Marcos Vinicios Pinto x Vale S/A
ID: 257256910
Tribunal: TJMG
Órgão: Núcleo de Justiça 4.0 - Cooperação Judiciária
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5005242-38.2020.8.13.0090
Data de Disponibilização:
16/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DANILO FERNANDEZ MIRANDA
OAB/MG XXXXXX
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MARIO VALDO GOMES BEZERRA
OAB/MG XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Belo Horizonte / Núcleo de Justiça 4.0 - Cooperação Judiciária RUA MANAUS, 467, 6º Andar, SANTA EFIGÊNIA, Belo Hori…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Belo Horizonte / Núcleo de Justiça 4.0 - Cooperação Judiciária RUA MANAUS, 467, 6º Andar, SANTA EFIGÊNIA, Belo Horizonte - MG - CEP: 30150-350 PROCESSO Nº: 5005242-38.2020.8.13.0090 CLASSE: [CÍVEL] PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) ASSUNTO: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material, Barragem em Brumadinho] AUTOR: MARCOS VINICIOS PINTO CPF: 056.400.706-41 RÉU: VALE S/A CPF: 33.592.510/0001-54 SENTENÇA I – RELATÓRIO Trata-se de ação com pedido de indenização, ajuizada por MARCOS VINICIUS PINTO em face de VALE S.A., em razão do rompimento da barragem administrada pela parte ré, em Brumadinho, em janeiro/2019. Sinteticamente, a parte autora alega que: - é moradora de Brumadinho, onde nasceu e foi criada, local que ama, admira e pelo qual nutre grande afeto, sendo o lugar em que construiu sua vida e fez “amizades que se tornaram verdadeiros laços de carinho e afeto”; - no dia do rompimento, “estava no seu trabalho na loja agropecuária no centro de Brumadinho, quando presenciou as correrias nas ruas”, com pessoas gritando, chorando e desmaiando, além de policiais com “auto falantes”, pedindo que todos fechassem os estabelecimentos comerciais e fossem para a parte mais alta da cidade, para que ficassem seguros”; - ficou em pânico, pois não conseguia contato sua esposa, que trabalhava em uma mineradora da ré, enquanto corria a notícia de que toda a região do “Córrego do Feijão” tinha sido devastada pelo lamaçal; - “ficou preocupado com sua filha que estava na casa dos avós maternos”, situada próximo ao Rio Paraopeba, pois a notícia era que todas as casas às margens do rio seriam levadas com o “mar de lama”, mas também não conseguia contato com ela; - devido à tragédia, perdeu o tio avô, o tio de sua esposa, além, de diversos amigos, conhecidos e colegas com quem jogava futebol; - nesse período, descobriu que sua esposa estava grávida, sendo um momento de muita alegria para todos em sua casa, destacando sua filha que ficou muito feliz com a notícia que teria um “irmãozinho”, mas, devido ao estresse vivenciado após o rompimento da barragem, acabou perdendo o bebê, sofrendo assim mais abalo psicológico e precisando criar uma história para dar a notícia à sua filha; - o aborto sofrido pela sua esposa teve como causa “o trauma sofrido pela maior tragédia vivenciada pelo mundo inteiro”; - logo após o rompimento, as vendas caíram bruscamente, afetando a receita de sua família e causando problemas financeiros; - sofreu “imensa aflição moral”, pois “perdeu um filho (feto)”, além de “dezenas de pessoas que faziam parte de seu convívio”, perdendo assim a alegria de viver em Brumadinho; - nos dias posteriores ao rompimento, os clientes que entravam em sua loja não paravam de comentar sobre o ocorrido, sobre pessoas encontradas soterradas na lama, além dos helicópteros que sobrevoavam a região dia e noite, fatos que abalaram sua saúde mental; - passou a enfrentar “problemas com ansiedade, insônia, pesadelo dentre outros, sendo obrigado ir em busca de ajuda de profissional habilitado”, destacando que, no início, não conseguiu atendimento pela rede pública, sendo obrigado a realizar tratamento particular; - sofreu uma “precariedade psíquica”, convivendo com “estresse pós traumático” e um quadro depressivo, que está prejudicando sua vida, destacando sintomas como “ansiedade, preocupação excessiva, irritabilidade, revivescências do evento traumático, pesadelos, sonhos vividos, insônia, tensão muscular, esquecimentos, cefaleia tensional e queda da produtividade no trabalho”, sendo necessário buscar tratamento psiquiátrico e fazer uso de medicamento controlado; - preocupa-se com sua segurança e de sua família, pois, com a chegada de estranhos, aumentou o “índice de periculosidade” na cidade; - “teve que pagar consultas médicas com especialistas e fazer uso de medicações”. Formulam-se, assim, os seguintes pedidos: - a condenação da ré ao pagamento de R$500.000,00 de indenização por danos morais; - a condenação da ré ao pagamento de R$3.000,00 a título de danos materiais, por consultas com médicos psiquiatras e medicamentos para tratamento dos problemas psicológicos desenvolvidos em decorrência da tragédia, tendo como base o tratamento por 2 anos. No despacho de ID.9449068705 foi deferida a gratuidade de justiça à parte autora. CONTESTAÇÃO no ID.9471098927. Preliminarmente, a ré arguiu a inépcia da inicial, por ausência de documentos indispensáveis à propositura da ação, além de requerer a improcedência em razão da formulação de pedido genérico e indeterminado. Defendeu que “a parte Autora anexou uma conta da CEMIG, a fim de comprovar a suposta moradia, todavia, verifica-se que esta está datada em outubro de 2019, motivo pelo qual não é possível comprovar que de fato residia em Brumadinho à época dos fatos”. No mérito, informou as medidas adotadas para auxiliar a população atingida pelo rompimento e defendeu a inaplicabilidade do termo de compromisso na esfera judicial. Pontuou a ausência de danos morais indenizáveis, por falta de comprovação de efetivo dano aos atributos da personalidade, destacando que “o Autor não cuidou de comprovar o fato constitutivo do seu direito, já que anexou aos autos um relatório médico genérico, baseado exclusivamente nas alegações autorais e elaborado em momento muito posterior ao rompimento da barragem”. Alegou que “a parte Autora foi orientada a realizar psicoterapia, contudo, tal tratamento não restou comprovado nos autos (...), gerando incerteza sobre os alegados danos arguidos na inicial, vez que a juntada de apenas dois recibos não é capaz de comprovar a realização do tratamento”. Afirmou, também, que não é possível comprovar a perda gestacional da esposa do autor. Alegou que “o Autor sequer demonstra que possuía alguma relação próxima com alguma vítima do ocorrido”. Apontou ser excessivo o valor requerido a título de indenização por danos morais. Requereu a improcedência do pedido de restituição e custeio de despesas médicas, Destacou a inaplicabilidade da teoria da responsabilidade objetiva na esfera individual, requerendo a improcedência dos pedidos. Subsidiariamente, caso seja condenada ao pagamento de indenização por danos morais, que a fixação da condenação atenda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. IMPUGNAÇÃO à contestação no ID.9534366818. Em ESPECIFICAÇÃO DE PROVAS, assim se manifestaram as partes: - autora, em ID.9549766919, especificou as seguintes provas: depoimento pessoal do preposto da ré, provas testemunhal, documental e pericial; - ré, em ID.9545571839, especificou as seguintes provas: depoimento pessoal da parte autora, perícia médica e prova documental. DECISÃO DE SANEAMENTO de ID.9592365729, com rejeição das preliminares arguidas pela ré, fixação dos pontos controversos e distribuição do ônus da prova. Despacho em ID.9671306720, intimando-se a parte autora para comprovar, por documento em nome próprio, oriundo de fonte idônea e emitido em momento contemporâneo aos fatos, que residia na localidade de sua ocorrência; A parte autora se manifestou em ID.9701277243, oportunidade em que juntou documentos. Na decisão de ID.9758575587 foram deferidas as provas documental complementar e pericial médica. Em petição de ID.9827812306, a parte autora requereu a suspensão do feito em razão da possibilidade de realização de acordo. Pedido indeferido em ID.9880419349. Laudo pericial apresentado em ID.10255036830. Intimadas sobre o laudo, as partes apresentaram suas manifestações em IDs.10289434859 e 10291209776. Despacho proferido em ID.10315204414, que deferiu o pedido de intimação do perito para respostas aos quesitos complementares. Esclarecimentos pelo perito em ID.10334830836. Intimadas, as partes apresentaram suas manifestações em IDs.10339006624 e 10344530146. Este, o necessário relatório. II – FUNDAMENTAÇÃO O incontroverso evento ocorrido em Brumadinho, no dia 25 de janeiro de 2019, trata-se de desastre de imensa proporção, que acarretou os mais variados danos no âmbito coletivo (à fauna, à flora, à rede fluvial, ao solo, à paisagem, à economia local, etc.), que são objeto de processos judiciais coletivos em curso na 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Minas Gerais (nº 5071521-44.2019.8.13.0024, nº 5026408-67.2019.8.13.0024, nº 5044954-73.2019.8.13.0024 e nº 5087481-40.2019.8.13.0024), assim como no âmbito individual (patrimoniais e extrapatrimoniais), objeto de acordos e processos judiciais individuais. No âmbito civil, a responsabilidade da parte ré pelo rompimento da barragem já se encontra assentada pela jurisprudência do TJMG, haja vista os milhares de processos judiciais individuais já julgados a respeito, como, por exemplo, as Apelações Cíveis nº 1.0000.19.163966-5/003, nº 1.0000.22.138830-9/001, nº 1.0000.22.150730-4/001, nº 1.0000.22.150730-4/001 e nº 1.0000.22.128207-2/001, que, inclusive, são parcial sustentáculo da presente sentença. Nesse contexto, o fundamento legal da responsabilização civil da parte ré encontra-se no art. 927, parágrafo único, do Código Civil: Art. 927. (...) Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. No julgamento da Apelação Cível nº 1.0000.19.163966-5/003, em 08/11/2022, esclareceu o eminente Desembargador Relator João Câncio: “(…) em se tratando de responsabilidade decorrente de dano ambiental, aplica-se ao caso a teoria do risco integral, conforme expressa previsão constitucional (art. 225, §3º, da CR/88) e legal (art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/1981), não podendo ser invocadas, pela ré, excludentes de responsabilidade, bastando à responsabilização a comprovação do dano decorrente de ação ou omissão do responsável. Diz a lei: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (...) § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: (...) § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. (g.n) Descabida, portanto, a alegação da ré que não seria aplicável a teoria da responsabilidade objetiva na esfera individual quando a própria lei prevê, expressamente, o dever de indenizar os danos causados a terceiros, independentemente de culpa. Vale destacar que, especificamente sobre danos provocados por rompimento de barragens de mineração, o C. STJ já consolidou a tese de aplicação da teoria do risco integral, conforme se vê do acórdão proferido quando do julgamento do REsp. 1.374.284, processado e julgado sob o rito do art. 543-C do CPC/73 (tema 707), então vigente: RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DANOS DECORRENTES DO ROMPIMENTO DE BARRAGEM. ACIDENTE AMBIENTAL OCORRIDO, EM JANEIRO DE 2007, NOS MUNICÍPIOS DE MIRAÍ E MURIAÉ, ESTADO DE MINAS GERAIS. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. NEXO DE CAUSALIDADE. 1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: a) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar; b) em decorrência do acidente, a empresa deve recompor os danos materiais e morais causados e c) na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado. 2. No caso concreto, recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1374284/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/08/2014, DJe 05/09/2014).” É dizer: apurado o dano e o nexo de causalidade, exsurge o imperativo dever de reparação da parte ré. No plano extrapatrimonial, é inquestionável que uma tragédia da magnitude do que ocorreu em um município com aproximadamente 40 mil habitantes e historicamente sob a esfera da influência direta ou indireta da atividade minerária, impacta em graus diversos o ambiente e a vida de toda a comunidade. Ocorre que a alegação geral e abstrata de danos consistentes em mortes em larga escala, transporte de corpos por helicópteros, longos trabalhos de localização e identificação de vítimas, modificação da paisagem no curso seguido pelos rejeitos, saturação de serviços públicos essenciais (saúde, saneamento básico, fornecimento de água, etc.), sobrecarga do trânsito de veículos pesados, perda ou restrição de locais de lazer, danos ao meio ambiente, poluição de solo, da água e do ar são ofensas à coletividade; reparáveis, pois, mediante ações coletivas. Portanto, a despeito de imputações fragmentadas de danos extrapatrimoniais que eventualmente sejam asseridas, o foco de análise, instrução e julgamento é a ocorrência ou não de consequências diretas e concretas do evento na esfera psíquica da parte autora, em sua saúde mental, bem como a sua extensão, a tal ponto que seja capaz de caracterizar um dano moral reparável, nos termos do art. 944, Código Civil. Embora em meio às milhares de ações distribuídas se verifique a abordagem fragmentada de tais repercussões psíquicas, ora denominados como ‘danos existenciais’, ora ‘danos à imagem’, ‘danos à honra’, ‘danos psicológicos’, ‘danos psiquiátricos’, o Direito Civil brasileiro os trata no conceito singular e genérico de “dano moral”, conforme disposto no art. 186, Código Civil. A referida fragmentação do dano moral é rechaçada pela jurisprudência do TJMG: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO INDENIZATÓRIA - ROMPIMENTO DA BARRAGEM DA MINA DO CÓRREGO DO FEIJÃO EM BRUMADINHO - EXTINÇÃO QUANTO A UM DOS PEDIDOS - LITISPENDÊNCIA - OCORRÊNCIA - DANO MORAL - FRAGMENTAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - IDENTIDADE DE PARTES, CAUSA DE PEDIR E PEDIDO - RECURSO NÃO PROVIDO. I - Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada. II - Apesar de serem notórias as severas consequências do rompimento da barragem objeto de operação da ré que recaem sobre a cidade de Brumadinho/MG até os dias atuais, não é razoável que uma mesma pessoa venha a ajuizar infinitas ações judiciais por cada manifestação ou desdobramento de mesmos fatos decorrentes de um único evento, uma única causa de pedir remota, uma única relação jurídica de direito substancial. III - Descabe o ajuizamento de nova ação para se discutir direitos que poderiam ter sido alegados no processo anterior, posto que, embora se tratem de feitos diversos, dizem respeito à mesma causa de pedir e ao mesmo pedido indenizatório por danos morais. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.23.153998-2/001, Relator(a): Des.(a) Nicolau Lupianhes Neto (JD Convocado) , Câmara Justiça 4.0 - Cível Pri, julgamento em 18/09/2023, publicação da súmula em 18/09/2023) Igualmente impera a regra de que compete à parte autora fazer a prova deste dano e do nexo causal. Não calham, para tanto, alegações genéricas de prejuízo à qualidade de vida, sentimentos de tristeza ou desolação, tampouco de danos morais “por ricochete” ou “reflexos” dos impactos ambientais e sociais na comunidade, porquanto se configuram como desdobramentos dos danos transindividuais, nos termos dos julgados do TJMG, a saber: APELAÇÃO CÍVEL - PRELIMINAR - OFENSA AO JUIZ NATURAL - NÚCLEO DE COOPERAÇÃO - INOCORRÊNCIA - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS - ROMPIMENTO DA BARRAGEM DA MINA CÓRREGO DO FEIJÃO EM BRUMADINHO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - TEORIA DO RISCO INTEGRAL - ENFERMEIRA - TRANSTORNOS CAUSADOS EM DECORRÊNCIA DO CARGO/RPOFISSÃO - - DANO INDIRETO - CAUSALIDADE - NECESSIDADE DE LIMITAÇÃO. I- Não há que se falar em inobservância do juiz natural, quando a sentença foi prolatada por Jui(í)z(a) em regime de cooperação, pertencente ao Núcleo de Justiça 4.0 - Cooperação Judiciária, criado por este E. Tribunal, com respaldo na Resolução 385/2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e por meio da Portaria Conjunta 1.338/PR/2022, como instrumento de efetivação dos princípios da eficiência e da celeridade processual na prestação jurisdicional de primeira instância, nos casos que abranjam temas repetitivos ou direitos individuais homogêneos e abarquem questões especializadas, em razão da sua complexidade, de pessoa ou de fase processual. II- Segundo a jurisprudência do col. STJ, em decorrência da Teoria do Risco Integral, compete ao poluidor a prova da segurança de seu empreendimento e que sua atividade não causou o dano ambiental; no caso, sendo incontroverso que a mineradora causou grave dano ambiental em razão do rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, basta à vítima a comprovação do dano experimentado, do qual pretende reparação, e do nexo de causalidade. III- Considerando que os danos sofridos pelas situações vivenciadas pela autora se deram de forma reflexa, inexistindo nexo direto de causalidade entre o rompimento da barragem - causada por culpa da ré -, não há que se falar em responsabilização. IV - Descabido falar em indenização por danos morais "por ricochete" - também chamados de "danos reflexos" -, de forma ilimitada a todos que foram atingidos indiretamente pelo rompimento da barragem da ré, sendo passíveis de reparação pela ré apenas os danos decorrentes diretamente do ato afirmado como danoso. (TJMG- Apelação Cível 1.0000.22.150730-4/001, Relator(a): Des.(a) João Cancio , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 08/11/2022, publicação da súmula em 08/11/2022) APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - ROMPIMENTO DA BARRAGEM DA MINA CÓRREGO DO FEIJÃO EM BRUMADINHO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - TEORIA DO RISCO INTEGRAL - MORADORA DE BRUMADINHO FORA DA ZAS - PREJUÍZOS - ALEGAÇÕES GENÉRICAS - DANOS MORAIS E MATERIAS - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO - DANO INDIRETO - CAUSALIDADE - NECESSIDADE DE LIMITAÇÃO - INDENIZAÇÕES INDEVIDAS. I- Segundo a jurisprudência do col. STJ, em decorrência da Teoria do Risco Integral, compete ao poluidor a prova da segurança de seu empreendimento e que sua atividade não causou o dano ambiental; no caso, sendo incontroverso que a mineradora causou grave dano ambiental em razão do rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, basta à vítima a comprovação do dano experimentado, do qual pretende reparação, e do nexo de causalidade. II - A simples alegação genérica de prejuízo à qualidade de vida dos habitantes das localidades atingidas, sem indicação e demonstração de efetivos danos de ordem material ou moral por ele sofridos, sobretudo quando se trata de morador fora da ZAS - Zona de Autossalvamento, não constitui fato capaz de, por si só, gerar direito à indenização. III- Tem-se que o abalo geral sofrido pela sociedade local, com perda de clientes e a necessidade de reestruturação do comercio, assim como a alegada "tristeza e desolação da população", enquadram-se como desdobramentos dos danos transindividuais que deverão ser objeto de reparação no bojo das ações coletivas já propostas para este fim. IV- Descabido falar em indenização por danos morais "por ricochete" - também chamados de "danos reflexos" -, de forma ilimitada a todos que foram atingidos indiretamente pelo rompimento da barragem da ré, sendo passíveis de reparação pela ré apenas os danos decorrentes diretamente do ato afirmado como danoso. (TJMG- Apelação Cível 1.0000.22.198477-6/001, Relator(a): Des.(a) João Cancio, 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 22/11/2022, publicação da súmula em 23/11/2022) Por sua vez, sabe-se que a prova do dano psíquico individual se faz por meio de perícia médica. Excepcionalmente, porém, a jurisprudência dispensa a comprovação do dano, em situações tais em que o impacto na esfera moral individual é tão evidente que a agressão se faz presumível, como acontece, por exemplo, com a morte de um parente próximo, em face do rompimento dos laços afetivos entre a vítima e o autor da ação, capaz de atingir a esfera da dignidade da pessoa. A Lei n. 14.066/2020 incluiu o inciso IX no art. 2º da Lei n. 12.334 de 2010, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens, e definiu a Zona de Autossalvamento – ZAS como sendo “o trecho do vale a jusante da barragem em que não haja tempo suficiente para intervenção da autoridade competente em situação de emergência, conforme mapa de inundação”. No caso específico do rompimento da barragem de Brumadinho, a jurisprudência se orientou no sentido de que as pessoas que no momento dos fatos habitavam a ZAS, delimitada como a região distante até 10 Km ou 30 minutos do ponto de rompimento, vivenciaram de forma tão próxima e intensa o caos e medo gerados pela tragédia, que não há como se negar a ocorrência do dano moral, ainda que, a médio ou longo prazo, não restem sequelas na saúde mental. Em termos jurídicos, trata-se do dano moral puro ou em “in re ipsa”. Noutro giro, embora o dano seja presumível, não se pode presumir, evidentemente, que todo e qualquer autor/a(es) estava(m) na região da ZAS no momento do rompimento da barragem. Presume-se o dano, mas não a residência autoral à época da tragédia. Primeiro, porque não há embasamento legal ou jurisprudencial que fundamente a presunção de residência. Segundo, porque a comprovação da residência não é ônus de prova exagerado ou complexo à parte autora, sobretudo a se considerar a vasta acessibilidade em sites e aplicativos, a qualquer tempo, de documentação oriunda de fonte idônea que demonstre a moradia. Além disso, não se pode desprezar o fato relevante de que, apenas no mês de janeiro/2022, foram distribuídas 7 milhares de ações com pretensões semelhantes, várias delas com petições iniciais semi-idênticas, referentes a pessoas que jamais residiram na localidade ou que para lá se mudaram após os eventos do mês de janeiro/2019. Eventos de grande magnitude, frequentemente, dão ensejo à volumosa litigância predatória, mediante distribuição sem consentimento da parte, uso de documentos falsos, apropriação indevida de valores, indicação de endereço incorreto da parte, falsificação e adulteração de comprovantes e procurações, entre outros. Nessa esteira, a intimação da parte autora para apresentar comprovante de endereço em nome próprio trata-se de medida fundada no art. 370 do CPC e constitui providência listada na Nota Técnica 01/2022, emitida pelo Centro de Inteligência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, disponibilizada no DJe de 15/7/2022, como uma das “boas práticas de gestão de processos judiciais e de processos de trabalho para o enfrentamento (prevenção e combate) da litigância predatória”: “Boas práticas de gestão de processos judiciais e de processos de trabalho para o enfrentamento (prevenção e combate) da litigância predatória [...] Intimar o autor para juntada de comprovante de endereço atualizado e em seu nome, e, caso se aceite justificativa para a apresentação de comprovante de endereço em nome de terceiro, determinar comprovação da relação existente entre a parte autora e o terceiro;” (Nota Técnica CIJMG nº 01/2022) O TJMG consolidou posicionamento nos casos que envolvem o rompimento da barragem em Brumadinho de que a comprovação de endereço no município, à época dos fatos, é elemento fundamental para a existência de conclusão lógica entre a narração dos fatos autorais; portanto, “a exigência ‘initio litis’ de documentação idônea ao objeto da ação, não se trata de formalismo exacerbado, mas de medida essencial ao bom andamento do processo e funcionamento do Poder Judiciário” (Apelações Cíveis 1.0000.22.239021-3/001 e 1.0000.22.230453-7/001). Com intuito de uniformizar critérios de validade da documentação para os casos de rompimento da barragem do Fundão, situada em Mariana/MG, a 2ª Seção Cível do TJMG, no julgamento do IRDR - CV Nº 1.0273.16.000131-2/001, consignou que “a exigência da juntada de documentos pelo juiz é legal, até porque a prestação jurisdicional deve ser efetiva” e que a comprovação de residência no local dos fatos e contemporânea à sua ocorrência é elemento imprescindível para a conformação do direito indenizatório postulado. Apesar de a divergência minoritária ter se fundado na inadequação do instituto do IRDR para fixação de tese de tal natureza, a maioria do Colegiado entendeu como fontes idôneas à comprovação de endereço, a documentação, em nome próprio, referente a “conta de água, luz, telefone fixo ou móvel, cartão de crédito, correspondência bancária, TV por assinatura, correspondência de órgãos públicos, da administração direta ou indireta, federal, estadual ou municipal”. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.995/DF, ressaltou o Ministro Luís Roberto Barroso que a “possibilidade de provocar a prestação jurisdicional precisa ser exercida (...) com equilíbrio, de modo a não inviabilizar a prestação da justiça com qualidade”. A análise da validade da prova documental sobre a residência do autor/a(es) à época dos fatos também deve ser feita com cautela e equilíbrio, pena de se conduzir ao julgamento desigual de ações análogas que envolvam o mesmo fato, a exemplo de situações em que a própria lei presume a moradia em residência de terceira pessoa ante a existência de relação de dependência econômica (Lei nº 9.250/1995, art. 35). Feitos tais esclarecimentos, observa-se que, em relação à prova da residência, o autor, com mais de 18 anos à época do rompimento, comprovou, por meio de carteira nacional de habilitação emitida em 25/04/2016 (ID.1564069867), conta da COPASA em nome próprio, emitida em 07/10/2019 (ID.1564069870), certidão de casamento realizado em 12/09/2019 (ID.1564069872), certidão de nascimento de sua filha, emitida em 04/09/2014 (ID.1564069875), demonstrativo de pagamento dos meses de março e abril de 2021, com data de admissão em 02/01/2015 (IDs.4221553062 e 4221553061), certidão de quitação eleitoral emitida em 29/06/2022, com registro de domicílio eleitoral desde 30/11/2019 (ID.9534365422), além de contas da CEMIG em nome de sua esposa (IDs.1564069872 e 1564069875), com datas de vencimento em 17/12/2018, 17/02/2019 e 17/03/2019 (ID.9701275683), que era morador do bairro Grajaú, em Brumadinho, bairro não localizado na ZAS. Em que pese a parte ré sustentar que a parte autora “anexou uma conta da CEMIG, a fim de comprovar a suposta moradia (...) datada em outubro de 2019, motivo pelo qual não é possível comprovar que de fato residia em Brumadinho à época dos fatos”, não apresentou contraprova razoável que fundamentasse suposta invalidade da documentação, ônus que lhe competia, pela regra do art. 373, II, do CPC, motivo pelo qual se trata de fato incontroverso (art. 374, III, CPC). Ainda sobre a prova da residência, é possível notar que o relato da parte autora no laudo pericial compatibiliza com a residência descrita na petição inicial: “O periciado estava no trabalho no centro quando ocorreu o rompimento da barragem. Ele ficou sabendo do acontecimento na loja e viu toda a movimentação; os comércios foram fechados. (...) Mora com a esposa (professora); 3 filhos (9; 1ano e 6 meses; 2 meses) recebem auxílio de meio salário da Vale.” (ID.10255036830, p. 3). Logo, ante as provas produzidas, conclui-se que a parte autora era residente em Brumadinho à época dos fatos, embora em região que não compõe a Zona de Autossalvamento – ZAS, o que afasta a presunção de dano inerente apenas a essa região. Ultrapassada a análise sobre a prova da residência, é necessário averiguar as provas produzidas nos autos a respeito dos supostos danos alegados pela parte autora. Na petição inicial, vê-se que a parte autora alegou os seguintes danos: “(...) Relata o autor, que logo que ocorreu o rompimento as vendas caíram bruscamente o que pactuou a receita de sua família, que infelizmente esse caos impôs ao Requerente adquirir problemas financeiros. É visível a imensa aflição moral que a parte Requerente sofreu, perdeu um filho (feto), dezenas de pessoas que faziam parte de seu convívio morreram, perdendo assim a alegria de viver em Brumadinho. Após todos esses eventos, o Autor passou enfrentar problemas com ansiedade, insônia, pesadelo dentre outros, sendo obrigado ir em busca de ajuda de profissional habilitado, ressalta-se, que no início não conseguiu atendimento pela saúde pública, sendo obrigado realizar tratamento em hospital particular. (...) Todos esses fatores levaram à uma precariedade psíquica da parte Requerente, que convive com o estresse pós traumático, apresentando um quadro depressivo o que está prejudicando sua vida, apresentando vários comportamentos, “estresse pós traumático, ansiedade, preocupação excessiva, irritabilidade, revivescências do evento traumático, pesadelos, sonhos vividos, insônia, tensão muscular, esquecimentos, cefaleia tensional e queda da produtividade no trabalho”, tendo sido necessário buscar tratamento psiquiátrico, o que se verifica por relatórios médicos anexos. O estado psicológico da parte Requerente tem prejudicado diversos aspectos de sua vida, estando em dificuldade de voltar a sua rotina tal como era antes do rompimento da barragem. Como se verifica dos documentos acostados foi necessário o uso de MEDICAMENTO CONTROLADO para dar “conforto” à parte Requerente. Cabe aqui mencionar, que tais comportamentos/sintomas foram ocasionados pelo rompimento da barragem e as situações resultantes desta tragédia.” (ID.1564069860, p. 13 e 14). Além da alegação de dano à saúde mental, que teria desencadeado adoecimento mental, a parte autora também alegou ter sofrido danos à saúde emocional. A terminologia entre as espécies de danos mental/emocional é relevante, porque se refere exatamente à nomenclatura adotada no Termo de Compromisso firmado entre a Vale S.A. e a Defensoria Pública em 05/04/2019, o qual estabeleceu indenização à pessoa que, comprovadamente, foi vítima de dano à saúde mental ou emocional, assim disposto em sua cláusula 15.7: CLÁUSULA DÉCIMA QUINTA - DOS DANOS MORAIS E PENSIONAMENTO [...] Dano à saúde mental/emocional 15.7 A vítima de dano à saúde mental/emocional fará jus à indenização no valor de R$100.000,00 (cem mil reais) e pensionamento (se o dano causar incapacidade permanente, comprovado por laudo médico) nos termos do item 15.2, adequando-se ao caso concreto. A busca pelo recebimento de indenização mediante demanda individual que tramite sob o procedimento comum não exime a parte autora de provar o dano invocado. Embora, juridicamente, os danos sustentados pela parte autora se enquadrem no único conceito de “dano moral”, como já mencionado, o dano psiquiátrico/adoecimento mental, pode ser tido como dano de maior extensão para fins do art. 947 do Código Civil, se comparado com o dano psicológico/abalo emocional. Afinal, é certo que, aquele que suportou transtornos mentais ao ponto de desencadear e enquadrar na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - CID, naturalmente, sofreu um dano de maior extensão à sua personalidade jurídica, frente àquele que vivenciou dano mental transitório ou dano limitado ao campo das emoções, também indenizável, mas em menor grau. Nos termos da decisão que apreciou as provas requeridas pelas partes, já mencionada acima, a prova do abalo extraordinário à saúde mental do indivíduo atrai, em termos de necessidade e utilidade (art. 370, CPC), apenas a produção de prova pericial médica. Isso porque a prova oral, inevitavelmente, recairia em julgamento subjetivo, seja pela percepção do magistrado sobre assertivas do próprio interessado, seja pelo testemunho de percepções subjetivas de outras pessoas sobre o interessado. Mediante exame médico individual do autor MARCOS VINICIUS PINTO, o laudo pericial, elaborado nos moldes do art. 473 do CPC, concluiu que: “No que se refere à análise retrospectiva, e no exame atual conclui-se que o periciado NÃO preenche as diretrizes diagnósticas para transtorno de estresse pós-traumático – CID 10 F43.1,(CID F 32.0) Episódio depressivo leve, (CID 10 F41.1) - Ansiedade Generalizada, conforme a Classificação Internacional de Doenças – CID 10”. (ID.10255036830, p. 6). Ainda sobre o laudo pericial, destacam-se os seguintes trechos: “O periciado estava no trabalho no centro quando ocorreu o rompimento da barragem. Ele ficou sabendo do acontecimento na loja e viu toda a movimentação; os comércios foram fechados. Posteriormente, acompanhou as notícias e as perdas, incluindo vizinhos, amigos e clientes da loja. Relata que, após o evento, passou a apresentar irritabilidade, insônia, sensação de que "a cabeça ficou diferente" e falta de apetite. Procurou um psiquiatra em Belo Horizonte cerca de um ano depois do rompimento, mas não lembra o nome do profissional. O tratamento era muito caro e ele tomou a medicação por apenas 30 dias, sem continuidade. Em 2021, iniciou tratamento com uma médica em Brumadinho, com a qual fez duas consultas presenciais. Tomou medicação por um período, mas a última consulta foi no início de 2023, e ele parou com a medicação desde então. Atualmente, relata que aprendeu a conviver com o ocorrido e acredita que a vida deve seguir em frente. (...) 6.8. GRAU DE SOCIABILIDADE: Tinha pescaria, mas agora não tem mais”. (ID.10255036830, p. 3, 4). O laudo técnico apresentou as seguintes respostas aos quesitos: “6) O próprio periciando se imputa algum dano à saúde mental e/ou algum diagnóstico médico, seja na petição inicial da ação proposta, seja em laudo(s) ou relatório(s) por ele juntado(s) aos autos? Em caso positivo: a) Qual(is)? R. Mudança no meio jeito de ser e conforme laudo médico CID 10 F43.1; F32.0; F41.1. b) Qual(is) fato(s) decorrente(s) do evento são por ele mencionados como causa do diagnóstico? R. Perdas das vidas. c) O profissional que assina o(s) laudo(s) ou relatório(s) possui habilitação técnica para fazer referido diagnóstico? R. Sim, trata-se de profissionais da área médica”. (ID.10255036830, p. 7 e 8). Não se olvide que a parte autora colacionou junto à petição inicial, documentos particulares com intuito de comprovar os danos alegados, a exemplo de relatórios médicos em IDs.1564069877 e 9701286055, recibos de consulta médica e de compra de medicamentos em IDs.1564069882, 1564069884 e 9701290159, receituários em IDs.1564069881 e 9701251389, bem como prontuário em ID.10177853293, p. 1 a 6. Contudo, os documentos particulares devem ser cotejados com as demais provas produzidas no processo, haja vista que documentos particulares são produzidos de forma unilateral. Por este motivo, embora o Juízo não esteja vinculado às considerações do laudo pericial (art. 479, CPC), priorizam-se e privilegiam-se as conclusões nele expostas em detrimento das demais provas unilateralmente produzidas, porquanto a prova pericial é realizada por profissional de confiança do Juízo, técnico, imparcial e que possui o dever de cumprir “escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo de compromisso” (art. 466, CPC). O laudo pericial afastou a existência de dano à saúde mental da parte autora relacionado a adoecimento mental que se enquadrasse como Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - CID, ou seja, danos psíquicos de natureza psiquiátrica. Por outro lado, o laudo pericial não negou que a parte autora tenha suportado os alegados danos emocionais de natureza psicológica, relatados pelo autor durante o exame pericial e também constatados por profissionais habilitados nos laudos médicos juntados, que geraram ansiedade, preocupação excessiva com o futuro da cidade e com o futuro de sua filha, irritabilidade, revivescências do evento traumático, pesadelos, insônia, sintomas evitativos quando exposto a lembranças do evento, explosões comportamentais, cefaleia tensional, queda de produtividade no trabalho, anedonia, isolamento social, perda de apetite, angústia e hipervigilância, por exemplo, sintomas significativos e não vividos hodiernamente pela parte autora, mas provenientes de um evento extraordinário e extranatural. Em outros termos, a prova pericial infirma as alegações sobre adoecimento (CID), mas não contrariou o fato de que a autora vivenciou danos emocionais relacionados ao rompimento da barragem, incutindo necessária reparação em razão dos danos à personalidade da parte autora. Mais especificamente sobre o prisma do ônus de prova, definido na decisão de saneamento, a sua distribuição seguiu a regra disposta no art. 373 do CPC: à parte autora, o fato constitutivo do seu direito e, à parte ré, o fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito autoral. A parte ré, por meio da prova pericial requerida e produzida nos autos, provou o fato extintivo do direito autoral (inexistência danos psiquiátricos/adoecimento mental), mas não afastou o fato de que a parte autora, comprovadamente residente da cidade de Brumadinho, suportou os danos psicológicos/abalos emocionais, ainda que transitórios, registrados nos laudos unilaterais apresentados pela parte autora. E, embora vividos de forma mais intensa pela parte autora à época do rompimento, vale enfatizar que o evento no qual se funda a ação produziu efeitos incontáveis que não se limitam ao passado, mas repercutem até os dias atuais, mesmo após os programas de reparação social e ambiental empreendidos, a exemplo de trânsito intenso e eventos sociais que relembram o luto compartilhado entre os moradores da região. Para além das consequências gerais e próprias aos coabitantes de Brumadinho, a parte autora relatou em sua petição inicial que perdeu o tio avô, diversos amigos, conhecidos e pessoas com quem jogava futebol, além do tio de sua esposa (ID.1564069860, p. 12). Em caso de pedido de indenização por morte, conforme já exposto, presume-se o dano decorrente do sofrimento dos parentes. Contudo, a presunção se limita a parentes até o terceiro grau nas linhas reta e colateral, por força do parágrafo único do art. 12 do Código Civil. É possível a indenização pelo falecimento de parentes que extrapolam o terceiro grau (linha reta e colateral), desde que comprovada a relação de intimidade, de proximidade, de apadrinhamento ou de dependência econômica. Nesse sentido é o posicionamento adotado por este E. TJMG em ações judiciais pretéritas com pedido de danos morais decorrentes de falecimento de parentes no rompimento da barragem em Brumadinho: EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO INDENIZATÓRIA - ROMPIMENTO DA BARRAGEM DA MINA CÓRREGO DO FEIJÃO EM BRUMADINHO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - TEORIA DO RISCO INTEGRAL - MORTE DE IRMÃO, SOBRINHOS, E TIO - DANO MORAL IN RE IPSA ATÉ O TERCEIRO GRAU - PRIMOS - NECESSIDADE DE PROVA DA INTIMIDADE - QUANTUM INDENIZATÓRIO - MANUTENÇÃO. [...] II- Os danos morais decorrentes do falecimento de entes queridos devem ser considerados in re ipsa apenas para os parentes posicionados até o terceiro grau nas linhas reta e colateral; a partir daí, o direito à reparação depende de comprovação de uma relação de intimidade, de proximidade, de apadrinhamento ou de dependência econômica frustrada pelo perecimento. III- Considerando que, normalmente, a relação entre primos é mais distante, o vínculo afetivo entre o autor e seus falecidos primos não se presume, necessitando de prova do vínculo afetivo, ou seja, de que conviviam de forma bastante próxima. [...] (TJMG - Apelação Cível 1.0000.22.142376-7/001, Relator(a): Des.(a) João Cancio , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/11/2022, publicação da súmula em 30/11/2022 - destaques acrescidos). Sendo assim, considerando o relato de que as pessoas falecidas referem-se ao seu tio avô, bem como amigos, conhecidos, colegas do futebol e tio de sua esposa, exige-se prova da efetiva relação de intimidade. Em apreço à prova dos autos, observa-se que a parte autora não apresentou a mínima prova sobre o hipotético falecimento das pessoas apontadas (certidão de óbito) e o nexo de causalidade com o rompimento da barragem. Além disso, não há prova sobre a existência de efetiva relação de intimidade a ponto de justificar danos morais por falecimento que, frisa-se, sequer está provado e vinculado com o rompimento da barragem. Assim sendo, consigna-se que o referido fato não poderá compor a apuração da extensão do dano (art. 944, CC) que, neste caso, estará limitada ao fato da parte autora, comprovadamente, ser moradora de Brumadinho e ter sofrido dano psicológico decorrente do rompimento da barragem. Em relação ao montante da reparação, vale destacar, de início, que não existe tabelamento legal e que nosso ordenamento não incorporou o conceito norte-americano do dano punitivo (“punitive damages”). A indenização, portanto, tem cunho reparatório, não punitivo. Por isso, em prol da segurança e previsibilidade jurídicas, assim como para se reduzir o subjetivismo da valoração, hei por bem seguir os patamares praticados pela jurisprudência atual do TJMG para os casos semelhantes. Em ações cuja parte autora era residente na Zona de Autossalvamento – ZAS, que não é o caso dos autos, o E. TJMG fixou o valor da indenização em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), por ter suportado diretamente as consequências do evento, conforme julgamento dos recursos nº 1.0000.22.063040-4/001 e nº 1.0000.22.057967-6/00, bem como no seguinte julgamento: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA - ROMPIMENTO DE BARRAGEM EM BRUMADINHO - DANO MORAL - RESIDÊNCIA EM ÁREA PRÓXIMA A ATINGIDA DIRETAMENTE PELA LAMA - "QUANTUM" INDENIZATÓRIO - CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. I - Segundo a jurisprudência do col. STJ, em decorrência da Teoria do Risco Integral, compete ao poluidor a prova da segurança de seu empreendimento e que sua atividade não causou o dano ambiental; no caso, sendo incontroverso que a mineradora causou grave dano ambiental em razão do rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, basta à vítima a comprovação do dano experimentado, do qual pretende reparação, e do nexo de causalidade. II - Comprovado que a parte autora residia e ainda reside nas imediações da vasta área atingida pelos rejeitos da barragem rompida, e que teve que conviver com todas as adversidades das operações de resgate e reparação do local, não há duvidas acerca do abalo emocional suportado em função da tragédia. III - Ausentes parâmetros legais para fixação do dano moral, o valor fixado a este título deve assegurar reparação suficiente e adequada para compensação da ofensa suportada pela vítima do ilícito e para desestimular-se a prática reiterada da conduta lesiva pelo ofensor. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.22.177123-1/001, Relator(a): Des.(a) João Cancio , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 14/02/2023, publicação da súmula em 14/02/2023) No presente caso, por não ser residente na ZAS e diante da ausência de danos de natureza psiquiátrica/adoecimento mental, que são danos de maior extensão (art. 944 do Código Civil), reputo adequado o valor de R$10.000,00 (dez mil reais) de indenização por dano moral à parte autora, em razão dos danos psicológicos/abalos emocionais suportados. Danos materiais. No tocante ao pedido de indenização por danos materiais, a própria dicção do art. 402 do CC é clara em afirmar que somente são indenizáveis aqueles danos efetivamente comprovados nos autos, inexistindo presunção de dano material, sendo certo que o valor a ser indenizado é exatamente aquele que a parte autora comprovou, com a acuidade necessária, o que despendeu ou deixou de ganhar. Acerca dos danos materiais pleiteados, conforme narrado na petição inicial: “(...) Para o tratamento, a parte Requerente teve que pagar consultas médicas com especialistas e fazer uso de medicações, conforme comprova-se por documentação anexa, sendo recibos das diversas consultas e medicamentos. Sendo assim, por expressa previsão legal (art. 225, § 3º, da CF e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81), a parte Requerente REQUER o reconhecimento da responsabilidade objetiva da Requerida e, com fundamento nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil, sua condenação ao pagamento da quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais), a título de danos materiais, por consultas com médicos psiquiatras e medicamentos para tratamento dos problemas psicológicos desenvolvidos em decorrência da tragédia, conforme recibos juntados aos autos do processo, tendo como base o tratamento por 2 anos, conforme o Termo de compromisso que a Ré assinou com a Defensoria Pública de Minas Gerais.” (ID.1564069860 - p. 17). Ao contrário da constatação de abalo psicológico, ocorrido em tempo pretérito, capaz de ensejar reparação por danos morais, cuja análise se submete ao livre convencimento do julgador motivado pelo conhecimento do senso comum e pela sensibilidade de sua aplicação às nuances do caso concreto, a necessidade de tratamento médico e uso de medicamentos exige confirmação técnico-científica, que exorbita o conhecimento do julgador. Em outros termos, não basta o conhecimento do senso comum e a sensibilidade do julgador para aferir a necessidade do uso de determinado medicamento ou submissão a determinado tratamento médico/psicológico, há de haver prova robusta, em contraditório, de tal necessidade. Nesse passo, portanto, não basta a omissão ou não refutação do fato, há de ser confirmado o fato. No laudo pericial, o perito relata sobre o uso de medicamentos. Conforme trechos das respostas aos quesitos judiciais abaixo: “6) O próprio periciando se imputa algum dano à saúde mental e/ou algum diagnóstico médico, seja na petição inicial da ação proposta, seja em laudo(s) ou relatório(s) por ele juntado(s) aos autos? Em caso positivo: (...) d) Foi receitado o uso de algum tipo de medicamento e/ou tratamento? Em caso positivo, qual(is) e por quanto tempo? R. Sim; antidepressivos e psicoterapia; e) Caso haja medicamento e/ou tratamento prescrito(s), ele(s) é(são) considerado eficaz(es)? É recomendável que seja(m) mantido(s) [caso positivo, qual periodicidade sugerida para revisão]? R. Sim; conforme orientação do profissional assistente. f) Caso haja medicamento e/ou tratamento prescrito(s), o periciando se submete a ele(s) conforme prescrição? R. Não”. (ID.10255036830, p. 7 e 8). Considerando a afirmação categórica do perito de que a parte autora não está acometida por doença, conforme já exposto, conclui-se que não há que se falar em restituição de gastos com medicamentos ou tratamentos psiquiátricos. Afinal, medicamentos e tratamentos com psiquiatra são compatíveis, adequados e úteis para a patologia, não constatada no presente caso. Por sua vez, restando provado que o autor sofreu abalos psicológicos à época do rompimento da barragem, consultas de natureza psicológica são congruentes para tratar os sofrimentos emocionais que podem, lógica e presumivelmente, ter contribuído para a melhora do quadro psíquico da parte autora e evitado que a mesma fosse acometida por algum transtorno mental e, ainda, desenvolvesse uma doença mental. Contudo, não foram comprovadas despesas com tratamento psicológico, sendo a improcedência do pedido medida que se impõe. Destaco que, embora não tenha sido refutada a alegação de abalo psicológico em momento pretérito, não houve confirmação de que este abalo ainda subsiste, tendo sido afirmado pelo expert, no momento da perícia, que a parte autora não possuía alterações no exame do estado mental, não havendo prova, por consequência da necessidade de tratamento médico e psicológico na atualidade, por conta do rompimento da barragem. Assim, não há outra alternativa senão, a rejeição do referido pedido. III – DISPOSITIVO Ante o exposto, ACOLHO PARCIALMENTE a pretensão inicial (CPC, art. 487, I), para CONDENAR a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais à parte autora de R$10.000,00 (dez mil reais), valor que deverá ser corrigido pela tabela da CGJ/MG, desde a data do arbitramento (STJ, Súmula 362), e acrescida de juros de mora de 1% a.m., desde a data do evento danoso (25/01/2019) (STJ, Súmula 54). Condeno a parte ré ao pagamento de 1/2 das custas processuais, além de honorários sucumbenciais de 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º do CPC e da súmula 326, STJ. Condeno a parte autora ao pagamento da outra metade das custas processuais, e, em relação ao pedido de indenização por danos materiais, ao pagamento de honorários sucumbenciais de R$1.000,00, conforme art. 85, §8º e §8º-A, CPC. No entanto, suspendo a exigibilidade em relação à parte autora, diante da gratuidade que lhe foi deferida, conforme art. 98, §3º do CPC. Transitada em julgado, devolvam-se os autos à origem, para diligências finais, baixa e arquivamento. P.R.I.C.
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