Processo nº 1088615-89.2025.4.01.3400
ID: 343222325
Tribunal: TRF1
Órgão: 6ª Vara Federal Cível da SJDF
Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL
Nº Processo: 1088615-89.2025.4.01.3400
Data de Disponibilização:
05/08/2025
Polo Passivo:
Advogados:
CAMILLA ROSE EWERTON FERRO RAMOS
OAB/MA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Distrito Federal 6ª Vara Federal Cível da SJDF PROCESSO: 1088615-89.2025.4.01.3400 CLASSE: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) POLO ATIVO: NOVA ALMEI…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Distrito Federal 6ª Vara Federal Cível da SJDF PROCESSO: 1088615-89.2025.4.01.3400 CLASSE: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) POLO ATIVO: NOVA ALMEIDA FUNDO DE INVESTIMENTO FINANCEIRO MULTIMERCADO REPRESENTANTES POLO ATIVO: CAMILLA ROSE EWERTON FERRO RAMOS - MA7414 POLO PASSIVO: COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS e outros DECISÃO Cuida-se de mandado de segurança, com pedido de tutela de urgência inaudita altera parte, impetrado por Nova Almeida Fundo de Investimento Financeiro Multimercado, representado por sua administradora fiduciária REAG Trust Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A., em face de ato atribuído ao colegiado da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, apontado como omissivo, relacionado à operação de incorporação das ações da BRF S.A. pela Marfrig Global Foods S.A. O impetrante alega que a CVM, mesmo tendo reconhecido irregularidades e insuficiências informacionais nos documentos submetidos à deliberação dos acionistas e deferido o adiamento da assembleia geral extraordinária por duas oportunidades, omitiu-se em adotar providências mais efetivas para impedir a deliberação da AGE prevista para 05/08/2025, nos termos originalmente apresentados. Sustenta que a relação de troca aprovada (0,8521 ação da Marfrig por 1 ação da BRF) é desproporcional e lesiva aos acionistas minoritários, em especial quando comparada ao laudo de avaliação elaborado pela Apsis Consultoria (2,261483 ações de Marfrig por uma ação da BRF). Aduz ainda que o ato impugnado viola normas e princípios regulatórios do mercado de capitais, por não ter a CVM exercido plenamente suas competências legais, previstas no art. 124, §5º, II, da Lei nº 6.404/76 (Lei das S.A.) e nos arts. 8º, V, e 9º, §1º, IV, da Lei nº 6.385/76, omissão que, segundo alega, acarreta violação aos princípios da legalidade e eficiência administrativa (art. 37 da CF). Em sede liminar, requer a suspensão da AGE marcada para 05/08/2025 e que, em eventual nova convocação, seja determinado que a deliberação sobre a incorporação de ações se dê apenas com base em laudo independente, elaborado nos termos do art. 264 da Lei das S.A., além do impedimento do controlador de votar na matéria. No mérito, pede a concessão definitiva da segurança para que sejam invalidados quaisquer atos da CVM que deixem de determinar a suspensão da assembleia e reconhecer a ilegalidade da relação de substituição 0,8521 (Marfrig/BRF), bem como para que se impeça a participação do acionista controlador na votação. O valor atribuído à causa é de R$ 100.000,00 (cem mil reais). A BRF S.A compareceu espontaneamente à ID nº 2201285565 para tratar do pedido liminar. Alegou, em síntese: a) ausência, em tese, de direito líquido e certo; b) inexistência de prova pré-constituída de atuação omissiva ilegal por parte da CVM, não podendo o mandado de segurança ser utilizado como sucedâneo recursal para veiculação de mero inconformismo e rediscussão de decisões administrativas proferidas de acordo com o ordenamento jurídico (súmula 267 do STF); c) a CVM exerceu sua competência legal de forma correta, tendo apreciado todas as alegações renovadas na petição inicial do presente mandado de segurança e determinando, inclusive, a divulgação de informações complementares aos acionistas minoritários, não havendo que se falar, portanto, em omissão ilegítima; d) a BRF cumpriu todos os requisitos do PO 35 CVM, conforme confirmado pela CVM e pela justiça estadual de São Paulo; e) não há qualquer ilegalidade na operação de substituição; f) não cabe à CVM e ao Poder Judiciário se imiscuir no mérito da operação de substituição; g) os membros dos comitês da BRF são todos independentes e efetivamente negociaram a operação; h) não há risco de dano aos acionistas minoritários, pois a Lei nº 6.404/76 assegura o direito de retirada a todos aqueles que não concordam com a relação de troca em operações de incorporação, recebendo por suas ações o valor patrimonial a preço de mercado (art. 264, § 3º), não existindo, por consequência, faculdade jurídica para impedir a realização da operação; i) eventuais prejuízos patrimoniais provenientes do caso sub judice devem ser resolvidos via arbitragem, nos termos da cláusula compromissória estatutária e mediante farta dilação probatória; j) há inegável risco de dano inverso e irreparável caso a medida liminar seja concedida, eis que a operação em andamento resultará em um ganho para a BRF S.A na ordem de R$ 805 milhões por ano, sendo R$ 400-500 desses milhões capturados nos primeiros 12 meses e o restante no médio/longo prazo. Relatei. A Lei 12.016/2009, em seu art. 7º, III, exige, para a concessão da liminar em mandado de segurança, a presença simultânea de dois requisitos, a saber: a) plausibilidade jurídica (fumus boni juris) e b) possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora). A existência de tais pressupostos deve ocorrer, por expressa imposição legal, simultaneamente. Do contrário, não há respaldo normativo hábil a legitimar a concessão da medida liminar ora vindicada. No caso, não se faz presente a plausibilidade jurídica do pedido, tendo em vista os fundamentos de fato e de direito que passo a expor. Em primeiro lugar, há as dificuldades inerentes aos limites caracterizadores do rito do Mandado de Segurança, livremente escolhido pela impetrante, que demanda prova pré-constituída das alegações feitas na peça vestibular (direito líquido e certo). Por consequência, não é possível emprender dilações probatórias, o que implica na redução do espaço para discussões de ordem técnica. Nessa perspectiva, insta destacar trecho do PARECER TÉCNICO Nº 79/2025-CVM/SEP/GEA-4 da CVM (ID nº 2201285845), vazado nos seguintes termos: “134. Nos documentos divulgados pela Companhia, foi descrito um intenso processo de estudo e negociação por parte do Comitê Especial Independente de BRF, que teria levado em conta, conforme manifestação da Companhia, premissas, estimativas, projeções, indicadores macroeconômicos, e outras variáveis econômico-financeiras. Das atas dos comitês identificam-se menções a uma série de informações e parâmetros, sem que, no entanto, essas informações sejam explicitamente divulgadas, tais como projeções, sinergias, racional de projeções, relação de troca proposta incialmente e contraproposta, análises das cotações, dados financeiros das Companhias, referências de transações comparáveis, cenários de projeções para EBITDA e múltiplos. 135. Não se identificam, nos documentos divulgados pela Companhia, informações sobre os números e projeções das Companhias que tenham sido levadas ao conhecimento do controlador, seja considerado o controlador direto, Marfrig, por meio de seu comitê, seja considerado o controlador indireto, Presidente do CA da BRF. Também não se identificam números e projeções que nortearam o entendimento dos comitês quanto à comutatividade das condições propostas. 136. Não se trata de questionar a relação de substituição proposta, mas a divulgação das informações previstas na Resolução CVM n° 81/22, para que os acionistas possam tomar uma decisão informada. Entende-se não ser suficiente, no caso concreto, informar que o critério resultou de um processo de negociação entre Comitês Independentes De um lado, seu texto indica uma intenção de ter sido voltado mais especificamente aos procedimentos de auditoria, e não na elaboração das demonstrações a ela submetidas. Atenta a isso, a SSE chega a expor entendimento que tal dispositivo não se aplicaria ao caso, por terem sido as ressalvas e a abstenção de opinião decorrentes de limitação de escopo, de modo que nem seria possível verificar descumprimentos nos procedimentos de auditoria, como consta dos itens 87 e, especialmente, 88 do Ofício Interno”. São argumentos que apoiariam a narrativa da inicial: haveria uma insuficiência de informações prestadas pela Companhia, que limitou os dados à disposição dos acionistas, tarjando informações que a impetrante entende cruciais. Aqui já encontramos pela primeira vez uma dificuldade do rito, porque as omissões e tarjamentos contra os quais a impetrante se insurge não cobrem a totalidade da documentação e não parecem, ao contrário do que se diz na inicial, impossibilitar a compreensão dos “fundamentos da operação [nas suas projeções] financeiras, premissas de cálculo, análises de sinergias e até mesmo a especificação das propostas e contrapropostas [que] foram ocultadas”. Ao contrário, estão revelados dados que, a princípio, interessam e ilustram a futura operação. Num Mandado de Segurança não é possível determinar a apresentação dos documentos contábeis sem a proteção aos dados confidenciais, para que este Juízo pudesse afirmar, categoricamente, que não há nada confidencial a proteger e que os dados poderiam ter descido a um nível maior de detalhe. Ora, há óbvia envergadura para discordar desse parecer — que não é vinculativo — e com recurso às especificidades do setor. Por exemplo, colho do voto do Diretor Relator João Accioly apreciação exatamente do ponto acima citado, do Parecer da Superintendente de Relações com Empresas, que não havia dever ilimitado de divulgação de informações — à ID nº 2201285875: “9. Nesse sentido, esclareço estar de acordo com as conclusões do Parecer da SEP diante da circunstância de que o próprio material disponibilizado aos acionistas da Companhia, que indica a tomada de decisão por seu Conselho de Administração, faz referência a informações indicadas nas Atas de Reuniões dos Comitês Especiais Independentes. Trata-se, assim, de possibilitar aos acionistas que verifiquem, em última análise, a conformidade da atuação do próprio Conselho de Administração ao aprovar o resultado da atuação do comitê, nos termos e nos limites daquilo que foi divulgado pela própria Companhia. 10. Não é de se esperar, muito menos exigir, que seja feita a divulgação de absolutamente tudo. Tendo-se por referência a negociação entre partes inteiramente contrapostas, há que se ter em mente que cada uma sempre terá informações próprias que não deve compartilhar com a outra, na legítima defesa de seus interesses. O exemplo mais evidente, numa negociação em bases comerciais, entre partes inteiramente independentes, é o preço de reserva de cada uma: o preço máximo que o comprador aceita pagar e o preço mínimo que o vendedor aceita receber. Nessa linha, dados sensíveis que deem a cada parte as razões pelas quais chegam a seu respectivo limite possível de negociação também se inserem na esfera daquilo que ambos os lados têm não só o direito de manter sob sigilo, como o dever, para com seus respectivos fiduciantes, de fazê-lo. Daí, não haveria por que exigir sua divulgação, assim como não se faria numa negociação entre partes independentes”. Decisivo, na análise à operação, seria o recurso às negociações nos comitês independentes, que a impetrante também critica na sua inicial, mas que, mais que as informações tarjadas, importam à decisão que a futura Assembléia há de tomar. Ainda do voto: “4. Tenho em foco a fundamentação normativa apontada no Parecer da SEP, especialmente no §119, que traz, do Anexo I da RCVM 81, o item 5.f.(iv) - "Justificativa de por que a relação de substituição é comutativa, com a descrição dos procedimentos e critérios adotados para garantir a comutatividade da operação (…)". Importante registrar que esse item, ao referir-se à justificativa da comutatividade, parece referir-se, ao menos em princípio, às situações nas quais a decisão sobre a relação de troca é tomada fiduciariamente. Ou seja, em que não há uma negociação entre partes contrapostas que buscam para si a melhor relação possível. 6. A negociação entre partes efetivamente contrapostas é, por si só, a demonstração por excelência da comutatividade. Afinal, na medida em que cada lado tem o objetivo de otimizar seu resultado, espera-se que a relação obtida, além de situar-se na região de vantagens recíprocas, reflita a distribuição de excedentes mais equilibrada nas circunstâncias. Assim, havendo negociação efetiva entre polos opostos, não deveriam ser necessárias demonstrações adicionais de comutatividade senão a presunção de que os dois lados agiram adequadamente na defesa de seus próprios interesses. 7. Aqui, porém, está-se considerando insuficiente a informação de que a relação de troca resultou de negociação entre comitês independentes como justificativa da comutatividade. Tal postura pode ser entendida como decorrente de certo ceticismo quanto à eficácia do uso de comitês independentes enquanto instrumento de aproximação do que seria uma negociação inteiramente travada entre polos contrapostos, em bases comerciais - arm's length transaction, pelo bom poder explicativo do anglicismo. Assim, convém ter cautela quanto à extensão do que se está a decidir neste caso, ou ao menos faço questão de delimitar as razões e limites em que concordo com a decisão. 8. Se de um lado é compreensível entender que comitês formados por maioria ou totalidade de integrantes independentes entre sociedades sujeitas a controle comum não são perfeitamente aptos a realizar uma negociação equivalente àquela feita por partes independentes, por outro é preciso cautela para não esvaziar por completo as proteções ao processo decisório que tais mecanismos podem trazer. Uma extrapolação indevida da ideia de que se deve detalhar a decisão obtida pelo uso desses mecanismos poderia levar à conclusão de que eles requerem o mesmo grau de fundamentação que a estipulação em caráter fiduciário, feita por administradores atuando com o desafio adicional de equilibrar benefícios a mais de um polo de interessados. Com isso, corre-se o risco de jogar o bebê fora junto com a água suja e criar um desincentivo ao uso de mecanismos como os indicados no Parecer de Orientação 35, se seus significativos custos deixarem de ter as contrapartidas esperadas. Assim, ao menos indiretamente o pedido liminar implica guarida às dúvidas que a Impetrante lança em prejuízo dos “Comitês nada independentes” (dicção da inicial), embora o recurso a eles seja rotineiro no setor e, ainda, para contrariar suas conclusões, fosse necessário passar ao largo de que, como a BRF lança em sua defesa preliminar, foram tais comitês “assistidos por assessores financeiros (Citigroup e JP Morgan) e jurídicos próprios, … [tendo a negociação envolvido] múltiplas rodadas, incluindo contrapropostas e revisões de premissas” (ID n. 2201591544). Não há, no rito do Mandado de Segurança, possibilidade de que este Juízo determine a suplementação do trabalho de comitês, por exemplo por meio de perícia técnica. Portanto, argumentos em prejuízo das conclusões obtidas ali (e acolhidas ao menos parcialmente, no próprio âmbito da CVM) não podem estruturar um writ. Ainda que fosse possível superar tal óbice, vislumbro dos elementos carreados aos autos que a CVM apreciou, em duas oportunidades, os requerimentos deduzidos pela impetrante na via administrativa, deferindo medidas voltadas a sanar eventuais inconsistências nas informações disponibilizadas aos sócios minoritários para o exercício consciente e adequado do direito de voto em Assembléia Geral Extraordinária. Avaliar se tais medidas determinadas pela CVM foram insuficientes ou não foram integralmente cumpridas demandaria ampla dilação dilatória, o que é totalmente inviável em sede de mandado de segurança. É preciso também firmar que há significativa sobreposição entre as premissas que sustentam este Mandado de Segurança e aquilo de que se tratou na Tutela Cautelar Antecedente - Mercado de Capitais n. 1082909-05.2025.8.26.0100, juntada à ID nº 2201285906., também em prejuízo da BRF S.A. e MARFRIG GLOBAL FOODS, com o objetivo de impedir assembléias que levem à incorporação planejada por essas sociedades. Ora, nesse feito, em decisão da lavra do Juiz de Direito Andre Salomon Tudisco, extrai-se: “A questão central que se apresenta consiste em determinar quais são os critérios e procedimentos adequados para assegurar a fixação de uma relação de troca equitativa em operações de incorporação de ações entre sociedades controladoras e controladas, de modo a garantir efetiva proteção aos direitos dos acionistas minoritários. Sobre o tema, dispõe o artigo 264 da LSA: Art. 264. Na incorporação, pela controladora, de companhia controlada, a justificação, apresentada à assembléia-geral da controlada, deverá conter, além das informações previstas nos arts. 224 e 225, o cálculo das relações de substituição das ações dos acionistas não controladores da controlada com base no valor do patrimônio líquido das ações da controladora e da controlada, avaliados os dois patrimônios segundo os mesmos critérios e na mesma data, a preços de mercado, ou com base em outro critério aceito pela Comissão de Valores Mobiliários, no caso de companhias abertas. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001) § 1o A avaliação dos dois patrimônios será feita por 3 (três) peritos ou empresa especializada e, no caso de companhias abertas, por empresa especializada. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001) § 2o Para efeito da comparação referida neste artigo, as ações do capital da controlada de propriedade da controladora serão avaliadas, no patrimônio desta, em conformidade com o disposto no caput. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001) § 3o Se as relações de substituição das ações dos acionistas não controladores, previstas no protocolo da incorporação, forem menos vantajosas que as resultantes da comparação prevista neste artigo, os acionistas dissidentes da deliberação da assembléia-geral da controlada que aprovar a operação, poderão optar, no prazo previsto no art. 230, entre o valor de reembolso fixado nos termos do art. 45 e o valor apurado em conformidade com o disposto no caput, observado o disposto no art. 137, inciso II. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001) § 4o Aplicam-se as normas previstas neste artigo à incorporação de controladora por sua controlada, à fusão de companhia controladora com a controlada, à incorporação de ações de companhia controlada ou controladora, à incorporação, fusão e incorporação de ações de sociedades sob controle comum. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001) § 5º O disposto neste artigo não se aplica no caso de as ações do capital da controlada terem sido adquiridas no pregão da bolsa de valores ou mediante oferta pública nos termos dos artigos 257 a 263. Ensina José Luiz Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy Filho que a "solução da Lei não foi impor regras cogentes sobre a relação de substituição de ações, mas exigir, dentre as informações que devem ser prestadas às Assembleias Gerais, o cálculo das relações de substituição de ações com base no valor de patrimônio líquido das duas sociedades. Esse cálculo tem por função fornecer aos acionistas da controlada um padrão de relação de substituição para formar juizo sobre o adotado no protocolo da incorporação" (Direito das Companhias. 2ª Ed. Atual. E reform. pág. 1492). A proteção efetiva dos acionistas minoritários demanda a implementação de mecanismos robustos de governança corporativa. A transparência informacional constitui pressuposto indispensável para o exercício consciente dos direitos societários pelos acionistas minoritários, permitindo-lhes formar juízo adequado sobre a conveniência da operação. O Parecer de Orientação CVM n° 35/2008 estabelece diretrizes específicas para assegurar a independência nas negociações. Segundo o referido parecer, a CVM entende que "para cumprir com seus deveres e alcançar os resultados esperados pela Lei n° 6.404, de 1976, os administradores de companhias abertas devem instituir procedimentos e tomar todas as medidas necessárias para que a relação de troca e demais condições da operação sejam negociados de maneira independente". Entre os procedimentos indicados pelo Parecer CVM n° 35/2008, destacam- se: (i) negociações efetivas entre as partes; (ii) divulgação imediata do início das negociações como fato relevante; (iii) busca pelos melhores termos e condições para os acionistas; (iv) obtenção de todas as informações necessárias; (v) concessão de tempo suficiente para análise; (vi) documentação adequada de todas as deliberações; (vii) contratação de assessores independentes; (vii1) supervisão dos trabalhos dos assessores; (ix) fundamentação das avaliações; (x) consideração de formas alternativas de operação; (xi) rejeição de propostas insatisfatórias; (xil) fundamentação da decisão final; e (xiii) disponibilização de documentos aos acionistas. Adicionalmente, é recomenda a constituição de comitê especial independente ou o condicionamento da operação à aprovação da maioria dos acionistas não- controladores. O comitê especial pode ser formado por: (i) administradores independentes; (11) não-administradores independentes com capacidade técnica; ou (i1i) composição mista com representantes escolhidos por diferentes grupos de interesse. Importante ressaltar que a observância dos procedimentos estabelecidos no referido parecer funciona como importante elemento demonstrativo do "fair dealing"(negociação equitativa) que, com o fair price (preço justo), são pilares do "entire fairness test" (teste de equidade integral), importante conceito de revisão aplicado pela Corte de Delaware em situações de grave e fundado risco de sacrifício do interesse social, especificamente no presente caso, em que a sociedade controladora figura nas duas pontas da operação (self-dealing). Com efeito, o elemento "fair dealing" examina como a operação foi estruturada, negociada, divulgada e aprovada, verificando aspectos como: (i) a qualidade das informações fornecidas; (ii) a independência dos negociadores; (iii) o timing da operação; (iv) a participação de comitês especiais; e (v) a aprovação por acionistas desinteressados. Por sua vez, o "fair price" analisa se a contraprestação oferecida é adequada, considerando todos os elementos de valor das sociedades envolvidas. No presente caso, em cognição sumária, parece que foram observadas as regras necessárias para assegurar uma negociação equitativa. A parte autora alega, especificamente, que há conflito e, assim, a sociedade controladora está impedida de exercer o direito de voto nas assembleias; que membros dos Comitês criados pelas companhias não possuem a devida independência; e que não foram disponibilizadas informações suficientes para análise do preço de troca”. Nessa análise, após firmar que não há impedimento de voto da sociedade controladora nas referidas AGE’s, aquele juízo tratou explicitamente dos Comitês que estudaram e negociaram a futura incorporação, e de como seria difícil subverter as negociações e conclusões obtidas por eles sem dilação probatória: “Sobre os membros dos Comitês, também não assiste razão às autoras. Com efeito, os dois Comitês são compostos por membros dos Conselhos de Administração das Companhias envolvidas na incorporação. Esclareço que as partes autoras somente têm legitimidade para impugnar nomeações relativas ao Comite da BRF, pois somente com ela possuem relação de direito material. Como pode ser visto, foram nomeados pelo Conselho de Administração três de seus integrantes, quais sejam, Flavia Maria Bittencourt, Augusto Marques da Cruz Filho e Eduardo Augusto Rocha Pocetti. Alegam que Eduardo "atuou por 8 (oito) anos seguidos, entre 2014 e 2021, como membro do Conselho Fiscal da Marfrig, tendo sido sempre eleito pelo voto do controlador Marcos Antonio Molina dos Santos (...) A propósito, o Sr. Eduardo presidiu o Conselho Fiscal da Marfrig em 2021 e atuou no Comitê de Auditoria da Marfrig em 2020, período em que Marcos Antonio Molina dos Santos ocupava a presidência do conselho". Primeiro, o fato de ter sido indicado por determinado bloco acionário não afasta a observância, pelo administrador, dos deveres fiduciários, dos quais decorre o de independência, nos termos do art. 154, §1°, da LSA. … Destarte, ainda que a indicação tenha sido feita pelo acionista controlador, o conselheiro, nos termos do art. 154, §1°, da LSA, "tem, para com a companhia, os mesmos deveres que os demais, não podendo, ainda que para defesa do interesse dos que o elegeram, faltar a esses deveres". Segundo, como consequência do dever de independência, deveriam os requeridos indicar "conflito de tal monta que efetivamente impeça o administrador de atuar" (EIZIRIK, Nelson. Lei das S/A Comentada, vol. II, 3ª Edição, pág. 99). Porém, não é o que se constata, conforme acima demonstrado. Ainda que os acionistas da BRF não tenham interesse, a regra acima também se aplica à ANTONIO SANTOS MACIEL NETO. Com efeito, o simples fato de ser "sócio, por meio de sua holding patrimonial AMN Participações Ltda., de Marcos Antonio Molina dos Santos nas empresas Biotick Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico S.A. ("Biotick") e a Imunotick Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico ("Imunotick")" não afasta, por si só, seus deveres fiduciários e, consequentemente, sua independência. Outrossim, os Comitês são formados por outros dois conselheiros, sendo que apenas os votos daqueles não são suficientes e poderiam rebatidos e afastados pelos demais. Por fim, ressalto que os membros dos Cômites foram indicados pelos Conselhos de Administração das Companhias, sendo que, no caso da BRF, os conselheiros foram eleitos com voto da PREVI, sendo um deles por ela indicado. Em momento algum os autores, acionistas minoritários, alegaram falta de independência dos membros do Conselho de Administração da BRF e até mesmo da MARFRIG (aliás, nem poderiam, pois sequer são acionistas). Não se pode olvidar que, nos termos do art. 158 da LSA, a atuação do administrador deve observar o estatuto social e a lei, sob pena de responsabilização, sendo que os acionistas minoritários, apesar das rígidas regras impostas, presumem a má-fé daqueles indicados. Portanto, não verifico, em cognição sumária, falta de independência de membro do Comite Independentes da BR, até mesmo porque a operação foi aprovada pelo Conselho de Administração. … O artigo 133 da Lei das S.A. assegura aos acionistas o direito de examinar, durante o prazo de antecedência da convocação, os documentos referentes à operação. O direito de informação é decorrência lógica do direito de voto, sendo indispensável para o exercício consciente da função de acionista em operações de tamanha complexidade. O Parecer de Orientação CVM n° 35/2008 reforça essa garantia ao estabelecer que "todos os documentos que embasaram a decisão dos administradores devem ser colocados à disposição dos acionistas, na forma do art. 3° da Instrução CVM n° 319, de 3 de dezembro de 1999". Em tese, os acionistas devem ter acesso não apenas aos laudos de avaliação, mas também às demonstrações financeiras atualizadas, estudos de viabilidade, pareceres jurídicos e demais documentos que fundamentem a operação proposta. Entretanto, o referido direito de acesso às informações não é ilimitado. O artigo 109, inciso III, da Lei 6.404/76 consagra o direito essencial do acionista de "fiscalizar, na forma prevista nesta Lei, a gestão dos negócios sociais". Este direito fundamental desdobra-se no artigo 133, que assegura ao acionista o exame dos livros e papéis da companhia, bem como no artigo 157, que impõe aos administradores o dever de prestar informações solicitadas por acionistas. Contudo, o próprio diploma societário estabelece limitações a este direito. O parágrafo 5° do artigo 157 permite que a diretoria recuse informações quando estas puderem "pôr em risco interesse legítimo da companhia". Esta cláusula geral exige interpretação sistemática com outros dispositivos legais. Outrossim, a Lei 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial), em seu artigo 195, tipifica como crime de concorrência desleal a divulgação, exploração ou utilização de conhecimentos, informações ou dados confidenciais utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços. Nestas operações de incorporação, o acionista minoritário possui direito ampliado de acesso às informações, incluindo laudos de avaliação, critérios de determinação da relação de troca e justificativas econômicas da operação, nos termos do artigo 264 da LSA. Entretanto, este direito encontra limitação quando as informações solicitadas extrapolam o necessário para a avaliação da operação e contenham segredos industriais ou comerciais. As requeridas tarjaram informações que dizem respeito as projeções futuras sobre o negócio e, ainda que tenham servido para avaliação, representam segredo industrial e não podem ser apresentadas ao mercado. A ponderação seria o acesso supervisionado às informações e isso se deu pelo Conselho de Administração e, consequentemente, pelos Comites Independentes que, de posse das avaliações apresentadas pelas empresas especializadas, quais sejam, JP Morgan e CITIGROUP, discutiram os termos e aprovaram a relação de troca das ações das companhias. Apesar de ser repetitivo, importante ressaltar que os Conselheiros possuem deveres de diligência, previsto no artigo 153 da LSA, e de lealdade, disciplinado nos artigos 154 a 156 da LSA, que impõem a obrigação de agir exclusivamente no interesse da companhia. Além disso, foram eleitos pela maioria dos acionistas. Desta maneira, possível retirar, em cognição sumária, que aos acionistas minoritários foram apresentadas informações suficientes para exercício do voto. A aferição de eventuais irregularidades nas avaliações dependem de dilação probatória, não sendo cabível neste procedimento. Ademais, a assembleia geral deve proporcionar oportunidade efetiva de debate, permitindo que os acionistas esclareçam dúvidas e manifestem suas posições antes da deliberação final. O exercício pleno do direito de voto pressupõe informação adequada e tempestiva sobre todos os aspectos relevantes da operação, o que ocorreu no presente caso. Por fim, não há receio de dano irreparável aos minoritários. O direito de recesso, nos termos do art. 264 da LSA, configura importante mecanismo de proteção aos acionistas minoritários dissidentes. Este instituto permite ao acionista que não concorde com a operação retirar-se da sociedade mediante o reembolso de suas ações pelo valor justo, determinado com base em critérios objetivos. Além do recesso, caso os pedidos formulados sejam julgados procedentes ao final da arbitragem, eventual direito patrimonial dos minoritários poderá ser reconstituído, pois a companhia possui patrimônio suficiente. Sem prejuízo, conforme demonstrado pela correquerida BRF a fls. 2031/2032, não haverá qualquer alteração dos direitos políticos dos requerentes caso aprovada e executada a incorporação”. A análise acima exaure a quase totalidade dos argumentos lançados na inicial do presente mandamus. Concluo, tanto pelo que se disse anteriormente à citação acima quanto pelos próprios termos da decisão cautelar, cujos fundamentos torno partes integrantes desta própria decisão, ser impossível afirmar, como quer a Parte Impetrante, que a CVM omitiu-se em adotar providências mais efetivas para impedir a deliberação da AGE; ou que a relação de troca aprovada (0,8521 ação da Marfrig por 1 ação da BRF) é desproporcional e lesiva aos acionistas minoritários, em especial quando comparada ao laudo de avaliação elaborado pela Apsis Consultoria, (2,261483 ações de Marfrig por uma ação da BRF), porque essa relação de troca não deve prevalecer sobre as avaliações apresentadas pelas empresas especializadas, quais sejam, JP Morgan e CITIGROUP, que discutiram os termos e aprovaram a relação de troca das ações das companhias, não havendo espaço, em Mandado de Segurança, para a produção de uma terceira estimativa. Não há, por isso, vício aparente na atuação da CVM, que exerceu suas competências legais, previstas no art. 124, §5º, II, da Lei nº 6.404/76 (Lei das S.A.) e nos arts. 8º, V, e 9º, §1º, IV, da Lei nº 6.385/76. Trato em maior detalhe, ainda, de algo que se mencionou de passagem acima. O art. 264 da Lei 6404/76 prevê o direito de retirada do sócio dissidente com o consequente recebimento do valor patrimonial de suas ações a preços de mercado, litteris: “Art. 264: … § 3o Se as relações de substituição das ações dos acionistas não controladores, previstas no protocolo da incorporação, forem menos vantajosas que as resultantes da comparação prevista neste artigo, os acionistas dissidentes da deliberação da assembléia-geral da controlada que aprovar a operação, poderão optar, no prazo previsto no art. 230, entre o valor de reembolso fixado nos termos do art. 45 e o valor apurado em conformidade com o disposto no caput, observado o disposto no art. 137, inciso II. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)” Em suma, o legislador estabeleceu expressamente mecanismo específico para a resolução de conflitos de interesses provenientes de operações de incorporação, motivo pelo qual não se reconhece ao sócio minoritário faculdade jurídica para obstar a realização do negócio. Quanto ao requerimento voltado e obstar a participação do controlador “em qualquer AGE da BRF convocada para deliberar sobre a operação”, faz-se mister salientar que o impedimento do exercício de voto por parte de sócio majoritário só pode ser declarado no caso de abuso de direito, nos termos do art. 115, caput e § 1º, da Lei 6404/76: “Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.(Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001) § 1º o acionista não poderá votar nas deliberações da assembléia-geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia. Como se pode verificar da literalidade do dispositivo legal acima plasmado, o reconhecimento de suposto comportamento abusivo a autorizar a declaração de impedimento do exercício do direito de voto em Assembléia Geral Extraordinária é matéria que demanda ampla dilação probatória, o que é absolutamente proscrito no rito estreito do mandado de segurança. Nesse contexto, dessome-se que a inclusão da CVM na condição de Autoridade Coatora aparenta representar, ao menos em sede de cognição sumária, medida direcionada à rediscussão, agora nesta Justiça Federal, de matérias já devidamente apreciadas e repelidas tanto pela CVM (Processos CVM 19957.007766/2025-19, 19957.008161/2025-37, 19957.006603/2025-19 e 19957.006664/2025-78), quanto pela justiça estadual de São Paulo (Tutela Cautelar Antecedente - Mercado de Capitais n. 1082909-05.2025.8.26.0100). No mais, cabe ressaltar que o juízo competente para apreciar eventuais descontentamentos com a operação de incorporação é o arbitral, conforme se pode extrair tanto da decisão da justiça estadual de São Paulo quanto das informações colacionadas aos autos pela BRF S.A (ID 2201285565, pág. 38, parágrafo 100): "100. Isso confirma ainda que a questão sub judice configura tema meramente patrimonial, que poderá ser resolvida em arbitragem, nos termos da cláusula compromissória estatutária e mediante farta dilação probatória. E consoante entendimento desse TRF1, dano patrimonial não permite a concessão de medida de urgência, pela incerteza e entropia que causa. [TRF1, 9ªT. AI n° 1048363-30.2023.4.01.0000, Rel. Des. Euler de Almeida Silva Junior, julgado em 6.3.2025, DJE 11.3.2025. No mesmo sentido: TRF4, 3*T., AI n° 5032983-46.2022.4.04.0000, Rel. Des. Rogerio Favreto, julgado em 11.10.2022, DJE 11.10.2022; TRF2, 3°T., AI n° 5005928-09.2024.4.02.0000, Rel. Des. Paulo Leite, julgado em 20.8.2024, DJE 20.8.2024.]" Com essas considerações, indefiro o pedido liminar. Notifique-se a Autoridade Coatora para prestar as informações no decêndio legal. Intimem-se a impetrante e a terceira interessada para ciência desta decisão, atentando-se para os requerimentos de intimação específica constantes da petição inicial e da petição de ID nº 2201285565. Os representantes judiciais da BRF S.A devem apresentar procuração, no prazo de 5 (cinco) dias. Intime-se o órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, para os fins do art. 7º, II, da Lei nº 12.016/2009. Ao MPF, para os fins do art. 12 da Lei nº 12.016/2009. Oportunamente, venham os autos conclusos para sentença. Brasília, . (assinado eletronicamente) MANOEL PEDRO MARTINS DE CASTRO FILHO Juiz Federal Substituto da 6ª Vara, SJ/DF
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