Processo nº 5023720-34.2025.4.04.7000
ID: 314179369
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 5023720-34.2025.4.04.7000
Data de Disponibilização:
02/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JULIA ANDRADE FEREZIN
OAB/SC XXXXXX
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ANA CAROLINE SILVA MAGNONI
OAB/PR XXXXXX
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5023720-34.2025.4.04.7000/PR
RÉU
: COMISSAO GUARANI YVYRUPA
ADVOGADO(A)
: JULIA ANDRADE FEREZIN (OAB SC060890)
ADVOGADO(A)
: ANA CAROLINE SILVA MAGNONI (OAB PR121775)
DESPACHO/…
AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5023720-34.2025.4.04.7000/PR
RÉU
: COMISSAO GUARANI YVYRUPA
ADVOGADO(A)
: JULIA ANDRADE FEREZIN (OAB SC060890)
ADVOGADO(A)
: ANA CAROLINE SILVA MAGNONI (OAB PR121775)
DESPACHO/DECISÃO
1. Em 12 de maio de 2025, o INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE - ICMBIO deflagrou a presente ação civil pública - autos 5023413-80.2025.4.04.7000: - em face dos srs. ALCIDES BENITES GONÇALVES e FAMÍLIA,
FELIPE DOS SANTOS
, RONALDO KARAI NHERI BENITES GONÇALVES, RICARDO KARAI BENITES GONÇALVES, IRINEU BENITES GONÇALVES e OUTRAS PESSOAS, não identificadas, pretendendo a reintegração na posse.
Para tanto, o ICMBIO sustentou que, em 25 de abril de 2025, os requeridos teriam promovido esbulho possessório, ingressando indevidamente no Parque Nacional de Superagui, em Morro das Pacas. Os demandados seriam membros da etnia Guarani. Nos termos do relatório técnico 021327935, em 08 de abril de 2025, a mencionada autarquia teria promovido uma vistoria para monitorar o local em questão, constatando a presença do Sr. Alcides Benites Gonçalves e família percorrendo a trilha, aproximadamente às 14:30h no Morro das Pacas. Reportou-se ao relatório fotográfico - 021328050.
2. Segundo a peça inicial,
"no dia 08 de abril de 2025, às 20:21h, nesse mesmo local - Morro das Pacas no Parque Nacional de Superagui -, houve ocupação por quatro indígenas guaranis de sexo masculino, de mais ou menos 20 anos, e um cão filhote. Nas coordenadas 25º25'6"S e 48º28'28,27"W, foi encontrada uma área com vegetação aberta e recém cortada, um local para utensílios domésticos, um barraco feito com estacas de madeiras cortadas coberto com lona preta e uma barraca abaixo, roupas de cama espalhadas para secagem, lixo e roupas diversas. Foram encontrados três facões e uma foice, que foram utilizados para promover a "limpeza" do local para a ocupação."
Ademais, em
"no dia 09/04/25, uma equipe de fiscalização composta por ICMBio, Batalhão de Polícia Ambiental e Polícia Federal se dirigiram ao Morro das Pacas. O agente de fiscalização iniciou a conversa com os indígenas e enfatizou que os indígenas não poderiam se utilizar desta área para a ocupação, pois se tratava de uma Unidade de Conservação Federal, um Parque Nacional, que não admite a ocupação e presença nesses termos. Ao mesmo tempo, foi realizada a desmontagem do barraco pela equipe de fiscalização, com auxílio dos indígenas. Os indígenas arrumaram as roupas, a barraca e outros utensílios que gostariam de levar. Falaram que não gostariam de levar colchões, panelas e outros objetos, os quais foram deixados no local."
3. O ICMBIO os teria notificado a fim de que desocupassem o local.
"Eles auxiliaram a fiscalização e não demonstraram resistência. A equipe de fiscalização auxiliou no transporte do material até o barco e encaminharam os indígenas, via barco para Guaraqueçaba para fornecimento de almoço a eles. Após o almoço, os indígenas foram transportados no barco do ICMBio, acompanhados pela equipe de policiais ambientais, para a aldeia em Pereirinha, norte do Parque Estadual do Cardoso. Em 25/04/2025, nessa mencionada vistoria periódica realizada pelo ICMBio na área, os servidores desta Autarquia se depararam com indígenas que disseram estar subindo o Morro para dormir no local e que iriam ali permanecer. Uma das indígenas correu em direção ao agente ambiental com um facão."
Acrescentou que
"Os servidores do ICMBio informaram que eles não poderiam permanecer no local. Os indígenas aceitaram retornar pela trilha acompanhando a equipe do ICMBio e aceitaram o deslocamento por barco até Guaraqueçaba, Paranaguá ou Cananéia (Figura 7) (Relatório Fotográfico - 021328050 - anexo 2). Nesse momento, conforme foram retornando, saíram mais dois indígenas do mato com sacolas e utensílios. Juntaram-se ao grupo, sendo no total 8 (oito) indígenas: três homens e quatro mulheres, sendo uma grávida em estágio avançado, e uma criança. A equipe do ICMBio se dirigiu de volta para o local de embarque e permaneceu com os indígenas."
4. Segundo o demandante,
"Os servidores do ICMBio iniciaram articulação com o Delegado da Polícia Federal de Paranaguá e com o Batalhão de Polícia Ambiental (BPAmb) para solicitar embarcação e segurança para a equipe. Desta forma, após determinação de equipe e embarcação pelos superiores hierárquicos, a equipe do BPAmb e Polícia Federal conseguiria sair somente às 17:30h de Paranaguá e chegaria aproximadamente às 19h no Morro das Pacas. Pelo avançar da hora e pela expectativa de chegada dos policiais somente à noite, a chefia local do ICMBio solicitou à equipe sair do local e retornar para base de Superagui. Os indígenas portavam facão, foice e outros instrumentos perfurocortantes e, para a segurança da equipe, decidiu-se a realização da conversa e translado do grupo pela manhã. No dia seguinte, 26/04/2025, às 5h, os agentes ambientais se deslocaram para monitoramento embarcado na frente da trilha que dá acesso ao Morro das Pacas. Ao amanhecer, a equipe embarcada estava atracada a 500 m de distância do local de entrada da trilha, quando os indígenas começaram aparecer, cada um com um facão na mão e um deles com arco e flecha. Com os facões, eles cortaram o mangue, e o outro indígena, com o arco e a flecha, fazia gestos de atirar a flecha para o ar, para o chão e, às vezes, para a embarcação. A equipe permaneceu em uma distância segura até que a equipe do ICMBio, Polícia Federal e BPAmb, chegou em um flexboat do BPAmb."
O autor enfatizou que
"Após subida de aproximadamente 15 minutos de trilha, a equipe foi recebida com "gritos de guerra" puxados pelo seu Sr. Alcides, com palavras como: "vão embora", "não vamos sair daqui", "vamos matar e morrer", além de haver arco e flecha apontados para a equipe, que estava em posição desfavorável. A equipe do ICMBio verificou que há 11 pessoas no total. Iniciou-se uma mediação para tentar uma conversa amigável (Vídeo Chegada Saco do Morro - 021335566 - anexo 5). Após resistência de aproximadamente 15 minutos, o Sr. Alcides concordou que as mulheres da equipe fossem conversar com eles. O Sr. Alcides falou que não tinha medo de ninguém e que tinha direito de entrar e morar naquele local e que os servidores estavam perturbando. Os servidores do ICMBio identificaram os filhos do seu Alcides, que foram notificados no dia 09 de abril de 2025, e falaram que, da mesma forma, estavam ali para conversar e entender o motivo de terem regressado ao local. O Sr. Alcides disse ter que dali não sairiam. Os seus filhos chamaram o Sr. Alcides e levaram a equipe até o telefone celular, que foi colocado no modo viva voz. Julia se identificou como assessora jurídica da comunidade, e conforme o Vídeo Conversa com Julia (021335550) (anexo 6), disse que a comunidade não tinha intenção de sair do local."
5. Acrescentaram que
"Os servidores do ICMBio explicaram que as ocupações por indígenas em Unidades de Conservação estão sendo tratadas como ocupação irregular, que não faria uso da força e que estava lá para conversar para que a saída fosse realizada sem conflito e sem necessidade de acionar a Justiça. Explicaram que o local faz parte de uma Unidade de Conservação, que fez 36 anos no dia 24/04/25, e que não estava habitada por indígenas quando a Unidade foi criada, em 1989, conforme documentação verificada. Nem Julia, nem o senhor Alcides relataram ocupação da Unidade de Conservação anterior à sua criação."
O ICMBIO argumentou que os requeridos teriam sido autuados, restando notificados para que deixassem o local. Aduziu ainda que
"Uma vez infrutífera a tentativa de conciliação e desocupação, a equipe do ICMBio voltou à beira do mangue pela mesma trilha. No momento que as embarcações estavam saindo do local, uma embarcação pequena estava chegando, com quatro pessoas, sendo reconhecido o Cacique da Aldeia de Guaraqueçaba."
O autor alegou ter promovido vistoria no imóvel em 08 de maio de 2025, argumentando que
"1A ocupação da localidade está em expansão, com aumento da área desmatada e construção de edificações de madeira; 2. O número de indígenas aumentou, sendo duas crianças (um menino de aproximadamente três anos e uma menina de aproximadamente 5 anos), sete homens (Alcides, Ronaldo, Ricardo, Irineu, Juarez, Felipe e David) e cinco mulheres (Maria, Rosilene, Lucilene, Sabrina e mais uma mulher que não quis se identificar ou falar conosco), no total de 14 pessoas; 3. Houve aumento em largura de pelo menos duas trilhas abertas anteriormente, assim como uso do fogo para abrir a vegetação na entrada da trilha. 4. As diligências estão sempre marcadas por agressões verbais por parte dos indígenas, uso de facões e arco e flecha, denotando pouca segurança para a equipe de fiscalização."
6. Transcreveu excerto do relatório de vistoria:
"Ao subirmos o morro constamos que a área desmatada foi expandida, aproximadamente ao dobro da anterior (Figura 1, doc. SEI nº 021392082), motivo pelo qual não foi dada ciência ao auto produzido em escritório por desmatamento, que denotava 0,1 hectares. Ao mesmo tempo, não nos sentimos seguros o suficiente para medir a área e lavrar novo auto de infração, visto que o senhor Irineu (filho de Alcides) ficou o tempo todo apontando fecha em nossa direção por trás do acampamento. Após solicitado pela Polícia Federal e Camile, Irineu não quis baixar a fecha. Quando baixava o arco, vazia movimentos passando uma substância na ponta da fecha, que, depois, David e Felipe falaram ser veneno de cobra. Quando perguntados como extraíam o veneno não responderam."
O demandante enfatizou que
"Sobre o local da ocupação, tem-se que o Parque Nacional do Superagui foi criado em 25 de abril de 1989, inicialmente com 21.400,00 hectares, englobando as ilhas do Superagui e das Peças, com exceção das áreas ocupadas pelas comunidades localizadas na ilha das Peças e a comunidade da Barra do Superagui. Em 1997, o Parque Nacional do Superagui foi ampliado pela Lei Federal n° 9.513, de 20 de novembro, passando a ter 33.988,00 hectares abrangendo também uma área continental, no Vale do Rio dos Patos. Isto ocorreu porque nas proximidades dessa área, existia um istmo de aproximadamente 4 km que ligava a ilha ao continente, servindo de corredor para várias espécies animais, que ficaram isoladas com a abertura do Canal do Varadouro, em 1953."
7. Acrescentoou que
"Em 1970, Superagui foi inscrita sob o n° 27 no Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico da Divisão do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Paraná. Integra a Zona Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica desde sua primeira fase de implantação em 1991. Em 1999 a UNESCO reconheceu o sítio Floresta Atlântica: Reservas do Sudeste como sendo Patrimônio Natural da Humanidade. Das montanhas cobertas por densas florestas, até as regiões de estuário, ilhas costeiras com montanhas isoladas e dunas, a área compreende um rico ambiente natural de grande beleza cênica. O Parque Nacional do Superagui faz parte também do Mosaico Lagamar, reconhecido pela Portaria n° 150, de 8 de maio de 2006, do Ministério do Meio Ambiente."
Discorreu sobre a caracterização do esbulho; destacou cuidar-se de ação de força nova, sendo devida a liminar
inaudta altera parte.
Detalhou os demais pedidos, anexou documentos e atribuiu à demanda o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).
O MPF postulou sua admissão na causa, na forma do art. 178, III, Código de Processo Civil/15, conforme evento 5. No movimento 6, o ICMBIO sustentou o seguinte:
"o pedido de concessão de liminar formulado na presente ação possessória, bem como sugerir alternativas viáveis para a instalação provisória dos ocupantes. Indicam-se, para tanto, três comunidades indígenas que podem acolhê-los: (i) a comunidade indígena situada em Cananéia/SP, local de origem deles; (ii) a comunidade indígena do Cerco Grande, em Guaraqueçaba/PR, com a qual mantêm relações cordiais (conforme mencionado no penúltimo parágrafo da página 5 da petição inicial); e (iii) a comunidade indígena da Ilha da Cotinga, em Paranaguá/PR, para a qual os ocupantes se deslocaram por ocasião da ocupação ocorrida em 2004. Qualquer uma dessas três comunidades poderá oferecer condições de vida significativamente mais dignas — especialmente no que se refere ao acesso à saúde e à educação para as crianças — em comparação com a situação de extrema precariedade atualmente enfrentada na área de mata onde se encontram dentro do Parque Nacional de Superagui."
Os autos vieram conclusos.
8. No dia 13 de maio de 2025, nos autos 50237203420254047000, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL deflagrou uma ação civil pública em face da FUNAI – FUNDAÇÃO NACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS e da COMISSÃO GUARANI YVYRUPA - CGY, pretendendo que os requeridos sejam condenados a promoverem a retirada dos indígenas do Parque Nacional do Superagui e a impedirem o ingresso subsequente. Postulou a condenação dos demandados à reparaçao integral dos alegados danos ambientais, com prévia elaboração de plano de recuperação de área degradada - PRAD.
Para tanto, o MPF reportou-se à demanda de autos 5023413 80.2025.4.04.7000, versando sobre a reintegração na posse da área do Parque Superagui. Argumentou que
"Não obstante as duas demandas possam ter objetivos parecidos, a presente açao se volta tambem a reparaçao de danos ambientais, decorrente do ingresso irregular acima narrado, com ocorrencia de desmatamento."
Sustentou ainda que
"Ademais, conforme sera verificado, ha indícios de que a entrada irregular dos indígenas dentro do Parque Nacional do Superagui foi impulsionada por servidora publica da Fundaçao Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), o que motiva a colocaçao desta Instituiçao no polo passivo, para eventual reparaçao do dano ambiental causado."
9. A Procuradoria da República alegou encontrar-se legitimada para a presente demanda. Discorreu sobre a alçada da Justiça Federal para a demanda. Argumentou que, no dia 8 de abril de 2025, o MPF teria sido comunicado pelo ICMBio a respeito do ingresso irregular de indígenas no Parna Superagui. Sustentou que
"ao chegar ao local, o dialogo foi gravado por uma agente de polícia federal, sendo o audio e vídeo gravado e transcrito pela Assessoria de Pesquisa e Analise da PR/PR."
O autor enfatizou que
"A referencia a “Carol da FUNAI” muito provavelmente (pois nao ha outra servidora com esse nome em Paranagua) se refere a servidora da FUNAI denominada Caroline Willrich. Isso e um indício do envolvimento desta servidora no impulsionamento ao ingresso irregular de indígenas no Parna Superagui."
Argumentaram que "
o que consta no Relatorio N° 3/2025- ICMBio Antonina-Guaraqueçaba: “Um deles relatou que a Funai de Paranaguá, na pessoa da ‘Carol’ há uns dois meses, havia visitado a aldeia deles no Parque Estadual do Cardoso e insinuado a ocupação da área e que a Funai poderia ajudá-los.”"
Aduziu que
"Tendo em vista a retirada voluntaria dos indígenas, o ICMBio expediu, apenas, expediu notificaçoes para Ronaldo Karai Nheri Benites Gonçalves, Ricardo Karai Nheri Benites Gonçalves, Irineu Benites Gonçalves e
Felipe Dos Santos
. No dia 25 de abril de 2025, contudo, esses mesmos indígenas– mesmo notificados – bem como outros, ingressaram novamente no Parna Iguaçu, invocando um direito de permanencia no local."
10. O MPF teceu considerações sobre o relevo ambiental do PARNA do Superagui. Discorreu sobre os critérios de compatbilização dos direitos indígenas com a proteção ambiental, reportando-se à lei 9.985/2000, art. 42. Reportou-se ao art. 17 da lei n. 9.085/2000:
"Nas Florestas Nacionais e admitida a permanencia de populaçoes tradicionais que a habitam quando de sua criação, em conformidade com o disposto em regulamento e no Plano de Manejo da unidade."
Segundo a peça inicial,
"A partir disso, o ponto de equilíbrio das comunidades tradicionais com seu territorio e com o meio ambiente e a interpretaçao de que as comunidades que podem permanecer dentro de Unidades de Conservação de Proteção Integral são aquelas que “habitam quando de sua criação."
Sustentou ainda que
"Tanto a FUNAI, quanto a COMISSAO GUARANI YVYRUPA, que e a entidade que mantem dialogo com os indígenas que atualmente estao no Parna Superagui, defendendo que eles assim permaneçam, discordam da posiçao acima. O entendimento de tais entidades e estabelecer um criterio de “tradicionalidade” amplo suficiente para abarcar – na pratica - qualquer parte do litoral do Parana."
11. Teceu considerações sobre a informaçao tecnica 15/2025-ICMBio Antonina-Guaraqueçaba, tratando do histórico da mencionada ocupação indígena.
"Dessa forma, Excelencia, os dados disponíveis indicam que a ocupaçao Guarani no Parna Superagui foi posterior à criação do Parque, nao anterior. Para tentar contornar essa questao, as reus adotam uma argumentaçao de considerar a ocupaçao Guarani “no litoral do Parana”. Em registros historicos, a ocupaçao em todo o litoral do Parana, em cada uma de suas partes, nao pode justificar a permanencia dentro de uma Unidade de Conservaçao de Proteçao Integral, apos a sua criaçao, pois aquele raciocínio levaria a crer tambem que qualquer area do Estado poderia ser desapropriada e indenizada, bem como que poderia haver ocupaçao indígena em qualquer Unidade de Conservaçao de Proteçao Integral."
O autor argumentou que, na forma do art.225, III, da Constituiçao Federal, somente mediante lei, em sentido estrito, poder-se-ia alterar ou suprimir espaços territoriais especialmente protegidos. O MPR mencionou ainda o interdito proibiorio nº 5026405 42.2024.4.04.7002, versando sobre a ocupação indígena do Parque Iguaçu. Alegou que
"a Presidencia do ICMBio emitiu uma nota sobre o ocorrido e realçou a necessidade de se observar os interesses de comunidades tradicionais que estejam nas unidades de conservação anteriormente à sua criação."
12. O MPF sustentou que a ocupação em questão teria redundado em danos ambientais, a serem reparados pelos requeridos. Transcreveu parte do relatório do ICMBIO a esse respeito e reportou-se à súmula 652, STJ. Argumentou haver risco para a incolumidade física dos indígenas presentes na área e dos servidores do povo encarregados da realização de vistorias. Discorreu sobre a tutela de evidência e de urgência, detalhou seus pedidos e atribuiu à causa o valor de R$ 300.000,00, anexando documentos.
Despachei ambos os processos em conjunto:
"3.1. DECLARO a competência desta unidade jurisdicional para o processo e julgamento das demandas de autos 5023413-80.2025.4.04.7000 (reintegração na posse) e 50237203420254047000 (ação civil pública).
3.2. ANOTO que aludidas demandas devem ser solucionadas em conjunto, por conta da conexão, na forma do art. 55, §1, CPC/15 e leitura
a contrario sensu
da súmula 235, STJ.
3.3. SUBLINHO que tais demandas não violam coisa coisa - garantia prevista no art. 5, XXXVI, Constituição e art. 508, Código de Processo Civil. Ademais, tampouco incorrem em litispendência, segundo esse primeiro exame, na forma do art. 337, §2, CPC.
3.4. DESTACO que não há lastro para suspensão das mencionadas demandas, nesta etapa do processo, eis que não atendidos os requisitos do art. 313, do Código de Processo Civil/15.
3.5. REPUTO que as petições iniciais apresentadas se revelam aptas, na forma do art. 319 e art. 320, CPC/15.
3.6. ACOLHO a atribuição de valor à causa promovida pelo MPF no âmbito da ação civil pública. INTIME-SE, porém, o ICMBIO para que retifique o valor da causa, atribuindo à reintegração, valor compatível com o conteúdo econômico da demanda, na forma do art. 292, CPC. Prazo de 30 dias úteis, contados da intimação - art. 321 e art. 183, CPC/15.
3.7. REPUTO que o ICMBIO e os requeridos, indicados na peça inicial, estão legitimados para a demanda de reintegração na posse. A medida poderá atingir também pessoas que se encontrem na unidade de conservação em causa, contanto que sejam identificadas no curso da demanda.
3.8 REPUTO que o MPF, a FUNAI e a Comissão Guarani Yvyrupa estão legitimados para a ação civil pública.
3.9. ANOTO que há litisconsórcio necessário, no que toca à ação civil pública, dos alegados ocupantes do Parque Nacional de Superagui, conforme art. 506, CPC e art.12, §1, da resolução 454, de 22/04/2022, CNJ. INTIME-SE o MPF para que promova a emenda da inicial quanto ao tópico. Prazo de 30 dias úteis, contados da intimação - arts 321 e 180, CPC.
3.10. VOLTEM-ME conclusos os autos de reintegração na posse - eproc 5023413-80.2025.4.04.7000, para extinção sem solução de mérito, caso o ICMBIO não promova a retificação do valor da causa no prazo assinalado. VOLTEM-ME conclusos os autos de ação civil pública, para extinção sem solução de mérito, caso a emenda indicada no item 3.9 não seja promovida.
3.11. ACRESCENTO que, como regra, eventual cessão da posse direta no curso do processo não afeta a legitimidade das partes, não ensejando necessidade de novas citações, o que registrado apenas por conta da corriqueira substituição de possuidores diretos no curso de demandas como a presente.
3.12. DISCORRI acima sobre a eventual convocação de
amici curiæ
no caso em exame, questão a ser apreciada adiante nesta causa.
3.13. DESTACO que o ICMBIO e o MPF atuam com interesse processual. Enfatizei o caráter dúplice da demanda possessória e tratei do cabimento de eventual debate sobre domínio nesse âmbito.
3.14. ENFATIZEI a necessidade de citação de potenciais interesados. No presente processo, contudo, a questão pode adquirir um grau de complexidade, na medida em que a demanda pode atingir membros de nações nativas, com provável dificuldade na compreensão do vernáculo.
3.15. TECI considerações sobre o alcance da resolução 454, CNJ.
3.16. ACRESCENTO que a pretensão dos demandantes não foi atingida pela prescrição. O instituto da decadência não se aplica ao caso.
3.17. DISCORRI, quanto ao mais, sobre a hermenêutica da legislação, sobre o controle da validade de normas (controle difuso) e sua compatibilidade com a ação civil pública, examinei o alcance dos arts. 20 e 21 da lei de introdução às normas, controle judicial dos atos administrativos, controle da proporcionalidade, limitações administrativas no geral, limitações florestais, relevo da tutela ambiental, tutela da flora e da fauna, desenvolvimento sustentável, compleição do Bioma da Mata Atlântica, tutela jurídica das unidades de conservação.
3.18. TRATEI, ademais, com cognição precária, da área de proteção ecológica - Guaraqueçaba e sobre o Parque de Superagui. Enfatizei o relevo da tutela ambiental para inibição de crises climáticas. Discorri sobre o direito indígena, em seus contornos gerais. Enfatizei o alcance do direito à moradia digna, o que também há de ser assegurado aos membros de nações nativas, teci considerações sobre o art. 50 do decreto 6.514/2008.
3.19. DESTACO que, em primeira análise, a inversão do ônsus da prova se revela incabível em ambas as demandas. Aplica-se ao caso, aparentemente, o art. 373, I e II, CPC/15.
3.20. DETALHEI os elementos de convicção veiculados em ambas as causas, como registrei acima.
3.21. REPUTO que a narrativa dos autores - ICMBIO e MPF - em ambas as demandas se revela verossímil e que seus argumentos jurídicos são densos, o que parece confluir para a antecipação de tutela.
3.22. ANOTO, de toda sorte, ser necessária a urgente realização de audiência, a fim de viabilizar a oitiva dos interessados e a ultimação desta decisão, atentando para o caráter sensível do tema em exame.
3.23. DESIGNE-SE audiência telepresencial, a ser promovida em data próxima, tanto quanto viável - de preferência no curso da próxima semana - a fim de que a questão possa ser equacionada, com a colaboração das partes, na forma do art. 6, Código de Processo Civil. Cuida-se de medida destinada a viabilizar o exame do pedido de antecipação de tutela, de modo que o prazo do art. 334, CPC, não se aplica à situação em exame.
3.24. ANOTO que caberá à Comissão Guarani Yvyrupa, tanto quanto seja possível, assegurar que os membros das nações nativas em causa possam participar ativamente da audiência em questão.
3.25. DESTACO que, tanto quanto seja viável, caberá à Comissão requerida indicar um intérprete para que se assegure que o ato seja compreensível na sua integrallidade a todos os interessados. Eventual impossibilidade de que isso seja promovido deverá ser comunicada ao Juízo.
3.26. INTIMEM-SE as partes de ambas as causas, pela via mais célere possível, conforme art. 5, §5, lei n. 11.419/2006 - tão logo a audiência tenha sido designada - a respeito da data, do horário e do link de acesso da audiência aprazada, a fim de que possam participar ativamente do ato.
3.27. REGISTRO que oportunamente os demandados haverão de ser citados para, querendo, apresentarem resposta no prazo fixado na legislação, conforme art. 335, Código de Processo Civil e, conforme o caso, com a duplicação prevista nos arts. 180, 183, 186, CPC/15. Logo, a intimação em questão, prevista no tópcio anterior, não comprometerá o contraditório.
3.28. INTIME-SE, ademais, a Defensoria Pública da União para que, querendo, atue nesta causa na defesa de possíveis interessados não identificados até o momento (
custos vulnerabilis
).
3.29. REGISTRO que - caso as partes não cheguem a uma solução consensual -, a causa terá continuidade, com retomada da apreciação do pedido de antecipação de tutela, diante dos vetores já equacionados.
3.30. INTIMEM-SE as partes a respeito desta deliberação.
3.31. AGUARDE-SE, então, a realização da audiência.
3.32. REGISTRO que junto, nesse ato, cópia desta decisão nos autos do processo conexo."
13. O MPF emendou a peça inicial, endereçando sua pretensão também em face dos membros da comunidade nativa, que alegadamente teriam passado a ocupar o Parque de Superagui. A FUNAI manifestou ciência da designação da audiência - evento 14, eproc 5023720-34.2025.4.04.7000;
No movimento 16, a DPU manifestou seu interesse na causa, na condição de
custos vulnerabilis,
argumentando haver sinais de ocupação tradicional, destacou o caráter nômade de muitas culturas nativas, a exemplo das comunidades guarani. Discorreu sobre o alcance do art. 231, Constituição. Aduziu ter incabível a remossão da comunidade do referido parte, no caso em exame. Enfatizou a viabilidade de dupla afetação do parque em questão e disse que os requisitos para antecipação de tutela não teriam sido atendidos.
Anexou cópia de autos de processo administrativo.
14. No movimento 30, foram anexados documentos concernentes à comunidade nativa requerida. Anexou-se carta precatória versando sobre a tentativa de citação dos demandados, membros da comunidade nativa apontada pelo MPF como responsável pelo alegado esbulho possessório.
No movimento 50, a DPU sustentou ser indispensável a condução de audiência presencial no Parque, para oitiva da comunidade nativa. Argumentou que
"A audiência foi designada para o dia 04/07/2025, por videoconferência (evento 19). A realização virtual do ato é prejudicial à comunidade indígena, que carece dos meios tecnológicos para participação no ato, uma vez que não tem acesso adequado à internet. Ainda que seja possível, através das instituições de Estado, providenciar o transporte e o acesso de alguns desses indígenas a um local que permitisse a participação virtual, haveria de todo modo prejuízo, uma vez que não haveria espaço para participação de toda a comunidade."
Postulou a redesignação da audiência, a constituição de intérprete e a realização do ato no âmbito do Parque em questão.
15. Seguiu-se certidão de autos 0001232-23.2025.8.16.0043:
"
Certifico que não há tempo hábil para, em menos de dez dias, intimá-los da audiência, pois em que pese o despacho mencionar o meio mais célere os autos não trazem dados para tanto
.
Mesmo assim, liguei para Felipe da Silva, Cacique da Aldeia Cerco Grande, na tentativa de obter algum contato do pessoal do Superagui. Felipe me forneceu o contato de Irineu e de Ronaldo (porém, esse não tenho certeza, pois tanto Felipe quanto ele próprio o chamam de Ronildo). Consegui uma comunicação rápida com esse último, que informou que eles não possuem embarcação (achando que era para ir a Guaraqueçaba
– áudio anexo). Não posso o dar como intimado uma vez que não consegui mais contato e nem uma ligação para explicar melhor sobre a audiência e os autos (apenas com o PDF com certeza não entenderão do que se trata).
Sugiro para que a oitiva dê certo que o órgão responsável seja acionado e empreste uma sala com aparelhagem para audiência no Município mais próximo, bem como o transporte, uma vez que onde residem não há internet (a mensagem para Irineu não foi ouvida até agora) e eles não possuem embarcação para deslocamento. Por fim, caso queiram que as intimações sejam feitas pessoalmente
, in loco , será necessário que o mandado seja expedido com maior antecedência, para a organização de diversas logísticas essenciais ao cumprimento da ordem, como: apoio policial para garantir a integridade física do oficial de justiça; mandado com requisição de fornecimento de apoio a esta comarca, ou ao menos prazo suficiente para que o oficial possa aguardar na fila de atendimento pela Patrulha Costeira da PM, que possui apenas uma equipe para atender todas as ocorrências no litoral (uma vez que a Polícia Ambiental há dois anos não presta esse apoio aos oficiais desta Comarca, conforme ofício em anexo); intérprete para que a comunicação possa se dar de forma efetiva; acompanhamento por funcionário do ICMBIO que possa indicar o local onde os indígenas residem. Portanto, além do mandado prever e requisitar todo esse apoio mencionado, sugiro que ele seja expedido com pelo menos 2 meses de antecedência, para que, pela experiência desta oficiala, todas essas diligências possam ser organizadas a tempo."
Oficiala Danielle Maestri.
Por outro lado, nos autos 5023413-80.2025.4.04.7000, anexou-se termo de audiência, conduzida quanto a ambos os processos. No evento 31, juntou-se cópia do termo de audiência.
No movimento 36 daquele eproc, a DPU enfatizou que
"Leonardo Werá, contudo, não é representante da comunidade : como reconhecido em audiência, ele é na verdade coordenador da Comissão Guarani Yvyrupa. Em verdade, os indígenas que se encontram no polo passivo da demanda não foram intimados a dela participar e, portanto, não participaram do ato. Não houve, tampouco, a intimação da Comissão Guarani Yvyrupa; sua participação se deve a convite da Defensoria Pública da União, diante do tema em questão e do fato de que ela compõe o polo passivo de demanda conexa (Ação Civil Pública nº 5023720-34.2025.4.04.7000). Assim, a Defensoria Pública da União requer a retificação da ata, nos termos informados . Por fim, a Comissão Guarani Yvyrupa não tem poderes de representação da comunidade indígena ré na presente demanda. A audiência, portanto, não contou com a presença dos réus, nem de seus representantes."
Os autos vieram conclusos.
DECIDO
16. No presente processo - eproc 5023720-34.2025.4.04.7000 - foi designada a data de 04 de julho de 2025, às 14h para condução de audiência em prol da tentativa de conciliação entre as partes e, caso isso não seja obtido, para fins de justificação judicial da posse, na forma do art. 562, CPC/15.
Determinei, por conta disso, a citação dos requeridos, a ser promovida por meio da internet, quanto à maioria dos casos, na forma do art. 9 da lei n. 11.419/2006, contanto que os requeridos estivessem habilitados para tanto junto ao eproc. Quanto aos demais requeridos, determinei a expedição de mandados de citação, a serem cumpridos pelo Juízo deprecado, na forma do art. 237, III, Código de Processo Civil/15.
17. A Oficiala de Justiça Danielle Maestri teceu considerações sobre a ordem judicial, dizendo não dispor de meios para cumpri-la no prazo assinalado. Argumentou ter travado contato com Felipe da Silva, Cacique da Aldeia Cerco Grande, na tentativa de obter algum contato do pessoal do Superagui, lhe sendo indicado o contato de Irineu e de Ronaldo. Nâo haveria embarcações para se deslocar até a área do pretenso esbulho possessório.
Assim, segundo se infere dos autos, segundo os autos, a Comarca de Antonina não dispõe de meios para comunicar ordens judiciais a quem se encontrem nas ilhas situadas no seu entorno.
18. Como registrei no evento 5, o CNJ publicou a resolução 454, de 22/04/2022, versando sobre o acesso à prestação jurisdicional por parte das comunidades nativas. Segundo o seu art. 2,
"Esta Resolução é regida pelos seguintes princípios: I – autoidentificação dos povos; II – diálogo interétnico e intercultural; III – territorialidade indígena; IV – reconhecimento da organização social e das formas próprias de cada povo indígena para resolução de conflitos; V – vedação da aplicação do regime tutelar; e VI – autodeterminação dos povos indígenas, especialmente dos povos em isolamento voluntário."
Nos termos do art. 3,
"Para garantir o pleno exercício dos direitos dos povos indígenas, compete aos órgãos do Poder Judiciário: I – assegurar a autoidentificação em qualquer fase do processo judicial, esclarecendo sobre seu cabimento e suas consequências jurídicas, em linguagem clara e acessível; II – buscar a especificação do povo, do idioma falado e do conhecimento da língua portuguesa; III – registrar as informações decorrentes da autoidentificação em seus sistemas informatizados; IV – assegurar ao indígena que assim se identifique completa compreensão dos atos processuais, mediante a nomeação de intérprete, escolhido preferencialmente dentre os membros de sua comunidade; V – viabilizar, quando necessária, a realização de perícias antropológicas, as quais devem respeitar as peculiaridades do processo intercultural; VI – garantir a intervenção indígena nos processos que afetem seus direitos, bens ou interesses, em respeito à autonomia e à organização social do respectivo povo ou comunidade, promovendo a intimação do povo ou comunidade afetada para que manifeste eventual interesse de intervir na causa, observado o disposto no Capítulo II da presente Resolução; VII – promover a intimação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Ministério Público Federal nas demandas envolvendo direitos de pessoas ou comunidades indígenas, assim como intimar a União, a depender da matéria, para que manifestem eventual interesse de intervirem na causa; e VIII – assegurar, quando necessária, a adequada assistência jurídica à pessoa ou comunidade indígena afetada, mediante a intimação da Defensoria Pública."
19. O art. 6 preconizou que
"
A territorialidade indígena decorre da relação singular desses povos com os espaços necessários à sua reprodução física e cultural; aspectos sociais e econômicos; e valores simbólicos e espirituais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, nos termos do art. 231 da Constituição Federal, do art. 13 da Convenção n 169/OIT e do art. 25 da Lei n 6.001/1973
. "
O art. 8 tratou do respeito necessário aos povos em isolamento voluntário. Já o art. 12 cuidou da citação de membros de nações nativas:
"
Dar-se-á preferência à forma pessoal para as citações de indígenas, suas comunidades ou organizações
. § 1o
A atuação do Ministério Público e da Defensoria Pública nos processos que envolvam interesses dos indígenas não retira a necessidade de intimação do povo interessado para viabilizar sua direta participação, ressalvados os povos isolados e de recente contato
. § 2o A comunicação será realizada por meio de diálogo interétnico e intercultural, de forma a assegurar a efetiva compreensão, pelo povo ou comunidade, do conteúdo e consequências da comunicação processual e, na medida do possível, observar-se-ão os protocolos de consulta estabelecidos com o povo ou comunidade a ser citado, que sejam de conhecimento do juízo ou estejam disponíveis para consulta na rede mundial de computadores. § 3o O CNJ e os tribunais desenvolverão manuais e treinamento dirigido aos magistrados e servidores, em especial aos oficiais de justiça, acerca da comunicação de atos processuais a comunidades e organizações indígenas, contemplando, inclusive, abordagens de Justiça Restaurativa. § 4o Não será praticado ato de comunicação processual de indígena ou comunidade indígena, salvo para evitar o perecimento de direito, durante cultos religiosos, cerimônias ou rituais próprios de cada grupo. § 5o Será possível o ingresso, a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, de indígenas, suas comunidades ou organizações em processos em que esteja presente interesse indígena. § 6o Aplica-se, no que couber, à intimação, o disposto neste artigo."
20. Segundo o art. 13 da resolução,
"Para garantir o devido processo legal e assegurar a compreensão da linguagem e dos modos de vida dos povos indígenas, a instrução processual deve compatibilizar as regras processuais com as normas que dizem respeito à organização social, à cultura, aos usos e costumes e à tradição dos povos indígenas, com diálogo interétnico e intercultural. Parágrafo único. O diálogo interétnico e intercultural deve ser feito por meio de linguagem clara e acessível, mediante mecanismos de escuta ativa e direito à informação."
O texto normativo versou sobre direitos das crianças indígenas, sobre a necessidade de designação de intérprete, dentre outros tópicos.
21. Segundo evento-1, dos auots n. 5023720-34.2025.4.04.7000,
"Conforme informado no Ofício Nº 65/2025/Segat - CR-LIS/DIT - CR-LIS/CR-LIS/FUNAI, já se sabe que as famílias da etnia Guarani atualmente presentes no Morro das Pacas pertencem ao grupo liderado pelo senhor
Alcides Gonçalves
, que no passado já havia habitado a mesma localidade - a Aldeia Morro das Pacas, inclusive com solicitação de reivindicação fundiária registrado no Sistema de Informações Indigenistas (SII) da Coordenação-Geral de Identificação e Delimitação (CGID/DPT) sob o número identificador (ID) 276. 3. É importante, primeiramente, esclarecer que no ofício supracitado foi informado que "trata se de famílias da etnia Guarani que moravam na região até o ano de 2006", referindo-se à provavel (ainda controversa) data de saída do grupo da localidade de Morro das Pacas, presumindo que a antiguidade da presença do grupo no local é anterior a isso. De fato, buscando informações a respeito da reivindicação fundiária da Aldeia Morro das Pacas no processo da FUNAI sobre o tema (SEI 08620.014104/2018-43), é possível encontrar documentos que indicam a existência desta aldeia em datas bem anteriores."
Assim, em princípios, os membros da nação nativa, apontados como ocupantes da área em causa, pertenceriam à etnia Guarani.
22.
CANCELO, por conta do exposto, a audiência prevista para o dia 04 de junho corrente, eis que a citação dos pretensos ocupantes do Parque Superagui se revela indispensável, em prol da garantia do devido processo.
Tenho em conta a necessidade de deliberar, com maior reflexão, sobre o pedido de reintegração na posse, a fim de evitar que situações precárias persistam indevidamente. Melhor dizendo, há necessidade de avaliar, no momento oportuno, se o pedido de liminar, promovido pelo ICMBIO e pelo MPF, deve ser acolhido nesta etapa do processo. Isso não pode ser promovido, contudo, sem se assegurar efetiva oportunidade para que todos os requeridos se façam ouvir na presente demanda.
23.
DEFIRO o pedido deduzido pela DPU, na condição de defensora dos interesses dos vulneráveis, no que toca à realização de um ato presencial. Há dificuldaldes logísticas para isso, não desconheço. De todo modo, pode ser a oportunidade para se promover a audiência e uma primeira inspeção judicial, na forma dos arts. 481 e ss., CPC/15.
A realização do ato no âmbito do Parque de Superagui, no Morro das Pacas, demanda o exame de algumas variáveis, dentre as quais: (a) apuração da quantidade de pessoas que terão que se deslocar na data da audiência; (b) exame dos meios de deslocamento, vans, barcos; (c) examinar o melhor horário, por conta da variação das marés; (d) apurar se o quantitativos de sujeitos a se fazerem presentes na audiência comprometerá, de algum modo, o equilíbrio ambiental do parque; (e) adoção de medidas de segurança; (f) comunicação prévia aos requeridos presentes no Parque Nacional de Superagui, a fim de se evitar eventuais confrontos; (g) estipular horários de partida, horário de audiência e horários de regresso; (h) verificar disponibilidade de pessoal do Setor de Transporte para acompanhamentoç (i) aferir a viabilidade de disponibilização de instrumentos de acesso à internet, a exemplo da Starlink, para comunicação à distância, podendo-se cogitar de que parcela dos interessados na causa -
amici curiæ -
possam acompanhar a diligência à distância, caso isso se revele necessário; (j) aferir a necessidade/disponibilidade de intérprete de Tupi, para os ocupantes da área.
24. DETERMINO, pois, que as partes e demais interessados em ambas as demandas, acima relatadas, sejam comunicadas a respeito do cancelamento da audiência prevista para o dia 04 de junho de 2025.
DETERMINO ainda que a Secretaria providencie o necessário para a realização do ato, de modo presencial, no Parque de Superagui, Morro das Pacas, compreendendo as variáveis acima detalhadas e outras que porventura se façam necessárias à condução da audiência. Caso necessário, alguns dados a respeito do deslocamento poderão ser obtidos com os coordenadores do Projeto Aproxima, da Direção do Foro do Paraná, que presta serviços às comunidades tradicionais, nativas e quilombolas do Estado.
25. INTIME-SE a Defensoria Pública da União e Comissão Guarani Yvyrupa para que, tanto quanto possível, indiquem tradutores(as) de Tupi para o português, para atuação na data da audiência em questão. Prazo de 10(dez) dias úteis, contados da intimação.
INTIMEM-NAS também quanto à viabilidade de lograrem contato com os ocupantes da área em causa, a fim de que se viabilizar oportuna intimação a respeito da designação da audiência - cuja data haverá de ser aprazada tão logo as questões logísticas tenham sido equacionadas.
ANOTO que, em prol do postulado da colaboração processual, conforme art. 5, CPC, é dada às partes e demais interessados a promoção de sugestões, críticas ou complementação ao planjeamento da mencionada audiência, a fim de que seja promovida de modo célere, eficiente e seguro. Prazo de 10 dias úteis, contados da intimação, exceção feita à Comissao Guarani Yvyrupa, prazo de 5 dias úteis, por força do art. 183, CPC, contados da intimação.
26. DESIGNE-SE audiência - tão logo as questões logísticas tenham sido equacionadas -, a ser conduzida presencialmente no Parque Superagui, Morro das Pacas, no local da alegada ocupação, impugnada pelos demandantes.
REGISTRO, assim, que o, na medida em que se revele viável, a audiência há de ser conduzida no local da alegada ocupação, com a presença de tradutor - mesmo que tal tradução eventualmente seja feita mediante acompanhamento online, se viável -, com a presença das partes e
amici curiæ.
Caso o número de participantes se revele excessivo, dever-se-á examinar a viabilidade de que o ato seja promovido com participação dos interessados à distância, sem prejuízo da participação direta e presencial das partes e do Juízo.
ACRESCENTO ainda que a medida pode ensejar uma primeira inspeção judicial, na forma dos arts. 481, CPC, prestando-se ainda para uma primeira justificação da posse, na forma do art. 562, CPC.
27. ENFATIZO que equacionei alguns vetores, com cognição precária, quanto à questão debatida no processo, o que perpassa pelo exame de questões possessórias, pelo exame da temática ambiental e sua necessária processual, e também quanto à proteção de direitos das comunidades nativas brasileiras, com respeito à sua cultura e direitos à terra.
PROMOVA-SE a retificação do termo de autuação, a fim de se promover a exclusão do nome da Ana Caroline Silva Magnoni, PR121775, na condição de procuradora dos requeridos que se encontrariam na área em causa.
REGISTRE-SE, no termo de atuação, o nome da a
d
vogada JULIA Andrade Ferezin, OAB/SC 60890, como representante judicial da Comissão Guarani Yvyrupa, como informado nos autos 50234138020254047000.
INTIME-SE a Comissão Guarani Yvyrupa dos atos do processo, na pessoa da referida advogada, NOTIFICANDO-A, ademais, para que apresente instrumento de procuração nos presentes autos e nos autos conexos de n. 50234138020254047000, ou justifique a impossibilidade de fazê-lo. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação, conforme art. 5, da lei n. 8.906/1994 e art. 104, §4, CPC.
INTIMEM-SE as partes a respeito deste despacho. ANEXO cópia desta deliberação no eproc conexo.
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