Processo nº 0850473-37.2024.8.15.2001
ID: 312408689
Tribunal: TJPB
Órgão: 2ª Vara Regional Cível de Mangabeira
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0850473-37.2024.8.15.2001
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DA PARAÍBA PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE JOÃO PESSOA 2ª VARA REGIONAL CÍVEL DE MANGABEIRA s e n t e n ç a PROCESSO N.º 0850473-37.2024.8.15.2001 CLASSE JUDICIAL: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUT…
ESTADO DA PARAÍBA PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE JOÃO PESSOA 2ª VARA REGIONAL CÍVEL DE MANGABEIRA s e n t e n ç a PROCESSO N.º 0850473-37.2024.8.15.2001 CLASSE JUDICIAL: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: A. G. D. S. RÉUS: ITAÚ UNIBANCO S.A, B. B., BANCO BMG S/A AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS (SUPERENDIVIDAMENTO). INAPLICABILIDADE DA LEI ALUDIDA. DECRETO N.º 11.150/2022, QUE REGULAMENTA A LEI N.º 14.181/2021, EXCLUI DO PROCESSO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS AQUELAS DECORRENTES DE OPERAÇÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO REGIDO POR LEI ESPECÍFICA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 4º, I, "H". CARTÕES DE CRÉDITO QUE NÃO DEVEM SER ABARCADOS PELA LEGISLAÇÃO REGENTE. MÍNIMO EXISTENCIAL FIXADO EM LEI (R$ 600,00) NÃO COMPROMETIDO. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS AUTORAIS. Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DE REPACTUAÇÃO JUDICIAL DE DÍVIDAS COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA ajuizada por A. G. D. S. em face de BANCO ITAÚ UNIBANCO S/A, B. B. S/A, BANCO BMG S/A, todos devidamente qualificados nos autos. Narra a inicial, em síntese, que o autor é aposentado pelo INSS, com renda mensal de R$ 3.186,37. E, em decorrência de uma série de intercorrências de sua vida, há alguns anos, necessitou contrair alguns empréstimos junto aos bancos Itaú, Bradesco E BMG, e cartões de crédito do Banco BMG, o que intensificou ainda mais a situação de superendividamento. Informa que no dia 22 de novembro de 2023, o consumidor procurou o órgão de proteção ao consumidor (Procon Estadual), para informar que possuía uma grande quantidade de dívidas e que tal situação estava comprometendo sua subsistência, tendo sido elaborada uma planilhada e sido estabelecido que o mínimo existencial do autor é de 60% sobre o salário bruto, ou seja, o valor de R$ 1.911,82. Assevera que o autor não consegue mais realizar o pagamento mensal de suas dívidas, necessitando da intervenção do judiciário. Pelas razões expostas, ajuizou esta demanda para requerer, liminarmente, as requeridas limite dos valores a serem descontados no contracheque ou conta bancária da parte autora indicados no plano de repactuação, conforme planilha anexa, garantindo-se o mínimo existencial da parte autora no valor de R$ 1.911,82, sob pena de multa; subsidiariamente, suspensão, pelo prazo de 180 dias, de todos os débitos relativos aos contratos indigitados. No mérito, requer a ratificação da tutela com a repactuação dos contratos indigitados, por meio do plano judicial compulsório, garantindo-se o mínimo existencial da parte autora, de modo que todos os débitos dos empréstimos mencionados nesta exordial sejam integralmente quitados, conforme plano e relatório de negociação, além da condenação, solidária, das instituições financeiras a reparação civil dos danos morais ocasionados à parte autora, no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) nos termos da argumentação tecida e da previsão do parágrafo único do art. 54-D do C.D.C. Acostou vasta documentação, dentre elas, todos os contratos. O processo veio redistribuído para esta Vara com fulcro na Resolução n. 55/2012 do TJ/PB. Gratuidade judiciária deferida ao autor e tutela indeferida (ID: 99760866). Audiência realizada, com tentativa de conciliação infutífera (ID: 103622769). Em contestação, o ITAÚ UNIBANCO S.A., em preliminar, requereu a extinção da processo em razão da inadequação de via eleita. No mérito, reconhece que há três empréstimos consignados contratados pelo demandante e que não foram os requisitos e observados o procedimento especial Lei 14.181/21. Assevera que é impossível limitar os descontos, pois os contratos foram firmados livremente pelo autor e preenchem os requisitos legais. Defende que não praticou nenhum ilícito a ensejar qualquer tipo de indenização. Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos autorais. Acostou documentos. Em contestação, o B. B. S/A, levantou, em preliminar, a falta de interesse de agir e impugnou a gratuidade concedida ao autor. No mérito, defende a regularidade da contratação e legalidade de todas as cláusulas. Assevera que a contratação foi feita livremente pelo autor. Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos. Intimada, a parte autora não impugnou as contestações. Instados a se manifestarem sobre a produção de provas, o Itaú, o B. B. e o autor pugnaram pelo julgamento antecipado da lide, informando não ter mais provas a produzir. O terceiro demandado, BANCO BMG S/A não apresentou contestação. É o relatório. DECIDO. I – DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE Não tendo as partes manifestado interesse na produção de outras provas e sendo suficientes as que constam nos autos, passo ao julgamento do mérito. Ressalto, ainda, que a revelia não induz a procedência dos pedidos, pois é relativa e deve ser analisada de acordo com o caderno processual. Fica decreta a revelia do terceiro demandado. II - DAS PRELIMINARES II.1 - Da impugnação à gratuidade judiciária Os artigos 98 e seguintes do C.P.C. regulamentam o direito da parte à benesse legal. No caso em análise, a parte promovida não apresentou nenhuma prova cabal de que o autor tenha recursos para pagar custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Apenas alega, de forma aleatória e inconsistente, a ausência de hipossuficiência financeira, sem, contudo, demonstrar essa argumentação através de documentos hábeis. O entendimento jurisprudencial não é outro. Vejamos: “Para que a parte obtenha o benefício da assistência judiciária, basta a simples afirmação de sua pobreza, até prova em contrário” (RSTJ – 7/414 – citação de Theotônio Negrão, em sua obra Código de Processo Civil, 28 [ed., pág. 776). Dessa forma, não tendo sido colacionados aos autos quaisquer outros elementos que não os já vistos quando do ingresso em Juízo, inexiste razão para mudança de posicionamento, e, portanto, afasto a questão levantada, mantendo os benefícios da gratuidade judiciária concedido ao autor. I.2 - Da ausência de interesse de agir A parte ré sustenta que careceria a parte autora de interesse processual, uma vez que não houve demonstração da necessidade de ajuizamento da presente demanda, nem tentativa se solucionar o imbróglio extrajudicialmente. O art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988, consagrou o Princípio do Acesso à Justiça ao estabelecer que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. De igual modo, a lei processual estabelece, em seu art. 3º, caput, que não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. Assim, tendo em vista a alegação de lesão a um direito, não há como se entender pela ausência de interesse processual/carência de ação na propositura da presente demanda. Logo, afasto a preliminar arguida. I.3 - Da via inadequada Não há que se falar em via inadequada, pois a inicial preencheu os requisitos legais, permitindo a contestação de forma satisfatória e o processo devidamente instruído. Outrossim, deve prevalecer o princípio da primazia do julgamento do mérito. Assim, afasto a preliminar. II – DO MÉRITO A lide é de fácil deslinde e consiste em reconhecer a ocorrência de superendividamento da parte autora. Trata-se de ação de repactuação de dívidas prevista pela Lei nº 14.181/21 (Lei do Superendividamento). A partir da simples leitura dos autos, verifico que o autor possui vários empréstimos consignados e de cartão consignado, firmado com os bancos promovidos que, por sua vez, são objetos da presente lide – ver contratos que instruem a inicial Ocorre, todavia, que o Decreto n.º 11.150/2022 exclui do processo de repactuação de dívidas aquelas decorrentes de operação de crédito consignado regido por lei específica, como é o caso em apreço (art. 4º, I, “h”). Veja-se: Art. 4º. Não serão computados na aferição da preservação e do não comprometimento do mínimo existencial as dívidas e os limites de créditos não afetos ao consumo. Parágrafo único. Excluem-se ainda da aferição da preservação e do não comprometimento do mínimo existencial: I - as parcelas das dívidas: [...] h) decorrentes de operação de crédito consignado regido por lei específica; Ademais, o decreto disciplina que a violação do mínimo existencial é aquilo que alcança o limite de R$ 600,00 disponíveis para fazer frente as despesas básicas do consumidor. Note-se: Art. 3º. No âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a R$ 600,00 (seiscentos reais). (Redação dada pelo Decreto nº 11.567, de 2023). § 1º A apuração da preservação ou do não comprometimento do mínimo existencial de que trata o caput será realizada considerando a base mensal, por meio da contraposição entre a renda total mensal do consumidor e as parcelas das suas dívidas vencidas e a vencer no mesmo mês. Como bem explanado na inicial e de acordo com a planilha elaborada pelo PROCON, como narrado na exordial, a renda líquida mensal do autor é de R$ 3.186,37, sendo então, forçoso convir que o requerente não está tendo o mínimo existencial de R$ 600,00 violado, a ensejar o processamento da demanda, pois sua renda excede o patamar definido para a preservação do mínimo existencial. Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL Nº 0864981-22.2023.8 .15.2001. - Origem: 2ª Vara Regional Cível de Mangabeira - Relator.: Des . João Batista Vasconcelos - Juiz Convocado. Apelante: Maria de Fatima Gomes Monteiro. Advogado: Francisco Mateus Pereira Rolim (OAB/PB 22317-A). Apelados: Banco Maxima S .A., B. B. S.A., Capital Consig Sociedade De Credito Direto S .A. Advogados: Michelle Santos Allan de Oliveira (OAB/BA43804), Glauber Paschoal Peixoto Santana (OAB/PB 29307-A), Carlos Augusto Monteiro Nascimento Advogado (OAB/PB 28491-A),Júlia Marjorie Lima França Advogada (OAB/SE 16.870) e Nathalia Silva Freitas (OAB/SP nº 484.777) . Ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO . DÍVIDAS DECORRENTES DE OPERAÇÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 14.181/2021. AUSÊNCIA DE COMPROMETIMENTO DO MÍNIMO EXISTENCIAL . IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1 .Apelação Cível interposta contra sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Regional Cível de Mangabeira, nos autos de Ação de Repactuação de Dívidas (Lei do Superendividamento) proposta em face de Banco Maxima S.A., B. B. S.A . e Capital Consig Sociedade de Crédito Direto S.A., que julgou improcedente o pedido de repactuação de dívidas e indeferiu a tutela de urgência, entendendo que inexistiam ilegalidades, abusividades ou falhas na prestação de serviços entre os bancos e a autora. II . QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.Há duas questões em discussão: (i) definir se as dívidas oriundas de operações de crédito consignado são passíveis de repactuação nos termos da Lei nº 14.181/2021; (ii) verificar se o comprometimento do mínimo existencial do apelante está demonstrado, para fins de aplicação da Lei do Superendividamento. III . RAZÕES DE DECIDIR 3.A Lei nº 14.181/2021, que introduziu a tutela contra o superendividamento no Código de Defesa do Consumidor, prevê que o procedimento de repactuação de dívidas depende da comprovação de comprometimento do mínimo existencial e da abrangência das dívidas às quais se aplica a norma, excluindo operações de crédito consignado regidas por lei específica. 4 .O Decreto nº 11.150/2022, regulamentado pelo Decreto nº 11.567/2023, estabelece que o mínimo existencial corresponde a uma renda mensal de R$ 600,00, e exclui expressamente, em seu artigo 4º, parágrafo único, as dívidas oriundas de operações de crédito consignado da aferição do comprometimento do mínimo existencial. 5 .No caso concreto, o apelante demonstrou possuir uma renda bruta de R$ 4.433,99 e renda líquida de R$ 1.525,96, valores que excedem o patamar definido para preservação do mínimo existencial. 6 .As dívidas apontadas como impeditivas da manutenção do mínimo existencial decorrem, majoritariamente, de contratos de crédito consignado, que não estão sujeitas à aplicação da Lei nº 14.181/2021, conforme dispõe o artigo 4º, parágrafo único, alínea h, do Decreto nº 11.150/2022. 7 .A intervenção judicial para repactuação de dívidas apenas se justifica em casos excepcionais, quando demonstrada a violação às regras previstas nos artigos 52 e 54-C do C.D.C, o que não se verifica nos autos. 8.Precedentes jurisprudenciais confirmam a inaplicabilidade da Lei nº 14.181/2021 a dívidas de crédito consignado e a necessidade de comprovação do comprometimento do mínimo existencial para instauração do procedimento de repactuação . IV. DISPOSITIVO E TESE 9.Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1 .A Lei nº 14.181/2021 não se aplica a dívidas oriundas de operações de crédito consignado, conforme o artigo 4º, parágrafo único, alínea h, do Decreto nº 11.150/2022. 2 .A comprovação do comprometimento do mínimo existencial é requisito essencial para a instauração do procedimento de repactuação de dívidas previsto na Lei nº 14.181/2021. Dispositivos relevantes citados: C.D.C, arts. 52, 54-A, 54-C, 54-D e 104-A; Decreto nº 11 .150/2022, arts. 3º e 4º; Lei nº 14.181/2021; Lei nº 10.820/2003 Jurisprudência relevante citada:TJ-DF, Apelação Cível nº 07232974820228070003, Rel. Des. Alfeu Machado, j. 10/07/2024 .TJ-MG, Agravo de Instrumento nº 22763191720248130000, Rel. Des. Marcelo de Oliveira Milagres, j. 13/08/2024 . TJPB, Apelação Cível nº 0801967-58.2023.8.15 .2003, Rel. Des. Oswaldo Trigueiro do Valle Filho, j. 09/03/2024 VISTOS, relatados e discutidos os presentes autos. ACORDA a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba, por unanimidade, negar provimento ao apelo de Maria de Fatima Gomes Monteiro, nos termos do voto do relator. (TJ-PB - APELAÇÃO CÍVEL: 08649812220238152001, Relator: Gabinete 20 - Des. Onaldo Rocha de Queiroga, 1ª Câmara Cível – 18/02/2025) APELAÇÃO CÍVEL. Ação de repactuação de dívidas. Superendividamento. Sentença de improcedência. Insurgência do requerente. PRELIMINAR, em contrarrazões, de violação ao princípio da dialeticidade recursal. Não ocorrência. Requerente suficientemente indica a razões de fato e de direito que, no abstrato, sustém a pretensão recursal . Atendimento o disposto no art. 1.010, III, do Código de Processo Civil. MÉRITO . Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial. Art. 54-A, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor. Não se sopesam, para fins de análise de violação ao mínimo existencial, as parcelas das dívidas decorrentes de operação de crédito consignado regido por lei específica, nos termos do art . 4º, parágrafo único, I, h, do Decreto nº 11.150/2022. A contraprestação mensal a que se submeteu o requerente, descontada do benefício previdenciário percebido por aquele, sem que considerados os descontos consignados, resulta em rendimento mensal superior ao mínimo existencial previsto na legislação de regência, a saber, R$600,00, conforme art. 3º do Decreto nº 11 .150/2022. Não despontante, por razão da contratação de consumo controvertida, violação ao mínimo existencial. Sentença mantida. Recurso desprovido (TJ-SP - Apelação Cível: 1002180-23.2022.8.26 .0156 Cruzeiro, Relator.: Márcio Teixeira Laranjo, Data de Julgamento: 08/02/2024, 13ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/02/2024) APELAÇÃO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. INÉPCIA DE INICIAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. COMPROMETIMENTO DO MÍNIMO EXISTENCIAL NÃO DEMONSTRADO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Consabido que a instauração do processo de repactuação por superendividamento pressupõe o comprometimento do mínimo existencial, que restou regulamentado pelo Decreto n. 11.150/22, o qual, após alteração promovida pelo Decreto 11.567/23, passou a considerar o valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) como renda mensal mínima do consumidor para promoção de suas necessidades básicas. 2. A norma exclui da apreciação do mínimo existencial as parcelas de dívidas renegociadas, os descontos de crédito consignado e operações de antecipação (13 º salário), o que, in casu, já infirmam a aplicação do procedimento especial vindicado na exordial. 3. Mesmo considerados os lançamentos fixos realizados na remuneração líquida da autora, os consignados em folha, bem assim outras fontes de renda percebidas de forma contínua, emerge a ausência de comprometimento do mínimo existencial e, por conseguinte, a falta de interesse de agir, por ausência de subsunção da postulante na condição de superendividamento para os fins legais colimados. Precedentes. 4. Apelação conhecida e não provida. (TJ-DF 0713224-86.2023.8.07.0001 1799689, Relator: MAURICIO SILVA MIRANDA, Data de Julgamento: 07/12/2023, 7ª Turma Cível, Data de Publicação: 23/01/2024). Dessa maneira, no caso dos autos, para os contratos provenientes de empréstimos consignados, evidente que esses possuem disciplina legal específica e, inclusive, limite para descontos em folha de pagamento, o qual é devidamente verificado e averbado quando da contratação. Logo, de acordo com a legislação consumerista e sua regulamentação, o processo de repactuação de dívidas por superendividamento não é o caminho legal para obter a limitação dos descontos consignados, visto que, como dito, essa matéria é tratada por legislações específicas que regem as relações do servidor/empregado com o poder público ou com seu empregador. Ainda, com relação aos cartões de crédito consignado, entendo que, da mesma forma, não deve ser aplicado a legislação referente ao superendividamento, posto que se tratam de cartões de crédito e, evidentemente, devem se categorizados como gastos relativos a “produtos e serviços de luxo de alto valor”, sem perder de vistas que se trata, no caso concreto, de mais uma modalidade de crédito consignado, regido por lei específica, incidindo na proibição do art. 54-A, §3º, do C.D.C. Pablo Stolze Gagliano e Carlos Eduardo Elias de Oliveira, ao analisarem o princípio do crédito responsável, asseveram que se trata de norma direcionada a todos os participantes da relação de consumo, inclusive ao devedor, ao qual também se aplica o princípio da proteção simplificada do luxo, de modo que esse sofrerá os influxos da proteção inaugurada pela Lei n. 14.181/2021 de maneira inversamente proporcional à frivolidade da dívida contraída: “O princípio do crédito responsável é norma que impõe condutas tendentes a que se alcance um estado de coisas caracterizado pelo atendimento de três principais diretrizes. A primeira mira o Poder Público. Cabe-lhe direcionar seus atos normativos, suas políticas públicas e suas atividades de fiscalização no sentido de reprimir práticas que contrariem o crédito responsável. A segunda dirige-se aos credores. Há um dever jurídico dos credores de não fornecer créditos irresponsáveis, assim entendidos aqueles que, por um exame prévio do caso concreto, não são factivelmente pagáveis pelo devedor. Esse dever jurídico tem conexão com o dever de boa-fé objetiva, que exige comportamento ético de todos os particulares. Um dos desdobramentos da boa-fé objetiva é o duty to mitigate the loss, segundo o qual o credor tem o dever de cooperar com o devedor e adotar um comportamento que não estimule o aumento da dívida. Em síntese, o credor não deve estimular o endividamento imprudente do devedor. A terceira endereça-se aos próprios devedores. O devedor tem o dever jurídico de adotar um comportamento de prudência ao contrair dívidas, buscando abster-se de assumir compromissos além de sua capacidade de pagamento. (…) Vigora no ordenamento jurídico brasileiro o princípio da proteção simplificada do luxo, segundo o qual o Direito protege situações de luxo sem o mesmo prestígio de situações essenciais ou úteis. Esse conceito está atrelado ao conceito de paradigma da essencialidade, revelado pela Professora Teresa Negreiros. Segundo a jurista carioca, os direitos devem ser classificados quanto à essencialidade em direitos essenciais, direitos úteis e direitos supérfluos. Quanto menor for o grau de essencialidade do direito, menor deve ser a intervenção do Direito. Esse princípio guia também a proteção dada aos casos de superendividamento. O intervencionismo estatal em favor de quem está em situação de superendividamento não deve alcançar casos oriundos de aquisição de produtos de luxo de alto valor, mesmo no caso de consumo. Quem, por exemplo, endivida-se por adquirir um veículo luxuoso de altíssimo valor não pode, posteriormente, invocar as ferramentas interventivas da Lei do Superendividamento. Sobram-lhe, apenas, as proteções gerais do Direito, sem prestígios interventivos. A própria Lei de Superendividamento é expressa nesse sentido (art. 54-A, § 3º, C,D,C)”. Dessa maneira, encarar a situação perpassada pela parte autora ocasionada por alguma ilegalidade das instituições financeiras promovidas seria anuir com a utilização do Poder Judiciário como anteparo para o pagamento de dívidas exigíveis, vilipendiando a boa-fé dos credores com possíveis repercussões macroeconômicas, como o aumento do custo do crédito, em decorrência do aumento do risco de tais operações. Registro, mais uma vez, que a fixação do mínimo existencial está regulamentada no Decreto n. 11.150 /2022, norma cogente, de observância obrigatória, que se encontra em vigor e não teve inconstitucionalidade declarada, correspondendo ao mínimo mensal de R$ 600,00, sendo certo, que a renda do autor, seja bruta ou líquida, supera e muito a referida quantia. Dessa forma, considerando que as dívidas alegadas aos credores na presente ação não comprometem o mínimo existencial da parte autora, sobretudo pela natureza das mesmas, conforme já explicado, ausentes os pressupostos atinentes ao superendividamento, impondo-se a improcedência da pretensão autoral. III – DISPOSITIVO Ante o exposto, AFASTO as preliminares arguidas pelos promovidos e JULGO IMPROCEDENTES os pedidos elencados na exordial, nos termos do art. 487, I, do C.P.C. Ratifica-se, assim, a decisão que indeferiu a tutela de urgência endossando que, através da documentação acostada aos autos, não se encontra verificada qualquer ilegalidade, abusividade e/ou falha na prestação de serviço entre os bancos nas relações contratuais firmadas entre as partes. Custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa ficam ao encargo da parte autora, observando-se o disposto no art. 98, § 3º, do C.P.C., por se tratar de beneficiária da gratuidade judiciária. Considere essa sentença registrada e publicada quando da sua disponibilização no P.J.e. Interposta apelação, INTIME a parte apelada para apresentar contrarrazões, em quinze dias. Decorrido o prazo, com ou sem manifestação, remetam os autos ao TJ/PB, a quem compete fazer o exame de admissibilidade. As partes ficam cientes que eventuais embargos de declaração, sem que seja verificado de fato, erro material, omissão, obscuridade ou contradição, poderá ser considerado protelatório ou abusivo e, consequentemente, ensejar a aplicação das penalidades correspondentes (art. 1026, § 2º do C.P.C.) Procedi, neste ato, à publicação da sentença e à intimação das partes, através de seus correlatos advogados, do teor desta Sentença via sistema. CUMPRA-SE. João Pessoa, 30 de junho de 2025 Fernando Brasilino Leite Juiz de Direito
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