Processo nº 5024306-25.2023.8.24.0930
ID: 280876529
Tribunal: TJSC
Órgão: Diretoria de Recursos e Incidentes
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5024306-25.2023.8.24.0930
Data de Disponibilização:
27/05/2025
Polo Passivo:
Advogados:
MILTON LUIZ CLEVE KUSTER
OAB/SC XXXXXX
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EMERSON LUIZ SOUZA DA SILVA
OAB/PR XXXXXX
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HERON ROCHA SILVA
OAB/PR XXXXXX
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Apelação Nº 5024306-25.2023.8.24.0930/SC
APELANTE
: JOSE VICENTE DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: EMERSON LUIZ SOUZA DA SILVA (OAB PR111284)
ADVOGADO(A)
: HERON ROCHA SILVA (OAB PR103068)
APELANTE
: C…
Apelação Nº 5024306-25.2023.8.24.0930/SC
APELANTE
: JOSE VICENTE DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: EMERSON LUIZ SOUZA DA SILVA (OAB PR111284)
ADVOGADO(A)
: HERON ROCHA SILVA (OAB PR103068)
APELANTE
: CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS (RÉU)
ADVOGADO(A)
: MILTON LUIZ CLEVE KUSTER (OAB SC017605)
DESPACHO/DECISÃO
I. Crefisa S.A. Crédito Financiamento e Investimentos e José Vicente da Silva interpuseram recursos de apelação cível em face da sentença do Evento 27 dos autos de origem, que, proferida pelo 19º Juízo da Unidade Estadual de Direito Bancário, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais (
evento 34, DOC1
), o que se deu nos seguintes termos:
I.
Ingressa
JOSE VICENTE DA SILVA
com ação de rito comum em face de CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS. Acerca dos fatos que motivaram o ingresso desta demanda, a parte autora relatou ter celebrado com a ré contratos de empréstimo. Salientou que os instrumentos contratuais possuem cláusulas abusivas as quais prejudicam o seu regular cumprimento. Em decorrência disso, requereu a revisão da taxa de juros remuneratórios, bem assim a condenação à restituição dos valores cobrados em excesso.
Recebida a exordial, foi invertida a ordem probatória, concedido à parte autora o benefício da justiça gratuita e determinada a citação da contraparte.
Citada, a parte ré ofereceu defesa na forma de contestação e impugnou especificamente as alegações vertidas na exordial, defendendo a regularidade do pacto e consequente improcedência da demanda. Em preliminar, alegou a conexão, bem como impugnou à justiça gratuita.
Réplica.
A preliminar quanto à prescrição restou afastada, bem como intimada a parte ré para apresentar os demais contratos firmados entre as partes.
Juntou a ré os documentos no evento 28.
Manifestação da parte demandante.
Relato do essencial.
II.
Causa madura.
É desnecessária a produção de outra espécie de prova além da documental já materializada nos autos (art. 443, inc. I, do CPC), sobretudo no caso em apreço, em que a simples leitura do contrato é suficiente para o exame das cláusulas (cf. TJSC, Apelação Cível n. 0001638-56.2010.8.24.0040, de Laguna, rel. Des. Tulio Pinheiro, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 31-10-2018), cuja impugnação envolve matéria essencialmente de direito (cf. TJSC, Apelações Cíveis ns. 02.006097-1 e 00.024037-0, de Abelardo Luz, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 24/2/2005). Sendo assim, julgo antecipadamente o pedido (art. 355, inc. I, do CPC).
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Antes do exame das questões preliminares, bem como da análise do mérito, é necessária a qualificação da relação jurídica, na medida em que essa operação é primordial para a resolução das controvérsias inseridas em ambos os capítulos desta sentença.
No ponto, destaca-se que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à espécie mostra-se imperativa, não só pela menção aos serviços "
de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária
" (art. 3º, § 2º, da Lei n. 8.078/90) — cujo trecho foi considerado constitucional pelo STF (ADI 2591, rel. Min. Carlos Velloso, rel. p/ acórdão Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, j. 7/6/2006, DJ 29/9/2006, p. 31) —, mas também pelo disposto no Enunciado n. 297 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual “
o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras
”.
Consequentemente "é cabível a inversão do ônus da prova", uma vez que, sendo "direito básico do consumidor a revisão de cláusulas contratuais que se apresentem abusivas, impõe-se se lhe assegure a "facilitação da defesa de seus direitos" (art. 6º, V e VIII, do CDC). (TJSC, Apelação Cível n. 2004.036107-2, de Tubarão, rel. Des. Paulo Roberto Camargo Costa, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 28/2/2008).
A preliminar quanto à prescrição já restou apreciada.
Outrossim, indefere-se o pedido de exibição dos extratos bancários solicitados no
evento 32, PET1
, visto que compete ao consumidor comprovar o pagamento dos empréstimos em questão.
Sobre o tema, colhe-se da jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO C/C DEVOLUÇÃO DE VALORES. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA AUTORA. APELANTE QUE AFIRMA TER CELEBRADO CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE CAMINHÕES COM O APELADO, QUITADO A MAIOR PARTE DAS PRESTAÇÕES E DEVOLVIDO OS VEÍCULOS À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, ALMEJANDO O RECEBIMENTO DA QUANTIA CORRESPONDENTE À DIFERENÇA ENTRE O VALOR DA VENDA E DA AMORTIZAÇÃO DA DÍVIDA. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE ACERCA DOS CONTRATOS, DETERMINADA EM SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS, QUE NÃO BASTA PARA ACOLHER A PRETENSÃO DA AUTORA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO PAGAMENTO DAS PARCELAS DO FINANCIAMENTO E DA ENTREGA DO VEÍCULO. ÔNUS DA AUTORA DE COMPROVAR O FATO CONSTITUTIVO DE SEU DIREITO (ART. 373, I, CPC).
IMPOSSIBILIDADE DE ATRIBUIR AO BANCO O ÔNUS DA PRODUÇÃO DE PROVA NEGATIVA.
AUSÊNCIA DE QUALQUER RECIBO DE PAGAMENTO E DO TERMO DE ENTREGA AMIGÁVEL DO BEM. MANUTENÇÃO DA IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO QUE SE IMPÕE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO CARACTERIZAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO EM RAZÃO DO TRABALHO ADICIONAL REALIZADO EM GRAU RECURSAL (ART. 85, § 11, CPC). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0300005-66.2017.8.24.0047, de Papanduva, rel. Soraya Nunes Lins, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 15-02-2018) - grifado.
Mérito
Possibilidade de revisão: relativização do
pacta sunt servanda.
Diante da aplicação do Código de Defesa do Consumidor à espécie, "[a] revisão dos contratos é possível em razão da relativização do princípio
pacta sunt servanda
, para afastar eventuais ilegalidades, ainda que tenha havido quitação ou novação" (STJ, AgRg no REsp 879.268/RS, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, Quarta Turma, j. 06/02/2007,
DJ
12/03/2007, p. 254).
Impossibilidade de revisão de ofício.
Ainda que sedimentado que o Código de Defesa do Consumidor se aplique ao caso, isto não enseja a revisão de ofício das cláusulas contratuais não atacadas. A propósito do assunto, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 381 (publicada no DJe de 5/5/2009), que dispõe o seguinte:
“Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”
. Anote-se que este entendimento já estava pacificado na Segunda Sessão do STJ (vide REsp n. 541153/RS, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 8/6/2005).
Passo, assim, a examinar as cláusulas que foram individualmente impugnadas.
Encargos impugnados para o período da normalidade
Juros remuneratórios.
O fato de o Código de Defesa do Consumidor ser aplicado aos contratos bancários não significa que toda a taxa de juros que supere os 12% ao ano deva ser considerada abusiva (Súmula n. 382 do STJ), sobretudo porque "[a]s disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros [...] nas operações realizadas por instituições [...] que integram o Sistema Financeiro Nacional" (Súmula n. 596 do STF). Aliado a isso, a norma constitucional que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano (o revogado § 3º do art. 192) não era autoaplicável (Súmula Vinculante n. 7 e Súmula n. 648, ambas do STF).
Os juros remuneratórios, portanto, limitam-se ao percentual contratado, que será cotejado com a "taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil" (Súmula n. 296 do STJ) "à época do pacto", excluídas as "cédulas e notas de crédito rural, comercial e industrial" (Enunciado I do Grupo de Câmaras de Direito Comercial do TJSC,
DJe n. 119
, de 8/1/2007). A abusividade dos juros remuneratórios, no entanto, "só pode ser declarada, caso a caso, à vista de taxa que comprovadamente discrepe, de modo substancial, da média do mercado na praça do empréstimo, salvo se justificada pelo risco da operação" (STJ, REsp 407.097/RS, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, rel. p/ acórdão Min. Ari Pargendler, Segunda Seção, j. 12/3/2003,
DJ
29/9/2003, p. 142).
Todavia, as taxas de operações de crédito (taxas médias) somente passaram a ser divulgadas a partir da Circular n. 2.957, de 30 de janeiro de 1999, estando disponíveis no portal do Banco Central do Brasil.
Assim, a controvérsia relativa aos juros remuneratórios deve ser resolvida da seguinte forma:
A)
Contratos firmados antes de janeiro de 1999
: diante da falta de divulgação de índices financeiros para o período, duas são as alternativas:
1)
mantém-se a taxa de juros contratada; ou
2)
não havendo contratação da taxa de juros, esses devem esbarrar no percentual de 12%. Nesse sentido: STJ, AgRg no REsp 723778/RS, rel. Min. Jorge Scartezzini, Quarta Turma, j. 3/11/2005,
DJ
de 21/11/2005, p. 256; e, TJSC, Apelação Cível n. 2005.003610-3, de Chapecó, rel. Des. Edson Ubaldo, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 12/6/2007.
B)
Contratos firmados a partir de janeiro de 1999
: nesses casos, observam-se os seguintes limites:
1)
juros contratados não superam as taxas médias divulgadas na tabela do Bacen: mantém-se os juros contratados;
2)
superadas as taxas médias: adota-se corrente que admite certa variação, dês que não exceda 10% da taxa média divulgada pelo Banco Central. Nesse sentido:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. (...) NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA À TAXA MÉDIA DE MERCADO ANUNCIADA PELO BACEN. ENTENDIMENTO DO STJ CORROBORADO NOS ENUNCIADOS DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL.
PERCENTUAL QUE EXTRAPOLA O LIMITE JURISPRUDENCIAL ESTABELECIDO DE 10% POR CENTO.
PRECEDENTE DESTE TRIBUNAL E DESTE COLEGIADO. PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS.(...) RECURSOS CONHECIDOS. RECURSO DA PARTE AUTORA PROVIDO. RECURSO DA PARTE RÉ PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 5097116-32.2022.8.24.0930, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Stephan K. Radloff, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 26-03-2024) -
grifado
;
3)
juros remuneratórios não contratados: adota-se a taxa média do período. Nesse sentido: TJSC, Agravo (§ 1º art. 557 do CPC) em Apelação Cível n. 2010.012877-0, de Rio Negrinho, rel. Des. Ricardo Fontes, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 15/4/2010.
Compulsando os autos, verifica-se que o caso em testilha deve ser analisado com base na tabela disponibilizada pelo Banco Central (hipótese prevista no item B-2, acima).
Referidos documentos apontam para as seguintes taxas de juros remuneratórios (quadro “Condições Contratuais”):
Número do Contrato
030600030098
Tipo de Contrato
25464 - Taxa média mensal de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal não consignado
Juros Pactuados (%)
22
Data do Contrato
20/06/2018
Juros BACEN na data (%)
6,58
10%
7,238
Excedeu em 10%?
SIM
Número do Contrato
030600040394
Tipo de Contrato
25464 - Taxa média mensal de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal não consignado
Juros Pactuados (%)
22
Data do Contrato
18/10/2018
Juros BACEN na data (%)
7,04
10%
7,744
Excedeu em 10%?
SIM
Número do Contrato
033400000958
Tipo de Contrato
25464 - Taxa média mensal de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal não consignado
Juros Pactuados (%)
22
Data do Contrato
24/03/2017
Juros BACEN na data (%)
7,38
10%
8,118
Excedeu em 10%?
SIM
Número do Contrato
03340002032
Tipo de Contrato
25464 - Taxa média mensal de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal não consignado
Juros Pactuados (%)
22
Data do Contrato
25/09/2017
Juros BACEN na data (%)
7,08
10%
7,788
Excedeu em 10%?
SIM
Já os contratos de refinanciamento aplicam-se a
série
"25465 - Taxa média mensal de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal não consignado vinculado à
composição
de dívidas".
Sobre o assunto:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DE AMBAS AS PARTES.
RECLAMO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. EFEITO SUSPENSIVO. ANÁLISE PREJUDICADA EM RAZÃO DO JULGAMENTO. PRELIMINARES. (...)
RECLAMO DA PARTE CONSUMIDORA. PEDIDO DE READEQUAÇÃO DA
SÉRIE
TEMPORAL ESPECÍFICA EM RELAÇÃO A QUATRO CONTRATOS. ACOLHIMENTO. CONTRATOS COM CLÁUSULA DE CONFISSÃO DE
DÍVIDA
.
UTILIZAÇÃO DA
SÉRIE
25465.
SÉRIE
CORRETA PARA OPERAÇÕES QUE VISAM COMPOR DÍVIDAS ANTERIORES.
DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. ACOLHIMENTO. ABUSIVIDADE DOS JUROS REMUNERATÓRIOS CONFIRMADA. PRECEDENTE DO STJ. TEMA 28. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS POR EQUIDADE. AFASTAMENTO. VERBA HONORÁRIA MANTIDA CONFORME NA ORIGEM.
SENTENÇA REFORMADA. ÔNUS SUCUMBENCIAIS INALTERADOS. HONORÁRIOS RECURSAIS INCABÍVEIS. VERBA ARBITRADA NO TETO MÁXIMO NA ORIGEM. RECURSOS CONHECIDOS, PARCIALMENTE PROVIDO O APELO DA PARTE CONSUMIDORA E DESPROVIDO O RECURSO DO BANCO.
(TJSC, Apelação n. 5038526-62.2022.8.24.0930, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Stephan K. Radloff, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 19-03-2024).
Número do Contrato
030600029725
Tipo de Contrato
25465 - Taxa média mensal de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal não consignado vinculado à composição de dívidas
Juros Pactuados (%)
18,5
Data do Contrato
08/05/2018
Juros BACEN na data (%)
4,12
10%
4,532
Excedeu em 10%?
SIM
Número do Contrato
030600040134
Tipo de Contrato
25465 - Taxa média mensal de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal não consignado vinculado à composição de dívidas
Juros Pactuados (%)
20
Data do Contrato
11/09/2018
Juros BACEN na data (%)
3,91
10%
4,301
Excedeu em 10%?
SIM
Número do Contrato
030600040850
Tipo de Contrato
25465 - Taxa média mensal de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal não consignado vinculado à composição de dívidas
Juros Pactuados (%)
22
Data do Contrato
11/01/2019
Juros BACEN na data (%)
3,95
10%
4,345
Excedeu em 10%?
SIM
Número do Contrato
033400002609
Tipo de Contrato
25465 - Taxa média mensal de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal não consignado vinculado à composição de dívidas
Juros Pactuados (%)
05/01/2018
Data do Contrato
05/01/2018
Juros BACEN na data (%)
4,08
10%
4,488
Excedeu em 10%?
SIM
Número do Contrato
033400001931
Tipo de Contrato
25465 - Taxa média mensal de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal não consignado vinculado à composição de dívidas
Juros Pactuados (%)
22
Data do Contrato
11/09/2017
Juros BACEN na data (%)
4,1
10%
4,51
Excedeu em 10%?
SIM
Desse modo, considerando que os juros praticados excedem o percentual que representa a taxa média de mercado em mais de 10%, estes devem ser reduzidos para o referido limite (percentual previsto na Tabela das Operações Ativas do Bacen).
Repetição do indébito.
Registro, por oportuno, que a devolução será na forma simples, a teor do que dispõem os arts. 876 e 940 do Código Civil, e 42, parágrafo único da Lei n. 8.078/90.
Ressalta-se que este Juízo entende que, em casos como os da presente demanda, a restituição deve-se dar em dobro. Todavia, considerando que a parte autora pleiteou a devolução na forma simples, deve a sentença se limitar à pretensão, sob pena de julgamento
ultra petita
.
Neste sentido, já se manifestou o e. TJSC:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL, CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER, RESTITUIÇÃO DE VALORES E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA.
[...] BANCO RÉU QUE DEVE RESTITUIR, DE FORMA SIMPLES, OS VALORES DESCONTADOS DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA PARTE AUTORA, SENDO PERMITIDA A COMPENSAÇÃO. EM QUE PESE O ENTENDIMENTO DESTA CÂMARA PELA REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO, NO CASO CONCRETO A PARTE AUTORA/APELANTE REQUEREU A RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES. DESSARTE, SOB PENA DE JULGAMENTO ULTRA PETITA, A RESTITUIÇÃO DOS VALORES DESCONTADOS PELO BANCO SE DARÁ NA FORMA SIMPLES, E NÃO DOBRADA. RECURSO PROVIDO NO PONTO. [...] (TJSC, Apelação n. 5003192-27.2021.8.24.0016, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Dinart Francisco Machado, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 26-05-2022).
Assim, reputa-se devida a restituição/compensação de valores a maior, em favor da parte autora, mas de forma simples.
III.
Procedem
os pedidos formulados na inicial para revisar os contratos acostados nos autos, da seguinte forma:
a) reduzir os juros pactuados à média das taxas tabeladas pelo Bacen para a época da contratação
b) acolher o pedido de repetição do indébito, determinando sejam restituídas, deduzidas ou compensadas do valor do débito,
de forma simples
, as quantias eventualmente pagas a maior por conta da cobrança dos encargos ora expurgados, acaso apurada a existência de crédito em favor da parte autora, nos termos dos arts. 368, 876 e 940 do Código Civil de 2002, além do art. 42, parágrafo único, da Lei n. 8.078/90;
Condena-se a parte ré ao pagamento das custas e dos honorários, estes arbitrados por apreciação equitativa em R$ 4.000,00 conforme a tabela do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 85, parágrafos 8º e 8º- A do Código de Processo Civil).
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Transitada em julgado esta sentença: a) promova-se a cobrança das despesas processuais (Provimento n. 08/2007-CGJ); e b) arquivem-se os autos.
Opostos embargos de declaração, foram os aclaratórios rejeitados pelo juízo singular (
evento 52, DOC1
).
Apelações interpostas por ambas as partes.
Interposta apelação pela instituição financeira demandada, ela sustenta, em síntese, que: (a) nula a sentença por ausência de fundamentação, e por cerceamento de defesa diante da necessidade de produção de prova pericial; (b) prescrito o direito de ação; (c) impossível a revisão de encargos voluntariamente contratados, de maneira que as cláusulas contratuais devem ser mantidas em seus exatos termos; (d) inexiste limitação legal à taxa de juros pactuada, não sendo a lei da usura aplicável às instituições financeiras, e tampouco constituindo a taxa média de mercado um teto aos juros praticados, notadamente quando a formação da taxa de juros leva em conta critérios como a natureza do crédito e o perfil do tomador; (e) incabível a repetição de indébito porque nada cobrou de ilegal da parte adversa. Pugna pelo provimento do recurso com a reforma da decisão objurgada e a redistribuição da responsabilidade pelos ônus sucumbenciais (
evento 60, DOC1
).
Por sua vez, em seu recurso, sustenta o autor, em suas razões, que, uma vez reconecida a abusividade dos juros remuneratórios contratados, sua limitação deve se dar à própria média de mercado dvulgada pelo Banco Central, não a índices superiores. Requer o provimento do recurso com a reforma da decisão combatida (
evento 41, DOC1
).
Contrarrazões de ambas as partes, nas quais cada litigante rebate os argumentos do respectivo adversário, defendendo o desprovimento do recurso (
evento 62, DOC1
e
evento 67, DOC1
).
Os autos ascenderam a este egrégio Tribunal de Justiça, vindo-me às mãos por sorteio, oportunidade em que, constatada a possibilidade de inépcia da petição inicial por violação ao art. 330, § 2º, do CPC/2015, foi intimado o autor para manifestação sobre o tema, tendo ele se pronunciado no
evento 18, DOC1
.
É o relatório.
II.
Admissibilidade e Fundamentação
É de se antecipar que não devem ser conhecidos os recursos de ambas as partes, pois prejudicados diante da necessidade desta relatoria se manifestar, preliminarmente, acerca de questão de ordem pública, conhecível de ofício a qualquer tempo e grau de jurisdição, e cuja análise importará na extinção da demanda de origem, conforme restará esclarecido durante a fundamentação:
Preliminarmente
:
Da necessidade de cassação da sentença: ausência de requisitos da petição inicial e revisão contratual promovida de ofício
Antes de adentrar na análise das razões recursais vertida pela parte recorrente, mister esclarecer que, a simples interposição de apelação não apenas devolve ao tribunal o conhecimento da matéria debatida, para revisão, mas permite, a esta Corte, por meio do efeito translativo de que goza o recurso, conhecer, mesmo de ofício, e sem que isso importe em
reformatio in pejus
, as questões de ordem pública que permeiam o julgamento da lide.
Neste sentido, a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, ao examinar a aplicação do art. 267, § 3º, do CPC/73, equivalente ao art. 485, § 3º, da legislação processual atual:
"Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, '
é possível a aplicação, pelo Tribunal, do efeito translativo dos recursos em sede de agravo de instrumento, extinguindo diretamente a ação independentemente de pedido
, se verificar a ocorrência de uma das causas referidas no art. 267, § 3º, do CPC' (STJ, REsp 736.966/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 06/05/2009)" (AgRg no AREsp 381.285/PE, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 03/05/2018, DJe 09/05/2018, grifou-se).
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXTINÇÃO DO FEITO, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, NO JULGAMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO.
EFEITO TRANSLATIVO DO RECURSO. POSSIBILIDADE. RECONHECIMENTO DE ILEGITIMIDADE DE PARTE. CONDIÇÕES DA AÇÃO. ART. 267, § 3º, DO CPC/73. REFORMATIO IN PEJUS
. INOVAÇÃO RECURSAL, EM SEDE DE AGRAVO REGIMENTAL. IMPOSSIBILIDADE. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 397 E 398 DO CPC/73. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I. Agravo Regimental aviado contra decisão monocrática publicada na vigência do CPC/73, que, por sua vez, julgara recurso interposto contra decisum publicado na vigência do CPC/73.
II. Na hipótese, o Tribunal de origem, ao apreciar Agravo de Instrumento em que era postulada a antecipação dos efeitos da tutela, indeferida em 1º Grau, acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva do ora agravado e julgou extinta a ação, ajuizada pelo agravante, ex-Prefeito municipal, na qual buscava a desconstituição de decisão do Tribunal de Contas Estadual, que julgara irregular a prestação de contas do exercício financeiro de 2006.
III. De acordo com o art. 267, § 3º, do CPC/73 (art. 485, § 3º, do CPC/2015), "
o juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e Vl", inclusive da matéria relativa às condições da ação
.
IV. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "
é possível a aplicação, pelo Tribunal, do efeito translativo dos recursos em sede de agravo de instrumento, extinguindo diretamente a ação independentemente de pedido
, se verificar a ocorrência de uma das causas referidas no art. 267, § 3º, do CPC" (STJ, REsp 736.966/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe de 06/05/2009). Nesse sentido: STJ, REsp 302.626/SP, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, DJe de 04/08/2003; AgRg nos EDcl no AREsp 396.902/ES, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, DJe de 16/09/2014; REsp 1.490.726/SC, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, DJe de 30/10/2017; REsp 1.188.013/ES, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe de 08/09/2010.
V. A questão envolvendo a ocorrência de reformatio in pejus somente foi suscitada, pelo agravante, em petição na qual é impugnado o parecer do Ministério Público Federal, e no presente Agravo Regimental, tratando-se de verdadeira inovação recursal, motivo pelo qual é inviável o exame da matéria.
VI. Ainda que fosse superado tal óbice, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que "
o controle pelo Tribunal de origem sobre condição da ação, matéria de ordem pública, pode ser realizado ex officio, sem que se possa falar em reformatio in pejus"
(STJ, AgRg no REsp 1.397.188/AL, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 27/11/2013). Em igual sentido: STJ, AgRg no AgRg no REsp 1.218.791/PE Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 12/09/2011. VII. Não tendo o acórdão hostilizado expendido qualquer juízo de valor sobre os arts. 397 e 398 do CPC/73, a pretensão recursal esbarra em vício formal intransponível, qual seja, o da ausência de prequestionamento - requisito viabilizador da abertura desta instância especial -, atraindo o óbice da Súmula 282 do Supremo Tribunal Federal ("É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada"), na espécie.
VIII. Agravo Regimental improvido. (AgRg no AREsp 381.285/PE, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 03/05/2018, DJe 09/05/2018, grifou-se)
Dentre tais matérias de ordem pública, conhecíveis de ofício a qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto a demanda não for resolvida por decisão com trânsito em julgado, encontram-se algumas das causas de extinção do processo sem resolução de mérito, como a ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular (art. 485, IV e § 3º, do CPC/2015).
Ora, para o desenvolvimento válido e regular do processo, é preciso, a princípio, que a petição inicial satisfaça os requisitos legalmente impostos para sua admissão.
Acerca dos requisitos da petição inicial, assim disciplina o Código de Processo Civil de 2015:
Art. 319. A petição inicial indicará:
I - o juízo a que é dirigida;
II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu;
III -
o fato e os fundamentos jurídicos do pedido
;
IV -
o pedido com as suas especificações
;
V - o valor da causa;
VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;
VII - a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.
Em se tratando dos fundamentos jurídicos e do pedido com suas especificações no que tange às ações que tem por objeto a revisão de contratos bancários, assim complementa o art. 330, § 2º, do mencionado diploma legal:
Art. 330. A petição inicial será indeferida quando:
[...]
§ 1º Considera-se inepta a petição inicial quando:
I - lhe faltar pedido ou causa de pedir;
[...]
§ 2º
Nas ações que tenham por objeto a revisão de obrigação decorrente de empréstimo, de financiamento ou de alienação de bens, o autor terá de,
sob pena de inépcia, discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, além de quantificar o valor incontroverso do débito
.
[...]
Nesse sentido, portanto, a imposição específica do art. 330, § 2º, do CPC/2015 para as causas em que se impugna contratos de empréstimo e financiamento, somente vem externar um dever processual que já cabia mesmo à parte autora, consumidora ou não, de que ao propor a ação, deve indicar de forma específica e fundamentada as razões pelas quais entende ter sido violado seu direito e pelas quais faz jus à tutela jurisdicional (art. 319, III e IV do mencionado diploma legal), formulando de forma congruente pedido certo e determinado vinculado aos fundamentos respectivamente indicados.
Vale dizer que:
[...]
A função jurisdicional não se destina a resolver questões fundadas sobre hipóteses teóricas, ou sobre preceitos normativos em tese. Ela se desenvolve sobre situações concretas
.
É por isso que a norma processual exige como requisito de toda e qualquer petição inicial a indicação dos fatos da causa
(CPC, art. 282, III), bem como ela venha acompanhada dos correspondentes "documentos indispensáveis" (CPC, art. 283). (REsp 1111164/BA, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 13/05/2009, DJe 25/05/2009, grifou-se)
Sobre os fundamentos que compõem a causa de pedir, Rodrigo da Cunha Lima e Renato Montans ensinam que:
O sistema processual brasileiro adota como fundamento da causa de pedir a teoria da substanciação, ou seja,
não basta alegar a lesão ou ameaça ao direito, mas é preciso dizer também a origem desse mesmo direito
(v.g., não basta dizer que é credor, é necessário também dizer por que é credor). Essa teoria se opõe à da individuação, na qual basta narrar o fundamento jurídico" (FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima; MONTANS, Renato. Processo Civil II: processo de conhecimento. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 29, grifou-se).
Ao impugnar contratos de empréstimo e financiamento, por conseguinte, é dever da parte autora especificar fundamentadamente as obrigações que pretende controverter, demonstrando o vínculo concreto de cada obrigação com com as cláusulas do contrato impugnado, bem como quantificar a parcela incontroversa do financiamento que deverá continuar sendo paga a tempo e modo, de sorte que, o que não impugnado, não poderá ser objeto de decisão pelo juízo.
E não é à toa a obrigação de que a parte demandante fundamente de forma específica seus pedidos, pois a delimitação específica da causa de pedir e do pedido é que irão balizar a atuação do órgão jurisdicional cujo dever de julgamento deve observar os limites objetivos da lide.
Acerca da matéria, pertinente é a lição de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:
Na petição inicial o autor apresenta uma causa que deve justificar o pedido que é dirigido ao órgão jurisdicional. Trata-se da causa de pedir, ou seja, das razões fáticas e jurídicas que justificam o pedido.
É correto dizer que o autor deve afirmar um fato e apresentar o seu nexo com um efeito jurídico. O autor, em outras palavras, narra o fato que constitui o direito por ele afirmado.
[...]
De todo modo, é fundamental a correta individualização da demanda. É essa determinação que servirá para se examinar o objeto do litígio e, também, os limites da sentença e da coisa julgada que sobre esta incidirá.
Em certos casos, aliás, a própria lei exige a completa e específica determinação dessa questão, impondo mesmo sanções para uma inadequada definição da causa petendi. Em certas situações, aliás, a lei brasileira vai além, sancionando até mesmo a "incompleta" apresentação do litígio e impondo o oferecimento de todas as causas de pedir possíveis
.
[...]
De certo modo, mecanismo semelhante é empregado pelo art. 285-B, do CPC, que
prevê que "nos litígios que tenham por objeto obrigações decorrentes de empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso". Ou seja, segundo o preceito, determinada a causa de pedir que embasa a controvérsia, quaisquer outras questões referentes à obrigação envolvida permanecem exigíveis, devendo o obrigado adimpli-las pontual e corretamente
(art. 285-B, §§ 1º e 2º, do CPC).
Somente sobre aquilo que efetivamente é discutido no processo é que incidem efeitos da solução judicial, de modo que o restante não é atingido pela "litispendência"
. (Processo de Conhecimento. 12. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, fls. 75-75, grifou-se).
Com efeito, se, por um lado, a previsão constitucional do princípio do acesso à Justiça tem por finalidade garantir ao jurisdicionado a possibilidade de reclamar do Poder Judiciário a proteção contra lesão ou ameaça a seus direitos, por outro, a atuação jurisdicional se limita a confirmar a existência de um direito que o jurisdicionado já concluiu possuir. Ou seja, a garantia do acesso à justiça não consiste em autorização constitucional para que os cidadãos tratem o Judiciário como loteria ou casa de apostas, lançando-se em aventuras jurídicas com a mera expectativa de tentar a sorte.
Logo, na medida em que é dever ético e legal das partes e seus procuradores não formular pretensão quando cientes que destituída de fundamento (art. 77, II, do CPC/2015), o agir ético e mesmo a demonstração de interesse processual exigem que, ao formular judicialmente pedido de revisão contratual, o demandante já tenha conhecimento prévio do conteúdo do contrato que pretende impugnar. Diga-se, não há como o autor concluir que o pacto encontra-se eivado de ilegalidade quando sequer sabe o que está ou não contratado.
Não basta, assim, ao cumprimento dos requisitos processuais, que a parte autora teça formulações genéricas impugnando encargos contratuais somente em tese, e requerendo por consequência a revisão contratual, não identificando com clareza e de forma fundamentada as obrigações contratuais as quais pretende a revisão, sem demonstrar que tem conhecimento do que previsto no pacto, e nem especificar o que entende por ilegal no contrato e por qual motivo.
De tal modo, o ônus de fundamentação específica previsto no art. 330, § 2º, do CPC/2015, ao contrário do que muitos possam entender, não se trata de um limitador do acesso à justiça, mas sim de um verdadeiro mecanismo de concretização do dever de cooperação de que tem as partes em juízo, demonstrando o verdadeiro interesse do autor em impugnar o pacto, ao mesmo tempo em que impede o abarrotamento do Judiciário com ações desprovidas de fundamento, ajuizadas por quem almeja revisar um contrato sem nem ter ideia se alguma ilegalidade mesmo este possui, já que é vedado ao julgador, ainda que sob o manto do CDC, revisar cláusulas contratuais de ofício.
É o que externa a Súmula 381/STJ ao estabelecer que: "
Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas
" (grifou-se).
Acerca da matéria, aliás, vale citar decisão do Órgão Especial deste Tribunal de Justiça que apreciou a constitucionalidade do art. 285-B do CPC/73 (equivalente ao art. 330, § 2º, da legislação processual atual):
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 285-B DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL INQUINADO DE INCONSTITUCIONAL, PELOS SEGUINTES FUNDAMENTOS: A) OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO, POIS O DISPOSITIVO FOI INTRODUZIDO POR MEIO DE EMENDA PARLAMENTAR SEM PERTINÊNCIA TEMÁTICA À MATÉRIA DO PROJETO ORIGINAL DE CONVERSÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA, EM DESCONFORMIDADE COM O TEXTO DOS ARTS. 59 E 61, § 1º, INC. I, ALÍNEA 'B', DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA; B) AUSÊNCIA DE OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS DA URGÊNCIA E DA NECESSIDADE, EXIGIDOS NA EDIÇÃO DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS, CONFORME PRECEITUA O ART. 62, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
TESE DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DO ART. 285-B DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL QUE DEVE SER AFASTADA POR AUSÊNCIA DE OFENSA AS NORMAS CONSTITUCIONAIS APONTADAS COMO PARÂMETRO PARA AFERIÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE. REDAÇÃO DOS ARTS. 59, 61, § 1º, INC. I, ALÍNEA 'B', e 62, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA QUE NÃO EXIGE QUE AS EMENDAS PARLAMENTARES, PROPOSTAS EM PROJETO DE CONVERSÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA, GUARDEM PERTINÊNCIA TEMÁTICA E TAMPOUCO QUE OBSERVEM OS REQUISITOS DE URGÊNCIA E NECESSIDADE. EVENTUAL DESCUMPRIMENTO DO ART. 7º, INC. II, DA LEI COMPLEMENTAR FEDERAL N. 95/1998 E DO ART. 4º, § 4º, DA RESOLUÇÃO N. 01/2002 DO CONGRESSO NACIONAL, QUE NÃO PODE SER APONTADO COMO PARÂMETRO EM ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, POR SE TRATAREM DE NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS.
TEXTO DO ART. 285-B DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL QUE NÃO ENSEJA ÓBICE AO ACESSO À JUSTIÇA, POIS TRATA-SE DE DISPOSITIVO CONCRETIZADOR DOS PRINCÍPIOS DA EFETIVIDADE, DA ECONOMIA PROCESSUAL E DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. (Arguição de Inconstitucionalidade em Agravo de Instrumento n. 2014.001566-4/0001.00, Relator Designado Des. Nelson Schaefer Martins, j. 26-6-15).
Sobre o tema, ainda, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, ao comentarem o art. 319, III, do Código de Processo Civil de 2015, discorrem de forma pertinente sobre o ônus de alegação, elucidando que:
Assim como é vedado ao juiz julgar a causa genericamente, fundamentando de forma vaga e desligada do caso concreto a sua decisão (art. 489, §§ 1º e 2º, do CPC), também é defeso à parte alegar genericamente na petição inicial o seu direito. Em outras palavras, assim como há dever judicial de fundamentação analítica, há simetricamente ônus de alegação específica das partes. Isso quer dizer que a parte tem o ônus de sustentar justificadamente suas posições jurídicas na petição inicial
(art. 319, III, CPC) - e o mesmo vale, por uma questão de igualdade (arts. 5º, I, CF, e 7º, CPC), para o réu na contestação (art. 336, CPC). (Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2015, fl. 339, grifou-se).
Dito isso, e examinada a petição inicial, verifica-se que o autor se limita a requer a revisão dos contratos firmados com a parte contrária sem sequer identificar os valores dos créditos contratados e datas de contratação, se restringindo, no mais, a formular alegações genéricas acerca de supostas abusividades contratuais, não apontando as taxas de juros remuneratórios previstas/aplicadas em cada contrato impugnado (nem contrapondo referidas taxas às correspondentes médias de mercado que almeja ver aplicadas), apenas requerendo a limitação dos juros remuneratórios de todos os pactos por considerá-los abusivos, mas não tratando de fundamentar de forma específica o que reputa ilegal e por qual motivo, sem qualquer compromisso de vinculação da inicial às previsões contratuais específicas/concretas, ou seja, sem sequer saber o que estava contratado, afirmando que as cláusulas abusivas devem ser extirpadas, e requerendo, com base na aplicação do Código de Defesa do Consumidor e na inversão do ônus da prova, a revisão dos encargos ilegais constantes de todos os pactos firmados com a instituição financeira demandada, nem mesmo apontando a quantia que efetivamente entende cobrada a maior e aquela a qual acha devida e como teria chegada a tal valor.
Frisa-se que o próprio autor reconhece na petição inicial que não dispõe de cópias dos contratos e nem tem conhecimento das taxas de juros e demais encargos que efetivamente incidiram durante a vigência dos pactos, afirmando que depende da exibição de documentos pela parte contrária para trazer mais elementos referentes aos juros cobrados e cumprir os requisitos do art. 330, § 2º, do CPC/2015.
Ora, ainda que o demandante se trate de consumidor, ele somente teria interesse em propor a revisão de pacto que já concluiu previamente ser ilegal, mas esta conclusão deve, logicamente, estar fundamentada, a partir da demonstração das cláusulas que reputa ilegais e dos motivos que levam a tal conclusão, e da indicação do valor que entende estar pagando a maior e como chegou a tal valor, permitindo ao magistrado a devida análise da subsunção do pacto aos ditames legais.
Desta sorte, sem acesso aos pactos, caberia àquele, antes de postular a revisão judicial de contratos, ingressar com a devida ação de produção antecipada de provas, postulando a exibição de documentos no intuito de conhecer o conteúdo contratado, e assim elaborar petição inicial que cumprisse os respectivos requisitos legais, o que não tratou de observar.
A inépcia da inicial ressoa, portanto, patente quando confrontadas as circunstâncias dos autos às disposições contidas nos arts. 319, III e 330, § 2º, do CPC/2015, o que exigiria que o juízo de origem tivesse, num primeiro momento, observado o mandamento contido no art. 321 do mencionado diploma processual, segundo o qual:
Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.
Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial.
Entretanto, o togado singular recebeu a inicial genérica sem que fosse o autor provocado à respectiva e necessária emenda, determinando o juízo a citação da parte demandada com a obrigação de apresentação de documentos.
E como se observa, após a apresentação da contestação pela casa bancária e o consequente curso da demanda, o magistrado de primeiro grau profere sentença que, ao decidir o litígio, ignora a inépcia da exordial, acolhendo as alegações genéricas da parte autora como se suficientes ao atendimento dos requisitos da petição inicial, promovendo, assim, a revisão genérica e de ofício de contratos mantidos entre as partes (mesmo não sendo estes alvo de impugnação específica), limitando os juros remuneratórios às respectivas médias de mercado acrescidas de 50% (cinquenta por cento), descaracterizando a mora e determinando a repetição de indébito.
Vale destacar, sobre a questão, que não se mostra hábil a sanar o vício da exordial a inversão do ônus probatório com a mera determinação de apresentação, pela parte demandada, dos contratos impugnados,
o que apenas serviria para confirmar o teor de impugnações específicas já efetuadas pela parte autora na inaugural - ou seja, quando a parte demandante já tem conhecimento dos encargos contratados e informa na inicial os dados dos contratos, valores, datas, taxas e demais encargos previstos no pacto, especificando devidamente as obrigações/cláusulas controvertidas e o que considera/pretende como aplicável e porquê, apenas não dispondo do instrumento contratual para comprovar tais afirmações (somente nessa situação é que encontram aplicabilidade nas ações revisionais o art. 400 do CPC/2015 e a Súmula 530/STJ)
-, pois ausente margem legal para que a parte demandante viesse, já após a formação do contraditório, a complementar a inicial para o fim de especificar as cláusulas controvertidas, porquanto descabida, na respectiva fase processual, a ampliação dos limites objetivos da lide.
Nessa esteira, em que os pedidos revisionais formulados na exordial carecem da respectiva fundamentação específica e vinculada aos contratos revisados, padece de nulidade a sentença que acabou por promover
ex officio
a revisão de cláusulas contratuais, limitando os juros remuneratórios à média de mercado acrescida de 50%, e obrigando à ré a devolução/compensação de eventuais valores decorrentes da revisão operada.
Daí porque, concluindo-se pela nulidade da sentença, outra alternativa não resta senão a respectiva cassação, oportunidade em que cabe a este julgador, em substituição à decisão ora cassada, pronunciar-se sobre o julgamento da lide, consoante extrai-se das disposições contidas no art. 1.013 do CPC/2015.
Nesse sentido, reconhecendo-se a inépcia da petição inicial que não satisfaz os requisitos previstos nos arts. 319, III, e 330, § 2º, do CPC/2015, e tendo em vista que a formação da relação processual e apresentação de contestação pela parte demandada inviabiliza, a esta altura do processo, a emenda da exordial para que a parte demandante viesse a suprir o defeito encontrado, a única solução possível é o indeferimento da petição inicial e a consequente extinção do processo sem resolução de mérito.
Frisa-se, não havendo análise de mérito, nada impede que o autor venha a ajuizar novamente a demanda, desde que satisfazendo os requisitos do art. 330, § 2º, do CPC/2015, impugnando de maneira específica os contratos e respectivas cláusulas contratuais que pretende revisar em cada pacto, bem como apresentando, por meio de cálculos idôneos, o valor incontroverso e aquele controvertido.
Com efeito, indeferida a petição inicial, a extinção do processo sem resolução do mérito é medida que se impõe, nos termos do art. 485, I, do CPC/2015.
Dos ônus sucumbenciais
Diante, assim, da cassação da sentença de origem com a extinção do processo sem resolução de mérito, consequência do necessário indeferimento da petição inicial, imperiosa a inversão da responsabilidade pelos ônus sucumbenciais, cujo pagamento havia sido, pelo magistrado singular, imputado à parte demandada.
Com efeito, a responsabilidade pelo pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios passa agora a ser atribuída integralmente ao autor.
A exigibilidade das verbas, todavia, se mantém suspensa, por ser beneficiário da gratuidade da justiça concedida na origem, a teor do art. 98, § 3º, do CPC/2015.
Dos recursos das partes
Por conseguinte, não mais subsistindo a decisão impugnada, e extinta a demanda de origem sem resolução de mérito, com a inversão da responsabilidade pelos ônus sucumbenciais, com a imposição do pagamento a cargo, agora, do autor, prejudicada a análise dos recursos interpostos tanto pela instituição financeira demandada (que combatia a revisão contratual operada na origem) quanto pelo demandante (que pretendia modificar a limitação dos juros remuneratórios).
Por fim, de se consignar que plenamento possível que a presente decisão seja proferida de forma monocrática, na medida em que albergada pelos arts. 932, III, do CPC/2015, e 132, XIII e XIV, e 133, do RITJSC, conforme segue:
CPC/2015
:
Art. 932. Incumbe ao relator:
[...] III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
RITJSC
:
Art. 132. São atribuições do relator, além de outras previstas na legislação processual:
[...]
XIII –
negar seguimento a recurso nos casos previstos em lei
;
XIV –
não conhecer de recurso
inadmissível,
prejudicado
ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
[...]
Art. 133.
Compete ao relator realizar, quando os autos lhe chegarem conclusos, logo após a distribuição, o juízo de admissibilidade
e, nos casos em que a incompetência do respectivo órgão julgador for manifesta, determinar a redistribuição do feito ou o envio deste ao órgão que repute competente.
III.
Dispositivo do Voto
:
Ante o exposto: (i) cassando a sentença de origem, decreto a extinção do processo sem resolução de mérito diante da inépcia da petição inicial (art. art. 330, § 2º, c/c art. 485, I, ambos do CPC/2015), condenado o autor ao pagamento da integralidade dos ônus sucumbenciais fixados na sentença, verba cuja exigibilidade permanece suspensa, por ser beneficiário da gratuidade da justiça concedida na origem; e, (ii) não conheço dos recursos do autor e da instituição financeira ré, por prejudicados (art. 932, III, do CPC/2015).
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