Processo nº 1001397-06.2024.8.11.0018
ID: 306711331
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1001397-06.2024.8.11.0018
Data de Disponibilização:
25/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
HENRIQUE JOSE PARADA SIMAO
OAB/SP XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001397-06.2024.8.11.0018 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Empréstimo consignado] Relator: Des(a). LUIZ OCT…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001397-06.2024.8.11.0018 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Empréstimo consignado] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [BANCO BMG SA - CNPJ: 61.186.680/0001-74 (APELANTE), GLAUCO GOMES MADUREIRA - CPF: 223.213.118-19 (ADVOGADO), HENRIQUE JOSE PARADA SIMAO - CPF: 213.647.038-82 (ADVOGADO), ZELIA MENDES RAMOS - CPF: 687.013.147-34 (APELADO), ANNE CAROLINNY MENEZES DE AZEVEDO TURRI - CPF: 021.704.275-97 (ADVOGADO), LUCAS GALVAO DOMINGUES - CPF: 387.148.578-04 (ADVOGADO), GABRIELA OLIVEIRA BERTOZZI PAGNUSSATT - CPF: 052.198.621-46 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A DIREITO DO CONSUMIDOR E BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C/C NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). VÍCIO DE CONSENTIMENTO. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO. CONVERSÃO PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. RESTITUIÇÃO SIMPLES. DANO MORAL AFASTADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta por contra sentença que, nos autos de Ação Declaratória de Inexigibilidade de Débito c/c Nulidade de Negócio Jurídico c/c Repetição de Indébito e Indenização por Danos Morais e Materiais julgou parcialmente procedentes os pedidos para declarar inexistente o débito, determinar restituição em dobro dos valores descontados e condenar ao pagamento de danos morais no valor de R$ 2.000,00. II. Questão em discussão 2. Há três questões em discussão: (i) verificar a validade da contratação do cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC) quando a consumidora acreditava estar celebrando empréstimo consignado convencional; (ii) determinar se a restituição dos valores indevidamente descontados deve ocorrer de forma simples ou em dobro; e (iii) avaliar a configuração de dano moral indenizável em razão da falha na prestação do serviço bancário. III. Razões de decidir 3. A instituição financeira violou o dever de informação estabelecido no art. 6º, III, do CDC e no art. 54-B da Lei do Superendividamento, ao não esclarecer adequadamente à consumidora sobre as diferenças substanciais entre empréstimo consignado convencional e cartão de crédito consignado com RMC, caracterizando vício de consentimento. 4. O cartão de crédito consignado com RMC constitui produto bancário significativamente distinto do empréstimo consignado convencional, especialmente quanto às taxas de juros aplicadas, forma de amortização da dívida e prazo para quitação, exigindo informação clara e precisa sobre suas características e consequências financeiras. 5. A ausência de comprovação da efetiva entrega, desbloqueio ou utilização do cartão de crédito pela consumidora, aliada ao recebimento dos valores por transferência bancária (TED), evidencia que a vontade real era a celebração de contrato de empréstimo consignado convencional. 6. Em observância aos princípios da função social do contrato (art. 421 do CC) e da preservação dos negócios jurídicos (art. 170 do CC), deve ser convertida a operação para a modalidade de empréstimo consignado, com aplicação das taxas médias de mercado divulgadas pelo Banco Central. 7. A restituição dos valores deve ocorrer de forma simples, e não em dobro, pois a repetição prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC exige demonstração inequívoca de má-fé por parte do credor, circunstância não comprovada nos autos. 8. A mera contratação de modalidade diversa da efetivamente desejada, sem demonstração de lesão aos direitos de personalidade ou situação excepcional de abalo anímico, não configura dano moral indenizável, constituindo mero descumprimento contratual insuficiente para ensejar reparação extrapatrimonial. IV. Dispositivo e tese 9. Recurso conhecido e parcialmente provido. Tese de julgamento: "1. A ausência de informação clara sobre a natureza de contrato de cartão de crédito consignado com RMC caracteriza vício de consentimento, autorizando sua conversão para empréstimo consignado. 2. A conversão do contrato deve adotar a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central, para evitar onerosidade excessiva ao consumidor. 3. A restituição dos valores pagos indevidamente deve ocorrer na forma simples, salvo comprovação de má-fé do fornecedor. 4. A mera cobrança indevida decorrente de vício contratual não configura dano moral, sendo necessária demonstração de efetivo prejuízo extrapatrimonial." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 170; CC, arts. 139, I, 170, 421, 927 e 944; CDC, arts. 1º, 3º, § 2º, 4º, I, 6º, III e VIII, 14, 39, V, 42, parágrafo único, e 54-B; Lei nº 14.181/2021; CPC, art. 373, II. Jurisprudência relevante citada: TJ/MT, RAC 1013250-45.2021.8.11.0041, Rel. Des. Dirceu dos Santos, Terceira Câmara de Direito Privado, j. 21/06/2024; TJ/MT, RAC 1004312-76.2020.8.11.0015, Rel. Des. Serly Marcondes Alves, Quarta Câmara de Direito Privado, j. 01/02/2023; TJ/MT, RAC 1021708-68.2021.8.11.0003, Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges, Quarta Câmara de Direito Privado, j. 24/01/2024; TJ/MT, RAC 1020817-11.2021.8.11.0015, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, Terceira Câmara de Direito Privado, j. 20/03/2024; STJ, AgInt no REsp 1988191/TO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 03/10/2022. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTAVIO O. SABOIA RIBEIRO (RELATOR) Egrégia Câmara: Trata-se de apelação interposta pelo BANCO BMG S.A. contra sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Juara-MT, nos autos Ação Declaratória de Inexigibilidade de Débito c/c Nulidade de Negócio Jurídico c/c Repetição de Indébito e Indenização por Danos Morais e Materiais ajuizada por ZELIA MENDES RAMOS, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na petição inicial. Alega o recorrente que a sentença incorreu em equívoco ao reconhecer a inexistência da contratação de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC), determinando a restituição em dobro dos valores descontados e condenando-o ao pagamento de danos morais no valor de R$ 2.000,00. A apelante afirma ter “pautado sua conduta em extrema boa-fé e lisura ao contratar e cumprir sua parte no contrato”, sendo “inequívoco o efetivo recebimento do valor pela parte autora, conforme documentos acostados”. Sustenta ainda que a assinatura aposta no contrato é “idêntica à constante na procuração assinada pela parte recorrida”, revelando, segundo sua ótica, a regularidade da contratação. Para reforçar sua alegação, argumenta que os contratos por adesão, como os celebrados em massa por instituições financeiras, têm amparo legal (art. 54 do CDC) e que o pacto celebrado atende aos requisitos do art. 104 do Código Civil. Além disso, sustenta a inaplicabilidade da devolução em dobro, por ausência de má-fé ou de violação à boa-fé objetiva, conforme recente orientação firmada no EAREsp 676.608/RS. Aduz também que a condenação por danos morais não encontra respaldo na realidade dos autos, pois os eventuais descontos realizados não configurariam, por si, dano moral in re ipsa. A sentença, segundo o apelante, não demonstrou qualquer situação concreta de sofrimento psicológico ou abalo à dignidade da parte autora, sendo mero dissabor do cotidiano. Por fim, pleiteia, subsidiariamente, que, na remota hipótese de se manter a condenação, sejam ajustados os marcos iniciais dos juros e da correção monetária à data da sentença, conforme a Súmula 362 do STJ, e, alternativamente, à data da citação, nos termos do art. 405 do Código Civil. Recolhimento do preparo, id. 289914148. Contrarrazões, id. 289914154. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO (RELATOR) Egrégia Câmara: Conforme o explicitado, cuida-se de recurso de apelação interposto por BANCO BMG S.A. contra sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Juara-MT, nos autos Ação Declaratória de Inexigibilidade de Débito c/c Nulidade de Negócio Jurídico c/c Repetição de Indébito e Indenização por Danos Morais e Materiais ajuizada por ZELIA MENDES RAMOS, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na petição inicial. Extrai-se dos autos que a parte autora, ora apelada, propôs a presente demanda sob a alegação de que fora induzida em erro pelo réu, ora apelante, ao firmar o instrumento contratual objeto da controvérsia, na equivocada crença de que se tratava de contrato de empréstimo consignado convencional. No entanto, conforme se depreende dos elementos coligidos aos autos, o ajuste celebrado diz respeito, na realidade, a contrato de cartão de crédito consignado, com previsão de reserva de margem consignável (RMC). Assevera, outrossim, que não houve sequer o desbloqueio do referido cartão de crédito, sendo os descontos efetivados em sua folha de pagamento realizados de forma indevida, à míngua de ciência inequívoca acerca da real natureza jurídica da avença entabulada. Ao final da instrução processual, sobreveio sentença julgando parcialmente a ação, nos seguintes termos: “[...]É O RELATÓRIO. DECIDO. 2. Do julgamento antecipado. 2.1. Considerando que provas constantes nos autos são suficientes ao deslinde do feito, passo ao julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 355, I, do CPC, vejamos: “O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I - não houver necessidade de produção de outras provas.” 3. Do mérito. 3.1. A controvérsia dos autos cinge-se acerca da existência, ou não, de relação jurídica entre as partes e, se inexistente, a extensão dos danos da conduta ilícita. 3.2. Esta lide deve ser solucionada à luz do Código de Defesa do Consumidor, cujas normas são de ordem pública e de interesse e função social, de natureza cogente, como disposto no artigo 1º da legislação consumerista, que reconhece no consumidor a parte mais fraca na relação de consumo, afastando, assim, a igualdade formal das partes, tal como capitulada no Código Civil e outras leis, para acolher a vulnerabilidade do consumidor. 3.3. Frise-se, ainda, que a responsabilidade da requerida a ser averiguada é de natureza objetiva, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, tratando de responsabilidade objetiva, basta ao consumidor demonstrar o ato ilícito, o dano e o nexo de causalidade. 3.4. Com a inversão do ônus da prova em favor da parte autora, na forma do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, caberia à parte requerida comprovar os fatos extintivos de sua responsabilidade e apresentar eventual contrato de adesão físico ou outro documento que comprovasse a relação jurídica entre as partes para suportar o seu pedido de improcedência da demanda, o que não ocorreu nos autos. 3.5. Isso porque, embora a parte requerida tenha apresentado suposto contrato de adesão/contratação, não ficou comprovada a autenticidade da assinatura aposta. 3.6. Por sua vez, a parte requerente demonstrou os descontos em seu benefício previdenciário. 3.7. A controvérsia, como já dito, encontra-se na existência, ou não, de relação jurídica entre as partes capaz de legitimar os descontos em seu benefício previdenciário. 3.8. Desse modo, caberia à parte requerida apresentar o contrato originário para embasar a legitimidade dos respectivos descontos mensais referente à cesta de serviços e, ainda, comprovar a autenticidade da assinatura aposta no contrato, o que não ocorreu. 3.9. Com efeito, a requerida não obteve êxito em demonstrar, de forma concreta, a efetiva realização do contrato, uma vez que não se desincumbiu em comprovar a autenticidade da assinatura aposta no contrato. 3.10. Não demonstrada a legalidade da contratação do serviço/produto que justificasse os descontos previdenciários, patente o ato ilícito praticado pela parte requerida (art. 186, CC), impondo-se a suspensão em definitivo das parcelas do produto/serviço sobre os proventos da parte requerente. 4. Do pedido de repetição do indébito. 4.1. Com relação aos valores descontados oriundos do contrato objeto da presente ação, é certo que deve a requerida restituir a parte autora, em dobro, nos termos do artigo 42, parágrafo único do CDC, o qual prevê o seguinte: Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”. 4.2. Isso porque, o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça caminha no sentido de que a restituição em dobro do indébito, prevista no dispositivo legal acima mencionado, independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, hipótese dos autos, uma vez que a parte requerida não atuou com a lealdade que lhe cabia e efetuou descontos indevidos em proventos de aposentadoria da autora. Confira-se: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C PEDIDO CONDENATÓRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA PARTE DEMANDADA. 1. A alegação de afronta ao art. 1.022 do CPC/15 de forma genérica, sem a efetiva demonstração de omissão do Tribunal a quo no exame de teses imprescindíveis para o julgamento da lide, impede o conhecimento do recurso especial ante a deficiência na fundamentação. Incidência da Súmula 284/STF. 2. Segundo a orientação firmada pela Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça, "a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo" (EREsp n. 1.413.542/RS, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, relator para acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/3/2021). Incidência da Súmula 83/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no REsp: 1988191 TO 2022/0058883-3, Data de Julgamento: 03/10/2022, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/10/2022). 4.3. Dessa forma, sendo desnecessária a comprovação da má-fé, verificando-se a ocorrência de conduta contrária à boa-fé objetiva, ante a incidência de descontos indevidos nos proventos da parte autora, a restituição em dobro é a medida que se impõe. 5. Do dano moral. 5.1. Igualmente, restou configurado o dano moral “in re ipsa”, que dispensa a prova do sofrimento físico ou psíquico causado pelo ato ilícito praticado pelo fornecedor de serviços, porquanto prova a ofensa, consubstanciado no desconto mensal de um valor em seu benefício previdenciário (de natureza alimentar) sem a existência de prévia contratação, dispensando, assim, a efetiva prova do dissabor experimentado. 5.2. Reputa-se, assim, existente a relação jurídica obrigacional entre as partes, restando inequívoca a obrigação de reparar o dano causado. 5.3. Se de um lado o Código Civil impõe àquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, a obrigação de repará-lo (artigo 927, do CC), assevera, também, que o valor da indenização se mede pela extensão do dano (artigo 944, do CC). 5.4. Desta forma, a demanda em apreço traz a hipótese da in re ipsa, ou seja, provado o fato o dano também resta provado o dano e, com isso, tem-se, desde logo, o suporte fático do dever de reparar tal dano. 5.5. Neste contexto, no que concerne a fixação do valor que corresponda à justa indenização pelo dano de natureza moral, há de ser apreciado na causa as circunstâncias que a doutrina e jurisprudência determinam observar para arbitramento, quais sejam, a condição educacional, econômica e profissional do lesado, a intensidade de seu sofrimento, o grau de culpa ou dolo do ofensor, a sua situação econômica e os benefícios advindos do ato lesivo, bem como a extensão do dano. 5.6. No caso, esses elementos possibilitam a fixar a indenização dos danos morais no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), quantia essa que atende aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade e, ainda, não caracteriza o enriquecimento indevido da parte autora, refletindo no patrimônio do ofensor de modo a evitar a reiteração da prática ilícita. 7. Dispositivo. 7.1. Por todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES as pretensões contidas na petição inicial, para o fim de: 1. DECLARAR inexistente o débito da autora para com a requerida, no que concerne aos empréstimos objeto da presente lide; 2. CONDENAR o requerido a restituir, em dobro, por força do art. 42, parágrafo único, do CDC, os valores descontados indevidamente dos rendimentos da parte autora, valor este que deverá ser corrigido monetariamente pelo IPCA-E e juros de 1% ao mês, tudo a contar do respectivo desembolso de cada parcela – Súmulas 43 e 54, ambas do STJ. 3. CONDENAR o requerido ao pagamento do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), a título de danos morais, com juros de mora de 1% ao mês a contar da citação e correção monetária pelo IPCA-E (Súmula n. 362 do STJ) a partir do arbitramento. 4. Condeno, ainda, o requerido ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios, os quais fixo no patamar de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação, com fulcro no art. 85, § 2º, do CPC. 8. Com isso, JULGO EXTINTO O PRESENTE FEITO, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. [...]” Pois bem. Da análise detida dos autos, observo que a sentença merece parcial reforma, apenas quanto à forma de restituição dos valores indevidamente descontados, conforme passo a fundamentar. · DA VALIDADE DA CONTRATAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO COM RMC O ponto central da controvérsia não se refere à existência ou inexistência de relação jurídica entre as partes - como equivocadamente analisado na sentença recorrida -, mas sim à validade da contratação do cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC), quando a autora tinha a legítima expectativa de estar contratando um empréstimo consignado convencional. Não há dúvidas de que os contratos de natureza bancária estão inseridos no rol dos contratos de adesão, portanto, a aplicação do CDC é imperiosa, por constar a atividade bancária expressamente elencada no art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor. Além disso, deve-se reconhecer que o Apelado se enquadra na categoria de consumidor hipossuficiente, conforme dispõe o art. 4º, I, do CDC, sendo presumidamente vulnerável diante da complexidade das operações financeiras e das assimetrias informacionais inerentes às relações bancárias, de sorte que subsiste à obrigação de prestar informações claras, ostensivas e verdadeiras ao consumidor. O Código de Defesa do Consumidor estabelece em seu artigo 6º, inciso III, como direito básico do consumidor, "a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem". A Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/2021), que introduziu o art. 54-B ao CDC, reforçou esse dever de informação ao estabelecer que: " Art. 54-B. No fornecimento de crédito e na venda a prazo, além das informações obrigatórias previstas no art. 52 deste Código e na legislação aplicável à matéria, o fornecedor ou o intermediário deverá informar o consumidor, prévia e adequadamente, no momento da oferta, sobre: (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021) I - o custo efetivo total e a descrição dos elementos que o compõem; (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021) II - a taxa efetiva mensal de juros, bem como a taxa dos juros de mora e o total de encargos, de qualquer natureza, previstos para o atraso no pagamento; (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021) III - o montante das prestações e o prazo de validade da oferta, que deve ser, no mínimo, de 2 (dois) dias; (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021) IV - o nome e o endereço, inclusive o eletrônico, do fornecedor; (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021) V - o direito do consumidor à liquidação antecipada e não onerosa do débito, nos termos do § 2º do art. 52 deste Código e da regulamentação em vigor.(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021) § 1º As informações referidas no art. 52 deste Código e no caput deste artigo devem constar de forma clara e resumida do próprio contrato, da fatura ou de instrumento apartado, de fácil acesso ao consumidor.(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021) § 2º Para efeitos deste Código, o custo efetivo total da operação de crédito ao consumidor consistirá em taxa percentual anual e compreenderá todos os valores cobrados do consumidor, sem prejuízo do cálculo padronizado pela autoridade reguladora do sistema financeiro. (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021) No caso em análise, embora o banco apelante tenha juntado aos autos o contrato firmado entre as partes, não se desincumbiu do ônus de comprovar que prestou à consumidora informações claras, adequadas e precisas sobre o produto contratado, suas características e consequências, especialmente no que tange às diferenças substanciais entre o empréstimo consignado convencional e o cartão de crédito consignado com RMC. Destaco que o cartão de crédito consignado com RMC é produto bancário significativamente distinto do empréstimo consignado convencional, principalmente quanto às taxas de juros aplicadas, forma de amortização da dívida e prazo para quitação. O empréstimo consignado convencional possui taxas de juros mais baixas, parcelas fixas e prazo determinado para quitação, enquanto o cartão de crédito consignado com RMC implica taxas de juros mais elevadas, amortização mínima da dívida e prazo indeterminado para quitação, podendo gerar o chamado "efeito "bola de neve". Nesse contexto, é de extrema relevância que o consumidor seja devidamente informado sobre a modalidade que está contratando, suas características e consequências financeiras, para que possa exercer de forma consciente sua liberdade de escolha. No caso dos autos, não há comprovação de que a instituição financeira tenha esclarecido adequadamente à consumidora sobre a modalidade contratual, suas características e consequências. Ao contrário, as circunstâncias indicam que a apelada foi induzida a acreditar que estava contratando um empréstimo consignado convencional, quando na verdade firmou contrato de cartão de crédito consignado com RMC. A propósito, observo que não há nos autos prova da efetiva entrega do cartão de crédito à consumidora, de seu desbloqueio ou de utilização pela apelada, elementos que seriam essenciais para demonstrar o conhecimento e a aceitação da modalidade contratual. O que se verifica, na realidade, é que o banco realizou um depósito na conta da consumidora (à semelhança do que ocorre no empréstimo consignado convencional) e passou a efetuar descontos mensais em seu benefício previdenciário a título de pagamento mínimo da fatura, sem que a consumidora tivesse plena ciência das condições contratuais e de suas consequências. Tal prática evidencia clara violação ao dever de informação e à boa-fé objetiva que deve nortear as relações de consumo, configurando vício de consentimento apto a invalidar o negócio jurídico. Destarte, analisando o caderno processual, verifico erro substancial, pois a apelada jamais teria contratado um cartão de crédito consignado caso soubesse as reais condições da operação, não se desincumbindo o Banco Apelante do ônus de comprovar a legalidade do serviço ora questionado, tampouco a validade das cláusulas. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que a ausência de informação clara e precisa sobre a real natureza do contrato configura vício de consentimento, permitindo a revisão ou conversão da obrigação. Veja-se: “APELAÇÃO CÍVEL – DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C NULIDADE CONTRATUAL E RESTITUIÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA – CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO DE CARTÃO DE CRÉDITO – VÍCIO DE CONSENTIMENTO EVIDENCIADO – FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – CONVERSÃO PARA EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO EM FOLHA DE PAGAMENTO, PARA SERVIDOR – POSSIBILIDADE – MERO DISSABOR NÃO INDENIZÁVEL – REPETIÇÃO DO INDÉBITO DE FORMA SIMPLES – DANO MORAL AFASTADO – SENTENÇA REFORMADA NO PONTO – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. A instituição financeira, diante da atividade de risco que desenvolve, responde pelas disfunções de seus serviços, absorvendo os danos daí decorrentes, a teor do que disciplina a Súmula nº 479 do STJ. Necessária a conversão da contratação para empréstimo consignado, observada a taxa média de mercado dos juros remuneratórios para operações da mesma natureza, de modo a evitar o enriquecimento ilícito de uma das partes. Não há dano moral indenizável no caso concreto, haja vista a inexistência de comprovação do dano real sofrido pela parte, já que o autor teve a clara intenção de contratar um empréstimo consignado. Logo, a simples cobrança indevida, por si só, não configura situação vexatória nem abalo psíquico, tratando-se, na verdade, de mero dissabor.” (TJ/MT. RAC 10132504520218110041. Relator Des. Dirceu dos Santos, Terceira Câmara de Direito Privado. Julgamento: 21/06/2024, Publicação: 25/06/2024). “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA C/C CONDENATÓRIA – EMPRÉSTIMO BANCÁRIO – VALOR CREDITADO EM CONTA VIA TED – CONSUMIDOR QUE, ACREDITANDO ESTAR CONTRATANDO MÚTUO CONSIGNADO, ADERIU A NEGÓCIO JURÍDICO DIVERSO – SAQUE DE LIMITE DE CARTÃO DE CRÉDITO – VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO – ILEGALIDADE CONSTATADA – CONTRATO REVISADO – MODIFICAÇÃO PARA OPERAÇÃO NA MODALIDADE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – VIABILIDADE – RESTITUIÇÃO SIMPLES DO VALOR PAGO A MAIOR – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – MERA COBRANÇA INDEVIDA - SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Restando comprovado que o autor, mediante ardil e violação do dever de transparência por parte de determinada instituição financeira, acreditando ter contratado mútuo consignado, aderiu a cartão de crédito cujo limite foi disponibilizado através de transferência eletrônica disponível e com cobranças realizadas em faturas avulsas, impõe-se a transmudação da avença à modalidade almejada pela consumidora, com a aplicação dos juros remuneratórios da época da negociação, e a devolução simples do excedente eventualmente apurado em sede de liquidação de sentença. A devolução do valor indevidamente cobrado e pago, é decorrência lógica do pagamento efetuado a maior, mas deve ser feito de forma simples, quando não evidenciada a má-fé do banco. Mera cobrança indevida, sem qualquer repercussão na esfera personalíssima da pretensa vítima, não caracteriza dano moral indenizável.” (TJ/MT. RAC 10043127620208110015. Relatora Desa. Serly Marcondes Alves, Quarta Câmara de Direito Privado. Julgamento: 01/02/2023, Publicação: 04/02/2023). Nesse contexto, verifico que os documentos acostados aos autos pelo apelante, concernentes às supostas despesas oriundas do pacto firmado, referem-se exclusivamente a transferências realizadas pela instituição financeira diretamente na conta corrente do recorrido, inexistindo qualquer comprovação quanto à efetiva utilização do cartão de crédito para finalidades diversas. As faturas apresentadas pela instituição financeira recorrente (id. 289914095) corroboram a tese autoral, porquanto demonstram que nenhuma compra foi realizada através do cartão, tendo sido contabilizados apenas IOF e demais encargos. A ausência de efetiva utilização do cartão para fins de compras, aliada ao recebimento dos valores por meio de transferência bancária (TED), constitui indício robusto de que a vontade real da consumidora era a celebração de contrato de empréstimo consignado, não de cartão de crédito consignado. Tal constatação evidencia o desvirtuamento da natureza jurídica da operação típica de cartão de crédito por parte da instituição financeira, revelando-se o manifesto intento de submeter o consumidor a modalidade contratual mais gravosa e, por conseguinte, sobremaneira vantajosa à instituição bancária, à míngua de adequada e suficiente informação. Resta evidente que o intuito de disponibilizar esse tipo de contratação é burlar a margem de consignação legalmente admitida, além da cobrança de juros superiores ao praticado nos empréstimos consignados, causando a onerosidade excessiva ao consumidor e tornando a dívida impagável. Com efeito, diante da existência de vício de consentimento e da abusividade da prática comercial, conforme o disposto no art. 39, inciso V, do CDC, é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas, exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva. Assim, embora a declaração de inexistência do débito não encontre amparo, mormente pelo fato de que o valor foi disponibilizado ao apelante, tenho que a operação realizada entre as partes deve ser convertida para a modalidade de empréstimo consignado com desconto em folha, com a incidência de juros remuneratórios de acordo com a taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central à época da contratação, ou seja, de cada TED. Acerca do tema, o art. 170, do C. Civil, dispõe que se “o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.” Nesse norte, é o entendimento reiterado deste Sodalício: “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E NULIDADE CONTRATUAL C/C DEVOLUÇÃO EM DOBRO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) - DESCONTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - CONVERSÃO DA MODALIDADE CONTRATUAL PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES DOS VALORES DESCONTADOS EM EXCESSO CASO HAJA COMPROVAÇÃO - DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Configura falha na prestação do serviço a conduta da instituição financeira que induz o cliente a erro ao celebrar contrato de cartão de crédito consignado, quando o consumidor acredita tratar-se de empréstimo pessoal. É caso de conversão da contratação para empréstimo consignado, observada a taxa média de mercado dos juros remuneratórios para operações dessa natureza, condição que enseja a restituição, na forma simples, de valores descontados em excesso, caso haja comprovação. Se não demonstrados os requisitos da reparação civil, não é cabível a indenização a título de dano moral.” (TJ/MT. RAC 1021708-68.2021.8.11.0003. Relator Des. Guiomar Teodoro Borges, Quarta Câmara de Direito Privado. Julgamento: 24/01/2024. DJe: 30/01/2024; g. n.). “AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E NULIDADE CONTRATUAL C/C DEVOLUÇÃO EM DOBRO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO EM BENEFICIO PREVIDENCIÁRIO – ONEROSIDADE EXCESSIVA – AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA INFORMAÇÃO E TRANSPARÊNCIA – CONVERSÃO PARA EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO EM FOLHA DE PAGAMENTO – COMPENSAÇÃO DE VALORES DEPOSITADOS NA CONTA BANCÁRIA DA PARTE AUTORA - REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Conforme o disposto no art. 39, inciso V, do CDC, é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas, exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva. In casu, o banco induziu o consumidor a erro, tendo em vista que este celebrou contrato de cartão de crédito consignado acreditando tratar-se de empréstimo pessoal, em flagrante afronta aos princípios da informação e transparência, notadamente em razão de não informar a cliente acerca do valor efetivo da operação, da quantidade de parcelas a pagar e da taxa de juros praticada. Embora a declaração de inexistência do débito não encontre amparo, mormente pelo fato de que o valor foi disponibilizado ao consumidor, a operação realizada entre as partes deve ser convertida para a modalidade de crédito pessoal consignado em folha, com a incidência de juros remuneratórios de acordo com a taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central à época da contratação. Reconhecido o vício na contratação, resta evidente o dever da instituição financeira em restituir os valores descontados em excesso, contudo, de forma simples e não em dobro, ante a falta de comprovação da má-fé. O simples questionamento da validade do negócio jurídico não configura, por si só, a prática de ato ilícito pelo banco.” (TJ/MT. RAC 1020817-11.2021.8.11.0015. Relator: Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, Terceira Câmara de Direito Privado. Julgamento: 20/03/2024. DJe: 24/03/2024; g. n.). Por conseguinte, em observância aos princípios da função social do contrato (art. 421 do CC) e da preservação dos negócios jurídicos (art. 170 do CC), deve ser readequado o instrumento para a modalidade de mútuo consignado, com aplicação dos encargos próprios desta linha de crédito conforme as taxas médias de mercado divulgadas pelo Banco Central para o período. Sendo assim, tal conversão permitirá o reequilíbrio da relação contratual, preservando tanto o capital efetivamente emprestado quanto a legítima remuneração da instituição financeira, sem onerar excessivamente qualquer das partes. · DA RESTITUIÇÃO DOS VALORES No que tange à repetição do indébito, observo que a r. sentença objurgada determinou a restituição em dobro dos valores indevidamente descontados, com fulcro no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. Neste aspecto, entretanto, a decisão merece reparo. Com efeito, embora reconhecida a nulidade do pacto contratual em razão de vício de consentimento, oriundo da inobservância do dever de informação, é fato que os descontos perpetrados decorreram de contrato formalmente existente, cuja invalidade foi reconhecida apenas em momento posterior. Destarte, uma vez reconhecido o vício na formação da relação jurídica, impõe-se a restituição dos valores descontados indevidamente, contudo em sua forma simples, eis que a repetição em dobro, prevista no aludido dispositivo legal consumerista, exige, para sua incidência, a demonstração inequívoca de má-fé por parte do credor, o que não restou comprovado nos autos. Sobre o tema, é o entendimento deste e. Tribunal de Justiça: Ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR E BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). CONTRATAÇÃO INDUZIDA A ERRO. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO CLARA SOBRE A NATUREZA DA OPERAÇÃO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. CONVERSÃO PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. APLICAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BANCO CENTRAL. RESTITUIÇÃO SIMPLES. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta por BANCO PAN S.A. contra sentença que, nos autos de Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Indenização por Danos Morais ajuizada por RIVELINO PEREIRA DE JESUS, julgou parcialmente procedentes os pedidos para converter o contrato de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC) em contrato de empréstimo consignado, determinar a revisão dos encargos segundo a taxa média de mercado do Banco Central, cessar os descontos indevidos e restituir eventuais valores pagos a maior de forma simples. II . Questão em discussão 2. As questões em discussão consistem em: (i) verificar a ocorrência de prescrição e decadência do direito do consumidor de questionar o contrato; (ii) avaliar a regularidade da contratação do cartão de crédito consignado com RMC e a eventual existência de vício de consentimento; e (iii) definir se há direito à conversão do contrato para a modalidade de empréstimo consignado, com aplicação da taxa média de mercado e restituição de valores pagos. III. Razões de decidir 3. O prazo prescricional tem início apenas quando o consumidor tem ciência inequívoca da lesão, conforme a teoria da actio nata, sendo inaplicável a prescrição alegada pelo apelante, pois os descontos indevidos ocorreram de forma contínua e sucessiva. 4. A alegação de decadência não se sustenta, pois a ação não visa anular o negócio jurídico, mas sim revisar sua legalidade, atraindo a incidência do prazo prescricional de cinco anos do art. 27 do CDC. 5. A contratação do cartão de crédito consignado com RMC se deu sem informação clara sobre a natureza da operação, caracterizando falha no dever de transparência e vício de consentimento, conforme art. 139, I, do Código Civil. 6. O banco não comprovou que o consumidor desbloqueou ou utilizou o cartão de crédito, tampouco que teve ciência inequívoca das condições contratuais, ônus que lhe competia nos termos do art. 373, II, do CPC. 7. A reserva de margem consignável impõe ao consumidor uma dívida contínua e mais onerosa do que o empréstimo consignado, configurando prática abusiva vedada pelo art. 39, V, do CDC. 8. É cabível a conversão do contrato para empréstimo consignado, com adoção da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central, com base no princípio da conservação dos contratos (art. 170 do Código Civil). 9. A restituição dos valores pagos a maior deve ocorrer de forma simples, pois não há comprovação de má-fé do banco, conforme exige o art. 42, parágrafo único, do CDC. IV . Dispositivo e tese 10. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. O prazo prescricional para discutir contratos bancários se inicia apenas com a ciência inequívoca do consumidor sobre a lesão, conforme a teoria da actio nata. 2. A ausência de informação clara sobre a natureza de contrato de cartão de crédito consignado com RMC caracteriza vício de consentimento, autorizando sua conversão para empréstimo consignado. 3. A conversão do contrato deve adotar a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central, para evitar onerosidade excessiva ao consumidor. 4. A restituição dos valores pagos indevidamente deve ocorrer na forma simples, salvo comprovação de má-fé do fornecedor. Dispositivos relevantes citados: CF, art. 170; CC, arts. 139, I, e 170; CDC, arts. 6º, III, 27 e 39, V; CPC, art. 373, II. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 639598/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 13/12/2016, DJe 03/02/2017; TJ/MT, RAC 1028705-16.2022 .8.11.0041, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, Terceira Câmara de Direito Privado, j. 10/07/2024; TJ/MT, RAC 1013250-45.2021.8 .11.0041, Rel. Des. Dirceu dos Santos, Terceira Câmara de Direito Privado, j. 21/06/2024. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10013608020248110049, Relator.: MARCOS REGENOLD FERNANDES, Data de Julgamento: 18/02/2025, Quinta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/02/2025) Assim, tendo em vista que as cobranças se fundamentaram em relação contratual regularmente firmada — ainda que posteriormente anulada —, a devolução dos valores deve ocorrer de maneira simples, e não em dobro. · DO DANO MORAL No tocante ao dano moral, no escólio de Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil brasileiro: responsabilidade civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 112), o direito à indenização por dano moral exsurge de condutas que ofendam direitos da personalidade ou a dignidade da pessoa humana, abrangendo interesses que, embora desprovidos de conteúdo patrimonial, são dotados de extrema relevância na ordem jurídica pátria. É consabido, ainda, que a responsabilidade civil demanda, para sua configuração, a presença dos seguintes elementos: (i) conduta ilícita; (ii) dano; (iii) nexo de causalidade; e (iv) culpa, sendo este último dispensável nas hipóteses de responsabilidade objetiva, como é o caso das relações consumeristas, nos termos do art. 14 do CDC. Nesse contexto, analisadas detidamente as circunstâncias da presente lide, não se constata lesão aos direitos de personalidade do consumidor apta a superar o conceito de mero descumprimento contratual e ensejar indenização por danos morais. Insisto, a caracterização dos danos morais demanda a comprovação de uma situação de tamanha gravidade que ofenda a honra ou abale sobremaneira o estado psicológico do indivíduo, circunstância não configurada na hipótese dos autos, pois não ultrapassa o limite do dissabor ou do aborrecimento, sendo insuficiente para ensejar reparação por danos morais. Na espécie, embora se verifique a ocorrência de falha na prestação do serviço, ante a inobservância do dever de informação por parte da instituição financeira, esse fato, por si só, não enseja automaticamente a condenação por danos morais. Com efeito, no caso em exame, revela-se significativa a circunstância de que a parte autora teve a intenção efetiva de contratar um empréstimo, dispondo-se a adimplir as parcelas correspondentes. De fato, os descontos foram realizados, ainda que sob a rubrica de "reserva de margem consignável", valor esse que, uma vez recalculado conforme os parâmetros do empréstimo consignado tradicional, será devidamente compensado. A celebração de contrato diverso do efetivamente desejado, sem que daí decorra situação excepcional de abalo anímico, não configura dano moral indenizável. Embora questionado o negócio jurídico quanto à sua validade e reconhecido que houve simples cobrança indevida por insuficiência de informações, com a necessidade de conversão da natureza do contrato, sem qualquer repercussão na esfera personalíssima ou na dignidade da pretensa vítima, não se visualiza a realidade geradora de obrigação de indenizar por dano moral. Com efeito, “APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - EMPRÉSTIMO PESSOAL OFERECIDO PELO BANCO - DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO - UTILIZAÇÃO DE SALDO DO CARTÃO DE CRÉDITO (RMC) - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - CONVERSÃO DA MODALIDADE CONTRATUAL PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES DOS VALORES DESCONTADOS EM EXCESSO, CASO HAJA COMPROVAÇÃO - DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Configura falha na prestação do serviço a conduta da instituição financeira que induz o cliente a erro ao celebrar contrato de cartão de crédito consignado, quando o consumidor acredita tratar-se de empréstimo pessoal. É caso de conversão da contratação para empréstimo consignado, observada a taxa média de mercado dos juros remuneratórios para operações da mesma natureza, condição que enseja a restituição, na forma simples, de valores descontados em excesso, caso haja comprovação. Se não demonstrados os requisitos da reparação civil, não é cabível a indenização a título de dano moral.” (TJ-MT 10027532120198110015 MT, Relator.: GUIOMAR TEODORO BORGES, Data de Julgamento: 16/03/2022, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/03/2022 – grifo nosso) “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NA MODALIDADE CARTÃO DE CRÉDITO – PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA REJEITADA – MÉRITO – FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO – CONVERSÃO DA MODALIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO PARA BENEFICIÁRIO DO INSS – REPETIÇÃO DE INDÉBITO NA FORMA SIMPLES – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Não há falar em cerceamento de defesa se a prova requerida se revela desnecessária à solução da controvérsia, máxime quando os demais elementos do processo se mostraram suficientes para a formação de juízo seguro sobre os fatos discutidos na lide. Configura prática abusiva, que viola aos princípios da lealdade, boa-fé e transparência, a concessão de empréstimo pessoal consignado na modalidade de cartão de crédito, sem o consentimento do contratante, de forma que o empréstimo deve ser convertido para a modalidade de empréstimo consignado para aposentado, mediante repetição do indébito na forma simples, a ser apurado em liquidação de sentença. A abusividade da contratação não caracteriza, por si só, dano moral, porquanto não houve negativação do nome do autor ou exposição fática a situação constrangedora, mas sim mero aborrecimento pela adesão inadvertida ao cartão de crédito oneroso e desvantajoso ao consumidor.” (RAC n.º 1022081-02.2021.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, 3ª Câm. Direito Privado, Relatora Desa. Antônia Siqueira Gonçalves, j. 08.02.2023 – destaquei) DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO. CONVERSÃO PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DEVOLUÇÃO SIMPLES DOS VALORES PAGOS A MAIOR. DANOS MORAIS AFASTADOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) A conversão do contrato em empréstimo consignado, com aplicação dos juros médios de mercado, é medida adequada para reequilibrar a relação contratual. (...) A cobrança indevida, sem comprovação de constrangimento excepcional, não configura dano moral indenizável. (...) “1. A falha no dever de informação na contratação de cartão de crédito consignado caracteriza vício de consentimento, justificando sua conversão em empréstimo consignado. 2. A devolução dos valores pagos a maior deve ocorrer de forma simples, salvo comprovação de má-fé da instituição financeira. 3. A mera cobrança indevida não configura dano moral, salvo se comprovado constrangimento excepcional.” (N.U 1025025-86.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCOS REGENOLD FERNANDES, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 18/03/2025, Publicado no DJE 24/03/2025 – grifo nosso) “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NA MODALIDADE DE CARTÃO DE CRÉDITO – FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO – CONVERSÃO DA MODALIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO PARA BENEFICIÁRIO DO INSS – REPETIÇÃO DE INDÉBITO NA FORMA SIMPLES – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) A abusividade da contratação não caracteriza, por si só, dano moral, porquanto não houve negativação do nome do autor ou exposição fática a situação constrangedora, mas sim mero aborrecimento pela adesão inadvertida ao cartão de crédito oneroso e desvantajoso ao consumidor”. (TJMT, 1004467-63.2023.8.11.0051, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 10/12/2024, Publicado no DJE 13/12/2024 - destaquei). “DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). CONVERSÃO EM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. REPETIÇÃO SIMPLES DE INDÉBITO. DANO MORAL AFASTADO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO (...) (iii) é devida indenização por dano moral em razão dos descontos indevidos; (...) O dano moral não é configurado in re ipsa, pois a cobrança indevida, por si só, não gera lesão extrapatrimonial quando não há restrição de crédito ou constrangimento excessivo. (...) IV. DISPOSITIVO E TESE (...) 3. O dano moral não se presume em casos de cobrança indevida, sendo necessária a demonstração de efetivo prejuízo extrapatrimonial. (...)” (TJMT, 1045368-40.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 12/02/2025, Publicado no DJE 15/02/2025 - destaquei). Diferente seria se a instituição financeira houvesse inserido o nome da autora em cadastros de inadimplentes, ou se os descontos tivessem comprometido seu mínimo existencial, privando-a de recursos imprescindíveis para sua subsistência, ou, ainda, se a conduta do banco houvesse exposto a consumidora a situação vexatória ou degradante, hipóteses nas quais o dano moral se revelaria in re ipsa. No entanto, a mera contratação de modalidade diversa, conquanto configure falha na prestação do serviço e enseje a conversão do negócio jurídico, não gera, automaticamente, dano à esfera extrapatrimonial da consumidora, assim, revogo o dano moral uma vez concedido. Posto isso, CONHEÇO do recurso e lhe DOU PARCIAL PROVIMENTO, para reforma a sentença e julgar parcialmente procedente os pedidos iniciais para (a) declarar a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado, convertendo-o para a modalidade de empréstimo consignado, com a aplicação da taxa média de juros praticada pelo mercado para operações dessa natureza à época da contratação, conforme divulgado pelo Banco Central do Brasil; (b) determinar a restituição simples dos valores pagos em excesso pela apelante, a serem apurados em liquidação de sentença, mediante compensação com o valor efetivamente disponibilizado, acrescido de juros e correção monetária; (c) julgar improcedente o pedido de dano moral. Em razão da sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento de 50% (cinquenta por cento) das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 86 do CPC, observada a suspensão da exigibilidade em relação à apelante, beneficiária da justiça gratuita, conforme disposto no art. 98, § 3º, do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 17/06/2025
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