIRA REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO VITORINO ALMEIDA OLIVEIRA

Sentença Tipo A

Advogados:

LUCAS ANDRADE MELLO

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WALTER SILVA RIBEIRO JUNIOR

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RODRIGO DOS SANTOS RIBEIRO

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THIAGO CALMON DE ARAUJO

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ANTONIO JOAO GUSMAO CUNHA

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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária da Bahia 10ª Vara Federal Cível da SJBA SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1049463-19.2020.4.01.3300 CLASSE: AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (64) P… PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária da Bahia 10ª Vara Federal Cível da SJBA SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1049463-19.2020.4.01.3300 CLASSE: AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (64) POLO ATIVO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - MPF e outros POLO PASSIVO: GUILHERME OLIVEIRA e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ANTONIO JOAO GUSMAO CUNHA - BA18347, THIAGO CALMON DE ARAUJO - BA35365, RODRIGO DOS SANTOS RIBEIRO - BA65556, WALTER SILVA RIBEIRO JUNIOR - BA925B e LUCAS ANDRADE MELLO - BA20932 SENTENÇA Tipo A I – RELATÓRIO Cuida-se de ação civil pública por ato de improbidade administrativa ajuizada contra Guilherme Oliveira, Francisco de Assis Souza, Josan Santos de Araújo, Rosenita Maria de Jesus, Vitorino Almeida Oliveira, Arnaldo de Assis Araújo, Aurelino dos Santos Nunes, Alexandre do Vale da Luz, Vitalmiro Pereira de Jesus, Fábio Lacerda Guimarães Gomes, Maraíza Carvalho dos Santos e Carlos Alberto Andrade dos Santos, em razão da suposta prática de irregularidades no âmbito da concessão e prorrogação de benefícios previdenciários, mediante fraudes inseridas nos sistemas informatizados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), com utilização de dados inverídicos e percepção de vantagens econômicas indevidas oriundas de segurados. Em sede liminar (decisão ID 502744913), este Juízo deferiu o bloqueio de bens dos demandados até o limite de R$ 10.239.507,58, e determinou a sua notificação para manifestação preliminar, com fundamento no §7º do art. 17 da Lei nº 8.429/1992, conforme redação vigente à época dos fatos. Dentre os demandados, Vitorino Almeida Oliveira (ID 593117389), Josan Santos de Araújo (ID 625628890) e Arnaldo de Assis Araújo (ID 631061966) apresentaram defesa prévia. O réu Guilherme Oliveira, por sua vez, formulou requerimento de desbloqueio de valores bancários (IDs 560822399, 572768871, 629812952 e 656428991). Os requeridos Vitalmiro Pereira de Jesus, Francisco de Assis Souza, Fábio Lacerda Guimarães Gomes, Carlos Alberto Andrade dos Santos, Maraíza Carvalho dos Santos e Aurelino dos Santos Nunes deixaram de se manifestar, mantendo-se inertes. Tentativas de notificação prévia dos acionados Rosenita Maria de Jesus e Alexandre do Vale da Luz foram infrutíferas. O INSS, ao tomar ciência da ação, requereu sua admissão como assistente litisconsorcial (ID 596525852), o que foi acolhido por este Juízo (despacho ID 1026005763). Posteriormente, por meio da decisão ID 860577047, deferiu-se o desbloqueio de contas bancárias pertencentes aos réus Guilherme Oliveira e Josan Santos de Araújo. Com as mudanças introduzidas pela Lei nº 14.230/2021, que suprimiu a fase de notificação prévia, o Ministério Público Federal requereu a citação dos réus para apresentarem contestação (ID 1114714794), o que foi deferido. Citados, apresentaram contestação os réus Guilherme de Oliveira (ID 1851874667), Francisco de Assis Souza (ID 1988216688), Josan Santos de Araújo (ID 2029669693) e Alexandre do Vale da Luz, este último por intermédio da Defensoria Pública da União (ID 1774773583). O Ministério Público Federal, em sua manifestação (ID 2160113912), rechaçou todas as preliminares suscitadas. O INSS aderiu integralmente à réplica ministerial (ID 2160367499). Por outro lado, os réus Aurelino dos Santos Nunes, Maraíza Carvalho dos Santos, Carlos Alberto Andrade dos Santos, Arnaldo de Assis Araújo, Vitorino Almeida Oliveira e Fábio Lacerda Guimarães Gomes, apesar de regularmente citados, não apresentaram resposta (vide certidões nos IDs 1963528175, 2015096174, 1938618666, 1921603180 e 2149656385). Em relação aos réus Rosenita Maria de Jesus e Vitalmiro Pereira de Jesus, o feito foi extinto em razão de seus falecimentos, conforme comprovação nas respectivas certidões de óbito (IDs 1651673960 e 2146680374). Por intermédio da decisão ID 2161168261, o Juízo acolheu a tipificação jurídica apresentada na exordial pelo Ministério Público Federal e deferiu o uso de prova emprestada consistente nas oitivas colhidas na ação penal nº 1012583-28.2020.4.01.3300, em trâmite na 2ª Vara Criminal desta Seção Judiciária, a qual trata dos mesmos fatos. O acesso ao conteúdo foi disponibilizado às partes (ID 2164766413). As partes foram então intimadas para manifestação sobre as provas emprestadas e eventual indicação de outras diligências. Tanto o Ministério Público Federal quanto o INSS informaram não haver outras provas a serem produzidas (IDs 2166191458 e 2168897254). Encerrada a instrução, e ofertadas as alegações finais, os autos vieram conclusos para julgamento do mérito. É o relatório. Decido. II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Preliminares Rejeito a preliminar de inépcia da inicial, pois a petição inicial preenche os requisitos do art. 319 do CPC, estando presente a causa de pedir e o pedido com clareza, havendo ainda individualização suficiente das condutas imputadas aos réus. Também afasto a preliminar de ausência de interesse processual, na medida em que a ação de improbidade administrativa possui natureza autônoma em relação à ação penal, sendo viável seu processamento independentemente da conclusão do feito criminal. Também convém sublinhar que a prescrição é inaplicável ao caso. Além de não ter havido a consumação do prazo originariamente previsto pela redação originária do art. 23 da Lei nº 8.429/1992, ainda não se consumou a prescrição intercorrente, prevista pela superveniente Lei nº 14.230/2021, uma vez que o novo texto normativo entrou em vigor em 26 de outubro de 2021. Logo, a prescrição somente se consumaria aos 26 dias do mês de outubro vindouro (§5º da atual redação do art. 23). 2.2. Mérito 2.2.1. Conforme apurado no Inquérito Policial e destacado na petição inicial e nas alegações finais do Ministério Público Federal, os autos revelam a existência de uma associação estruturada no interior da agência do INSS de Itamaraju/BA com o fim de fraudar a concessão de benefícios previdenciários, em especial auxílio-doença e aposentadorias por invalidez. O esquema envolvia servidores da autarquia, advogados, despachantes e particulares. As provas constantes do Inquérito Policial e os documentos que nele repousam (inclusive laudos periciais, declarações de beneficiários, análises de concessões e áudios transcritos) revelam a atuação articulada dos réus, com a prática reiterada de inserções indevidas no sistema, aprovação de requerimentos sem substrato probatório e simulação de incapacidades inexistentes. Destaque-se que foi realizada análise técnica, por amostragem, acerca dos laudos de perícia emitidos por Guilherme Oliveira, no intuito de confirmar as irregularidades. De fato, procedeu-se à análise dos laudos inseridos nos benefícios previdenciários de José Luiz Santana, Cláudio de Souza Muniz, Geciner Pereira do Nascimento, Luiz Carlos Souza da Silva e Manoel Soares Torres, concluindo pela insuficiência da documentação médica a embasar a conclusão de incapacidade laborativa, porquanto os dados que foram levados em consideração nas perícias efetuadas por Guilherme não indicam circunstâncias importantes, tais como início da doença, início da suposta incapacidade, data de diagnóstico/surgimento da doença cardíaca, exames realizados ao longo do tempo (no mínimo três anos de evolução), comprovando melhoras/pioras ou estabilização do quadro clínico, local de realização dos exames complementares, médico responsável, entre outros (fls. 132/162 do IPL). Ou seja, os laudos periciais inseridos por Guilherme confirmaram a doença incapacitante sem embasamento em documentos médicos comprobatórios suficientes. A apuração revelou, ainda, que a data de início da enfermidade informada pelo réu Guilherme Oliveira, com o intuito de fundamentar a concessão dos benefícios previdenciários, foi definida de maneira arbitrária, sem qualquer respaldo técnico ou comprovação documental, sendo altamente provável que tenha sido escolhida com o propósito de “alinhar” o início da suposta incapacidade com o período de recolhimento de contribuições ao INSS. Além disso, durante o curso das investigações, o Núcleo de Inteligência do INSS, em conjunto com a Polícia Federal, examinou os dados obtidos por meio das diligências que envolveram interceptações telefônicas, quebra de sigilo bancário, mandados de busca e apreensão, confrontando tais elementos com as informações constantes nos sistemas eletrônicos da autarquia previdenciária. Tal esforço resultou na confecção de relatórios que apontam os benefícios previdenciários que foram concedidos ou prorrogados de maneira irregular pela atuação da associação criminosa. Entre as fraudes constatadas pelo Núcleo de Inteligência do INSS, destacam-se: a remarcação de perícias médicas para o médico Guilherme Oliveira em unidades do INSS distintas daquelas ligadas ao domicílio do segurado ou à manutenção do benefício, com base em justificativas falsas; a inclusão de períodos de contribuição de forma retroativa, com o objetivo de garantir a qualidade de segurado e o cumprimento da carência, bem como majorar o valor do benefício; e a apresentação de documentação médica insuficiente para embasar a alegação de incapacidade laborativa. Os benefícios que já foram identificados como tendo sido concedidos ou prorrogados de forma irregular em razão da atuação da organização criminosa estão consolidados no Anexo VI do Relatório de Informação nº 109/NUINT-BA/CGINT/SUCOR/SEPRT/ME (fls. 213/223 do IPL – Apenso V), conforme discriminado a seguir: Como retribuição pelos serviços prestados — a exemplo da remarcação de perícias e da emissão de laudos médicos favoráveis — os agentes públicos solicitavam e recebiam vantagens indevidas, de forma direta ou por meio de intermediários, sendo essas quantias arcadas pelos próprios segurados. Nesse contexto, o demandado Guilherme Oliveira, no exercício da função de médico perito da Previdência Social, auferia benefícios ilícitos em troca da emissão de pareceres favoráveis à concessão ou prorrogação de auxílios previdenciários. Tais valores lhe eram entregues diretamente pelos segurados aliciados ou repassados por Vitorino Almeida Oliveira, observando-se que o montante exigido era proporcional ao tempo de duração do benefício, ou seja, quanto maior o período concedido, maior o valor cobrado. Cabe registrar, oportunamente, que foram encontrados com Guilherme Oliveira extratos de 17 depósitos eletrônicos realizados em terminais de autoatendimento, com valores variando entre R$ 1.000,00 e R$ 5.000,00, totalizando R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) no intervalo de 03/03/2020 a 18/03/2020, evidenciando o recebimento de vantagens ilícitas pelo referido médico (Relatório de Informação nº 109/NUINT-BA/CGINT/SUCOR/SEPRT/ME, fl. 95 do IPL – Apenso V). Ainda, entre julho de 2018 e abril de 2019, Guilherme recebeu 33 transferências bancárias originadas de Vitorino, somando R$ 52.200,00 (cinquenta e dois mil e duzentos reais), em razão dos serviços por ele prestados (Relatório de Análise de Movimentação Bancária nº 001/2019 – fls. 90/155 da Cautelar nº 19881-25.2019.4.01.3300). Conforme apurado, Guilherme também foi destinatário de valores transferidos diretamente por segurados como Edson Nascimento dos Santos, Edicarlos Freitas Militão e Julio Cesar Leite, depósitos esses identificados no Relatório de Informação nº 172/NUINT-BA/CGINT/SUCOR/SEPRT/ME (Cautelar nº 19881-25.2019.4.01.3300 – fl. 253 e seguintes). Por sua vez, os servidores da agência do INSS no bairro do Comércio — Francisco de Assis Souza (“Chico” ou “Chiclete”), Josan Santos de Araújo (“Gordo”) e Rosenita Maria de Jesus (“A Menina”) — solicitavam pagamentos indevidos para realizarem remarcações de perícias médicas em favor de Guilherme Oliveira, inserindo no sistema justificativas inverídicas. Também cobravam para realizar consultas em sistemas internos da Previdência sobre a situação dos benefícios. Esses pagamentos, segundo restou evidenciado, eram feitos em dinheiro em espécie, justamente para dificultar a rastreabilidade. Segundo conversas interceptadas (Relatório Circunstanciado nº 02/2019 – fls. 127/160 da Cautelar nº 8587-73.2019.4.01.3300) e depoimentos do vigilante Fábio Lacerda Guimarães Gomes (fls. 518/519 do IPL), cada servidor recebia entre R$ 400,00 e R$ 500,00 por remarcação. Importante frisar que os réus Vitorino Almeida Oliveira (“Sarney”) e Arnaldo de Assis Araújo atuavam como intermediadores dos pagamentos, negociando com os segurados os valores referentes aos serviços ilícitos e repassando as quantias aos servidores responsáveis pelas perícias. Contavam, para tanto, com o auxílio de Vitalmiro Pereira de Jesus (“Gringo”), Aurelino Santos Nunes, Alexandre do Vale da Luz, Fábio Lacerda Guimarães Gomes, Maraiza Carvalho dos Santos e Carlos Alberto de Andrade. Nessa linha, as declarações dos segurados Cláudio de Souza Muniz, Manoel Ribeiro Pinto, Geciner Pereira do Nascimento, Orlando Silva Coelho e Maria Elizabete Silva Ramos dos Anjos confirmam que Vitorino cobrava uma quantia fixa ou parcelas mensais equivalentes a 20% a 30% do valor do benefício (fls. 417, 427/428, 431/432 e 434/435 do IPL). A partir da análise bancária, verifica-se que Vitorino era o principal operador financeiro da organização criminosa, recebendo valores não apenas dos beneficiários, mas também dos subintermediários, como Vitalmiro, Aurelino e Alexandre, sendo responsável por distribuir os montantes entre os demais membros do esquema. Em algumas situações, esses intermediários arrecadavam diretamente os valores dos segurados e transferiam a Vitorino para que este realizasse a partilha entre os integrantes. De fato, o Relatório de Análise de Movimentação Bancária nº 001/2019 (fls. 90/155 da Cautelar nº 19881-25.2019.4.01.3300) aponta que Vitorino, mesmo desempregado desde abril de 2018, movimentou mais de R$ 524.000,00 (quinhentos e vinte e quatro mil reais) entre 01/05/2018 e 01/05/2019, por meio de 769 transações bancárias, observando-se que quase a totalidade dos créditos foi posteriormente debitada de sua conta. O mesmo relatório demonstra que Vitorino também recebeu transferências bancárias de Alexandre do Vale da Luz e de Aurelino Santos Nunes. Consta, ainda, que no intervalo de 01/05/2018 a 01/05/2019, Vitorino recebeu em sua conta 80 transferências oriundas de segurados, sendo que, nas vésperas das perícias, os valores chegavam a R$ 5.000,00, e nos meses seguintes variavam entre R$ 100,00 e R$ 1.000,00, com o intuito de manter os benefícios obtidos de forma fraudulenta. Logo após receber esses pagamentos, Vitorino repassava a Guilherme quantias que iam de R$ 1.000,00 a R$ 5.500,00, evidenciando seu papel como intermediário e responsável pela distribuição dos recursos ilícitos. Além disso, também efetuava repasses a Arnaldo, que mantinha relação próxima com os servidores da agência do INSS do Comércio e se encarregava de efetuar os pagamentos das propinas. Em muitos casos, os valores eram entregues em espécie, com a intermediação dos terceirizados Fábio Lacerda Guimarães Gomes, Maraiza Carvalho dos Santos e Carlos Alberto de Andrade (fls. 518/519 do IPL). Foram igualmente identificadas conversas via aplicativo WhatsApp entre Arnaldo e Vitorino, nas quais foram compartilhados 19 comprovantes de depósitos ou transferências bancárias, totalizando R$ 54.200,00, comprovando a divisão dos valores pagos pelos segurados entre os integrantes da organização (Relatório de Análise de Material Apreendido nº 01/2020 – fls. 02/59 do IPL – Apenso V). Corroborando o recebimento de propinas, os Relatórios Circunstanciados nº 01/2019, nº 02/2019, nº 03/2020 e nº 04/2020 (IPL – Apenso II), assim como o Relatório de Análise de Material Apreendido nº 01/2020 (fls. 02/59 do IPL – Apenso V), trazem diversos diálogos em que os envolvidos negociam os valores ilícitos como retribuição pelos serviços criminosos praticados por agentes públicos. A esse respeito, seguem transcrições de conversas obtidas nos Relatórios Circunstanciados nº 02/2019 (fls. 127/160 da Cautelar nº 8587-73.2019.4.01.3300) e nº 03/2020 (fls. 265 e seguintes da mesma Cautelar), nas quais os réus tratam abertamente sobre o pagamento de propinas: De igual forma, foram localizados no aparelho celular apreendido em poder de Arnaldo diversos registros de conversas por meio do aplicativo WhatsApp, nos quais se faz menção expressa ao pagamento de valores indevidos aos servidores Josan, Francisco (também identificado pelos apelidos “Chiclete” ou “Chico”) e Rosenita (chamada de “a menina”), em retribuição pela realização de marcações de perícias médicas. Cabe destacar, nesse ponto, a transcrição de trechos dessas mensagens, conforme consta no Relatório de Análise de Material Apreendido nº 01/2020 (fls. 02/59 do IPL – Apenso V): Dessa forma, os elementos de prova reunidos demonstram que a organização criminosa atuava exigindo o repasse de valores indevidos, como contrapartida pelos atos ilícitos praticados por servidores públicos do INSS no desempenho de suas atribuições funcionais, notadamente relacionados à remarcação e à realização de perícias médicas fraudulentas. Acrescento que a prova oral colhida durante a fase inquisitorial revela-se plenamente válida e relevante para a formação do convencimento, sobretudo porque não se trata de elemento isolado, mas, sim, de declarações que guardam perfeita coerência com o conjunto probatório constante dos autos. Os testemunhos e interrogatórios prestados à Polícia Federal reforçam, em harmonia, os dados extraídos dos sistemas informatizados da autarquia, os registros bancários, os laudos periciais, os relatórios de inteligência e as conversas interceptadas, compondo um quadro probatório robusto e coeso. A convergência entre esses diversos meios de prova, como se verá abaixo, confere credibilidade e verossimilhança às declarações, legitimando sua utilização como fundamento probatório, nos termos do entendimento consolidado na jurisprudência pátria. 2.2.2. Das condutas dos réus A) Guilherme Oliveira Guilherme Oliveira exercia a função de médico perito previdenciário junto às agências do INSS localizadas nos municípios de Camaçari, Mata de São João, Alagoinhas e Esplanada, todas situadas neste Estado, conforme consta do código de identificação nº 0404721 da autarquia. Utilizando-se dessa condição funcional, passou a ser o responsável pela realização de perícias médicas e pela inserção de laudos falsos, com o objetivo de viabilizar a concessão ou prorrogação indevida de benefícios previdenciários condicionados à comprovação de incapacidade laboral, como ocorre, por exemplo, no caso do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez, mediante recebimento de valores ilícitos. A prática criminosa atribuída a Guilherme foi inicialmente revelada pelos depoimentos dos segurados Isabel Emiliane de Jesus Plansson e Jailton Silva Santos, os quais relataram que, no momento em que realizaram a perícia médica, o referido servidor solicitou o pagamento de quantias em dinheiro como condição para prorrogação de seus benefícios (Relatório de Informação nº 019/BA/COINP/SPREV/ME – IPL Apenso I, Anexo XIX, fls. 34/40; e Relatório de Informação nº 027/BA/COINP/SPREV/ME – fls. 30/42 do mesmo IPL). Além disso, diversos relatórios elaborados pelo Núcleo de Inteligência do INSS atestam que os benefícios fraudulentos apurados durante as investigações estavam vinculados a laudos assinados por Guilherme, como consta nos Relatórios de Informação nº 08/2020 – NUINT-BA/ME (fls. 66/122 do IPL), nº 091/BA/NUINT/SPREV/ME (fl. 172), nº 172/NUINT-BA/CGINT/SUCOR/SEPRT/ME (Anexo I da Cautelar nº 19881-25.2019.4.01.3300, fl. 251 e seguintes), bem como no nº 109/NUINT-BA/CGINT/SUCOR/SEPRT/ME (fls. 92/152 do IPL – Apenso V). Outrossim, o cruzamento dos dados bancários com as informações extraídas dos sistemas informatizados da Previdência corrobora a conduta delitiva do requerido, evidenciando que ele recebeu vantagens indevidas, seja diretamente dos segurados, seja por meio de repasses efetuados por Vitorino, em datas próximas à realização das perícias médicas (Relatório de Informação nº 172/NUINT-BA/CGINT/SUCOR/SEPRT/ME – Anexo I da Cautelar nº 19881-25.2019.4.01.3300; e Relatório de Análise de Movimentação Bancária nº 001/2019 – fls. 90/155 da mesma cautelar). Ademais, sua participação ativa no esquema criminoso é evidenciada pelas conversas mantidas com o intermediário Vitorino (“Sarney”), tanto por meio de chamadas telefônicas quanto através do aplicativo WhatsApp, nas quais tratavam diretamente das negociações relativas aos benefícios fraudados. Tais diálogos foram documentados nos Relatórios Circunstanciados nº 01/2019 (fls. 46/68), nº 02/2019 (fls. 127/160), nº 03/2020 (fls. 265 e seguintes), nº 04/2020 (fls. 404/422 do IPL – Apenso II), além do Relatório de Análise de Material Apreendido nº 02/2020 (fls. 60/89 do IPL – Apenso V). Na sequência, apresentam-se os principais trechos extraídos das comunicações interceptadas que evidenciam a atuação ilícita do referido médico perito: Cumpre anotar, ainda, que no período final do monitoramento das comunicações telefônicas, foi detectada uma ligação realizada pelo réu Guilherme para uma emissora de rádio da cidade de Salvador, ocasião em que ele se fez passar por um beneficiário do INSS, alegando dificuldades para agendar perícia por meio do número 135, com a finalidade de prorrogar o benefício de auxílio-doença, além de indagar se já não seria o momento de reabrir as agências da Previdência, não obstante a pandemia da COVID-19. Tal conduta evidencia a insatisfação do perito com a suspensão temporária das perícias médicas, uma vez que isso repercutiu negativamente nos rendimentos ilícitos da organização criminosa (conforme Relatório Circunstanciado nº 04/2020 – fls. 404/422 do IPL – Apenso II). Reforçando o conjunto probatório reunido, foram apreendidos, na residência de Guilherme, extratos bancários que apontam 17 depósitos realizados por meio de terminais de autoatendimento em seu favor, entre os dias 03/03/2020 e 18/03/2020, somando o valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), o que sugere o recebimento de vantagens indevidas. Também foi encontrada uma agenda contendo anotações com dados pessoais da segurada Denise Silva Marques, que teve benefício previdenciário concedido de forma fraudulenta, após ser periciada pelo demandado, sendo identificado pagamento no valor total de R$ 1.300,00 (mil e trezentos reais) em favor do médico como retribuição pela concessão irregular (Relatório de Informação nº 109/NUINT-BA/CGINT/SUCOR/SEPRT/ME – fls. 92/152 do IPL – Apenso V). Adicionalmente, foram localizados, no celular apreendido do investigado, prints de tela do sistema interno do INSS, bem como cópias de documentos relacionados a diversos segurados que obtiveram benefícios fraudulentos. Foram igualmente encontrados, no telefone celular apreendido em poder do investigado, capturas de tela do sistema interno do INSS, além de arquivos e imagens de documentos vinculados a diversos segurados que tiveram benefícios concedidos de forma irregular, conforme consta do Relatório de Informação nº 109/NUINT-BA/CGINT/SUCOR/SEPRT/ME (fls. 92/152 do IPL – Apenso V). B) Francisco de Assis Sousa e Josan Santos de Araújo Os servidores do INSS Francisco de Assis Sousa, Josan Santos de Araújo (conhecido como “Gordo”) e Rosenita Maria de Jesus (apelidada de “A Menina”, já falecida) integravam o esquema ilícito, desempenhando a função de remarcar perícias médicas, redirecionando-as ao médico Guilherme Oliveira, além de fornecerem informações dos segurados extraídas dos sistemas internos da autarquia, em troca de pagamentos indevidos. Tais servidores agendavam as perícias de acordo com a disponibilidade de Guilherme, indicando datas e unidades do INSS compatíveis com sua escala. Quando as consultas já haviam sido marcadas com outro profissional, procediam à remarcação, inserindo no sistema alegações falsas para justificar a alteração. Também repassavam aos intermediários os dados cadastrais e funcionais dos segurados obtidos nos sistemas internos da Previdência. Nesse contexto, merecem especial destaque os Relatórios de Informação nº 08/2020 – NUINT-BA/ME (fls. 66/122 do IPL), nº 019/BA/COINP/SPREV/ME (IPL – Apenso I), nº 172/NUINT-BA/CGINT/SUCOR/SEPRT/ME (Anexo I da Cautelar nº 19881-25.2019.4.01.3300), bem como o Relatório Circunstanciado nº 02/2019 (fls. 127/160 da Cautelar nº 8587-73.2019.4.01.3300), o Relatório de Análise Bancária nº 001/2019 (fls. 90/155 da mesma cautelar) e o Relatório de Análise de Material Apreendido nº 01/2020 (IPL – Apenso V), nos quais constam diversas perícias remarcadas por Francisco, Josan e Rosenita, sem qualquer motivação legítima, com o claro objetivo de direcionar os exames para agências em que Guilherme estivesse atuando. Na mesma linha, o Relatório de Informação nº 110/NUINT-BA/CGINT/SUCOR/SEPRT/ME (fls. 226/232 do IPL – Apenso V), elaborado a partir da análise do Sistema de Administração de Benefício por Incapacidade – SABI, demonstrou que, entre 11/07/2018 e 19/06/2020, os servidores Francisco e Josan efetuaram, respectivamente, 171 e 100 remarcações de perícias direcionadas a Guilherme, totalizando 271 reagendamentos. Dessas, 103 remarcações referem-se a segurados identificados no curso das investigações, sendo que, em diversos casos, constava como solicitante o próprio INSS e eram inseridas justificativas inverídicas, tais como: “ausência de relatórios”, “chegou atrasado”, “faltou à perícia” ou “alega residência em Camaçari”. Ressalte-se que, embora lotados na Agência do INSS do Comércio, os mencionados servidores promoviam remarcações e transferências para agências distintas daquela vinculada ao atendimento ou à manutenção do benefício, violando os critérios técnicos e administrativos estabelecidos. Consolidando esse robusto conjunto indiciário, o Relatório de Análise de Material Apreendido nº 01/2020 (fls. 02/59 do IPL – Apenso V) destacou a existência de 438 mensagens trocadas via WhatsApp entre Arnaldo e o servidor Josan, sendo que, em diversas conversas, são mencionadas remarcações de perícias médicas, inclusive com citações diretas a Francisco (“Chico”). Confira-se, a seguir, a transcrição dos principais diálogos: De modo equivalente, o Relatório de Informação nº 109/NUINT-BA/CGINT/SUCOR/SEPRT/ME (fls. 213/223 do IPL – Apenso V), assim como o Relatório do Inquérito Policial (fls. 613/751 do mesmo IPL), ressaltam diversas mensagens trocadas entre os réus Josan e Arnaldo, por meio do aplicativo WhatsApp, nas quais há menções explícitas aos repasses financeiros efetuados como compensação pelos “serviços” prestados por Josan. Tais conversas confirmam de maneira inequívoca o envolvimento do referido servidor no esquema fraudulento, como se observa nos trechos que seguem transcritos: Importa, ademais, destacar trechos de diálogos mantidos entre Arnaldo e o vigilante Fábio, nos quais são expressamente mencionados os acionados Francisco de Assis Sousa, Josan Santos de Araújo (alcunhado de “Gordo”) e a falecida Rosenita Maria de Jesus (conhecida como “A Menina”), deixando clara a relação direta desses servidores com o esquema ilícito: Os depoimentos colhidos pela Polícia Federal vêm reforçar o conjunto de provas já reunido nos autos. Nesse sentido, o vigilante Fábio Lacerda Guimarães Gomes, em seu interrogatório colhido na fase pré-processual (e em harmonia com o conjunto probatório), afirmou que os servidores da Agência do INSS localizada no bairro do Comércio — Josan, Francisco e Rosenita, identificados pelos apelidos “Gordo”, “Chico” ou “Chiclete” e “A Menina”, respectivamente, atuavam no esquema ilícito por meio da remarcação de perícias médicas para a agência de Camaçari, direcionando os exames principalmente ao médico Guilherme Oliveira. Ainda segundo seu relato, esses servidores também forneciam capturas de telas dos sistemas internos da autarquia, sendo que os terceirizados da agência funcionavam como elo de comunicação entre os intermediários e os servidores envolvidos (fls. 518/519 do IPL). Na mesma linha, os vigilantes Maraiza Carvalho dos Santos (fls. 409/410 do IPL), Marcos Antônio Assis Moreira, Renilson Figueiredo Oliveira e Uilliam da Silva Santos, todos lotados na Agência do INSS do Comércio, declararam que Josan e Francisco, bem como o próprio vigilante Fábio, eram frequentemente vistos em conversas com o intermediador Arnaldo. Informaram, ainda, que Francisco, com frequência, solicitava o uso dos celulares desses funcionários. Importa destacar que a própria Rosenita, embora tenha negado pertencer à organização criminosa, admitiu que realizava remarcações de perícias médicas a pedido de vigilantes e terceiros que atuavam na Agência do INSS do Comércio, recebendo em troca pequenas “recompensas”, como peixes e camarões (fls. 524/525 do IPL). Dessa forma, mostra-se inequívoca a participação dos servidores Francisco, Josan e Rosenita no esquema criminoso, com a função de redirecionar as perícias médicas ao perito Guilherme Oliveira, favorecendo a concessão fraudulenta de benefícios previdenciários. C) Arnaldo de Assis Araújo Os réus Arnaldo de Assis Araújo e o falecido Vitorino Almeida Oliveira, também conhecido como “Sarney”, desempenhavam papel central como intermediadores na estrutura da organização criminosa, sendo responsáveis por aliciar segurados, providenciar documentação falsa para instruir os pedidos de benefícios previdenciários, além de coordenarem o funcionamento do esquema ilícito. Entre suas atribuições, destacava-se a atuação direta junto a servidores do INSS, visando a marcação e realização das perícias médicas dos beneficiários cooptados, bem como a distribuição das vantagens financeiras indevidas entre os integrantes do grupo. No caso de Vitorino Almeida Oliveira, sua função era ainda mais estratégica, pois atuava como elo direto entre a organização criminosa e o médico perito Guilherme Oliveira, mantendo contato constante com o referido servidor e gerenciando integralmente sua agenda, o que permitia direcionar as perícias médicas para datas e locais convenientes, viabilizando, assim, a emissão de laudos fraudulentos e a subsequente concessão dos benefícios. Conforme descrito no Relatório de Informação nº 8/2020 – NUINT-BA/ME, em diversas ocasiões, Vitorino utilizava sua própria linha telefônica (71 3621-9262) para solicitar diretamente a remarcação de perícias, o que comprova sua efetiva participação nas fraudes detectadas (fls. 66/122 do IPL). Além disso, Vitorino exercia a função de operador financeiro do grupo, recebendo valores tanto dos beneficiários finais quanto de intermediários de segundo nível, como Vitalmiro Pereira de Jesus (“Gringo”), Aurelino Santos Nunes e Alexandre do Vale da Luz, ficando a seu encargo a distribuição das quantias ilícitas entre os demais membros da organização. O Relatório de Análise de Movimentação Bancária nº 001/2019 (fls. 90/155 da Cautelar nº 19881-25.2019.4.01.3300) revelou que, entre 01/05/2018 e 01/05/2019, Vitorino movimentou mais de R$ 524.000,00 (quinhentos e vinte e quatro mil reais), distribuídos em 769 transações financeiras, sendo relevante destacar que a quase totalidade dos créditos foi posteriormente sacada ou transferida. O mesmo relatório indica que 80 transferências partiram diretamente de segurados, além de constarem depósitos realizados por Alexandre e Aurelino, confirmando a capilaridade do esquema. Transferências feitas por Vitorino para Guilherme em datas coincidentes com a realização das perícias também foram identificadas por meio da quebra do sigilo bancário, demonstrando a articulação financeira entre os núcleos operacional e técnico da fraude. Já o réu Arnaldo de Assis Araújo também tinha papel relevante, captando interessados nos benefícios ilícitos, providenciando a remarcação das perícias médicas para atendimento com o médico Guilherme, com o auxílio dos servidores Francisco de Assis Souza, Josan Santos de Araújo e Rosenita Maria de Jesus, todos lotados na agência do INSS no Comércio. Para manter a discrição das tratativas ilícitas e evitar suspeitas, Arnaldo recorria a funcionários terceirizados da mesma agência, utilizando como intermediários os vigilantes Fábio Lacerda Guimarães Gomes e Maraiza Carvalho dos Santos, bem como o encarregado de serviços gerais Carlos Alberto de Andrade, os quais auxiliavam no trânsito de informações e documentos entre os membros da organização. Dessa maneira, Vitorino e Arnaldo atuavam como pilares operacionais do esquema, articulando a concessão fraudulenta de benefícios ao manterem canais permanentes com os segurados cooptados — seja diretamente, seja por meio de aliciadores — e com os servidores incumbidos da marcações e realizações das perícias, inclusive mediante interposição de terceirizados, conectando todas as pontas da estrutura criminosa. A participação ativa de ambos os demandados foi cabalmente comprovada a partir da análise das interceptações telefônicas autorizadas judicialmente, constantes dos Relatórios Circunstanciados nº 01/2019 (fls. 46/68), nº 02/2019 (fls. 127/160), nº 03/2020 (fls. 265 e seguintes), e nº 04/2020 (fls. 404/422 do IPL – Apenso II). Tais elementos probatórios evidenciam, com clareza, diversos diálogos entre Vitorino (“Sarney”) e Arnaldo, nos quais tratam sobre a concessão fraudulenta de benefícios previdenciários, discutindo agendamento de perícias, identificação de segurados recrutados, duração dos auxílios, entre outros aspectos operacionais da prática delituosa, como será demonstrado nos trechos que seguem transcritos: Ressalte-se que os depoimentos prestados perante a autoridade policial pelos segurados Cláudio de Souza Muniz, Manoel Ribeiro Pinto, Geciner Pereira do Nascimento, Orlando Silva Coelho, Maria Elizabete Silva Ramos dos Anjos e Irineu dos Santos Oliveira foram categóricos ao afirmar que seus requerimentos de benefícios previdenciários foram intermediados por Vitorino, mediante o pagamento de valores indevidos, em contrapartida à obtenção dos referidos benefícios (fls. 417, 427/428, 431/432, 434/435 e 441 do IPL). Complementando esse acervo probatório, os materiais apreendidos durante as diligências de busca são contundentes ao confirmar o envolvimento direto de Vitorino e Aurelino nas atividades ilícitas da organização criminosa. Com efeito, foram localizados, na posse de Vitorino, diversos documentos empregados na execução das fraudes, inclusive materiais utilizados na falsificação de documentos oficiais. Em sua residência, foram apreendidos documentos em nome de terceiros, Carteiras de Trabalho e Previdência Social (CTPS), carimbos diversos, talonários de atestados médicos, além de papéis relacionados a requerimentos administrativos previdenciários (conforme termo de apreensão e relatório de diligência – fls. 258/266 do IPL). Já em seu escritório, foram arrecadados documentos vinculados a processos administrativos, bem como papéis timbrados de hospitais e instituições de saúde, alguns inclusive em branco ou já contendo carimbo médico, confirmando a estrutura montada para viabilizar a prática delituosa (fls. 282/289 do IPL). Por sua vez, a análise do conteúdo extraído do aparelho celular de Arnaldo revelou a existência de 438 mensagens trocadas via aplicativo WhatsApp entre ele e o servidor Josan, com informações relativas a beneficiários, períodos de concessão dos auxílios e remarcações de perícias médicas. Além disso, foram identificadas cerca de 515 mensagens trocadas entre Arnaldo e Vitorino (apelidado de “Sarney”), no curto período em que o aparelho esteve em uso (de fevereiro a julho de 2020), incluindo o envio de diversos comprovantes de transferências bancárias feitas por Arnaldo para a conta de Vitorino, responsável pela gestão financeira do grupo criminoso e pela distribuição da propina. Ainda segundo o Relatório de Análise de Material Apreendido nº 01/2020 (fls. 02/59 do IPL – Apenso V), constatou-se comunicação intensa entre Arnaldo e o vigilante Fábio, com a troca de 5.860 mensagens, muitas das quais tratando de benefícios fraudulentos, o que evidencia a profundidade da articulação entre os núcleos operacional e logístico da organização. No tocante ao aparelho celular de Vitorino, embora parte dos dados tenha sido apagada, foi possível recuperar conversas com o médico Guilherme, tratando diretamente de assuntos relacionados às ações ilícitas praticadas no âmbito do esquema. Também foram identificadas mensagens praticamente diárias entre Vitorino e Arnaldo, nas quais este último informava os nomes dos beneficiários, o período de duração do auxílio-doença e a forma como seria feito o pagamento. Vitorino, por sua vez, mantinha contato frequente não apenas com Arnaldo, mas também com outros membros do grupo, como “Gringo” (Vitalmiro Pereira de Jesus), Alexandre do Vale da Luz, e com os próprios segurados cooptados (Relatório de Análise nº 02/2020 – fls. 60/89 do IPL – Apenso V). A seguir, transcrevem-se alguns dos trechos mais reveladores dessas comunicações: Desse modo, fica claramente demonstrada a importância da atuação do falecido Vitorino e Arnaldo na dinâmica das práticas ímprobas, desempenhando o papel de principais articuladores e intermediadores do esquema fraudulento. D) Aurelino Santos Nunes, Alexandre do Vale da Luz e Vitalmiro Pereira de Jesus Por sua vez, os requeridos Aurelino Santos Nunes, Alexandre do Vale da Luz e Vitalmiro Pereira de Jesus, este último conhecido como “Gringo”, atuavam como subintermediadores do esquema, sendo responsáveis por aliciar interessados na obtenção fraudulenta de benefícios previdenciários, cujos dados pessoais eram então encaminhados a Vitorino e Arnaldo, que davam prosseguimento às etapas seguintes da fraude. Convém registrar que Aurelino e Alexandre não se limitavam a captar segurados para alimentar o esquema criminoso, mas também figuraram como beneficiários diretos das fraudes, tendo obtido auxílios previdenciários com base em perícias realizadas por Guilherme Oliveira, mediante intermediação de Vitorino Almeida Oliveira. No tocante a Vitalmiro Pereira de Jesus (“Gringo”), observa-se que mantinha estreita ligação com o terceirizado Carlos Alberto de Andrade, que colaborava com suas demandas, intermediando contatos com servidores do INSS. O objetivo principal dessa articulação era a obtenção de informações de interesse do grupo criminoso nos sistemas internos da autarquia previdenciária, facilitando a operacionalização das fraudes. Neste contexto, foram identificadas diversas conversas mantidas entre Vitorino e os subintermediários Vitalmiro, Alexandre e Aurelino, tratando especificamente de benefícios obtidos por meio de fraude, o que reafirma o papel desses réus como captadores de segurados para o esquema (conforme Relatório de Análise de Material Apreendido nº 02/2020 – fls. 60/89 do IPL – Apenso V; e Relatório Circunstanciado nº 02/2019 – fls. 127/160 da Cautelar nº 8587-73.2019.4.01.3300). Na sequência, destacam-se trechos reveladores dessas comunicações, os quais comprovam de forma inequívoca o envolvimento dos mencionados réus nas práticas delitivas. Importa salientar que o depoimento prestado por Vitalmiro perante a autoridade policial corrobora o teor dos diálogos anteriormente mencionados, uma vez que reconheceu ter atuado na captação de pessoas interessadas em obter benefícios previdenciários, as quais encaminhava a Vitorino (“Sarney”), Arnaldo e Aurelino. Ressaltou, ainda, que Aurelino e Arnaldo atuavam sob orientação de Vitorino, o qual, por sua vez, mantinha contato direto com o médico Guilherme, da APS Camaçari, com o intuito de agilizar a concessão dos benefícios fraudulentos (fls. 550/551 do IPL). Dessa forma, os elementos de prova reunidos comprovam de maneira consistente o envolvimento de Vitalmiro, Aurelino e Alexandre na estrutura da organização criminosa, na condição de aliciadores de segurados, cujos dados eram encaminhados a Vitorino e Arnaldo, que se encarregavam de viabilizar a remarcação das perícias médicas e a obtenção indevida dos auxílios previdenciários. E) Fábio Lacerda Guimarães Gomes, Maraiza Carvalho dos Santos e Carlos Alberto de Andrade os colaboradores terceirizados Fábio Lacerda Guimarães Gomes, Maraiza Carvalho dos Santos e Carlos Alberto de Andrade exerciam a função de intermediar as solicitações repassadas pelos articuladores do esquema aos servidores públicos envolvidos, incluindo o fornecimento de dados para a remarcação de perícias médicas e a obtenção de informações de segurados nos sistemas internos da Previdência Social. Dentro desse cenário, é relevante destacar que Fábio Lacerda Guimarães Gomes atuava como principal auxiliar de Arnaldo de Assis Araújo na Agência do Comércio, mantendo comunicação frequente com ele e com os servidores da unidade, sendo responsável por compartilhar informações requisitadas, como telas de sistemas da autarquia, comprovantes de remarcações de perícias e registros de transferências bancárias. Ademais, exercendo a função de vigilante, Fábio era incumbido de controlar o acesso de pessoas à agência, o que permitia a Arnaldo orientar os segurados cooptados a procurá-lo diretamente, para que fossem direcionados a setores ou servidores específicos, de acordo com o ajuste previamente estabelecido entre os integrantes da organização. Com efeito, o Relatório Circunstanciado nº 03/2020 (fls. 265 e seguintes da Cautelar nº 8587-73.2019.4.01.3300) registra diálogo travado entre Arnaldo e o segurado Getúlio, no dia 18/12/2019, no qual Arnaldo instrui: “Se você chegar primeiro é só você falar com FÁBIO. Fica lá dentro mesmo?”. Ainda, conforme consta no Relatório de Informação nº 091/BA/NUINT/SPREV/ME (fl. 172 do IPL – ID 283174942), foi identificado que Fábio chegou a utilizar sua própria linha telefônica (71 99224-8951) para realizar agendamentos de perícias médicas, o que demonstra sua ampla atuação no contexto da fraude. Tanto o Relatório de Análise de Material Apreendido nº 01/2020 quanto o Relatório de Informação nº 109/NUINT-BA/CGINT/SUCOR/SEPRT/ME apontam que Fábio mantinha contato quase diário com Arnaldo de Assis Araújo, sendo identificadas aproximadamente 6.000 mensagens trocadas entre ambos via WhatsApp, nas quais tratavam de remarcações de perícias médicas, compartilhamento de documentos de segurados (como CPF e NIT), e envio de comprovantes de pagamentos. Em diversas dessas comunicações, Arnaldo orientava Fábio a direcionar os exames periciais à unidade da APS Camaçari, onde atuava o médico Guilherme, evidenciando a atuação ativa de Fábio na consolidação dos atos de improbidade administrativa. A seguir, transcrevem-se as principais mensagens e arquivos de mídia trocados pelos envolvidos, com o objetivo de demonstrar a participação direta de Fábio Lacerda Guimarães Gomes na operacionalização do esquema fraudulento. Sob outra perspectiva, a requerida Maraiza Carvalho dos Santos, na condição de vigilante lotada na Agência do INSS do Comércio, dispunha de livre circulação nas dependências do órgão, mantendo contato tanto com os segurados que frequentavam o local, quanto com os servidores ali lotados. Nessa posição, identificava pessoas interessadas na obtenção de benefícios previdenciários e repassava essas informações a Arnaldo de Assis Araújo, atuando também como ponte entre este e os servidores da autarquia, ao transmitir suas demandas e orientações. As comunicações registradas entre Maraiza e Arnaldo demonstram, de forma clara, que a vigilante integrava a organização criminosa, prestando-lhe auxílio nas intermediações relacionadas à marcação das perícias médicas previdenciárias. Tal circunstância encontra-se evidenciada nos trechos das conversas reproduzidos a seguir, extraídos do Relatório Circunstanciado nº 03/2020 (fls. 265 e seguintes da Cautelar nº 8587-73.2019.4.01.3300), in verbis: Por sua vez, o requerido Carlos Alberto de Andrade, na qualidade de funcionário terceirizado de serviços gerais da Agência do INSS no Comércio, circulava livremente pelas instalações da unidade, mantendo contato constante com os servidores, especialmente com Francisco, a quem frequentemente repassava as solicitações encaminhadas por Vitalmiro Pereira de Jesus (“Gringo”). Essas demandas incluíam, por exemplo, a realização de consultas no sistema informatizado da autarquia com dados de segurados, sendo comum que Carlos Alberto cedesse seu próprio aparelho celular para facilitar a comunicação direta entre Gringo e os servidores. A atuação de Carlos Alberto como facilitador entre Vitalmiro e os funcionários da autarquia previdenciária, com vistas ao cumprimento das atividades ilícitas do grupo, resta evidenciada nos diálogos interceptados entre ambos, conforme registrado no Relatório Circunstanciado nº 02/2019 (fls. 127/160 da Cautelar nº 8587-73.2019.4.01.3300), destacando-se os seguintes excertos: Os depoimentos prestados pelos acionados confirmam e reforçam o teor das conversas interceptadas, corroborando a atuação dos funcionários terceirizados como colaboradores diretos dos intermediadores do esquema ilícito, no interior da agência do INSS. No seu interrogatório colhido na fase pré-processual, Fábio Lacerda Guimarães Gomes reconheceu que atuava a serviço de Arnaldo, declarando que ele, Maraiza e Carlos Alberto tinham como função intermediar os pedidos encaminhados por Arnaldo aos servidores Josan, Francisco e Rosenita. Afirmou, ainda, que recebia frequentemente imagens de documentos de terceiros, os quais encaminhava aos servidores envolvidos, e que emprestava seu telefone celular a Francisco, a pedido deste, para a realização de ligações (fls. 518/519 do IPL). Por sua vez, a requerida Maraiza, embora não tenha reconhecido formalmente sua participação no esquema, naquela oportunidade admitiu ter recebido dinheiro de Arnaldo, conforme registrado em seu depoimento (fls. 409/410 do IPL). No mesmo sentido, Carlos Alberto de Andrade também não confessou integrar a organização criminosa, mas confirmou que “Gringo” (Vitalmiro Pereira de Jesus) costumava telefonar-lhe solicitando favores no âmbito da agência do INSS. Acrescentou, ainda, que foi o próprio servidor Francisco quem lhe forneceu o contato de Gringo, orientando-o a passar-lhe o aparelho celular sempre que o intermediário entrasse em contato (fls. 401/402 do IPL). 2.2.3. Das Teses Defensivas. As teses ofertadas pelos réus não se sustentam diante do robusto acervo probatório reunido nos autos, que demonstra, de forma clara e concatenada, a existência de uma organização estruturada para a obtenção e prorrogação indevida de benefícios previdenciários, com participação consciente, dolosa e funcional dos réus. Abaixo, demonstro a impertinência dos argumentos suscitados: 2.2.3.1.Ausência de dolo específico e desconhecimento do esquema (Guilherme Oliveira, Francisco de Assis, Josan Santos de Araújo): Os réus sustentam que não houve dolo na conduta e que não tinham conhecimento do esquema fraudulento. No entanto, as interceptações telefônicas, os depoimentos e os documentos extraídos dos sistemas informatizados do INSS demonstram, de forma convergente, que os réus tinham ciência do desvio de finalidade das ações praticadas, colaborando ativamente com intermediários para a concessão indevida de benefícios previdenciários. A atuação reiterada e articulada evidencia a prática dolosa e o vínculo funcional com o esquema, afastando a alegação de simples erro ou desconhecimento. 2.2.3.2. Desqualificação das provas emprestadas da ação penal (Francisco de Assis, Josan Santos): Foi alegada a impossibilidade de valoração das provas emprestadas da ação penal nº 1012583-28.2020.4.01.3300. Todavia, o juízo garantiu às partes amplo acesso e oportunidade de manifestação sobre tais elementos, sendo respeitado o contraditório e a ampla defesa. Além disso, as provas emprestadas não foram analisadas de forma isolada, mas em harmonia com outros elementos colhidos na instrução da presente demanda, reforçando a confiabilidade da reconstrução fática. 2.2.3.3. Fragilidade probatória e ausência de comprovação de enriquecimento ilícito (Guilherme, Arnaldo, Vitorino): Os réus sustentam que não houve demonstração de que teriam se beneficiado diretamente dos atos. Contudo, o conjunto de mensagens, comprovantes de transferências, diálogos interceptados e depoimentos indicam a obtenção de vantagens econômicas indevidas, caracterizando enriquecimento ilícito, nos moldes do art. 9º, I, da LIA. O padrão reiterado e a natureza das interações evidenciam que os réus se valiam do cargo público ou de sua atuação funcional para auferir ganhos indevidos. 2.2.3.4. Alegação de funções meramente administrativas ou secundárias (Fábio, Carlos Alberto, Maraiza): Tais réus buscam minimizar sua responsabilidade afirmando que apenas exerciam funções subalternas e que não tinham poder de decisão. Contudo, os elementos constantes dos autos demonstram que, mesmo não sendo servidores efetivos, os terceirizados integravam funcionalmente a engrenagem do esquema, promovendo contatos diretos com os servidores envolvidos e facilitando a manipulação de perícias e a consulta indevida a dados sigilosos. A participação ativa, embora distinta em escala, não é irrelevante no contexto da improbidade administrativa. 2.2.3.5. Ausência de comprovação de dano ao erário ou de formal comprovação do valor (vários réus): Para a configuração dos atos de improbidade dos arts. 9º e 10 da LIA, basta a demonstração de enriquecimento ilícito ou lesão efetiva ao erário, independentemente da quantificação exata do prejuízo sofrido pelo erário no momento da sentença. No caso, os prejuízos foram identificados a partir da concessão de benefícios indevidos, mediante fraude, com prejuízo certo e concreto aos cofres públicos, o que justifica a imposição das sanções. Aliás, a inicial trouxe aos autos elementos que o mensuram e os valores efetivamente auferidos por cada sujeito poderá ser quantificado em fase de cumprimento de sentença. 2.2.4. Da Tipificação das Condutas e da Caracterização dos Atos de Improbidade. Inicialmente, no que se refere à incidência da Lei nº 14.230/2021, que reformulou substancialmente a Lei de Improbidade Administrativa, cumpre observar que, por se tratar de norma de direito administrativo sancionador, aplicam-se os princípios da retroatividade da lei benéfica e da irretroatividade da lei prejudicial, amplamente reconhecidos no âmbito da doutrina especializada. Assim como ocorre no direito penal, a norma posterior mais benéfica deve retroagir em favor do réu. Por outro lado, a nova norma, se mais severa, não se aplica ao caso, tudo em atenção aos princípios da segurança jurídica, da legalidade estrita e da individualização da sanção, todos corolários do devido processo legal material. Diante disso, adotam-se tais princípios no presente caso, em conformidade com o postulado da legalidade substancial. Fixada essa premissa, a análise detida dos autos revela, com consistência e solidez, que os réus praticaram condutas que se enquadram, tanto na redação originária quanto na atual, da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992). A estrutura delineada nos autos demonstra a existência de um esquema fraudulento articulado, voltado à obtenção indevida de benefícios previdenciários, por meio de manipulação de sistemas, falsificação de documentos, pagamento de propina e uso indevido da função pública. Os fatos narrados — e comprovadamente demonstrados — já encontravam previsão legal na redação original dos arts. 9º, 10 da LIA, que descreviam os atos de enriquecimento ilícito e dano ao erário. Com a entrada em vigor da Lei nº 14.230/2021, embora tenha havido modificações estruturais e requisitos adicionais, como a exigência expressa de dolo específico, as condutas aqui examinadas permanecem plenamente subsumíveis aos tipos legais atuais, sem qualquer prejuízo à tipicidade material. Nesse contexto, os réus Vitorino Almeida Oliveira (“Sarney”) e Arnaldo de Assis Araújo assumiram papel de destaque no funcionamento da organização criminosa, atuando como principais intermediadores. Suas condutas abrangeram o aliciamento de beneficiários, a organização da documentação forjada, o contato reiterado com servidores públicos do INSS e a distribuição das vantagens indevidas. O réu Vitorino, em particular, operava o núcleo financeiro do esquema, movimentando recursos expressivos e mantendo vínculos estreitos com o médico perito responsável pelas perícias fraudulentas. Já o servidor Guilherme Oliveira, investido na função de médico perito previdenciário, emitiu laudos médicos inverídicos e recebeu pagamentos ilícitos em troca da prática de atos administrativos ilegítimos. Sua atuação revela, com clareza, a utilização da função pública como instrumento de facilitação de fraudes contra a Administração — conduta que se enquadrava, desde a origem, no art. 9º da LIA, e permanece plenamente típica após a reforma, por envolver o recebimento de vantagem indevida com violação do dever funcional. Os servidores públicos Francisco de Assis Souza, Josan Santos de Araújo e Rosenita Maria de Jesus também contribuíram, de forma efetiva e dolosa, para a consecução das práticas ilícitas, manipulando os sistemas internos do INSS, realizando remarcações de perícias com justificativas falsas e direcionando atendimentos ao médico cooptado. Essas condutas, desde a redação original da LIA, configuram atos atentatórios à moralidade administrativa, além de gerarem prejuízo direto ao erário (art. 10), subsistindo integralmente os tipos após a reforma de 2021, inclusive com a exigência de dolo, amplamente evidenciado nos autos. Os réus Vitalmiro Pereira de Jesus (“Gringo”), Aurelino Santos Nunes e Alexandre do Vale da Luz, embora sem vínculo formal com a Administração, agiram em concurso com os agentes públicos, captando segurados, encaminhando dados e, em alguns casos, obtendo pessoalmente benefícios indevidos, mediante perícias fraudulentas. Nos termos do art. 3º da LIA, tanto na redação originária quanto na atual, o particular que induz, concorre ou se beneficia do ato de improbidade é igualmente sujeito às sanções da lei, razão pela qual devem responder solidariamente. Os terceirizados Fábio Lacerda Guimarães Gomes, Maraiza Carvalho dos Santos e Carlos Alberto de Andrade também exerceram papel relevante no funcionamento do esquema, ao facilitar a interlocução entre os intermediários e os servidores públicos, transmitindo ordens, documentos, capturas de tela, e até disponibilizando aparelhos telefônicos para encobrir os rastros do grupo criminoso. A materialidade dessas condutas está confirmada por extensas comunicações telefônicas, documentos apreendidos e depoimentos, evidenciando seu dolo e contribuição decisiva para a perpetuação das fraudes. Nesse panorama, estão caracterizados os elementos essenciais à configuração dos seguintes atos de improbidade administrativa, à luz do texto normativo vigente, além de malbaratados os princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade administrativas: Enriquecimento ilícito (art. 9º, I): pelo recebimento, oferta e intermediação de vantagens econômicas indevidas, por servidores e particulares, em troca da prática de atos administrativos fraudulentos; Dano ao erário (art. 10, VII): em razão da concessão indevida de benefícios previdenciários com base em documentos falsos, perícias forjadas e manipulação dos sistemas administrativos, gerando prejuízo concreto à Administração. Embora o MPF, em alegações finais, tenha capitulado as condutas no art. 9º, I, da Lei nº 8.429/92, o conjunto probatório evidencia de forma inequívoca que, além do enriquecimento ilícito por parte dos agentes envolvidos, houve também concessão de benefícios administrativos em flagrante desrespeito às normas legais e regulamentares que regem a administração pública, especialmente no tocante aos requisitos para concessão e prorrogação de benefícios previdenciários. Com efeito, a inserção deliberada de dados inverídicos nos sistemas do INSS, o direcionamento indevido de segurados a determinados peritos, a remarcação seletiva de perícias e a atuação de intermediários para facilitar a obtenção dos benefícios em troca de pagamento revelam não apenas o recebimento de vantagem indevida por parte dos servidores públicos e colaboradores terceirizados — o que caracteriza o enriquecimento ilícito descrito no art. 9º, I —, como também a prática dolosa de atos que ensejaram a concessão de benefícios sem a observância das formalidades legais exigidas para tal finalidade. Dessa forma, a conduta dos réus também se amolda ao tipo previsto no art. 10, VII, da Lei de Improbidade Administrativa, que tipifica como ímprobo o agente que, de forma dolosa, concede benefício administrativo sem a devida observância dos procedimentos legais e regulamentares. No caso dos autos, a prova dos autos comprova, de forma robusta, que as concessões previdenciárias examinadas decorreram de vícios insanáveis no procedimento administrativo, todos eles produzidos de forma dolosa, reiterada e sistemática, com o claro objetivo de favorecer terceiros que, em contrapartida, efetuaram pagamentos aos envolvidos, inclusive servidores públicos federais. Esse esquema, além de gerar evidente prejuízo aos cofres da autarquia previdenciária — já estimado em milhões de reais —, resultou no indevido acréscimo patrimonial de diversos réus. Assim, diante da conjugação dos elementos colhidos no feito, firmo convicção de que a tipificação jurídica adequada exige o reconhecimento da ocorrência de atos de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito (art. 9º, I) e por causar lesão ao erário (art. 10, VII). Ambos os dispositivos encontram plena aplicação à hipótese sob julgamento, observados os requisitos legais e jurisprudenciais, sem qualquer violação ao contraditório ou à ampla defesa, tampouco ao princípio da correlação entre os fatos narrados e a qualificação jurídica reconhecida. Isso não representa, sublinhe-se, reformatio in pejus nem violação ao contraditório, pois a narrativa fática da inicial é a mesma, e a qualificação jurídica é função do Juiz. Dito isso, também convém ressaltar que, embora as condutas dos réus tenham evidentemente violado os princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade administrativa, o art. 11 da Lei nº 8.429/1992, em sua redação atual, passou a exigir, para configuração do ato de improbidade por ofensa a princípios, que a conduta se enquadre expressamente em uma das hipóteses previstas nos incisos do referido dispositivo. No presente caso, as ações praticadas pelos demandados, conquanto altamente reprováveis e em frontal ofensa aos deveres funcionais, não se ajustam formalmente a nenhuma das condutas específicas elencadas no art. 11, razão pela qual não é possível aplicar-lhes as sanções correspondentes a esse tipo legal, pois a redação atual, neste ponto, lhes favorece. Contudo, esse afastamento não altera o panorama sancionatório, pois as mesmas condutas enquadram-se, com maior gravidade, nos tipos previstos nos arts. 9º e 10 da LIA, os quais reconhecem o enriquecimento ilícito e o dano ao erário como formas autônomas de improbidade. Assim, permanece plenamente cabível a aplicação das sanções previstas no art. 12, inciso I e II (penas mais severas do que as capituladas pelo inciso III do mesmo artigo), não havendo qualquer prejuízo à responsabilização dos réus, tampouco à resposta estatal proporcional à ilicitude praticada. Ainda nesta linha, recordemos que à época dos fatos, a redação do art. 12 da Lei nº 8.429/1992 previa, para o art. 9º, a aplicação das seguintes sanções: perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial, e proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de dez anos. Por outro lado, a multa civil contemplada pelo inciso II na ocasião dos fatos, correspondia ao valor do dano, podendo ser majorada até o dobro. Com a reforma legislativa, o art. 12, inciso I, passou a prever as seguintes penas, aplicadas isoladas ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até quatorze anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial (não mais até três vezes), e proibição de contratar com o Poder Público por até quatorze anos. Por outro lado, a multa civil contemplada no inciso II não contempla a possibilidade de duplicação, tal como previa a redação antecedente. A par de haver aumento do limite máximo de algumas sanções — como a suspensão dos direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público —, há também redução na severidade da multa civil, que deixou de poder atingir três vezes o valor do acréscimo ou sua duplicação (com base no valor do dano) para se limitar ao próprio valor acrescido (inciso I) ou o valor do dano (inciso II). Assim, considerando o princípio da individualização da pena e a necessidade de observar, caso a caso, qual norma se revela mais branda em seu conjunto de consequências, entendo que, para os fins deste processo, a redação atual é mais favorável aos réus. Assim, aplicam-se as sanções previstas no art. 12, incisos I e II (quanto à multa civil), da Lei nº 8.429/1992, com a redação conferida pela Lei nº 14.230/2021, nos exatos limites da gravidade dos atos praticados e do grau de participação de cada um dos envolvidos, conforme dosimetria que se fará adiante. E no que tange à multa civil prevista no art. 12, II, da Lei de Improbidade Administrativa, embora o prejuízo ao erário atinja cifras elevadas, não se mostra adequado imputar, indistintamente, a todos os réus valores equivalentes ao montante integral. Assim, a multa será fixada com base no grau de envolvimento de cada agente, no papel que desempenharam no esquema fraudulento e no proveito individualmente auferido, de modo a assegurar resposta estatal justa, eficaz e compatível com os parâmetros do direito sancionador. III – DISPOSITIVO ISTO POSTO, julgo procedente o pedido para condenar os réus pelas práticas dos atos ímprobos descritos nos arts. 9º, I e 10, VII, da Lei nº 8.429/92 e, por consequência, os condeno às penas do art. 12, I e II, da referida Lei, com a redação atualmente em vigor. O réu Vitorino Almeida Oliveira, conforme apurado nos autos, ocupou posição de liderança na organização, sendo responsável por articular as fraudes, orientar beneficiários e organizar pagamentos ilícitos. Atuou de modo contínuo e direto com diversos agentes do esquema, auferindo vantagem econômica considerável. Diante disso, aplicam-se as seguintes sanções: perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, a ser apurados na fase de cumprimento; suspensão dos direitos políticos por 8 (oito) anos; multa civil equivalente a 25% (vinte e cinco por cento) do valor global do dano apurado; e proibição de contratar com o Poder Público por 8 (oito) anos. O réu Arnaldo de Assis Araújo, igualmente, desempenhou função estratégica, sendo elo entre beneficiários, terceiros e servidores públicos. Atuou intensamente no núcleo operacional, viabilizando as fraudes mediante uso de sua influência dentro da agência. Assim, impõem-se as sanções: perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio (a ser apurados na fase de cumprimento); suspensão dos direitos políticos por 8 (oito) anos; multa civil de 20% (vinte por cento) do valor global do dano; e proibição de contratar com o Poder Público por 8 (oito) anos. O réu Francisco de Assis Sousa, servidor do INSS, teve participação ativa ao acessar sistemas internos da autarquia para atender os interesses do grupo, repassando informações e facilitando concessões indevidas. Sua conduta foi grave, ainda que não de liderança, e justifica as seguintes sanções: perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio (a ser apurados na fase de cumprimento); perda da função pública que exerce no INSS, suspensão dos direitos políticos por 8 (oito) anos; multa civil de 15% (quinze por cento) do valor do dano; e proibição de contratar com o Poder Público por 8 (oito) anos. O réu Josan Santos de Araújo, também servidor da autarquia previdenciária, teve conduta relevante ao fornecer suporte interno às fraudes. Embora sua participação tenha sido ligeiramente menos incisiva que a de Francisco, mostrou-se dolosa e reiterada. Assim, aplica-se: perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio (a ser apurados na fase de cumprimento); perda da função pública que exerce no INSS; suspensão dos direitos políticos por 6 (seis) anos; multa civil de 10% (dez por cento) do valor do dano; e proibição de contratar com o Poder Público por 6 (seis) anos. O réu Aurelino Santos Nunes, embora não fosse servidor, atuou como captador de segurados, obtendo ele próprio benefício indevido e intermediando a ação fraudulenta. Seu papel foi relevante, com obtenção de vantagem direta. Por isso, fixam-se: perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio (a ser apurados na fase de cumprimento); suspensão dos direitos políticos por 6 (seis) anos; multa civil de 8% (oito por cento) do valor do dano; e proibição de contratar com o Poder Público por 6 (seis) anos. O réu Alexandre do Vale da Luz desempenhou papel secundário no grupo, limitando-se à indicação e encaminhamento de segurados, sem envolvimento direto nos atos administrativos ou pagamentos. Diante disso, são aplicáveis: perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio (a ser apurados na fase de cumprimento); suspensão dos direitos políticos por 4 (quatro) anos; multa civil de 5% (cinco por cento) do valor do dano; e proibição de contratar com o Poder Público por 4 (quatro) anos. O réu Fábio Lacerda Guimarães Gomes, vigilante da agência, teve atuação constante no suporte à atuação de Arnaldo, compartilhando documentos e viabilizando atendimentos. Demonstrou vínculo direto e reiterado com a organização. Impõem-se: perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio (a ser apurados na fase de cumprimento); suspensão dos direitos políticos por 6 (seis) anos; multa civil de 8% (oito por cento) do valor do dano; e proibição de contratar com o Poder Público por 6 (seis) anos. A ré Maraiza Carvalho dos Santos, embora tenha negado seu envolvimento, admitiu ter recebido dinheiro de Arnaldo e teve seu nome envolvido em diversas comunicações com ele. Sua atuação, ainda que acessória, permitiu a intermediação de demandas fraudulentas. Assim, impõem-se: perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio (a ser apurados na fase de cumprimento); suspensão dos direitos políticos por 4 (quatro) anos; multa civil de 3% (três por cento) do valor do dano; e proibição de contratar com o Poder Público por 4 (quatro) anos. Por fim, o réu Carlos Alberto de Andrade, na qualidade de funcionário de serviços gerais, manteve comunicação frequente com o intermediário Vitalmiro, repassando mensagens e facilitando a intermediação das fraudes. Embora sua atuação tenha sido acessória, ela foi dolosa e funcionalmente indevida. Fixam-se, portanto: perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio (a ser apurados na fase de cumprimento); suspensão dos direitos políticos por 4 (quatro) anos; multa civil de 2% (dois por cento) do valor do dano; e proibição de contratar com o Poder Público por 4 (quatro) anos. Essa individualização das penas atende aos parâmetros normativos e valorativos do direito administrativo sancionador, evitando tanto a impunidade quanto a punição excessiva e desproporcional. Advindo o trânsito em julgado, providencie-se a inserção em sistema da suspensão dos direitos políticos e procedam-se as comunicações que, porventura, ainda se façam necessárias para a efetivação da ordem, devendo a parte autora ser intimada para apresentar planilha atualizada do valor do dano e da multa aplicada, a fim de ter início a fase de cumprimento. Nos termos da redação do §1º do art. 23-B da LIA, os réus ficam condenado ao pagamento das custas processuais. Ressalto que, quanto aos réus ARNALDO DE ASSIS ARAUJO, FRANCISCO DE ASSIS SOUZA, GUILHERME DE OLIVEIRA e JOSAN SANTOS DE ARAÚJO a exigibilidade da verba ficará sujeita às condições do §3º do art. 98 do CPC, ante o deferimento da assistência judiciária. Sem condenação em honorários, pois consoante norma processual inserta no atual § 2º do art. 23-B da LIA, tal condenação somente haverá em caso de improcedência do pedido e comprovada má-fé. Opostos embargos de declaração, ouça-se à parte adversa antes de se proceder à nova conclusão. Interposta apelação, antes do encaminhamento do processo para o Tribunal, intime-se a parte recorrida para ofertar contrarrazões no prazo de lei. Intimem-se. Salvador/BA, data constante da assinatura eletrônica. CRISTIANO MIRANDA DE SANTANA Juiz Federal

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