Cooperativa De Credito Vale Do Itajai Viacredi x Louise Thaina Silva e outros
ID: 305925080
Tribunal: TJSC
Órgão: Diretoria de Recursos e Incidentes
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5002130-04.2023.8.24.0073
Data de Disponibilização:
24/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
EUSTAQUIO NEREU LAUSCHNER
OAB/SC XXXXXX
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LUIZ ANTONIO ROZZA
OAB/SC XXXXXX
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EVERTON LUIZ DALPIAZ
OAB/SC XXXXXX
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Apelação Nº 5002130-04.2023.8.24.0073/SC
APELANTE
: COOPERATIVA DE CREDITO VALE DO ITAJAI VIACREDI (RÉU)
ADVOGADO(A)
: EUSTAQUIO NEREU LAUSCHNER (OAB SC011427)
APELADO
: LOUISE THAINA SILVA (AUTOR…
Apelação Nº 5002130-04.2023.8.24.0073/SC
APELANTE
: COOPERATIVA DE CREDITO VALE DO ITAJAI VIACREDI (RÉU)
ADVOGADO(A)
: EUSTAQUIO NEREU LAUSCHNER (OAB SC011427)
APELADO
: LOUISE THAINA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: LUIZ ANTONIO ROZZA (OAB SC028232)
ADVOGADO(A)
: EVERTON LUIZ DALPIAZ (OAB SC034915)
APELADO
: MAIKO THEISS (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: LUIZ ANTONIO ROZZA (OAB SC028232)
ADVOGADO(A)
: EVERTON LUIZ DALPIAZ (OAB SC034915)
DESPACHO/DECISÃO
Acolho o relatório da sentença (
evento 25, SENT1
dos autos de primeiro grau), , por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos,
ipsis litteris
:
Cuida-se de ação movida por
MAIKO THEISS
e
LOUISE THAINA SILVA
em face de
COOPERATIVA DE CREDITO VALE DO ITAJAI VIACREDI
.
Alegou que o contrato de financiamento celebrado padece de abusividades em relação à correção monetária pelo CDI.
Requereu a revisão do pacto com a substituição do índice, a repetição do indébito em dobro e indenização por danos morais.
O pedido de tutela de urgência foi indeferido.
Citada, a parte ré contestou sustentando, preliminarmente, inépcia da petição inicial. Quanto ao mérito, refutou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e defendeu a legalidade do contrato firmado entre as partes.
Houve réplica.
O Magistrado julgou parcialmente procedente os pedidos exordial, nos seguintes termos:
ANTE O EXPOSTO
, julgo parcialmente procedentes os pedidos para:
a) revisar a taxa de juros remuneratórios no contrato objeto da lide, que passará a observar a taxa média de juros divulgada pelo Banco Central, mês a mês, salvo se a taxa contratada for mais vantajosa;
b) determinar a repetição simples de eventual indébito, corrigido monetariamente pelo INPC desde a data do pagamento, acrescida a diferença verificada em favor do autor de juros de 1% ao mês a contar da citação.
Os valores apurados deverão ser compensados/descontados de eventual saldo devedor em aberto e, caso quitado o contrato, restituídos em parcela única.
Diante da sucumbência recíproca, arbitro os honorários em 15% do valor atualizado da causa, cabendo à parte autora o adimplemento de 50% e à parte ré o pagamento de 50% dessa verba (art. 86 do CPC).
As custas devem ser rateadas entre as partes na proporção supramencionada.
A condenação em custas e honorários da parte autora ficará suspensa por força da Justiça Gratuita.
Os embargos de declaração opostos pelo réu (
evento 30, EMBDECL1
/1º grau) foram integralmente rejeitados (
evento 42, SENT1
/1º grau).
Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a ré interpôs apelação, por meio da qual sustenta: (i) nulidade da sentença por julgamento extra petita, ao argumento de que os autores limitaram-se a requerer o afastamento do índice CDI como critério de correção contratual; (ii) inépcia da petição inicial, diante da ausência de indicação específica das cláusulas contratuais tidas por abusivas e da não apresentação de planilha com o valor incontroverso; (iii) descabimento da adoção, como parâmetro de comparação para os juros remuneratórios, da taxa média do Bacen referente a operações com recursos direcionados (financiamento imobiliário), por se tratar, na hipótese, de crédito pessoal concedido com recursos livres, não vinculado a programas habitacionais ou obrigatoriedade de destinação; e (iv) legalidade dos juros contratados (0,42% a.m. fixos + 100% do CDI), inferiores à taxa média de mercado aplicável à modalidade correta ("crédito pessoal – aquisição de bens – recursos livres"), o que afasta a alegação de abusividade (
evento 50, APELAÇÃO1
/1º grau).
Contrarrazões no
evento 57, CONTRAZ1
/1º grau.
É o relatório. Decido.
O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
De plano, assinalo a possibilidade de julgamento monocrático do feito, em conformidade com o art. 932, IV, b, do Código de Processo Civil e art. 132, XVI, do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça, uma vez que a decisão recorrida é contrária a acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos e à jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça.
1 PRELIMINARES
1.1 Nulidade da sentença
Sustenta a Apelante que a sentença incorreu em julgamento extra petita ao limitar os juros remuneratórios à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central, sem que houvesse pedido expresso da parte autora nesse sentido.
Não lhe assiste razão.
É cediço que em respeito à congruência da decisão judicial não pode o Magistrado, ao entregar a prestação jurisdicional, ir além, fora ou aquém dos pedidos iniciais, julgando, respectivamente,
ultra petita
,
extra petita
ou
citra petita
, devendo decidir a lide nos exatos limites da demanda proposta.
Sobre o tema, o Código de Processo Civil dispõe:
Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte.
Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.
Parágrafo único. A decisão deve ser certa, ainda que resolva relação jurídica condicional.
E a doutrina, na lição de Fredie Didier Jr., complementa:
O julgamento ultra petita ofende os princípios do contraditório e do devido processo legal, haja vista que leva em conta fatos ou pedidos não discutidos no processo, ou ainda porque estende seus efeitos a sujeito que não pôde participar em contraditório na causa. O julgamento citra petita viola o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, quando se revela pela ausência de manifestação sobre pedido ou pela ausência de deliberação quanto a determinado sujeito da relação processual, e ofende o princípio do contraditório, sob sua perspectiva substancial, nos casos em que o magistrado deixa de analisar fundamento relevante invocado pela parte. Já a decisão extra petita fere todos esses princípios, tendo em vista que consubstancia hipótese em que, conforme se verá adiante, o magistrado deixa de analisar algo que deveria ser apreciado e examina outra coisa em seu lugar.
[...]
Diz-se extra petita a decisão que (i) tem natureza diversa ou concede ao demandante coisa distinta da que foi pedida, (ii) leva em consideração fundamento de fato não suscitado por qualquer das partes, em lugar daqueles que foram efetivamente suscitados, ou (iii) atinge sujeito que não faz parte da relação jurídica processual.
[...]
Pode-se afirmar, portanto, que aqui o magistrado inventa, dispondo sobre (i) uma espécie de provimento ou uma solução não pretendidos pelo demandante, (ii) um fato não alegado nos autos ou (iii) um sujeito que não participa do processo (Curso de direito processual civil. Teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. Vol. II. 7ª Ed. - Salvador: Ed. Juspodivm, 2012, p. 315-317).
Sobre a questão, assim decidiu o Magistrado sentenciante:
[...]
Sob esse viés, tem-se que ao tempo da contratação (03/11/2021) os encargos incidentes eram constituídos por juros remuneratórios fixados em 0,42% a.m. + 100% do CDI na época estabelecida a média mensal em 0,49% (mês anterior), conforme pesquisa ao sítio eletrônico da Bolsa de Valores - B3, totalizando 0,91% a.m.. A taxa média de mercado para financiamento imobiliário, por sua vez, era de 0,69% a.m., configurando-se, desde então, a abusividade na utilização do referido índice.
Assim, necessário limitar a remuneração do pacto à taxa média de mercado ("
Taxa média de juros das operações de crédito com recursos direcionados - Pessoas físicas - Financiamento imobiliário com taxas de mercado
"), mês a mês, salvo se a taxa contratada for mais vantajosa (TJSC, Apelação n. 0301309-79.2018.8.24.0075). [...]
Pois bem.
Com efeito, embora o pedido da parte autora tenha se dirigido expressamente ao afastamento da cláusula que estipula o CDI como índice de correção monetária do contrato (
evento 1, INIC1
/ 1º grau), a fundamentação da petição inicial não se restringe à mera substituição do indexador. Os autores alegaram que a fórmula contratual de remuneração — composta por juros fixos de 0,42% a.m. somados a 100% do CDI — implicaria onerosidade excessiva e desequilíbrio contratual, fundamentos que sustentam a abusividade dos encargos financeiros.
Nesse contexto, a sentença ao reconhecer a abusividade do custo financeiro global e limitar os juros à taxa média de mercado para financiamento imobiliário, apenas extraiu consequência lógica da causa de pedir revisional formulada pelos autores. Não se trata de decisão fundada em análise
ex officio
, mas sim de julgamento coerente com a impugnação expressa da cláusula de remuneração contratual, cujos efeitos ultrapassam o índice de correção em sentido estrito, refletindo também na taxa de juros total pactuada.
Portanto, a sentença não extrapolou os limites da demanda, tampouco decidiu questão não suscitada pelas partes. Apenas reconheceu a abusividade do CDI como critério de atualização e, em consequência, limitou os encargos à média de mercado, dentro dos contornos da controvérsia posta.
Rejeita-se, assim, a preliminar.
1.2 Inépcia da exordial
Alega a Apelante, ainda, a inépcia da petição inicial, ao argumento de que a parte autora não indicou, de forma específica, quais cláusulas do contrato seriam abusivas, tampouco apresentou planilha de cálculo ou valor incontroverso da dívida, limitando-se a postular genericamente a substituição do índice de correção monetária (CDI) pelo INPC e a repetição dos valores supostamente pagos a maior, o que inviabilizaria o exercício do contraditório e da ampla defesa.
A prefacial, contudo, não merece acolhida.
Conforme se extrai da petição inicial (
evento 1, INIC1
/ 1º grau), os autores formularam pedido certo e determinado de revisão contratual, com destaque para a ilegalidade da pactuação que vincula a correção monetária ao CDI.
A causa de pedir, portanto, está assentada na impugnação da fórmula de remuneração do contrato (juros fixos + CDI) e nos efeitos econômicos decorrentes de sua aplicação, que teriam gerado encargos excessivos e desproporcionais. Não há que se falar, assim, em ausência de correlação entre pedido e causa de pedir, tampouco em indeterminação ou deficiência na exposição dos fatos que justificam a pretensão revisional.
Não há, pois, que se falar em inépcia, eis que presentes todos os requisitos legais.
Nesse sentido:
DIREITO BANCÁRIO. APELAÇÃO. AÇÃO REVISIONAL. FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES.
I. CASO EM EXAME
1. Ação revisional de contrato bancário. Sentença parcialmente procedente que (i) reconheceu a abusividade da taxa de juros remuneratórios, limitando-a à média de mercado para a modalidade, acrescida de 50%; e (ii) determinou a restituição simples do indébito.
II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO
2. Em debate: (i) admissibilidade de pedidos não formulados na petição inicial (tarifa de cadastro e declaração de quitação contratual); (ii) inépcia da inicial; (iii) abusividade da taxa de juros remuneratórios e possibilidade de limitação desta à média de mercado para a modalidade; (iv) configuração de venda casada na contratação de seguro prestamista; (v) legalidade da cobrança do IOF; (vi) existência de dano moral indenizável; (vii) possibilidade de repetição do indébito em dobro; (viii) possibilidade de utilização tão somente da Selic como índice de correção monetária; e (ix) majoração dos honorários sucumbenciais arbitrados em percentual.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. Inovação recursal: Os pleitos de afastamento da cobrança da tarifa de cadastro e declaração de quitação do contrato não foram formulados na origem, caracterizando inovação recursal. Inviabilidade de análise do pedido em grau recursal, sob pena de violação dos princípios da ampla defesa, contraditório e duplo grau de jurisdição. Recurso não conhecido nos pontos.
4. Inépcia da inicial: O depósito do valor incontroverso da dívida não é um dos requisitos da petição inicial. Atendidos os requisitos dos arts. 319, 320 e 330, § 2º, do CPC. Prefacial afastada.
5. Juros remuneratórios: A taxa média de juros praticada pelo mercado à época da convenção deve ser adotada como critério norteador (não como teto), analisando-se as peculiaridades do caso, em conformidade com o Recurso Especial Repetitivo n. 1.061.530/RS. Ausência de justificativas para a adoção de percentual elevado e desproporcional na contratação da cédula de crédito bancário em discussão, ônus que incumbia à instituição financeira (art. 373, inc. II, do CPC). O fato do contrato envolver o financiamento de veículo antigo, por si só, não altera os riscos envolvidos na operação. Abusividade configurada. Sentença reformada para limitar os juros remuneratórios à média de mercado divulgada pelo Bacen.
6. Seguro prestamista: Prática de venda casada configurada. Seguro contratado com seguradora do mesmo grupo econômico da instituição financeira e ausência de demonstração de que o consumidor teve a opção de escolha. Sentença reformada.
7. Imposto sobre operações financeiras (IOF): Defendida a irregularidade da cobrança. Insubsistência. Legitimidade passiva do tomador de crédito. Possibilidade de cobrança diluída do tributo nas parcelas do financiamento (Tema 621/STJ).
8. Dano moral: Inexistência de elementos que demonstrem abalo anímico indenizável. Cobrança de encargos abusivos que, por si só, não demonstra situação que ultrapassa o dissabor cotidiano.
9. Repetição do indébito: A restituição dos valores pagos indevidamente deve ocorrer na forma simples, e não em dobro, salvo comprovação de má-fé da instituição financeira, o que não se verificou no caso.
10. Correção monetária e juros: Inviabilidade da incidência tão somente da Selic. Quanto à correção monetária incide o INPC até 29-08-2024, e o IPCA a partir de então. Os juros de mora são de 1% ao mês desde a citação até 29-08-2024 e, a partir de 30-08-2024, sim, incide a SELIC, deduzido o IPCA. Correta aplicação da Lei n. 14.905/2024 na origem. Sentença mantida.
11. Honorários sucumbenciais: Percentual arbitrado na origem que se mostra adequado ao caso, de acordo com os requisitos do art. 85, § 2º, do CPC. Manutenção do arbitramento.
12. Honorários recursais: Cabíveis diante do desprovimento integral do recurso da instituição financeira. Honorários arbitrados em favor da Advogada da parte autora majorados em 5%.
IV. DISPOSITIVO E TESE
13. Recurso da parte autora: Parcialmente conhecido e, no que conhecido, parcialmente provido.
14. Recurso da parte ré: Conhecido e desprovido.
Dispositivos relevantes citados: CRFB, art. 153, inc. V; CC, arts. 389, pár. ún., e 406, § 1º; CPC, arts. 85, §§ 2º e 11, 319, 320, 330, § 2º, e 373, inc. e II; CDC, art. 42, pár. ún.; Decreto n. 6.306/2007, arts. 2º, 4º e 5º.
Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp n. 1.061.530/RS, rel. Minª. Nancy Andrighi, j. 22-10-2008; e STJ, REsp n. 1.639.259/SP, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 12-12-2018.
(TJSC, Apelação n. 5065146-43.2024.8.24.0930, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Andre Alexandre Happke, Sexta Câmara de Direito Comercial, j. 05-06-2025).
APELAÇÃO. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. INSURGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.
AVENTADA
INÉPCIA DA INICIAL PELA FORMULAÇÃO DE PEDIDO GENÉRICO. PEDIDO CERTO E DETERMINADO. EXORDIAL QUE PREENCHE OS REQUISITOS DO ART. 319 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. TESE AFASTADA.
JUROS REMUNERATÓRIOS. UTILIZAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN, TÃO SOMENTE, COMO REFERENCIAL PARA A CONSTATAÇÃO DA ABUSIVIDADE. OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS ESTIPULADOS NO RESP N. 1.821.182/RS. ONEROSIDADE DO ALUDIDO ENCARGO QUE DEVE SER APURADA DE ACORDO COM AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA, IN CASU, DE JUSTIFICATIVA PLAUSÍVEL POR PARTE DA RÉ PARA PRESERVAÇÃO DAS ELEVADAS TAXAS PACTUADAS ENTRE AS PARTES. MANUTENÇÃO, PORTANTO, DA LIMITAÇÃO DO ENCARGO À MÉDIA DE MERCADO QUE SE IMPÕE.
ALMEJADO AFASTAMENTO DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO. TESE AFASTADA. EXISTÊNCIA DE ENCARGOS ABUSIVOS. DEVER DE PROMOVER A DEVOLUÇÃO DOS VALORES COBRADOS INDEVIDAMENTE, NA FORMA SIMPLES, ATUALIZADO COM BASE NOS ÍNDICES OFICIAIS, DIANTE DA AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. VEDAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. MANUTENÇÃO DO DECISUM NO PONTO.
PLEITO DE MINORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ACOLHIMENTO. VERBA ATRIBUÍDA EM VALOR EXCESSIVO NA ORIGEM. REDUÇÃO QUE SE IMPÕE. DISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS PRESERVADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 5007032-14.2024.8.24.0930, rela. Desa. Soraya Nunes Lins, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. em 3-10-2024).
Dessa forma, não se verifica vício apto a ensejar o indeferimento da petição inicial, porquanto a pretensão foi apresentada de forma clara, com exposição dos fundamentos fáticos e jurídicos suficientes à ampla defesa e ao contraditório.
Rejeita-se, pois, a preliminar.
2 MÉRITO
2.1 Modalidade contratual e aplicação do CDI como correção monetária
A apelante insurge-se contra a fundamentação de mérito da sentença, especialmente quanto à qualificação da operação contratual como financiamento imobiliário e à consequente limitação da taxa de juros ao patamar médio de mercado divulgado pelo Banco Central. Sustenta que se trata de contrato de crédito pessoal com garantia real (imóvel), firmado com recursos livres da cooperativa, sem vinculação a programas de financiamento habitacional. Defende, por essa razão, a inaplicabilidade das séries históricas 20772 e 25497 do Bacen, que refletem taxas para “operações de crédito com recursos direcionados – pessoas físicas – financiamento imobiliário com taxas de mercado”.
Acrescenta que a cláusula contratual impugnada prevê encargos remuneratórios compostos por juros fixos de 0,42% ao mês acrescidos de 100% da variação mensal do CDI, o que totalizaria, à época da contratação (novembro de 2021), aproximadamente 0,91% a.m., montante que se mostra significativamente inferior à média de mercado para “crédito pessoal – aquisição de bens”, então divulgada em 4,86% a.m.
A sentença assim fundamentou:
Da utilização do CDI
Os certificados de depósito interbancário, usualmente denominados de CDI, representam títulos de emissão das instituições financeiras, que difundem as operações do mercado interbancário.
O referido índice reflete a variação do custo de captação de recursos para o banco no mercado interbancário, assim como ocorre com a Taxa Selic, de modo que a sua contratação, como a de qualquer taxa flutuante, contribui para diminuir os riscos do mercado. Assim, a utilização do CDI, seja como fator de correção monetária ou como juros remuneratórios, por si só, não se mostra abusiva, conforme recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça.
A propósito, colhe-se da jurisprudência do aludido tribunal:
RECURSO ESPECIAL. CONTRATOS BANCÁRIOS. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. ÍNDICE DE VARIAÇÃO DOS CERTIFICADOS DE DEPÓSITO INTERBANCÁRIO. ENCARGO FINANCEIRO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS REMUNERATÓRIOS. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 176/STJ. LEGALIDADE DA PACTUAÇÃO. PRECEDENTES. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE DESPROPORCIONALIDADE ENTRE A GARANTIA E O DÉBITO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. QUESTÃO QUE ENVOLVE EXAME DE MATÉRIA FÁTICA. 1. Não há vedação à adoção da variação dos Certificados de Depósitos Interbancários - CDI como encargo financeiro em contratos bancários, devendo o abuso ser observado caso a caso, em cotejo com as taxas médias de mercado regularmente divulgadas pelo Banco Central do Brasil para as operações de mesma espécie, o que não ocorre na espécie. Precedentes. 2. Recurso do devedor alegando desproporcionalidade entre constrição de bens e valor da dívida. Falta de prequestionamento dos dispositivos de lei federal invocados como violados e necessidade de reexame de matéria de fato, que obstam o conhecimento do recurso especial (Súmulas 282 e 356 do STF e 7 do STJ) 3. Recurso especial provido. 4. Agravo em recurso especial não provido. (REsp n. 1.630.706/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 13/6/2022; grifei).
Em arremate, no julgado do AgInt no AREsp n. 2.055.296/SC, constou do voto da Ministra Maria Isabel Gallotti:
O que interessa não é se o contrato rotula esse custo de captação do banco como correção monetária, como encargo financeiro ou como juros remuneratórios, mas assegurar que a remuneração total auferida pela instituição financeira, nela incluídos o fator de correção e os juros remuneratórios, não seja abusiva se cotejada com as taxas médias praticadas no mercado, regularmente divulgadas pelo Banco Central para operações da mesma espécie, conforme acórdão da Seção, sob relatoria da Ministra Nancy, no julgamento de recurso repetitivo já muito conhecido (REsp. 1.061.530, DJe 10.3.2009).
Portanto, embora legal a adoção do CDI, por ausência de vedação nas normas da Resolução n.º 1.143/1986 do Conselho Monetário Nacional, a aferição de sua abusividade deve ser verificada no caso concreto, com base nas taxas médias de mercado divulgadas pelo Bacen para operações da espécie.
No situação dos autos, a parte ré defende que o contrato celebrado é de mútuo com garantia real de imóvel por alienação fiduciária e, assim, enquadra-se como linha de "crédito pessoal - pessoa física - aquisição de bens" e não como financiamento imobiliário.
Da análise do pacto originalmente firmado, no entanto, observa-se que as partes firmaram instrumento particular de compra e venda, mútuo e alienação fiduciária com efeitos de escritura pública, conforme previsto na Lei n. 9.514/97, a qual trata do Sistema de Financiamento Imobiliário.
Logo, conquanto conste que se trata de mútuo cujo crédito independe de comprovação de direcionamento dos recursos, evidente que o crédito concedido tinha por destino financiamento imobiliário, devendo, então, ser observada a taxa média de mercado para esse tipo de operação.
Sob esse viés, tem-se que ao tempo da contratação (03/11/2021) os encargos incidentes eram constituídos por juros remuneratórios fixados em 0,42% a.m. + 100% do CDI na época estabelecida a média mensal em 0,49% (mês anterior), conforme pesquisa ao sítio eletrônico da Bolsa de Valores - B3, totalizando 0,91% a.m.. A taxa média de mercado para financiamento imobiliário, por sua vez, era de 0,69% a.m., configurando-se, desde então, a abusividade na utilização do referido índice.
Assim, necessário limitar a remuneração do pacto à taxa média de mercado ("
Taxa média de juros das operações de crédito com recursos direcionados - Pessoas físicas - Financiamento imobiliário com taxas de mercado
"), mês a mês, salvo se a taxa contratada for mais vantajosa (TJSC, Apelação n. 0301309-79.2018.8.24.0075).
Por consequência, considerada a legalidade da utilização do CDI, desde que os índices não ultrapassem a taxa média de mercado, não se há falar em substituição pelo INPC.
Pois bem.
De início, cumpre definir a natureza jurídica da operação contratual para aferição do critério adequado de comparação da taxa de juros pactuada com os parâmetros de mercado. Embora o contrato contenha cláusula segundo a qual dispõe (
evento 1, CONTR5
/1º grau): “§ 1º. O crédito ora aberto, e aceito pelo(s) COOPERADO(S)/DEVEDOR(ES) FIDUCIANTE(S), no montante pactuado entre as partes, independe de comprovação do direcionamento dos recursos, conforme disposição do parágrafo primeiro do artigo 22 da Lei nº 9.514/1997” (cláusula 4), essa previsão não desnatura o regime jurídico aplicável à operação, tampouco desconfigura sua natureza como financiamento com garantia fiduciária de bem imóvel.
Com efeito, a avença foi formalizada por meio de instrumento particular de compra e venda, mútuo e alienação fiduciária com efeito de escritura pública, título que, nos termos do art. 38 da Lei n. 9.514/1997, possui eficácia de escritura pública. O contrato é regido por essa legislação especial e prevê, expressamente, a constituição da garantia fiduciária sobre bem imóvel.
Além disso, o extrato contratual juntado no
evento 18, EXTR4
/1º grau evidencia que a própria instituição financeira classificou a linha de crédito como “PESSOAL GARANTIDO AQUIS I IMOV”, expressão que reforça o vínculo da operação com a aquisição de bem imóvel específico. Esse dado documental corrobora o enquadramento jurídico da avença como operação de financiamento imobiliário.
Tal entendimento está alinhado à jurisprudência desta Corte, conforme se extrai do seguinte precedente:
Em se tratando de empréstimo com alienação fiduciária de imóvel contratado à luz da Lei n. 9.514/1997, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, deve-se ter como parâmetro a taxa média dos juros divulgada nas séries 20772 e 25497 do Sistema Gerenciador de Séries Temporais do Banco Central (Apelação n. 5091997-90.2022.8.24.0930, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Tulio Pinheiro, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 05-03-2024).
Dessa forma, a estrutura jurídica do contrato, a formalização com efeitos de escritura pública, a constituição de garantia fiduciária sobre imóvel e a classificação contratual adotada pela própria cooperativa demonstram que a operação guarda as características típicas de financiamento imobiliário. Por essa razão, mostra-se adequada a utilização das referidas séries históricas (25497 e 20772) como parâmetro para análise da abusividade da taxa de juros.
Consequentemente, correta a adoção, como parâmetro de aferição da eventual abusividade dos encargos remuneratórios, das taxas médias divulgadas pelo Banco Central do Brasil para as “operações de crédito com recursos direcionados – pessoas físicas – financiamento imobiliário com taxas de mercado”, constantes das séries 25497 e 20772.
Dito isso, a parte apelante destaca que os juros pactuados no contrato – compostos por uma taxa fixa de 0,42% ao mês, acrescida de 100% do CDI não configuram abusividade.
Sobre a temática dos juros remuneratórios, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, assim decidiu:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO [...].
I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE.
ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS
a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;
b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;
c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;
d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.
[...] (REsp n. 1.061.530/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, j. 22-10-2008).
Colhe-se do inteiro teor do precedente paradigma o seguinte excerto sobre a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil:
A taxa média apresenta vantagens porque é calculada segundo as informações prestadas por diversas instituições financeiras e, por isso, representa as forças do mercado. Ademais, traz embutida em si o custo médio das instituições financeiras e seu lucro médio, ou seja, um 'spread' médio. É certo, ainda, que o cálculo da taxa média não é completo, na medida em que não abrange todas as modalidades de concessão de crédito, mas, sem dúvida, presta-se como parâmetro de tendência das taxas de juros. Assim, dentro do universo regulatório atual, a taxa média constitui o melhor parâmetro para a elaboração de um juízo sobre abusividade.
Em idêntico sentido, o Grupo de Câmaras de Direito Comercial desta Corte lançou enunciados acerca do assunto:
Enunciado I - Nos contratos bancários, com exceção das cédulas e notas de crédito rural, comercial e industrial, não é abusiva a taxa de juros remuneratórios superior a 12% (doze por cento) ao ano, desde que não ultrapassada a taxa média de mercado à época do pacto, divulgada pelo Banco Central do Brasil.
Enunciado IV - Na aplicação da taxa média de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, serão observados os princípios da menor onerosidade ao consumidor, da razoabilidade e da proporcionalidade.
Em junho de 2022, o Superior Tribunal de Justiça revisitou o tema e firmou orientação no sentido de que "a taxa média de mercado apurada pelo Banco Central para cada segmento de crédito é referencial útil para o controle da abusividade, mas o simples fato de a taxa efetiva cobrada no contrato estar acima da taxa média de mercado não significa, por si só, abuso. Ao contrário, a média de mercado não pode ser considerada o limite, justamente porque é média; incorpora as menores e maiores taxas praticadas pelo mercado, em operações de diferentes níveis de risco. Foi expressamente rejeitada a possibilidade de o Poder Judiciário estabelecer aprioristicamente um teto para taxa de juros, adotando como parâmetro máximo o dobro ou qualquer outro percentual em relação à taxa média. O caráter abusivo da taxa de juros contratada haverá de ser demonstrado de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto, levando-se em consideração circunstâncias como o custo da captação dos recursos no local e época do contrato; o valor e o prazo do financiamento; as fontes de renda do cliente; as garantias ofertadas; a existência de prévio relacionamento do cliente com a instituição financeira; análise do perfil de risco de crédito do tomador; a forma de pagamento da operação, entre outros aspectos" (STJ, REsp n. 1.821.182/RS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma).
E, na sequência, ainda complementou:
RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. REVISÃO. CARÁTER ABUSIVO. REQUISITOS. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA.
1- Recurso especial interposto em 19/4/2022 e concluso ao gabinete em 4/7/2022.
2- O propósito recursal consiste em dizer se: a) a menção genérica às "circunstâncias da causa" não descritas na decisão, acompanhada ou não do simples cotejo entre a taxa de juros prevista no contrato e a média praticada no mercado, é suficiente para a revisão das taxas de juros remuneratórios pactuadas em contratos de mútuo bancário; e b) qual o incide a ser aplicado, na espécie, aos juros de mora.
3- A Segunda Seção, no julgamento REsp n. 1.061.530/RS, submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos, fixou o entendimento de que "é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1°, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto."
4- Deve-se observar os seguintes requisitos para a revisão das taxas de juros remuneratórios: a) a caracterização de relação de consumo; b) a presença de abusividade capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada; e c) a demonstração cabal, com menção expressa às peculiaridades da hipótese concreta, da abusividade verificada, levando-se em consideração, entre outros fatores, a situação da economia na época da contratação, o custo da captação dos recursos, o risco envolvido na operação, o relacionamento mantido com o banco e as garantias ofertadas.
5- São insuficientes para fundamentar o caráter abusivo dos juros remuneratórios: a) a menção genérica às "circunstâncias da causa" - ou outra expressão equivalente; b) o simples cotejo entre a taxa de juros prevista no contrato e a média de mercado divulgada pelo BACEN e c) a aplicação de algum limite adotado, aprioristicamente, pelo próprio Tribunal estadual.
6- Na espécie, não se extrai do acórdão impugnado qualquer consideração acerca das peculiaridades da hipótese concreta, limitando-se a cotejar as taxas de juros pactuadas com as correspondentes taxas médias de mercado divulgadas pelo BACEN e a aplicar parâmetro abstrato para aferição do caráter abusivo dos juros, impondo-se, desse modo, o retorno dos autos às instâncias ordinárias para que aplique o direito à espécie a partir dos parâmetros delineados pela jurisprudência desta Corte Superior.
7- Recurso especial parcialmente provido (REsp n. 2.009.614/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 27-9-2022).
Com efeito, a partir da firme orientação jurisprudencial referenciada, conclui-se que a mera verificação comparativa entre a taxa média de juros apurada pelo Banco Central e aquela prevista no contrato questionado, a princípio, não é suficiente para avaliar a abusividade do encargo. Para tanto, faz-se necessário analisar cada caso concreto e as peculiaridades da contratação.
In casu
, verifica-se que os juros pactuados são compostos por taxa fixa de 0,42% ao mês, acrescida de 100% da variação mensal do CDI. Tal pacto não é vedado pelo ordenamento jurídico e encontra amparo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que admite a utilização do CDI como indexador válido, inclusive para composição da taxa de juros, por refletir o custo de captação no mercado interfinanceiro e não se submeter ao arbítrio unilateral da instituição financeira:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO BANCÁRIO. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. ENCARGOS FINANCEIROS. FIXAÇÃO. PERCENTUAL SOBRE O CDI. POSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 176/STJ. INAPLICABILIDADE.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Ação revisional de contrato bancário na qual se discute se é ou não admissível a estipulação dos encargos financeiros de contrato de abertura de crédito em percentual sobre a taxa média aplicável aos Certificados de Depósitos Interbancários (CDIs), à luz do disposto na Súmula nº 176/STJ.
3. De acordo com as normas aplicáveis às operações ativas e passivas de que trata a Resolução nº 1.143/1986, do Conselho Monetário Nacional, não há óbice em se adotar as taxas de juros praticadas nas operações de depósitos interfinanceiros como base para o reajuste periódico das taxas flutuantes, desde que calculadas com regularidade e amplamente divulgadas ao público.
4. O depósito interfinanceiro (DI) é o instrumento por meio do qual ocorre a troca de recursos exclusivamente entre instituições financeiras, de forma a conferir maior liquidez ao mercado bancário e permitir que as instituições que têm recursos sobrando possam emprestar àquelas que estão em posição deficitária.
5. Nos depósitos interbancários, como em qualquer outro tipo de empréstimo, a instituição tomadora paga juros à instituição emitente. A denominada Taxa CDI, ou simplesmente DI, é calculada com base nas taxas aplicadas em tais operações, refletindo, portanto, o custo de captação de moeda suportado pelos bancos.
6. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que é potestativa a cláusula que deixa ao arbítrio das instituições financeiras, ou associação de classe que as representa, o cálculo dos encargos cobrados nos contratos bancários.
7. Não é potestativa a cláusula que estipula os encargos financeiros de contrato de abertura de crédito em percentual sobre a taxa média aplicável aos Certificados de Depósitos Interbancários (CDIs), visto que tal indexador é definido pelo mercado, a partir das oscilações econômico-financeiras, não se sujeitando a manipulações que possam atender aos interesses das instituições financeiras.
8.
Eventual abusividade deve ser verificada no julgamento do caso concreto em função do percentual fixado pela instituição financeira, comparado às taxas médias de mercado regularmente divulgadas pelo Banco Central do Brasil para as operações de mesma espécie, conforme decidido em precedentes desta Corte julgados sob o rito dos recursos repetitivos, o que não se verifica na espécie
.
9. Recurso especial provido (grifou-se). (REsp n. 1.781.959/SC, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 20-2-2020).
Ao encontro deste precedente, esta Corte de Justiça editou a Súmula 65,
in verbis
:
A cláusula que estipula o Certificado de Depósito Interbancário – CDI como encargo financeiro não é potestativa, por não sujeitar o devedor ao arbítrio do credor, visto que esse indexador é definido pelo mercado, a partir de oscilações econômico-financeiras, o que afasta a incidência da Súmula 176 do STJ.
Ainda, em julgados recentes deste Tribunal de Justiça:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. JUROS REMUNERATÓRIOS. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA ÀS PARTICULARIDADES DO CASO (SITUAÇÃO DA ECONOMIA À ÉPOCA, GARANTIAS OFERECIDAS, PERFIL DO CONTRATANTE E RISCOS DA OPERAÇÃO). RECENTE ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUANDO DO JULGAMENTO DO RESP N. 2.009.614/SC, DE RELATORIA DA MINISTRA NANCY ANDRIGHI. TAXA MÉDIA DIVULGADA PELO BACEN QUE INDICA TÃO SOMENTE UM PARÂMETRO DE AFERIÇÃO CONSIDERANDO AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. HIPÓTESE DOS AUTOS NA QUAL NÃO RESTARAM PREENCHIDOS OS REQUISITOS. DEMANDANTE QUE, ADEMAIS, DEIXOU DE FAZER PROVA MÍNIMA ACERCA DA ALEGADA ABUSIVIDADE. TAXAS DE JUROS POUCO ACIMA DA MÉDIA QUE NÃO IMPORTAM ABUSIVIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STJ. ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA.
CONTRATAÇÃO DO CERTIFICADO DE DEPÓSITO INTERBANCÁRIO (CDI) COMO FATOR DE CORREÇÃO MONETÁRIA. POSSIBILIDADE. ALTERAÇÃO DE POSICIONAMENTO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (RESP. N. 1.781.959/SC). SÚMULA 65 DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AVERIGUAÇÃO DA ABUSIVIDADE FRENTE AO CASO CONCRETO. SOMATÓRIO DOS PERCENTUAIS PACTUADOS QUE NÃO SUPERA A TAXA MÉDIA DE MERCADO DITADA PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN). ABUSIVIDADE NÃO CONSTATADA.
CAPITALIZAÇÃO DIÁRIA DE JUROS. ENCARGO NÃO PREVISTO NO PACTO. APARENTE ABUSIVIDADE. RECONHECIDA A ABUSIVIDADE DOS ENCARGOS EXIGIDOS NO PERÍODO DE NORMALIDADE CONTRATUAL, DESCARACTERIZA-SE A MORA. JULGAMENTO DO RESP N. 1.061.530/RS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 5028104-57.2024.8.24.0930, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Rocha Cardoso, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 08-05-2025).
DIREITO COMERCIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CAPITAL DE GIRO E EMPRÉSTIMO PARA AQUISIÇÃO DE BENS POR PESSOA JURÍDICA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. APELAÇÃO CÍVEL DO EMBARGANTE CONHECIDA E DESPROVIDA. APELAÇÃO CÍVEL DA EMBARGADA IGUALMENTE CONHECIDA E DESPROVIDA.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em embargos à execução para revisar cláusulas dos contratos firmados entre as partes.
II - QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há sete questões em discussão: como preliminar de mérito, (I) saber se deve ser revogada a gratuidade da justiça concedida à parte autora; (II) se a relação jurídica travada entre as partes constitui relação de consumo; no mérito, (III) saber se caracterizou abusividade a incidência dos juros remuneratórios ajustados somado ao índice do Certificado de Depósito Interbancário - CDI para o período; (IV) se deve ser mantido o Seguro Prestamista; (V) se deve ser descaracterizada a mora; (VI) se cabe repetição de indébito; (VII) avaliar o pedido do embargante de atribuição do ônus da sucumbência apenas à embargada.
III - RAZÕES DE DECIDIR
3. A gratuidade da justiça foi deferida em 31/10/2023, não tendo o banco apelante demonstrado, de forma concreta, alteração na condição financeira da parte autora. Apenas apresentou, nas razões recursais, argumentações genéricas de que não houve comprovação da hipossuficiência financeira. Pedido de revogação da benesse negado.
4. A relação jurídica firmada entre as partes deve ser regida pelo Código de Defesa do Consumidor, porque restou demonstrado que a pessoa jurídica recorrente é vulnerável e hipossuficiente perante a instituição financeira recorrida, principalmente ao se considerar que o ramo comercial da embargante é diverso das atividades financeiras desenvolvidas por instituições financeiras, de modo a permitir o reconhecimento de relação de consumo por equiparação (CDC, art. 29).
5. O resultado da soma da taxa de juros remuneratórios pactuada com o índice do CDI para o período da contratação não é abusivo, porque inferior à taxa média de mercado de juros remuneratórios divulgada pelo Bacen, referente à data e modalidade de cada contrato.
[...]
9. Diante da sucumbência mínima da instituição financeira embargada, deve ser mantida a atribuição dos ônus sucumbenciais apenas ao embargante, nos termos do art. 86, parágrafo único, do CPC.
10. O desprovimento do recurso do embargante permite a majoração dos honorários advocatícios nos moldes do art. 85, § 11, do CPC, pois a hipótese se enquadra nos requisitos definidos pelo STJ (Embargos de Declaração no Agravo Interno no Recurso Especial n. 1.573.573/RJ).
IV - DISPOSITIVO
11. Recurso do embargante conhecido e despovido; recurso da embargada igualmente conhecido e desprovido.
________
Dispositivos relevantes citados: CC/2002, art. 406, art. 876; CPC/2015, art. 86, parágrafo único; CDC, art. 3º, § 2º, art. 6º, V, art. 29, art. 39, I, art. 42, art. 51, IV.
[...]
(TJSC, Apelação n. 5068599-80.2023.8.24.0930, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Newton Varella Junior, Sexta Câmara de Direito Comercial, j. 29-05-2025).
Resta, portanto, examinar se o valor resultante da aplicação contratual (0,42% + 100% do CDI) configura, no caso concreto, encargos abusivos. À época da contratação (novembro de 2021), a taxa média mensal do CDI era de aproximadamente 0,49%, resultando em encargos efetivos de cerca de 0,91% a.m. ou 11,47% a.a.
Já a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central para a modalidade aplicável — “operações de crédito com recursos direcionados – pessoas físicas – financiamento imobiliário com taxas de mercado”, constantes das séries 25497 e 20772 — situava-se, naquele mesmo mês, em 0,69% a.m.
Ainda que a taxa contratada (0,91% a.m.) se revele superior à média de mercado do período (0,69% a.m.), a diferença verificada — de apenas 0,22 ponto percentual — não ultrapassa o limite de 50% da média praticada, estes considerados o limite admissível de exigência acima da média do Bacen. Assim, a mera superação do índice de referência, por si só, não configura prática abusiva.
Ademais, inexiste nos autos qualquer elemento técnico ou probatório que evidencie onerosidade excessiva ou vantagem manifestamente desproporcional em favor da instituição financeira, circunstância indispensável para a caracterização da abusividade nos termos do art. 51, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor.
Nessas condições, impõe-se a reforma da sentença.
3 ENCARGOS SUCUMBENCIAIS
Em consequência, considerando-se o decidido em primeiro grau e modificação do julgado nesta instância, verifico a derrota integral da parte autora (pedidos totalmente improcedentes), motivo pelo qual impõe-se a redistribuição dos encargos sucumbenciais fixados na sentença, os quais devem ser arcados integralmente pela parte vencida.
Dessa feita, condeno os acionantes ao pagamento da integralidade das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios sucumbenciais em favor do advogado da parte adversa, os quais, considerando-se o grau de zelo do profissional, lugar de prestação do serviço, natureza e importância da causa, trabalho realizado pelo advogado e tempo exigido para o seu serviço, fixo em 12%
do valor atualizado da causa.
A exigibilidade dos encargos fica suspensa em razão da gratuidade da justiça deferida à autora na origem.
4 HONORÁRIOS RECURSAIS
Por fim, em consonância com a tese jurídica fixada pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de julgamento de recurso especial repetitivo (Tema 1.059), assinala-se ser descabida,
in casu
, a majoração dos honorários advocatícios nos moldes do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, haja vista o provimento do recurso interposto e a redistribuição dos encargos sucumbenciais nesta instância.
5 CONCLUSÃO
Ante o exposto, a) com base no art. 932, IV, b, do Código de Processo Civil e art. 132, XVI, do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça, conheço do recurso e dou-lhe parcial provimento para julgar improcedentes os pedidos iniciais e redistribuir os encargos sucumbenciais, os quais devem ser arcados integralmente pela autora, fixando-se a verba honorária em favor do procurador da parte requerida em 12%
do valor atualizado da causa, cuja exigibilidade fica suspensa por força da justiça gratuita deferida à parte demandante.
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