Processo nº 0751158-07.2025.8.18.0000
ID: 256260886
Tribunal: TJPI
Órgão: Desembargador JOSÉ VIDAL DE FREITAS FILHO
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 0751158-07.2025.8.18.0000
Data de Disponibilização:
14/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCOS FARIA SANTOS COELHO
OAB/PI XXXXXX
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ ÓRGÃO JULGADOR : 2ª Câmara Especializada Criminal HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) No 0751158-07.2025.8.18.0000 PACIENTE: VANDERLEI ALBERTO DUARTE Advogado(s) do re…
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ ÓRGÃO JULGADOR : 2ª Câmara Especializada Criminal HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) No 0751158-07.2025.8.18.0000 PACIENTE: VANDERLEI ALBERTO DUARTE Advogado(s) do reclamante: MARCOS FARIA SANTOS COELHO IMPETRADO: JUÍZ DE DIREITO DA VARA ÚNICA DE CRISTINO CASTRO RELATOR(A): Desembargador JOSÉ VIDAL DE FREITAS FILHO EMENTA DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGAÇÃO DE ILEGALIDADE NA PRISÃO EM FLAGRANTE. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. NULIDADE DO RECONHECIMENTO PESSOAL. AUSÊNCIA DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. NEGATIVA DE AUTORIA. IMPOSSIBILIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA NA VIA ELEITA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA DO DECRETO PRISIONAL. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. ORDEM DENEGADA. I. CASO EM EXAME 1. Habeas Corpus impetrado em favor de paciente preso preventivamente pela suposta prática de homicídio qualificado e tentativa de homicídio, com a alegação de constrangimento ilegal decorrente de: (a) violação de domicílio sem autorização judicial; (b) ilegalidade no reconhecimento pessoal; (c) dúvidas quanto à origem das provas; (d) ausência de audiência de custódia; e (e) ausência dos requisitos autorizadores da prisão preventiva. Postula-se, ao final, a revogação da prisão ou a substituição por medidas cautelares diversas. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) verificar se a ausência de audiência de custódia enseja nulidade do flagrante e da prisão preventiva; (ii) aferir se as alegadas irregularidades no flagrante e na colheita das provas invalidam o decreto de prisão; (iii) analisar se a prisão preventiva foi decretada com base em fundamentos idôneos e suficientes; e (iv) verificar a suficiência de medidas cautelares diversas à prisão. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A ação de Habeas Corpus não se presta à análise de questões que demandem dilação probatória, como a negativa de autoria, a origem das provas ou eventual ilegalidade no reconhecimento pessoal, especialmente quando os elementos colhidos nos autos são controvertidos. 4. A ausência de audiência de custódia não gera, por si só, nulidade da prisão, desde que haja motivação idônea para sua não realização. No caso, o juízo justificou a impossibilidade de realização do ato pelas limitações estruturais e logísticas da comarca. 5. A conversão do flagrante em prisão preventiva, com fundamentação concreta, constitui novo título jurídico que afasta eventuais nulidades do flagrante, conforme pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 6. A prisão preventiva está devidamente fundamentada em elementos concretos que evidenciam o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, especialmente a gravidade concreta da conduta — disparos de arma de fogo contra sete pessoas, resultando em duas mortes e três feridos — e a periculosidade do agente, demonstrada por antecedentes criminais e risco de reiteração delitiva. 7. A decisão que decretou a prisão preventiva baseou-se na gravidade concreta do delito, no modus operandi, na periculosidade do agente e em elementos que demonstram risco de reiteração delitiva, revelando-se idônea e proporcional. 8. A jurisprudência admite a decretação de prisão preventiva como meio de garantia da ordem pública diante da gravidade do fato e da contumácia delitiva, sendo insuficientes as condições pessoais favoráveis do paciente ou a aplicação de medidas cautelares diversas. 9. As condições pessoais favoráveis do paciente (primariedade, residência fixa e trabalho lícito) não impedem a manutenção da prisão preventiva quando presentes os requisitos legais, conforme jurisprudência reiterada do STJ. 10. A imposição de medidas cautelares diversas da prisão foi corretamente afastada, pois se revelam insuficientes para resguardar a ordem pública diante da gravidade do crime e da periculosidade do paciente. IV. DISPOSITIVO E TESE 11. Ordem conhecida em parte e, nesta parte, denegada, em consonância com o parecer ministerial. Tese de julgamento: “1. A ausência de audiência de custódia devidamente justificada não acarreta nulidade da prisão quando há posterior conversão do flagrante em preventiva com base em fundamentação idônea. 2. A via do habeas corpus não comporta análise de teses que demandem dilação probatória, como negativa de autoria e origem das provas. 3. A prisão preventiva é cabível quando demonstrados elementos concretos que evidenciem a gravidade concreta do crime, a periculosidade do agente e o risco de reiteração delitiva. 4. A existência de condições pessoais favoráveis não impede a manutenção da prisão preventiva quando presentes os requisitos legais. 5. Medidas cautelares diversas são insuficientes quando a ordem pública não pode ser resguardada de forma adequada com sua aplicação.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LXI, LXV e LXVI; CPP, arts. 310, 312, 313, I, e 319. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no RHC 160.985/PA, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, j. 19/4/2022, DJe 22/4/2022; STJ, AgRg no RHC 158.159/RS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, j. 5/4/2022, DJe 7/4/2022; STJ, AgRg no HC 818.180/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, j. 19/6/2023, DJe 22/6/2023; STJ, HC 494.255/MG, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, j. 24/9/2019, DJe 1/10/2019; STJ, AgRg no RHC 198.432/PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. 19/8/2024, DJe 23/8/2024; STJ, AgRg no HC 764.911/SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato, Sexta Turma, j. 7/3/2023, DJe 10/3/2023; STJ, AgRg no HC 898.142/MG, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, j. 1/7/2024, DJe 3/7/2024; STJ, AgRg no HC 790.921/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, j. 7/2/2023, DJe 13/2/2023; STF, RHC 89.972/GO, Relª. Minª. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJU 29/6/2007. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em Sessão Ordinária do Plenário Virtual, realizada no período de 21 a 28 de março de 2025, acordam os componentes da 2ª Câmara Especializada Criminal, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do voto do(a) Relator(a). TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ, Teresina/PI. Desembargador José Vidal de Freitas Filho Relator RELATÓRIO Trata-se de HABEAS CORPUS, com pedido liminar, impetrado pelo advogado Marcos Faria Santos Coelho (OAB/PI n.º 9773), com fundamento nos artigos 5º, inciso LXVIII da Constituição da República, 647 e seguintes, do Código de Processo Penal, em proveito de VANDERLEI ALBERTO DUARTE, qualificado, indicando como autoridade coatora o Juízo da Vara Única da Comarca de Cristino Castro/PI. O paciente foi preso no dia 25 de janeiro de 2025, em razão da suposta prática dos crimes descritos nos artigos 121, § 2º, IV (duas vezes) e 121, § 2º, IV c/c art. 14, II (cinco vezes), todos do Código Penal. Sustenta, em síntese, a) o reconhecimento de nulidade diante da ausência de audiência de custódia; b) violação de domicílio sem prévia autorização judicial; c) ilegalidade no procedimento utilizado para o reconhecimento pessoal; d) ausência de indícios de autoria; e) ausência de fundamentação idônea na decisão que decretou a prisão preventiva; f) possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão e; g) condições pessoais favoráveis. Liminarmente requer a revogação da prisão preventiva diante da ausência dos requisitos necessários para o decreto prisional. Ao final requereu o reconhecimento da nulidade processual e subsidiariamente a revogação da prisão preventiva e se necessário a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão. Colaciona documentos aos autos (Id. 22670499 ao Id. 22672866). A medida liminar requerida foi denegada por este Relator por não ter verificado, em sede de cognição sumária, o alegado constrangimento ilegal (ID ID 22754596). A autoridade coatora prestou as informações de praxe (ID 22890237). A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer fundamentado, opinou pela denegação da ordem (ID 23233013). É o relatório. VOTO A defesa alega a ocorrência de constrangimento ilegal em razão das seguintes teses: a) violação de domicílio sem prévia autorização judicial; b) ilegalidade do reconhecimento pessoal; c) dúvida acerca da origem das provas apresentadas; d) ausência de audiência de custódia; e) ausência dos requisitos autorizadores da prisão preventiva. Pois bem. Sabe-se que a privação antecipada da liberdade do cidadão acusado de crime reveste-se de caráter excepcional em nosso ordenamento jurídico (art. 5º, LXI, LXV e LXVI, da CF). Inicialmente, destaca-se que a ação de Habeas Corpus não é adequada para examinar alegações que demandem dilação probatória ou que se apresentem essencialmente controvertidas, em razão da natureza célere do writ, que pressupõe prova pré-constituída do direito alegado. Examinando a discussão no que tange à ausência de provas da materialidade e autoria ou participação do delito investigado, constata-se que a apreciação de sua alegação importa, invariavelmente, em valoração da matéria fático-probatória dos autos, especialmente quando existem relatos controvertidos colhidos durante a investigação policial. Portanto, não há como o Tribunal em sede de Habeas Corpus examinar a matéria, seja em razão da supressão de instância ou pela incompatibilidade da via eleita. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou, nos seguintes termos: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. DANO QUALIFICADO, APROPRIAÇÃO INDÉBITA, ESTELIONATO, FRAUDE, ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA, FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO. PRISÃO PREVENTIVA. NEGATIVA DE PARTICIPAÇÃO NOS DELITOS. ANÁLISE FÁTICO-PROBATÓRIA. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE DA NECESSIDADE DA MEDIDA MAIS GRAVOSA, AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS E OFENSA AO ART. 316 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ? CPP. MATÉRIAS NÃO ANALISADAS PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. REVOGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GRAVIDADE DA CONDUTA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E NECESSIDADE DE INTERROMPER A ATUAÇÃO DO GRUPO CRIMINOSO. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. É certa a inadmissibilidade, na via estreita do recurso em habeas corpus, do enfrentamento da tese de negativa de autoria ou participação nos delitos, tendo em vista a necessária incursão probatória, que deverá ser realizada pelo Juízo competente para a instrução e julgamento da causa. 2. (...) 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RHC 160.985/PA, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 19/4/2022, DJe 22/4/2022) (grifo nosso) PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. DECISÃO MANTIDA. ROUBO QUALIFICADO. AUSÊNCIA DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. RECOMENDAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA ? CNJ N. 62/2020. REDUÇÃO DE RISCOS EPIDEMIOLÓGICOS. PANDEMIA DA COVID-19. INEXISTÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E PROVA DA MATERIALIDADE DELITIVA. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE NA PRESENTE VIA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. RÉU COM CONDENAÇÕES DEFINITIVAS POR CRIMES PATRIMONIAIS. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA. RISCO DE CONTAMINAÇÃO PELA COVID-19. RECOMENDAÇÃO N. 62 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA ? CNJ. TEMA NÃO DEBATIDO NO TRIBUNAL DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. (...)2. Em razão da exigência de revolvimento do conteúdo fático-probatório, a estreita via do habeas corpus, bem como do recurso ordinário em habeas corpus, não é adequada para a análise das teses de negativa de autoria e da existência de prova robusta da materialidade delitiva. 3. (...) 7. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RHC 158.159/RS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 5/4/2022, DJe 7/4/2022) (grifo nosso) Aduz, ainda, o impetrante que houve inobservância do procedimento que estabelece a ocorrência da audiência de custódia, nos termos do art. 310 do CP. Depreende-se, portanto, da leitura do citado dispositivo, que a não realização da audiência de custódia sem motivação idônea ensejará a ilegalidade da prisão. A contrario sensu, quando a ausência da audiência de custódia for motivada, não há que se falar em ilegalidade da prisão. No presente caso, verifica-se que o juízo a quo prestou fundamentação idônea para justificar a impossibilidade de realização do referido ato, tendo em vista a inexistência de estrutura do Núcleo de Audiência de Custódia na comarca de Bom Jesus/PI, bem como as limitações geográficas e logísticas para apresentação do custodiado à comarca mais próxima. Vejamos: Preliminarmente, impende salientar que audiência de custódia é a ferramenta processual criminal por meio da qual todo preso (a qualquer título, segundo a normativa do TJPI) deve ser levado à presença da autoridade judicial para que esta avalie a legalidade da segregação e a necessidade de sua manutenção, o que, na hipótese se exigiria. Nesse cenário, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução nº 213/2015, determina que “toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão” (art. 1º) e o Provimento nº 134, de 10 de abril de 2023, deste Tribunal de Justiça, em seu art. 2º, disciplina que as audiências de custódia no Estado do Piauí serão realizadas, de forma exclusivamente presencial, pelos juízes plantonistas competentes. Apesar de atento a ambas as determinações, devo frisar a impossibilidade de sua efetivação, notadamente, porque ainda não foi instalado o Núcleo de Audiência de Custódia no Polo de Bom Jesus, tendo o Provimento supra disposto que somente em caso de manutenção da prisão é que a audiência de custódia se realizará no dia útil seguinte ao término do plantão pelo(a) juiz(a) plantonista Comarca de Corrente/PI, contudo, diante da distância entre as Comarcas (Bom Jesus), fica impossibilitado a implementação do ato, ficando assim justificado a não realização da audiência de custódia, sem prejuízo de que, caso queira, possa noticiar ao juízo competente, eventuais abusos sofridos quando de sua prisão. Assim, apresento motivação idônea e justifico a não realização, nesta data, da audiência de custódia, passando, desse modo, à análise da legalidade da prisão. De igual modo, a homologação do flagrante e sua conversão em preventiva, com base em elementos concretos extraídos dos autos, suplantam eventual vício decorrente da ausência da audiência. Nessa diapasão é importante ressaltar, que a não realização de audiência de custódia no prazo de 24 horas não acarreta a automática nulidade do processo criminal, assim como que a conversão do flagrante em prisão preventiva constitui novo título a justificar a privação da liberdade, ficando superada a alegação de nulidade decorrente da ausência de apresentação do preso ao Juízo de origem. (STJ - AgRg no HC: 818180 RS 2023/0133240-5, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 19/6/2023, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/6/2023). Ademais, eventuais irregularidades ocorridas no momento da prisão em flagrante, também restam superadas com sua posterior conversão em prisão preventiva, diante da constituição de novo título judicial, como se verifica na presente hipótese. O magistrado de primeiro grau foi enfático ao consignar que não houve qualquer violação ao domicílio, afirmando, de forma categórica, a inexistência de ilegalidade no procedimento que culminou na prisão em flagrante, estando o feito, portanto, regular tanto sob o aspecto formal quanto material. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que “a conversão do flagrante em prisão preventiva prejudica a discussão acerca de nulidade do flagrante, ante a formação de novo título a lastrear a constrição cautelar” (HC 494.255/MG, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 24/9/2019, DJe 1/10/2019). Desse modo, no tocante às teses de nulidade dos autos em decorrência de irregularidades ou ilegalidades ocorridas no procedimento da prisão em flagrante, tais argumentações restam prejudicadas diante da posterior decretação da prisão preventiva, a qual constitui novo título jurídico apto a amparar a custódia cautelar. Insurge-se o impetrante contra a decisão proferida pelo magistrado a quo que decretou a prisão preventiva do paciente, alegando que não foi adotada fundamentação idônea. Neste momento, insta consignar que a prisão preventiva, quando necessária, deve ser decretada com base em seus pressupostos legais, quais sejam: o fumus comissi delicti e o periculum libertatis. O fumus comissi delicti consubstancia-se na prova da existência do crime e nos indícios suficientes de autoria que demonstrem a fumaça de que o acusado é autor dos ilícitos penais apurados, ao tempo em que o periculum libertatis refere-se às hipóteses previstas no artigo 312 do CPP, isto é, à garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal. Em razão do exposto, requer-se para a decretação da prisão preventiva a conjugação destes requisitos, a saber: a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria associada a uma das hipóteses previstas no artigo 312 do CPP. No presente caso, no que diz respeito a ausência de fundamentação idônea para decretar a prisão preventiva, verifica-se que aparentemente, a prisão atribuída ao paciente decorreu da análise de indícios concretos de autoria e de prova da materialidade conclusivos quanto à existência do fumus commissi delicti. Examinou-se, também, o periculum libertatis que fez convencer o magistrado da necessidade de preservação da ordem pública: “(...) Na espécie, trata-se de infrações penais cujas penas máximas ultrapassam, em muito, 4 anos, admitindo a decretação da prisão preventiva, se preenchidas as demais exigências legais. No caso, há provas da materialidade dos crimes delineados e indícios suficientes de autoria, conforme auto de apreensão, boletim de ocorrência, anexos fotográficos e depoimentos coligidos. Quanto ao perigo que decorre o estado da liberdade do autuado, encontra-se igualmente presente, ante a gravidade concreta do crime e o modus operandi que o representado utilizou, demonstrando a sua periculosidade. As circunstâncias nas quais os delitos foram cometidos, em via pública, sem qualquer motivação aparente, o autuado efetuou vários disparos, ao que tudo indica, sem chance de defesa, atingindo cinco vítimas, sendo que destas, duas vieram a óbito no local, três foram socorridas e duas saíram ilesas, demonstra sua alta periculosidade do flagranteado, a justificar, por si só, a necessidade da prisão para garantia da ordem pública e aplicação da lei penal. O abalo a ordem pública restou claramente relatado no presente pedido. Tais circunstâncias, como já destacado, evidenciam a gravidade concreta da conduta, porquanto extrapolam a mera descrição dos elementos próprios do tipo de homicídio. Assim, por conseguinte, a segregação cautelar faz-se necessária como forma de acautelar a ordem pública. Vale destacar que este fato não é um fato isolado na vida do custodiado, vez que já responde a outros processos - 0000008-19.2006.8.18.0089 e 0000073- 07.2007.8.18.0080 (roubo), bem como a autoridade policial informou que ele responde a Inquérito Policial por Homicídio, ocorrido em 2024, circunstâncias que evidenciam sua personalidade volta à criminalidade. De mais a mais, de acordo com a compreensão solidificada no âmbito das Cortes Superiores, não se pode olvidar que a preservação da ordem pública justifica a imposição da prisão preventiva quando o agente ostentar antecedentes, reincidência, atos infracionais pretéritos, inquéritos ou mesmo ações penais em curso, porquanto tais circunstâncias denotam sua contumácia delitiva e, por via de consequência, sua periculosidade.” Ora, conforme trechos da decisão que manteve a prisão preventiva do paciente, percebe-se que a custódia cautelar do paciente foi decretada tendo em vista a garantia da ordem pública, considerando a gravidade concreta da conduta e pelas circunstâncias que ocorreu o delito. Além disso, o magistrado destacou a possibilidade de reiteração delitiva do paciente advindo dos maus antecedentes, não havendo, portanto, como se reconhecer por ora o constrangimento alegado. O modus operandi evidenciado anota-se bastante danoso à ordem pública, uma vez que o paciente, em local público, teria efetuado disparos contra vítimas desarmadas, desprezando inclusive a presença de várias outras pessoas no local do crime. Não restou evidenciada, portanto, o fumus boni iuris. Notadamente porque, a liberdade do paciente se revela comprometedora à garantia da ordem pública, considerando gravidade concreta do delito — disparos de arma de fogo contra sete pessoas, com duas mortes e três feridos — e periculosidade do agente. No que diz respeito à necessária garantia da ordem pública, o Superior Tribunal de Justiça consolidou a tese de que “a prisão cautelar pode ser decretada para garantia da ordem pública potencialmente ofendida, especialmente nos casos de: reiteração delitiva, participação em organizações criminosas, gravidade em concreto da conduta, periculosidade social do agente, ou pelas circunstâncias em que praticado o delito (modus operandi)”. (grifo nosso). Assim, verifica-se necessária a manutenção da segregação cautelar do paciente como forma de garantir a ordem pública, bem como assegurar a aplicação da lei penal para evitar uma reiteração criminosa. Logo, tais circunstâncias evidenciam a periculosidade do paciente, o que justifica a necessidade da segregação cautelar. A propósito: PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE DO FATO. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. AUSÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE INEXISTÊNCIA. MEDIDAS CAUTELARES. INVIABILIADADE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Havendo prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, a prisão preventiva, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, poderá ser decretada para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. 2. No caso, a custódia cautelar está suficientemente fundamentada em elementos concretos extraídos dos autos, que indicam a necessidade de se resguardar a ordem pública, pois a periculosidade social do réu está evidenciada no modus operandi do ato criminoso e no risco concreto de reiteração delitiva. Com efeito, o recorrente, que ostenta condenação de mais de 15 anos de reclusão pelo delito de extorsão e estava em liberdade provisória em feito que apura crime de estelionato, quando do cometimento do ilícito desses autos, teria executado o homicídio por meio de disparos de arma de fogo, após invadir a casa onde a vítima residia, a mando de corréu de quem ela era credora, mediante o pagamento de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). 3. Não deve prosperar a tese de ausência de contemporaneidade entre os fatos e o decreto preventivo, pois aqueles teriam ocorrido em 12/1/2023, quando iniciaram investigações, visando identificar os autores do delito, tendo sido oferecida a denúncia em 9/2/2024, e a prisão sido decretada na mesma data. Ademais, a gravidade concreta do delito narrado obstaculiza o esgotamento do periculum libertatis pelo simples decurso do tempo. 4. Diante desse contexto, tem-se por inviável a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, quando a gravidade concreta da conduta delituosa e a periculosidade do recorrente indicam que a ordem pública não estaria acautelada com sua soltura. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RHC n. 198.432/PR, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 19/8/2024, DJe de 23/8/2024.) (grifo nosso) Pelo que consta nos autos, não se verifica constragimento ilegal no decreto prisional. Pelo contrário, encontra-se devidamente fundamentado nos termos legais, em especial, o art. 312 e o art. 313, I, todos do Código de Processo Penal. Destaca-se que o decreto constritivo, como já foi decidido reiteradamente pelo Supremo Tribunal Federal, não necessita de fundamentação exaustiva, sendo suficiente, ainda que de forma sucinta, que analise a presença dos requisitos legais ensejadores da prisão preventiva (RHC 89.972/GO, Primeira Turma, Relª. Minª. Cármen Lúcia, DJU de 29/6/2007). Dessa forma, nesse meio de impugnação, não há que se falar em inexistência de fundamento para que seja mantida a custódia cautelar do paciente. Além disso, o impetrante defende que as medidas cautelares alternativas, com previsão no art. 319 do Código de Processo Penal, são suficientes para resguardar a ordem pública no caso concreto. No entanto, é importante ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento de que a imprescindibilidade da preventiva decretada torna clarividente a insuficiência das medidas cautelares alternativas. A esse respeito, o seguinte precedente: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA. MANUTENÇÃO DO DECRETO PRISIONAL PELOS MESMOS FUNDAMENTOS. PREJUDICIALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GRAVIDADE CONCRETA. ELEVADA QUANTIDADE DE DROGA. APLICAÇÃO DE CAUTELARES DIVERSAS DO CÁRCERE. INSUFICIÊNCIA. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA HOMOGENEIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. (...) 3. "Concretamente demonstrada pelas instâncias ordinárias a necessidade da prisão preventiva, não se afigura suficiente a fixação de medidas cautelares alternativas" (AgRg no HC n. 573.598/SC, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 23/6/2020, DJe 30/6/2020). (...) 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 764.911/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 7/3/2023, DJe de 10/3/2023.) (grifo nosso) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. SUPERAÇÃO DA SÚMULA Nº 691/STF. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO FUNDAMENTADA. QUANTIDADE DE DROGAS. (...) 4. Existindo a indicação de fundamentos concretos para justificar a custódia cautelar, não se revela cabível a aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão, visto que insuficientes para resguardar a ordem pública. 5. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 785.639/PR, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 6/3/2023, DJe de 10/3/2023.) (grifo nosso) Quanto às possíveis condições subjetivas favoráveis da paciente, tais como primariedade, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não são elementos que garantem a liberdade provisória do acusado, uma vez que existem circunstâncias que autorizam a manutenção de sua prisão. Neste sentido, encontra-se a decisão do Superior Tribunal de Justiça, a seguir colacionada: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL NO ÂMBITO DOMÉSTICO E INVASÃO DE DOMICÍLIO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. APLICAÇÃO LEI PENAL. FUGA APÓS A PRÁTICA DOS DELITOS. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA HOMOGENEIDADE. INOVAÇÃO RECURSAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. (...) 5. A presença de condições pessoais favoráveis, como primariedade e bons antecedentes, não impede a decretação da prisão preventiva, quando devidamente fundamentada, assim como inaplicável medida cautelar alternativa quando as circunstâncias evidenciam que as providências menos gravosas seriam insuficientes para manutenção da ordem pública 6. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 898.142/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 1/7/2024, DJe de 3/7/2024.) (grifo nosso) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. QUANTIDADE DE DROGAS. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. SEGREGAÇÃO JUSTIFICADA PARA A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO NÃO PROVIDO. (...) 3. Condições subjetivas favoráveis à agravante não são impeditivas à decretação da prisão cautelar, caso estejam presentes os requisitos autorizadores da referida segregação. Precedentes. 4. Mostra-se indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão; o contexto fático indica que as providências menos gravosas seriam insuficientes para acautelar a ordem pública. Precedentes. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no HC n. 790.921/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 13/2/2023.) (grifo nosso) Por conseguinte, não restando evidenciada qualquer ilegalidade apta a configurar constrangimento ilegal na manutenção da custódia provisória do paciente, não há que ser concedida a ordem. DISPOSITIVO Ante o exposto, com base nas razões expendidas, NÃO CONHEÇO das teses de ilegalidades da prisão em flagrante e negativa de autoria e, no tocante às demais teses, CONHEÇO e VOTO pela DENEGAÇÃO DA ORDEM impetrada, em consonância com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça. Teresina, 31/03/2025
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