Processo nº 0001305-03.2014.4.01.3803
ID: 309299302
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 16 - DESEMBARGADOR FEDERAL FLAVIO JARDIM
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0001305-03.2014.4.01.3803
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GUILHERME ENRIQUE MALOSSO QUINTANA
OAB/SP XXXXXX
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CAIO CAMPELLO DE MENEZES
OAB/SP XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0001305-03.2014.4.01.3803 PROCESSO REFERÊNCIA: 0001305-03.2014.4.01.3803 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: Ministério Público F…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0001305-03.2014.4.01.3803 PROCESSO REFERÊNCIA: 0001305-03.2014.4.01.3803 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:DOW AGROSCIENCES SEMENTES & BIOTECNOLOGIA BRASIL LTDA REPRESENTANTES POLO PASSIVO: CAIO CAMPELLO DE MENEZES - SP174393-A e GUILHERME ENRIQUE MALOSSO QUINTANA - SP299392-A RELATOR(A):FLAVIO JAIME DE MORAES JARDIM R E L A T Ó R I O O Exmo. Sr. Juiz Federal RAFAEL PAULO SOARES PINTO (Relator Convocado): Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – MPF em face de sentença proferida pelo MM. Juiz Federal da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Uberaba/MG (fls. 434/436) que julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, por ausência de interesse processual, em demanda que pretende condenar DOW AGROSCIENCES SEMENTES & BIOTECNOLOGIA BRASIL LTDA. a se abster de trafegar veículos de carga com excesso de peso nas rodovias federais, com a imposição de astreintes pelo descumprimento, e a pagar ressarcimento dos danos materiais causados pela conduta, e indenização por danos morais coletivos. 2. Irresignado, o MPF apelou (fls. 437/447) sustentando, em resumo, que: a) a multa de trânsito é uma sanção administrativa que não se confunde com os institutos pertinentes ao ilícito civil, tal como se verifica no caso de multas ambientais; b) as ações civis públicas são o meio adequado para se buscar a responsabilização civil dos infratores das normas protetivas de interesses transindividuais; c) é perfeitamente possível a imposição de tutela inibitória, tutelando o patrimônio público (degradação do pavimento de rodovias federais) e a vida de milhares de pessoas expostos aos riscos decorrentes da circulação de veículos de carga com sobrepeso; d) resta nos autos a contribuição dada pela apelada ao processo de acelerar a deterioração da camada de revestimento e a estrutura dos pavimentos, notadamente nas rodovias federais que cortam a região do Triângulo Mineiro; e) aplica-se o princípio da proporcionalidade, destacando os seus aspectos consubstanciados na proibição do excesso e a proibição de proteção deficiente; e f) há dever indenizar proporcionalmente à extensão do dano. Requer, assim, reforma integral da sentença recorrida. 3. Regularmente intimada, a empresa ré apresentou contrarrazões (fls. 450/461) alegando, em resumo, que: a) a tutela inibitória postulada é inócua porque, dado o seu caráter genérico, serviria tão somente para reproduzir preceito legal e aumentar a correspondente sanção de forma indevida, por conduta já vedada pelo CTB; b) os valores das multas foram aleatoriamente indicados pelo MPF, sem qualquer justificativa amparada no caso concreto; c) não há nenhuma circunstância concreta para justificar os pedidos indenizatórios; d) como não cabe ao Judiciário a criação de normas genérica, resta ausente o interesse processual, pois a tutela pretendida não é útil ou necessária; e) subsidiariamente, inexiste ato ilícito cometido pela apelada, não tendo sido apresentada prova ou indício de que ela tenha cometido as condutas irregulares imputadas pelo MPF, diante da ausência de qualquer auto de infração; f) não se admite a condenação por danos matérias e morais em abstrato, já que ausente nexo de casualidade e a existência de danos concretos. Requer, assim, a manutenção da sentença recorrida. 5. Por fim, a Procuradoria Regional da República, em parecer, opina pelo provimento do recurso de apelação (fls. 465/467v). É o relatório. Juiz Federal RAFAEL PAULO SOARES PINTO Relator Convocado O Exmo. Sr. Juiz Federal RAFAEL PAULO SOARES PINTO (Relator Convocado): Trata-se de tema recorrente no âmbito desta Corte. Foram ajuizadas, por todo o país, diversas ações civis públicas com o objetivo de coibir o tráfego de veículos de carga com excesso de peso nas rodovias federais, cujos pedidos, em regra, consistem na abstenção de trafegar fora dos limites estabelecidos no Código de Trânsito Nacional, com a imposição de astreintes pelo descumprimento, condenação ao ressarcimento dos danos materiais causados pela conduta, e condenação ao pagamento de indenização por danos morais coletivos. 2. Inicialmente, analiso a preliminar de ausência de interesse de agir reconhecida pela sentença recorrida. 3. Registro a existência de divergência, no âmbito desta Sexta Turma, sobre a viabilidade de, em sede de ação civil pública promovida pelo MPF, impor obrigação de não fazer consubstanciada na impossibilidade de que as empresas deem saída, em seus estabelecimentos, a veículos de cargas com excesso de peso, em desobediência à legislação de trânsito, sob pena de multa diária pelo descumprimento da ordem judicial. 4. Confira-se, a propósito, as ementas dos seguintes acórdãos: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. VEÍCULO DE CARGA. EXCESSO DE PESO. INFRAÇÃO DE TRANSITO. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DECISÃO JUDICIAL. CONTRAN. LEI N. 9.503/1997. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO. I - Caracteriza infração de trânsito o transporte de carga com excesso de peso, nos termos do inciso V do art. 231 da Lei n. 9.503/1997 - Código de Trânsito Brasileiro. II - Na hipótese, imputa-se a infração de trânsito à agravante tendo em vista as diversas autuações da Polícia Rodoviária Federal que comprovam a prática constante de transitar com veículos de carga com excesso de peso, na ordem de toneladas além do limite previsto na legislação de trânsito. III - É cabível a aplicação de medida sancionatória a quem tem competência para realizar o ato determinado em decisão judicial, podendo o magistrado fixar multa em caso de descumprimento do prazo fixado. IV - Agravo de instrumento a que se nega provimento” (AG 0000008-26.2011.4.01.0000 / MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, SEXTA TURMA, e-DJF1 de 04/06/2012). “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEDIDA LIMINAR DETERMINANTE DE QUE A EMPRESA AGRAVANTE SE ABSTENHA DE MANTER EM CIRCULAÇÃO, COM EXCESSO DE PESO, SUA FROTA DE CAMINHÕES EM RODOVIAS FEDERAIS, SOB PENA DE MULTA FIXADA EM R$ 20.000,00 (VINTE MIL REAIS) PARA CADA DESCUMPRIMENTO. 1. Substanciando infração de trânsito apenada com multa em valor estabelecido com fundamento na legislação que o disciplina, o tráfego de veículo, em rodovias federais, com excesso de peso, inadmissível, mediante liminar em ação civil pública, proposta com propósito de coibir conduta que já é proibida por lei e apenada com a sanção específica, a cominação de astreinte para a hipótese de descumprimento da obrigação, por representar, na prática, e apenas contra o réu na demanda, apenação adicional em caso de transgressão da conduta legalmente proibida. 2. Agravo de instrumento provido” (AG 0056520-92.2012.4.01.0000 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ AMILCAR MACHADO, Rel.Acor. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MOREIRA ALVES, SEXTA TURMA, e-DJF1 de 23/08/2013) 5. A divergência acima noticiada também existe na Quinta Turma: “CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRÁFEGO DE VEÍCULO EM RODOVIA FEDERAL COM EXCESSO DE PESO. TUTELA INIBITÓRIA. PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO E DE INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS DOS USUÁRIOS DE RODOVIAS. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E JUDICIAL. PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO (CF, ART. 5º, XXXV). INDENIZAÇÃO, A TÍTULO DE DANO MATERIAL E MORAL. CABIMENTO. PREJUDICIAL DE COISA JULGADA REJEITADA. I - Na espécie, não merece guarida a alegação de coisa julgada em virtude do julgamento da Ação Civil Pública nº 93.0059274-2, ajuizada na Justiça Federal do Rio Janeiro, pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Rodoviários Interestaduais e Internacionais de Passageiros - RODONAL e pela Associação Nacional de Transportadoras de Turismo e/ou Fretamento e Agências de Viagem das Empresas de Transportes Rodoviários em desfavor do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNER, na medida em que não restou caracterizada a identidade de partes, de causa de pedir e de pedido, notadamente porque a referida ação objetivava tornar sem efeito multas aplicadas decorrentes da pesagem de veículos associados às autoras e impedir que novas penalidades fossem impostas. II - A penalidade administrativa por infração à norma do art. 231, V, da Lei n°. 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro) não guarda identidade com a tutela inibitória veiculada em sede de ação civil pública, em que se busca a cessação da flagrante e contumaz recalcitrância da promovida na observância da referida norma legal, em que a atuação jurisdicional do Estado visa resguardar o seu caráter imperativo e, também, o interesse difuso e coletivo não só de todo o universo de usuários de rodovias em nosso país, mas, primordialmente, para fins de proteção do patrimônio público, do direito à vida, à integridade física, à saúde, à segurança pessoal e patrimonial, à qualidade dos serviços de transporte, à ordem econômica e a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, inclusive, mediante a imposição de multa pecuniária, por eventual descumprimento da ordem judicial, e o pagamento de competente indenização por danos materiais e morais coletivos. Em casos assim, a independência entre as instâncias administrativa e judicial autoriza a concomitância de apurações, mormente em face do princípio da inafastabilidade da jurisdição (CF, art. 5°, inciso XXXV). III - O colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu que, "Em ação ambiental, impõe-se a inversão do ônus da prova, cabendo ao empreendedor, (...), responder pelo potencial perigo que causa ao meio ambiente, em respeito ao princípio da precaução." (REsp 1237893/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 01/10/2013). IV - O dano material ao patrimônio público, resultante da redução da longevidade do piso asfáltico rodoviário, decorrente do tráfego de veículos com excesso de peso, pela sua notoriedade, independe de provas outras, à luz do que dispõe o art. 334, inciso I, do CPC, impondo-se o pleito indenizatório formulado sob essa rubrica, no montante a ser apurado em fase de liquidação do julgado, por arbitramento, observados os parâmetros objetivos para essa finalidade, tais como: a) o montante do excesso de peso verificado e a distância percorrida com excesso de peso e sua relação com os custos de manutenção das rodovias federais, sem desprezar-se a circunstância da empresa promovida não ser a única a provocar tais danos nas referidas rodovias; e b) o impacto daí resultante no meio ambiente e na ordem econômica e social, tudo a ser apurado em regular liquidação do julgado, por intermédio de competente arbitramento. V - O dano moral coletivo, em casos que tais, além da agressão a valores imateriais da coletividade atingida pela conduta da empresa promovida, revela-se, ainda, pela lesão moral difusa em relação à intranquilidade gerada nos usuários da rodovia federal pelo aumento da insegurança, como causa direta do ato ilícito praticado pelo transgressor da norma legal de regência. VI - Apelação do Ministério Público Federal provida para determinar que a recorrida se abstenha de trafegar em rodovias federais com carga excessiva, sob pena de pagamento de multa pecuniária no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), por descumprimento desta ordem judicial, bem assim para condenar a promovida no pagamento de indenização, a título de danos materiais (cujo montante deverá ser apurado na fase de liquidação do julgado) e danos morais coletivos, no montante de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), a ser revertido ao fundo previsto no art. 13 da Lei nº. 7.347/85, bem assim no pagamento das custas processuais devidas” (AC 0032021-29.2012.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, QUINTA TURMA, e-DJF1 de 17/04/2015). “TRANSPORTE DE CARGA EM RODOVIAS FEDERAIS. EXCESSO DE PESO. PENAS ADMINISTRATIVAS LEGISLATIVAMENTE COMINADAS. OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA, DO MPF, COM A FINALIDADE DE COMINAR PENA DE MULTA MAIS ELEVADA E RESPONSABILIZAR DETERMINADA EMPRESA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SUBSTITUIÇÃO DAS FUNÇÕES LEGISLATIVA E ADMINISTRATIVA PELO PODER JUDICIÁRIO. AUSÊNCIA DE NECESSIDADE. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA. INÉPCIA DA INICIAL QUANTO À ESPECIFICAÇÃO DOS DANOS E IMPRATICABILIDADE DESSA ESPECIFICAÇÃO. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. PROCESSO JULGADO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. SENTENÇA MANTIDA POR OUTROS FUNDAMENTOS. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Na sentença, foi indeferida a inicial e julgado extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, I e IV, do CPC, em razão da não apresentação de degravação da mídia - na qual constaria "a relação de avisos de ocorrência de excesso de pesagem" -, que acompanhava a inicial, nem foi fornecido o endereço do DNIT para fins de intimação. 2. Configura excesso de formalismo o indeferimento da inicial, na espécie, porque, em tese, no curso do processo seria oportunizado às partes acesso ao conteúdo da mídia. Acrescente-se, a propósito, que "os depoimentos documentados por meio audiovisual não precisam de transcrição", consoante art. 2º da Resolução nº 105/2010 do Conselho Nacional de Justiça, que "dispõe sobre a documentação dos depoimentos por meio do sistema audiovisual e realização de interrogatório e inquirição de testemunhas por videoconferência". Além do mais, o MPF informou o endereço do DNIT, conforme determinado. 3. O tráfego de veículo com excesso de peso pelas rodovias já conta com penas administrativas legislativamente previstas, as quais se presumem suficientes para inibir a referida conduta ilícita. Se de gravidade insuficiente ou não aplicadas, é caso de provocar o Poder Legislativo, para sua agravação, ou o Poder Executivo, para sua eficiente aplicação, incluída a medida mais eficiente de todas, a apreensão do veículo. 4. Não é necessário, nem possível, ação civil pública destinada a fixar pena substitutiva ou paralela às que são previstas em lei para a referida conduta. Nem tem o Poder Judiciário estrutura adequada para substituir o legislador e o administrador em casos dessa natureza. Teria, no mínimo, que se valer da Administração para a verificação das condutas suscetíveis de aplicação da multa cominada. 5. A atuação do Poder Judiciário é excepcional e subsidiária, nessa hipótese. 6. Se omissa a Administração em sua atividade de polícia, a ação do Ministério Público deve ser contra a entidade administrativa, para que cumpra seu dever. 7. Quanto à indenização, a petição inicial não individualiza, nem oferece elementos para a individualização dos danos. Aliás, é impraticável perícia para determinar a contribuição de empresa(s) específica(s) para os alegados danos. 8. Mantida a sentença de extinção do processo, sem resolução do mérito, por outros fundamentos. 9. Apelação desprovida” (AC 0032039-50.2012.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, QUINTA TURMA, e-DJF1 de 07/10/2015). 6. A hipótese, portanto, seria de provocação da Terceira Seção, via incidente de uniformização de jurisprudência, a fim de cessar a divergência acerca da interpretação do direito, na forma do art. 370 do Regimento Interno desta Corte. 7. Nada obstante, entendo ser inócuo o incidente de uniformização no caso concreto na medida em que este órgão, em sessão realizada no mês de fevereiro de 2016, submeteu à apreciação embargos infringentes sobre a matéria ora discutida, tendo o eminente relator, Desembargador Federal Kássio Marques, proferido voto no sentido da impossibilidade de o Judiciário adentrar em matéria de competência do Legislativo, vez que o pedido de obrigação de não fazer já encontra previsão legal. 8. Confira-se o teor da ementa do respectivo acórdão: “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRANSPORTADORA. EXCESSO DE PESO DA CARGA. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. DANOS MATERIAIS E MORAIS COLETIVOS. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS INFRINGENTES PROVIDOS. 1. Na hipótese dos autos, o Ministério Público Federal requer, com base no artigo 1º, IV, da Lei n. 7347/85, a condenação da parte ré à obrigação de não fazer, isto é, não permitir a saída de veículos de carga com excesso de peso em desacordo com a legislação de trânsito brasileira, e a condenação da infratora ao pagamento de danos materiais e danos morais coletivos. 2. O Código de Trânsito Brasileiro prevê que o veículo que transitar com excesso de peso, admitido percentual de tolerância quando aferido por equipamento, na forma a ser estabelecida pelo CONTRAN, é infração de grau médio e punida com multa fixada entre 5 e 50 UFIR, dependendo do excesso de peso aferido. 3. Portanto, quanto ao pedido de condenação de obrigação não fazer, observa-se que já existe uma determinação legal de não fazer, não podendo o Judiciário adentrar em matéria de competência do Legislativo. É vedado ao juiz atuar em substituição ao legislador. 4. “Substanciando infração de trânsito apenada com multa em valor estabelecido com fundamento na legislação que o disciplina, o tráfego de veículo, em rodovias federais, com excesso de peso, inadmissível, mediante liminar em ação civil pública, proposta com propósito de coibir conduta que já é proibida por lei e apenada com a sanção específica, a cominação de astreinte para a hipótese de descumprimento da obrigação, por representar, na prática, e apenas contra o réu na demanda, apenação adicional em caso de transgressão da conduta legalmente proibida.” (AI n. 0056520-92.2012.4.01.0000/DF, Relator Desembargador Carlos Moreira Alves, Sexta Turma, e-DJF1 de 23/08/2013, p. 561; AI n. 0057686-62.2012.4.01.0000/MG, Relator Juiz Federal Convocado Marcelo Dolzany da Costa, Sexta Turma, e-DJF1 de 22/03/2013, p. 195). 5. Quanto à fixação de multa compensatória (danos materiais) pelo dano causado ao pavimento das rodovias federais, deve-se demonstrar a conduta ilícita, o dano e o nexo de causalidade. Para que seja indenizável, o dano material há que ser certo, não havendo que se falar em reparação de dano eventual ou presumido. Na hipótese, uma mera possibilidade de ocorrência do dano não é suficiente para que haja a condenação em danos materiais. Para ser indenizável, o dano deve ser certo, atual e subsistente, com já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça (Precedente:RESp n. 965758/RS,Terceira Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ 19/08/2008). 6. “Quanto à configuração do dano moral coletivo se no âmbito do direito individualizado, em que se examina com profundidade o caso concreto trazido por específica pessoa, o abalo moral deve estar amplamente evidenciado, não se tolerando a conclusão de que aborrecimentos ou sentimentos de repúdio configuram abalo moral. Assim, o dano moral coletivo pressupõe a demonstração de caso grave, seja no tocante à percepção individualizada de cada vítima, ou mesmo no que pertine à carga de valores que cerca determinado grupo, de ordem social, econômica ou cultural. E, neste particular, tal como aventado pelo magistrado de piso, não verifico que os fatos narrados na inicial tenham potencial de causar danos morais à coletividade.” (TRF4, APELREEX 5003478-14.2013.404.7117, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Salise Monteiro Sanchotene, juntado aos autos em 26/05/2015). 7. Embargos infringentes providos para prevalecer o voto vencido, que negou provimento à apelação do Ministério Público Federal e deu provimento ao recurso adesivo da Requerida” (EIAC 4765-28.2010.4.01.3806/MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL KÁSSIO MARQUES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/02/2016 e publicado em 10/03/2016). 9. Tendo havido pronunciamento da 3ª Seção desta Corte sobre a matéria em exame, tanto a Quinta Turma como a Sexta Turma passaram, em regra, a uniformizar a sua jurisprudência, em observância ao precedente supracitado. Veja-se: “ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRANSPORTADORA. EXCESSO DE PESO. RODOVIA FEDERAL. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER E PAGAMENTO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. I A Terceira Seção deste Tribunal, no julgamento dos Embargos Infringentes nº 4765-28.2010.4.01.3806, firmou orientação no sentido de não ser possível ao Poder Judiciário adentrar em matéria de competência do legislativo e por ele já prevista impossibilidade de transitar, em rodovias federais, com excesso de peso. II A condenação ao pagamento de danos materiais requer a demonstração da ilicitude da conduta, do dano e do nexo de causalidade, não havendo que se falar em reparação de dano eventual ou presumido. Além disso, quanto aos danos morais, inexiste nos autos prova suficiente a demonstrar que o tráfego com excesso de peso foi condição necessária para os alegados danos, não havendo comprovação da relação direta entre causa e efeito. III Recurso de apelação ao qual se nega provimento” (AC 1001797-70.2017.4.01.3803, DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, TRF1 - SEXTA TURMA, PJe 15/05/2020). “PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXCESSO DE CARGA NOS VEÍCULOS QUE TRAFEGAM NAS RODOVIAS FEDERAIS. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. INADMISSIBILIDADE. CONDENAÇÃO EM DANOS MATERIAIS E MORAIS COLETIVOS. AUSÊNCIA DE PROVA. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. SENTENÇA MANTIDA. 1. Consoante entendimento que prevaleceu no Superior Tribunal de Justiça, impõe-se o conhecimento da remessa necessária em ação civil pública, por aplicação analógica do disposto no art. 19 da Lei nº 4.717/65. Precedentes do STJ (REsp nº 1.220.667/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, j. 24.5.2017; REsp 1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, j. 19.5.2009, DJe 29.5.2009; e REsp nº 1799618/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, j. 21.05.2019, DJe 30.05.2019). 2. Não é admissível a condenação em obrigação de não fazer, com cominação de multa, em caso de veículos que trafeguem com excesso de peso nas rodovias federais, haja vista a existência de preceito legal proibitivo dessa mesma conduta no Código de Trânsito Nacional art. 99 c/c 213 do CTN. Precedentes. 3. A condenação em danos materiais (ou a fixação de multa compensatória a esse título) só é possível com a demonstração da conduta ilícita, do dano e do nexo de causalidade. Não há dano material hipotético ou presumido. Precedentes. 4. Ainda que esteja explicitada qual rodovia se considera danificada pelos veículos da parte ré não é possível mensurar os danos causados especificamente por aqueles veículos e sua extensão, o que leva à impossibilidade de produção de prova quanto ao fato constitutivo do direito de condenação em danos materiais. 5. Dano moral coletivo não configurado, diante da ausência de abalo emocional expressivo a recomendar a condenação. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal Regional Federal da Primeira Região. 6. A prova da infração não autoriza, por si, a condenação em danos materiais e morais coletivos. 7. Remessa necessária, tida por interposta, e apelação do Ministério Público Federal a que se nega provimento” (AC 1010754-26.2018.4.01.3803, DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, TRF1 - QUINTA TURMA, PJe 25/04/2020). 10. Pois bem. Não obstante a apontada evolução jurisprudencial desta E. Corte, os precedentes atuais da Primeira e da Segunda Turmas do E. Superior Tribunal de Justiça vão de encontro ao entendimento mencionado, reconhecendo de forma expressa não só a possibilidade de fixação de multa por novo desrespeito à norma administrativa (astreintes) sem configuração de bis in idem, como também a viabilidade de condenação ao ressarcimento dos danos materiais impostos à malha asfáltica com base em critérios objetivos e de condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, o qual é presumido (in re ipsa), a depender da das provas dos autos e das circunstâncias fáticas do caso. 11. A este respeito, peço vênia para transcrever as ementas de acórdãos representativos da jurisprudência atual do C. STJ sobre o tema em debate: “ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRÁFEGO DE VEÍCULO DE CARGA COM EXCESSO DE PESO. DETERIORAÇÃO DO PISO ASFÁLTICO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS COLETIVOS. INSTÂNCIA RECURSAL ORDINÁRIA QUE RECONHECE A PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS ENSEJADORES DA RESPONSABILIDADE CIVIL DA EMPRESA DEMANDADA. AGRAVO INTERNO DO MPF PROVIDO PARA AFASTAR A INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ E ACOLHER SEU RECURSO ESPECIAL. 1. Trata-se, na origem, de ação civil pública movida pelo Parquet federal, objetivando coibir o tráfego de veículos de carga com excesso de peso nas rodovias federais, na qual se postula a responsabilização civil por danos materiais e morais coletivos decorrentes de repetidas condutas da empresa ré. 2. Sobre o tema, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido do cabimento da pretensão, desde que comprovados, no caso concreto, reiterado desrespeito às normas administrativas, notoriedade do dano material ao patrimônio público e configuração do nexo de causalidade entre a prática e a deterioração das rodovias. Também se entende possível a fixação de multa por novo desrespeito à norma administrativa (astreintes) e a condenação à indenização por dano moral coletivo, que, na hipótese, ocorre in re ipsa. Nesse sentido: REsp 1.574.350/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 3/10/2017, DJe 6/3/2019; REsp 1.581.580/SE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/8/2020, DJe 18/9/2020. 3. É fato incontroverso, nos presentes autos, que a empresa recorrida, no transporte rodoviário de suas mercadorias por vias federais, infringiu, em pelo menos 548 ocasiões, a regra proibitiva de tráfego com excesso de peso (art. 231, V, do Código de Trânsito), entre junho de 2007 e janeiro de 2010, em quadro revelador de sua recalcitrância e desapego ao bem público comum, contribuindo para a deterioração e consequente agravamento da segurança nas rodovias federais assim afetadas. Inegáveis, pois, tanto os danos materiais impostos à malha asfáltica quanto os danos morais impingidos à coletividade que se vale dessas mesmas rodovias, uma vez que motoristas e passageiros experimentam os dissabores e o desassossego de, a qualquer momento, deparar-se com graves defeitos na pista, boa parte deles ocasionada pelo excesso de peso de veículos de carga, expondo a todos e a cada um a constantes riscos de indesejáveis acidentes, com vítimas fatais ou não. 4. Agravo interno provido para, reformando a decisão singular agravada, afastar a incidência da Súmula 7/STJ, provendo-se, em desdobramento, o recurso especial do Ministério Público Federal, a fim de restaurar o acórdão regional que deu pela procedência da ação coletiva” (STJ, AgInt no AREsp 1429060/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020) (negritei). “RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ALEGAÇÃO DE PERDA DO OBJETO NÃO CONFIGURADA EM RAZÃO DE SUPOSTA ASSINATURA DO TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. INADMISSIBILIDADE DE JUNTADA DE PROVA JÁ EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL, BEM COMO DE EXAME DESTA, SOB PENA DE OFENSA À SÚMULA 7/STJ. SUGESTÃO DE LITISPENDÊNCIA QUE, NOS MOLDES EM QUE FORMULADA, DESAFIARIA O REVOLVIMENTO DO CONTEÚDO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. EXAME DE PREVENÇÃO QUE ESBARRA NA FALTA DE PREQUESTIONAMENTO E NO TEOR DA SÚMULA 235/STJ, DADA A IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO QUANDO UM DOS PROCESSOS JÁ FOI JULGADO. CONDIÇÕES DA AÇÃO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA ASSERÇÃO. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM NA COBRANÇA DA MULTA ADMINISTRATIVA. SANÇÃO QUE NÃO SE CONFUNDE COM A MULTA COMINATÓRIA DA LEI DA ACP OU COM AS ASTREINTES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL DA EMPRESA PARCIALMENTE CONHECIDO E,NESSA PARTE, DESPROVIDO. 1. Trata-se, na origem, de Ação Civil Pública objetivando a condenação da empresa recorrente em obrigação de não fazer, consistente em não trafegar com seus veículos com excesso de peso no trecho de rodovia que atravessa o Estado de Sergipe, bem como na condenação à indenização por danos materiais e morais. Na espécie, o Tribunal de origem manteve a condenação na obrigação de não fazer, com a imposição de multa em caso de descumprimento da determinação judicial. 2. De início, mostra-se incabível a alegação de superveniente perda de objeto da presente demanda, com fundamento na assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta-TAC, juntado somente nesta fase recursal. Diversamente do que aduz a empresa, a jurisprudência desta Corte Superior não admite, em sede de Recurso Especial, a juntada de documentos novos. Entendimento diverso resultaria em supressão de instância, na resolução de questões que muitas vezes não foram objeto de prequestionamento, bem como na análise de fatos e provas na via excepcional, medida vedada nesta Corte. 3. Ressalte-se que o acolhimento das alegações da parte recorrente, quanto à perda de objeto, demandaria não só a análise dos documentos apresentados, mas também de dilação probatória, com o respeito ao devido processo legal, para se averiguar não só a amplitude do TAC, como também o seu devido cumprimento. Observe-se, ainda, que a empresa apenas mencionada o TAC celebrado em abril de 2015, não apontando a data da assinatura do primeiro TAC, firmado em 2009, vale dizer, vários anos antes da propositura da própria Ação Civil Pública. 4. Quanto à alegação de litispendência, tendo o Tribunal de origem concluído pela inexistência de identidade da causa de pedir, a revisão deste entendimento, conforme sustentado pela parte recorrente, demandaria necessariamente o reexame do conjunto fático-probatório, medida vedada em sede de Apelo Nobre. 5. Inviável, igualmente, o reconhecimento da prevenção aventada. Com efeito, este tema não foi debatido pelo Tribunal de origem, e tampouco foram objeto de insurgência nos Embargos Declaratórios opostos. Assim, ante a ausência de prequestionamento, incide a Súmula 211/STJ. Vale lembrar que a reunião de ações conexas no juízo prevento tem por escopo, além de evitar decisões contraditórias, a economia e celeridade processual. Assim, ainda que superado o óbice da Súmula 211/STJ, incide, na hipótese dos autos, a Súmula 235/STJ, segundo a qual a conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado. 6. No mais, segundo entendimento desta Corte Superior, deve-se aplicar a teoria da asserção para se aferir a presença das condições da ação, vale dizer, a partir das afirmações deduzidas na inicial. Assim, tendo em vista a interposição da presente Ação Civil Pública objetivando a condenação da parte recorrente não só na obrigação de não fazer, como também de indenização por danos materiais e morais, verifica-se a presença, segundo a mencionada teoria, da necessidade, utilidade e adequação da presente demanda. Ressalte-se, diversamente do apontado pela parte recorrente, que a discussão não se limita à imposição de multa por trafegar com caminhão acima do peso. 7. No mérito, o descumprimento reiterado da vedação imposta pelo Código de Trânsito Brasileiro, com autuação da empresa por 13 vezes, decorrentes da mesma infração, ou seja, fazer seus veículos trafegaram com excesso de peso, revelou a necessidade de intervenção do Poder Judiciário. Conforme bem anotado pelo Tribunal de origem, a determinação judicial está direcionada a garantir a preservação do bem coletivo. 8. A imposição de sanção por infração à norma do Código de Trânsito Brasileiro, pela Autoridade de Trânsito, tem natureza administrativa, não se confundindo com a multa cominatória prevista nos artigos 11 da Lei da Ação Civil Pública e 461 do CPC/1973. A multa cominatória é um instrumento processual coercitivo para a efetivação da tutela jurisdicional. 9. Assim, não há que se falar em ofensa aos artigos do Código de Trânsito Brasileiro, não se confundindo as astreintes com a multa administrativa. Pela mesma razão, não há que se falar em bis in idem. 10. Vale lembrar que as esferas jurídicas são diversas, inexistindo, igualmente, ofensa ao devido processo administrativo, já que a multa administrativa continuará se sujeitando aos ditames do Código de Trânsito Brasileiro, com todas as garantias nele previstas. 11. Recurso Especial da Empresa parcialmente conhecido, para, nessa parte, negar-lhe provimento” (STJ, REsp 1581580/SE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/08/2020, DJe 18/09/2020) (negritei). “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOS DECORRENTES DE TRANSPORTE DE CARGAS COM EXCESSO DE PESO EM RODOVIAS FEDERAIS. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAL E MORAL COLETIVO. RISCO À VIDA EM SOCIEDADE. CUMULAÇÃO COM INFRAÇÃO PREVISTA NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ASTREINTE. POSSIBILIDADE. FATOS NOTÓRIOS. ART. 374, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. ACÓRDÃO DE ORIGEM EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. A partir de fiscalizações/abordagens realizadas pela Polícia Rodoviária Federal entre os anos de 2011 e 2012, no Posto da PRF de Porto Camargo, Município de Alto Paraíso/PR, foram identificadas 11 (onze) ocorrências de transporte com excesso de peso em veículos que deram saída dos estabelecimentos da demandada, somando mais de 20 mil quilos de sobrepeso. 2. Assim, foi ajuizada pelo Ministério Público Federal Ação Civil Pública objetivando: a) impedir (obrigação de não fazer), sob pena de multa civil (= astreinte), que veículos da transportadora recorrida, em total rebeldia contra o Código de Trânsito Brasileiro, trafeguem com excesso de peso nas rodovias, e b) condenar a empresa ao pagamento de danos material e moral coletivo, nos termos da Lei 7.347/1985. 3. Nota-se que o Tribunal de origem expressamente reconhece a ocorrência das infrações de tráfego com excesso de peso, tendo analisado inclusive as provas. Cita-se trecho do voto condutor (fl. 1.071): "O pedido foi embasado na existência de onze infrações cometidas por excesso de peso no período compreendido apenas entre 2011 e 2012, em face de fiscalizações realizadas pela Polícia Rodoviária Federal no Posto de Porto Camargo, fato que, no entender do parquet federal, leva, primeiro, à necessária determinação de que a empresa seja compelida à obrigação de não fazer". 4. Mesmo tendo fixado os fatos, o acórdão de origem entendeu ser impossível condenar a empresa recorrida a não trafegar com excesso de peso pelas estradas, haja vista já existir, no Código de Trânsito Brasileiro, penalidade administrativa para tal conduta, deixando ademais de reconhecer a ocorrência de danos materiais e morais coletivos. 5. Sustenta o MPF, como causa de pedir, que a parte requerida, ao trafegar com excesso de peso, causou danos ao patrimônio público, à ordem econômica e ao meio ambiente equilibrado, violando os direitos à vida, à integridade física, à saúde e à segurança pessoal e patrimonial dos cidadãos usuários das rodovias federais. CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA 6. É cabível Ação Civil Pública para combater o tráfego de veículos com sobrepeso nas rodovias. Não se pode restringir a defesa dos direitos difusos e coletivos, como entendeu o Tribunal a quo, pois a legislação de amparo dos direitos dos vulneráveis e a tutela coletiva hão de ser compreendidas de maneira que lhes seja mais efetiva. A esfera administrativa é apenas uma das searas; contudo, nem sempre é a mais eficaz e completa, sendo inafastável a apreciação do Judiciário, com a possível aplicação de obrigação de fazer, não fazer e indenizar. 7. Nesse contexto, não é crível a constatação do acórdão vergastado que, mesmo em face de 11 recalcitrâncias em excesso de peso pela demanda, afirma que "não permite vislumbrar a contumácia da demandada na prática de condutas contrárias à legislação quanto aos limites de peso" (fl. 1.074)! Assim, não é razoável que o Tribunal ignore os fatos e a teoria geral da ACP, alegando que não se pode impor a obrigação de não fazer, por se tratar de norma abstrata. REMÉDIOS JURÍDICOS PREVENTIVOS, REPARATÓRIOS E SANCIONATÓRIOS: CONSAGRADA DISTINÇÃO ENTRE ESFERAS ADMINISTRATIVA E JUDICIAL 8. Como explicitado pelos eminentes integrantes da Segunda Turma do STJ, por ocasião dos debates orais em sessão, a presente demanda cuida de problema "paradigmático", diante "da desproporcionalidade entre a sanção imposta e o benefício usufruído", pois "a empresa tolera a multa" administrativa, na medida em que "a infração vale a pena", estado de coisa que desrespeita o princípio que veda a "proteção deficiente", também no âmbito da "consequência do dano moral" (Ministro Og Fernandes). Observa-se nessa espécie de comportamento "à margem do CTB", e reiterado, "um investimento empresarial na antijuridicidade do ato, que, nesse caso, só pode ser reprimido por ação civil pública" (Ministro Mauro Campbell). A matéria posta perante o STJ, portanto, é da maior "importância" (Ministra Assusete Magalhães), tanto mais quando o quadro fático passa a nefasta ideia de que "compensa descumprir a lei e pagar um pouquinho mais", percepção a ser rejeitada "para que se saiba que o Brasil está mudando, inclusive nessa área" (Ministro Francisco Falcão). 9. Embora não seja esse o ponto central do presente litígio, nem ao leigo passará despercebido que se esvai de qualquer sentido ou valor prático, mas também moral, jurídico e político, a pena incapaz de desestimular a infração e dela retirar toda a possibilidade de lucratividade ou benefício. De igual jeito ocorre com a sanção que, de tão irrisória, passa a fazer parte do custo normal do negócio, transformando a ilegalidade em prática rotineira e hábito empresarial, em vez de desvio extravagante a disparar opróbio individual e reprovação social. Nessa linha de raciocínio, o nanismo e a leniência da pena, incluindo-se a judicial, que inviabilizem ou dilapidem a sua natureza e ratio de garantia da ordem jurídica, debocham do Estado de Direito, pervertem e desacreditam seu alicerce central, o festejado império da lei. A ganância das transportadoras, in casu, espelha e semeia uma cultura de licenciosidade infracional, dela se alimentando em círculo vicioso, algo que, por certo, precisa ensejar imediata e robusta repulsa judicial. DANO DIFUSO - OBRIGAÇÃO DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE INDENIZAR 10. A modalidade de dano tratada na presente demanda é tipicamente difusa, o que não quer dizer que inexistam prejuízos individuais e coletivos capazes de cobrança judicial pelos meios próprios. Como se sabe, a Lei 7.347/1985 traz lista meramente enumerativa de categorias de danos, exemplificada com a técnica de citação de domínios materiais do universo difuso e coletivo (meio ambiente; consumidor; patrimônio histórico-cultural; ordem econômica; honra e dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos; patrimônio público e social). O rol do art. 1° qualifica-se duplamente como numerus apertus em vez de numerus clausus. Primeiro, por impossibilidade jurídica absoluta de identificar e relacionar aquilo que, no mundo real da dignidade humana e dos valores fundamentais do ordenamento, encontra-se em permanente e compreensível estado de fluxo, mutação e atualização. Segundo, por explicitação direta efetuada pelo próprio legislador: "qualquer outro interesse difuso ou coletivo", expressão introduzida na Lei 7.347/1985 (o atual inciso IV do art. 1°) pelo Código de Defesa do Consumidor, a partir da posição, nesse ponto, dos Professores Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe. 11. O STJ, nas demandas coletivas, admite, sim, a condenação, simultânea e agregadamente, em obrigação de fazer, de não fazer e de indenizar: uma típica obrigação cumulativa ou conjuntiva. Citam-se precedentes: AgInt no REsp 1.542.901/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 16/10/2019; REsp 1.328.753/MG, Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 3/2/2015; AgInt no AREsp 1.161.016/RS, Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 21/5/2018; AgInt no REsp 1.703.367/SC, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 6/12/2019; AgInt no REsp 1.712.940/PE, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 9/9/2019; AgInt no REsp 1.766.544/SC, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 9/10/2019; EREsp 1.410.698/MG, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, DJe 3/12/2018; AgInt no REsp 1.702.981/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 15/3/2019. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ - FATO NOTÓRIO - QUESTÃO JURÍDICA E NÃO FÁTICA 12. Na hipótese dos autos, indisputáveis os danos materiais, assim como o nexo de causalidade. Sem dúvida, o transporte com excesso de carga nos caminhões da demandada causa dano material e extrapatrimonial in re ipsa ao patrimônio público (consubstanciado, nesta demanda, em deterioração de rodovia federal), ao meio ambiente (traduzido em maior poluição do ar e gastos prematuros com novos materiais e serviços para a reconstrução do pavimento), à saúde e segurança das pessoas (aumento do risco de acidentes, com feridos e mortos) e à ordem econômica. 13. Assim, desnecessário exigir perícias pontuais para cada caminhão que venha a trafegar com excesso de peso, com o desiderato de verificar a quantidade de avaria causada, pois a própria Lei 9.503/1997 e a Resolução CONTRAN 258, de 30 de novembro de 2007, com amparo em conhecimento técnico altamente especializado sobre danos às rodovias, estabeleceram limite de peso de mercadorias que podem ser transportados e a consequente responsabilização em caso de ultrapassar esse quantum, gerando multa pecuniária. 14. A confessada inobservância da norma legal pela empresa recorrida autoriza - ou melhor, exige - a pronta atuação do Poder Judiciário, com o fito de inibir o prosseguimento dessas práticas nefastas, em que as sanções administrativas não se revelaram capazes de coibir ou minimizar a perpetração de infrações ao Código de Trânsito Brasileiro. 15. Consequência direta do tráfego de veículos com excesso de peso, o dano material ao patrimônio público, associado à redução da longevidade do piso asfáltico rodoviário, independe, pela sua notoriedade, de provas outras, à luz do que dispõe o art. 334, inciso I, do CPC. Impossível, por outro lado, negar a existência do nexo de causalidade entre o transporte com excesso de carga e a deterioração das rodovias decorrente de tal prática. 16. O transporte de cargas nas rodovias não é livre: submete-se a padrões previamente assentados pelo Estado por meio de normas legais e administrativas. Logo, não há direito a efetuá-lo ao talante ou conveniência do transportador, mas apenas dentro dos critérios de regência, entre eles aqueles que dispõem sobre o peso máximo para a circulação dos veículos. O comando de limite do peso vem prescrito não por extravagância ou experimento de futilidade do legislador e do administrador, mas justamente porque o sobrepeso causa danos ao patrimônio público e pode acarretar ou agravar acidentes com vítimas. Portanto, inafastável, já que gritante, a relação entre a conduta do agente e o dano patrimonial imputado. 17. Dessa forma, volvendo ao caso concreto, caracterizado o agir ilícito (tráfego de veículos com excesso de peso) e a vinculação normal, lógica e razoável entre o tipo de comportamento e o dano imputado, deve a empresa responder pelos prejuízos causados, os quais derivam do próprio fato ofensivo. Segundo as regras da experiência comum, é desnecessária a comprovação pericial pela vítima. 18. É fato notório (art. 374, I, do CPC) que o tráfego de veículos com excesso de peso provoca sérios danos materiais às vias públicas, ocasionando definhamento da durabilidade e da vida útil da camada que reveste e dá estrutura ao pavimento e ao acostamento, o que resulta em buracos, fissuras, lombadas e depressões, imperfeições no escoamento da água, tudo a ampliar custos de manutenção e de recuperação, consumindo preciosos e escassos recursos públicos. Ademais, acelera a depreciação dos veículos que utilizam a malha viária, impactando, em particular, nas condições e desempenho do sistema de frenagem da frota do embarcador/expedidor. Mais inquietante, afeta as condições gerais de segurança das vias e estradas, o que aumenta o número de acidentes, inclusive fatais. Em consequência, provoca dano moral coletivo consistente no agravamento dos riscos à saúde e à segurança de todos, prejuízo esse atrelado igualmente à redução dos níveis de fluidez do tráfego e de conforto dos usuários. Assim, reconhecidos os danos materiais e morais coletivos (an debeatur), verifica-se a imprescindibilidade de devolução do feito ao juízo de origem para mensuração do quantum debeatur. 19. Estando delineado o contexto fático pelos examinadores de origem, não há falar em reexame de matéria fática, mas em revaloração jurídica, o que não atrai o óbice da Súmula 7/STJ. ACÓRDÃO DE ORIGEM EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 20. No mesmo sentido do presente entendimento, citam-se acórdãos recém-publicados do STJ, em casos idênticos: REsp 1.637.910/RN, Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 9/9/2019; AgInt no REsp 1.701.573/PE, Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 2/9/2019; AgInt no AREsp 1.139.030/DF, Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 4/9/2019; AgInt no AREsp 1.137.714/MG, Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 14/6/2019; REsp 1.574.350/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 3/10/2017, DJe 6/3/2019; AgInt no REsp 1.712.940/PE, Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 9/9/2019; EDcl no AgInt no AREsp 1.251.059/DF, Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 22/10/2019. RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS PATRIMONIAIS, MORAIS COLETIVOS E ASTREINTES 21. Desse modo, fica deferido o pleito indenizatório por dano material formulado sob essa rubrica, em quantum a ser fixado pelo Tribunal de origem, observados parâmetros objetivos para essa finalidade. Por fim, confirma-se a existência do dano moral coletivo em razão de ofensa a direitos coletivos ou difusos de caráter extrapatrimonial - consumidor, ambiental, ordem urbanística, entre outros -, podendo-se afirmar que o caso em comento é de dano moral in re ipsa, ou seja, deriva do fato por si só. 22. Assim, reconhecidos os danos materiais e morais coletivos (an debeatur), verifica-se a necessidade de devolução do feito ao juízo de origem para mensuração do quantum debeatur. Nesse contexto, tendo em vista que a reprimenda civil deve ser suficiente para desestimular a conduta indesejada, fixo a multa no valor requerido pelo MPF. A propósito, no mesmo sentido, acórdão recém-publicado pela Segunda Turma do STJ: REsp 1.574.350/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 6/3/2019. CONCLUSÃO 23. Recurso Especial provido para deferir o pleito de tutela inibitória (infrações futuras), conforme os termos e patamares requeridos pelo Ministério Público Federal na petição inicial, devolvendo-se o feito ao juízo a quo a fim de que proceda à fixação dos valores dos danos materiais e morais coletivos e difusos” (STJ, REsp 1642723/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/12/2019, DJe 25/05/2020) (negritei). “ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ABSTENÇÃO DE TRAFEGO COM EXCESSO DE PESO EM RODOVIAS FEDERAIS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAL E MORAL COLETIVO. ATENDIDOS OS PEDIDOS DA INICIAL. NÃO CONHECIMENTO DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL QUE NÃO ATACA OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA. CONHECIMENTO DO RECURSO. CABIMENTO DAS RESPECTIVAS INDENIZAÇÕES. PRECEDENTES. I - Na origem, trata-se de ação civil pública em que o Ministério Público Federal, em ação civil pública pretende que a empresa ora agravada se abstenha de trafegar com veículos com excesso de peso em qualquer rodovia federal, bem como a condenação ao pagamento de indenização por dano material e dano moral coletivo. II - Na sentença julgaram-se improcedentes os pedidos. No Tribunal a quo a sentença foi reformada, atendendo aos pedidos da inicial, condenando os réus em indenizações por danos material e moral coletivo, bem como a se absterem de trafegar nas rodovias com excesso de carga, sob pena de multa. III - Inadmitiu-se o recurso especial com base no óbice referente à incidência da Súmula n. 7/STJ. De fato, a parte agravante impugnou de forma suficiente o referido óbice. Conhecido o agravo em recurso especial para análise do recurso especial. IV - Relativamente à matéria de fundo, esta Corte tem entendimento firmado no sentido de que é possível a responsabilização em decorrência do tráfego de caminhões em rodovia com excesso de carga. Vale citar o entendimento firmado, recentemente, no julgamento do REsp n. 1.574.350/SC, de relatoria do Exmo. Ministro Herman Benjamin na Segunda Turma sobre a matéria em debate. Naquela ocasião, o colegiado, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial do Ministério Público Federal. V - Segundo entendimento desta Corte as penalidades previstas no Código de Trânsito Brasileiro têm natureza administrativa. O que é diferente de afirmar que os direitos nele previstos condicionam e limitam a sua implementação exclusivamente ao agir do administrador, pois, como se sabe, a nossa legislação consagra o princípio da independência entre as instâncias civil, penal e administrativa. VI - Saliente-se que a penalidade administrativa por infração à norma do art. 231, V, da Lei n. 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro) não guarda identidade com a "tutela inibitória" veiculada em ação civil pública, em que se busca a cessação de flagrante e contumaz recalcitrância do réu em observar as exigências legais, fazendo-o por meio de multa pecuniária que incidirá em caso de eventual descumprimento da ordem judicial. Além disso, em nada diverso do usual no regime de responsabilidade civil, impõe-se pagamento de competente indenização por danos materiais e morais coletivos causados. Não há falar, pois, em bis in idem em relação aos múltiplos remédios concomitantes, complementares e convergentes do ordenamento jurídico contra violação de suas normas. VII - A existência de penalidade ou outra medida administrativa in abstracto (para o futuro) ou in concreto (já infligida), como resposta a determinada conduta ilegal, não exclui a possibilidade e a necessidade de providência judicial, nela contida a de índole cautelar ou inibitória, com o intuito de proteger os mesmos direitos e deveres garantidos, em tese, pelo poder de polícia da administração, seja com cumprimento forçado de obrigação de fazer ou de não fazer, seja com determinação de restaurar e indenizar eventuais danos materiais e morais causados ao indivíduo, à coletividade, às gerações futuras e a bens estatais. No Brasil, a regra geral é que o comportamento anterior - real ou hipotético - do administrador não condiciona, nem escraviza, o desempenho da jurisdição, já que a intervenção do juiz legitima-se tanto para impugnar, censurar e invalidar decisão administrativa proferida, como para impor ex novo aquela que deveria ter ocorrido, no caso de omissão, e, noutra perspectiva, para substituir a incompleta ou a deficiente, de maneira a inteirá-la ou aperfeiçoá-la. VIII - Independentes entre si, "multa civil" (astreinte), frequentemente utilizada como reforço de autoridade "da" e "na" prestação jurisdicional, não se confunde com "multa administrativa". Tampouco caracteriza sanção judicial "adicional" ou "sobreposta" à aplicável pelo Estado-Administrador com base no seu poder de polícia. Além disso, a multa administrativa, como pena, destina-se a castigar fatos ilícitos pretéritos, enquanto a multa civil imposta pelo magistrado projeta-se, em um de seus matizes, para o futuro, de modo a assegurar a coercitividade e o cumprimento de obrigações de fazer e de não fazer, dar e pagar, legal ou judicialmente estabelecidas. IX - A sanção administrativa não esgota, nem poderia esgotar, o rol de respostas persuasivas, dissuasórias e punitivas do ordenamento no seu esforço - típico desafio de sobrevivência - de prevenir, reparar e reprimir infrações. Assim, a admissibilidade de "cumulação" de multa administrativa e de multa civil integra o próprio tecido jurídico do Estado Social de Direito brasileiro, inseparável de um dos seus atributos básicos, o "imperativo categórico e absoluto de eficácia de direitos e deveres". X - Como explicitado pelos eminentes integrantes da Segunda Turma do STJ, por ocasião dos debates orais em sessão, a presente demanda cuida de problema "paradigmático", diante "da desproporcionalidade entre a sanção imposta e o benefício usufruído", pois "a empresa tolera a multa administrativa", na medida em que "a infração vale a pena", estado de coisa que desrespeita o princípio que veda a "proteção deficiente", também no âmbito da "consequência do dano moral" (Ministro Og Fernandes). Observa-se, nessa espécie de comportamento "à margem do CTB", e reiterado, "um investimento empresarial na antijuridicidade do ato, que, nesse caso, só pode ser reprimido por ação civil pública" (Ministro Mauro Campbell). A matéria posta perante o STJ, portanto, é da maior "importância" (Ministra Assusete Magalhães), tanto mais quando o quadro fático passa a nefasta ideia de que "compensa descumprir a lei e pagar um pouquinho mais", percepção a ser rejeitada "para que se saiba que o Brasil está mudando, inclusive nessa área" (Ministro Francisco Falcão). XI - A modalidade de dano tratada na presente demanda é tipicamente "difusa", o que não quer dizer que inexistam prejuízos individuais e coletivos capazes de cobrança judicial pelos meios próprios. Como se sabe, a Lei n. 7.347/85 traz lista "meramente enumerativa" de categorias de danos, exemplificada com a técnica de citação de "domínios materiais do universo difuso e coletivo" (meio ambiente; consumidor; patrimônio histórico-cultural; ordem econômica; honra e dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos; patrimônio público e social). XII - Embora o art. 3º da Lei n. 7.347/1985 disponha que "a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer" (grifei), é certo que a conjunção "ou" contida na citada norma (assim como nos arts. 4º, VII, e 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981) opera com "valor aditivo", não introduz alternativa excludente. Vedar a cumulação desses remédios limitaria, de forma indesejada, a ação civil pública, instrumento de persecução da responsabilidade civil de danos causados, por exemplo, inviabilizando a condenação em dano moral coletivo. XIII - A confessada inobservância da norma legal pela empresa recorrida autoriza - ou melhor - exige a pronta atuação do Poder Judiciário, com o fito de inibir o prosseguimento dessas práticas nefastas, em que as sanções administrativas, reiteradamente aplicadas no decorrer de 10 anos, não se revelaram capazes de coibir ou minimizar a perpetração de infrações ao Código de Trânsito Brasileiro. XIV - Consequência direta do tráfego de veículos com excesso de peso, o dano material ao patrimônio público, associado à redução da longevidade do piso asfáltico rodoviário, independe, pela sua "notoriedade, de provas outras", à luz do que dispõe o art. 334, I, do CPC. XV - Impossível, por outro lado, negar o nexo de causalidade entre o transporte com excesso de carga e a deterioração das rodovias decorrente de tal prática. O caráter incontroverso dos fatos ilícitos foi indicado na petição inicial, mas desconsiderado pela Corte de origem em descompasso com a jurisprudência desta Corte: "em 18/03/2010 foi abordado o veículo MERCEDES BENZ L1620, placa DAJ-7504, trafegando na BR 365, Km 413 (Trecho Patos de Minas/Patrocínio), neste Município de Patos de Minas/MG, com excesso de 1.710 Kg no Peso Bruto Total - PBT, tendo sido lavrado o Boletim de Ocorrência n. 180320101702 e o Auto de Infração B10.933-1". XVI - O transporte de cargas nas rodovias não é livre: submete-se a padrões previamente assentados pelo Estado por meio de normas legais e administrativas. Logo, não há direito a efetuá-lo ao talante ou conveniência do transportador, mas apenas dentro dos critérios de regência, entre eles aqueles que dispõem sobre o peso máximo para a circulação dos veículos. O comando de limite do peso vem prescrito não por extravagância ou experimento de futilidade do legislador e do administrador, mas justamente porque o sobrepeso causa danos ao patrimônio público e pode acarretar ou agravar acidentes com vítimas. Portanto, inafastável, já que gritante, a relação entre a conduta do agente e o dano patrimonial imputado. XVII - Confirma-se a existência do "dano moral coletivo" em razão de ofensa a direitos coletivos ou difusos de caráter extrapatrimonial - consumidor, ambiental, ordem urbanística, entre outros -, podendo-se afirmar que o caso em comento é de dano moral in re ipsa, ou seja, deriva do fato por si só. XVIII - O dano moral coletivo, compreendido como o resultado de lesão à esfera extrapatrimonial de determinada comunidade, dá-se quando a conduta agride, de modo ilegal ou intolerável, os valores normativos fundamentais da sociedade em si considerada, a provocar repulsa e indignação na consciência coletiva (arts. 1º da Lei n. 7.347/1985, 6º, VI, do CDC e 944 do CC, bem como Enunciado n. 456 da V Jornada de Direito Civil). XIX - Entenda-se o dano moral coletivo como o de natureza transindividual que atinge classe específica ou não de pessoas. É passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem, a sentimento e à moral coletiva dos indivíduos como síntese das individualidades envolvidas, a partir de uma mesma relação jurídica-base. "O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos" (REsp n. 1.410.698/MG, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 30/6/2015). XX - O dano moral extrapatrimonial atinge direitos de personalidade do grupo ou coletividade como realidade massificada, que a cada dia reclama mais soluções jurídicas para sua proteção. Isso não importa exigir da coletividade "dor, repulsa, indignação tal qual fosse um indivíduo isolado, pois a avaliação que se faz é simplesmente objetiva, e não personalizada, tal qual no manuseio judicial da boa-fé objetiva. Na noção inclui-se tanto o dano moral coletivo indivisível (por ofensa a interesses difusos e coletivos de uma comunidade) como o divisível (por afronta a interesses individuais homogêneos)" (REsp n. 1.574.350/SC, Rel. Ministro herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 3/10/2017, DJe 6/3/2019). Nesse sentido também o precedente desta Segunda Turma: REsp n. 1.057.274, Segunda Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, Dje 26/2/2010. XXI - Dessa forma, volvendo ao caso concreto, caracterizado o agir ilícito (tráfego de veículos com excesso de peso) e a vinculação normal, lógica e razoável entre o tipo de comportamento e o dano imputado, deve a empresa responder pelos prejuízos causados, os quais "derivam do próprio fato ofensivo". Segundo as regras da experiência comum, é desnecessária a comprovação pericial pela vítima. XXII - É "fato notório" (art. 374, I, do CPC) que o tráfego de veículos com excesso de peso provoca sérios "danos materiais" às vias públicas, ocasionando definhamento da durabilidade e da vida útil da camada que reveste e dá estrutura ao pavimento e ao acostamento , o que resulta em buracos, fissuras, lombadas e depressões, imperfeições no escoamento da água, tudo a ampliar custos de manutenção e de recuperação, consumindo preciosos e escassos recursos públicos. Ademais, acelera a depreciação dos veículos que utilizam a malha viária, impactando, em particular, nas condições e desempenho do sistema de frenagem da frota do embarcador/expedidor. Mais inquietante, afeta as condições gerais de segurança das vias e estradas, o que aumenta o número de acidentes, inclusive fatais. Em consequência, provoca "dano moral coletivo" consistente no agravamento dos riscos à saúde e à segurança de todos, prejuízo esse atrelado igualmente à redução dos níveis de fluidez do tráfego e de conforto dos usuários. XXIII - Em caso análogo a este, a Segunda Turma já decidiu no sentido da existência dos danos e no dever de indenizar. (REsp n. 1.574.350/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 3/10/2017, DJe 6/3/2019. Recentemente, também esta mesma Segunda Turma, à unanimidade, afastou a incidência de óbices ao conhecimento do recurso e deu provimento ao recurso especial do Ministério Público Federal relativamente a mesma questão jurídica posta nestes autos: AgInt no AREsp 1137714/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/06/2019, DJe 14/06/2019. XXIV - O entendimento perfilhado pelo acórdão recorrido encontra sintonia com a jurisprudência da Corte acerca do tema controvertio. XXV - Agravo interno provido, para conhecer do agravo e negar provimento ao recurso especial” (SJ, AgInt no AREsp 1517245/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/11/2019, DJe 19/12/2019) (negritei). 12. Tendo em vista que o C. Superior Tribunal de Justiça tem por missão constitucional uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação federal e que os “tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente” (art. 926 do CPC/2015), proponho uma revisão do entendimento sobre a matéria, a fim de se acompanhar a evolução jurisprudencial, ressalvando que a tema é alvo de divergência. 13. Assim, merece reforma a sentença recorrida, uma vez que a pretensão autoral não objetiva a cobrança, expedição ou fiscalização de multas administrativas previstas no Código de Trânsito Brasileiro. 14. Na realidade, o Ministério Público Federal visa à tutela de direitos e interesses difusos e coletivos por meio de ação civil pública, a exemplo do direito ao trânsito seguro e da proteção ao patrimônio público, tal como previsto no art. 129, III, da Constituição da República, veiculando pedidos de obrigações de não fazer e de pagar de natureza civil, não havendo que se falar em ausência de interesse de agir. 15. Estabelecidas estas premissas, assiste razão ao apelo, devendo ser desconstituída a sentença, com o retorno dos autos à origem para regular processamento do feito. 16. Consigne-se que o art. 1.013, § 3º, I, do CPC/2015, ao disciplinar a chamada “teoria da causa madura”, prevê expressamente que, se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando, reformar sentença fundada no art. 485 do CPC/2015 (sem revolver o mérito). 17. Contudo, entendo que a hipótese não é cabível ao caso em tela, uma vez que existe controvérsia fática e não houve dilação probatória, uma vez que o juízo recorrido promoveu o indeferimento da petição inicial. 18. Com efeito, o MPF requereu a intimação da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo a fim de exigir a apresentação de cópia de todas as notas fiscais de saída emitidas pela ré desde 2009, tendo em vista a não obtenção de tais documentos de forma extrajudicial (fls. 428/429). 19. A providência probatória não foi apreciada pelo juízo de primeiro grau e, a princípio, mostra-se relevante para o deslinde do feito, uma vez que o MPF objetiva providenciar relatório técnico a respeito de possíveis excessos de peso no trânsito de cargas praticados pela empresa, a ser elaborado pela Polícia Rodoviária Federal (fl. 269). 20. Logo, os presentes autos não se encontram suficientemente instruídos para o deslinde da questão. Pelo exposto, dou provimento ao apelo do MPF, para desconstituir a sentença, com o retorno dos autos à origem para processamento do feito. É como voto. Juiz Federal RAFAEL PAULO SOARES PINTO Relator Convocado PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001305-03.2014.4.01.3803 Processo Referência: 0001305-03.2014.4.01.3803 APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA) APELADO: DOW AGROSCIENCES SEMENTES & BIOTECNOLOGIA BRASIL LTDA EMENTA ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRANSPORTADORA. EXCESSO DE PESO. RODOVIA FEDERAL. PRELIMINAR. INTERESSE DE AGIR. REJEITADA. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. DANOS MATERIAIS. DANO MORAL COLETIVO. IN RE IPSA. POSSIBILIDADE. TEORIA CAUSA MADURA. INAPLICABILIDADE NO CASO CONCRETO. SENTENÇA REFORMADA. 1. Foram ajuizadas, por todo o país, diversas ações civis públicas com o objetivo de coibir o tráfego de veículos de carga com excesso de peso nas rodovias federais, cujos pedidos, em regra, consistem na abstenção de trafegar fora dos limites estabelecidos no Código de Trânsito Nacional, com a imposição de astreintes pelo descumprimento, condenação ao ressarcimento dos danos materiais causados pela conduta, e condenação ao pagamento de indenização por danos morais coletivos. 2. A Terceira Seção deste Tribunal, no julgamento dos Embargos Infringentes nº 4765-28.2010.4.01.3806, firmou orientação no sentido de não ser possível ao Poder Judiciário adentrar em matéria de competência do legislativo e por ele já prevista – impossibilidade de transitar, em rodovias federais, com excesso de peso. Precedentes. 3. Não obstante, os precedentes atuais da Primeira e da Segunda Turmas do E. Superior Tribunal de Justiça vão de encontro ao entendimento mencionado, reconhecendo de forma expressa não só a possibilidade de fixação de multa por novo desrespeito à norma administrativa (astreintes) sem configuração de bis in idem, como também a viabilidade de condenação ao ressarcimento dos danos materiais impostos à malha asfáltica com base em critérios objetivos e de condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, o qual é presumido (in re ipsa), a depender das provas dos autos e das circunstâncias fáticas do caso. Precedentes. 4. Tendo em vista que o E. Superior Tribunal de Justiça tem por missão constitucional uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação federal e que os “tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente” (art. 926 do CPC/2015), propõe-se uma revisão do entendimento sobre a matéria no âmbito do E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, a fim de se acompanhar a evolução jurisprudencial, ressalvando que o tema é alvo de divergência. 5. A pretensão autoral não objetiva a cobrança, expedição ou fiscalização de multas administrativas previstas no Código de Trânsito Brasileiro. Na realidade, o Ministério Público Federal visa à tutela de direitos e interesses difusos e coletivos por meio de ação civil pública, a exemplo do direito ao trânsito seguro e da proteção ao patrimônio público, tal como previsto no art. 129, III, da Constituição da República, veiculando pedidos de obrigações de não fazer e de pagar de natureza civil, não havendo que se falar em ausência de interesse de agir. Preliminar rejeitada. 6. A teoria da causa madura (art. 1.013, § 3º, do CPC/2015) não é cabível ao caso em tela, uma vez que existe controvérsia fática e não houve dilação probatória. Com efeito, o MPF requereu a intimação da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo a fim de exigir a apresentação de cópia de todas as notas fiscais de saída emitidas pela ré desde 2009, tendo em vista a não obtenção de tais documentos de forma extrajudicial. A providência probatória não foi apreciada pelo juízo de primeiro grau e, a princípio, mostra-se relevante para o deslinde do feito, uma vez que o MPF objetiva providenciar relatório técnico a respeito de possíveis excessos de peso no trânsito de cargas praticados pela empresa, a ser elaborado pela Polícia Rodoviária Federal. 7. Recurso de apelação do MPF a que se dá provimento, com desconstituição da sentença e retorno dos autos à origem. ACÓRDÃO Decide a Sexta Turma Ampliada, à unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator. Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas. Juiz Federal RAFAEL PAULO SOARES PINTO Relator Convocado
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