Processo nº 1006018-08.2023.8.11.0042
ID: 325059934
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1006018-08.2023.8.11.0042
Data de Disponibilização:
15/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DIOGO LUIS BERTICELLI
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1006018-08.2023.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas, Pr…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1006018-08.2023.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas, Promoção, constituição, financiamento ou integração de Organização Criminosa] Relator: Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA] Parte(s): [MARCIO HENRIQUE ANTON MOESCH - CPF: 052.960.941-07 (APELANTE), DIOGO LUIS BERTICELLI - CPF: 029.513.909-98 (ADVOGADO), JEFFERSON LOPES DA SILVA - CPF: 043.151.371-62 (ADVOGADO), WILLIAN FERNANDO ALMEIDA CAMPOS - CPF: 053.769.141-35 (APELANTE), RAUL GABRIEL MARQUES - CPF: 060.167.511-89 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), ALEXSANDER SILVEIRA NETO - CPF: 028.592.652-79 (TERCEIRO INTERESSADO), CLAYTON SILVEIRA NEVES JUNIOR - CPF: 063.088.611-38 (TERCEIRO INTERESSADO), WEBERTON ROSA DE MORAIS - CPF: 054.846.541-06 (TERCEIRO INTERESSADO), TIAGO CANDIDO DO AMARAL - CPF: 049.901.771-42 (TERCEIRO INTERESSADO), ALEX ANTUNES GOMES - CPF: 068.444.031-86 (TERCEIRO INTERESSADO), ALLAN MARCOS RIBEIRO CHAVES - CPF: 063.811.021-10 (TERCEIRO INTERESSADO), ANDRE LUIZ SANTOS DA SILVA - CPF: 043.898.331-97 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – SENTENÇA CONDENATÓRIA – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA – ARTIGO 2°, CAPUT, DA LEI 12.850/13 – RECURSOS DOS SENTENCIADOS – PRELIMINARES – INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO DA 7ª VARA CRIMINAL DE CUIABÁ – NÃO CONFIGURADA – RESOLUÇÃO N. 11/2017-TP – ESPECIALIZAÇÃO POR MATÉRIA – VALIDADE DO ATO NORMATIVO – COMPETÊNCIA TERRITORIAL ALTERADA EM RAZÃO DA MATÉRIA – LEGITIMIDADE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – PRECEDENTES DO STF (V. G. HC 113018) E STJ (V. G. HC Nº 237956 MT E AGRG NO RESP 1611615/MT) – PREVENÇÃO DO JUÍZO DA COMARCA DE ORIGEM – NÃO CONFIGURADA – COMPETÊNCIA ESPECIALIZADA PREVALENTE – NULIDADE DAS PROVAS DERIVADAS DE DECISÃO DE JUÍZO SABIDAMENTE INCOMPETENTE – INOCORRÊNCIA – TEORIA DO JUÍZO APARENTE – PRESERVAÇÃO DOS ATOS DECISÓRIOS – ALEGADA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA DOS DADOS EXTRAÍDOS DE APARELHO CELULAR – NÃO DEMONSTRADA – MERA ALEGAÇÃO GENÉRICA SEM ESPECIFICAÇÃO DE PREJUÍZO – PRELIMINARES REJEITADAS – MÉRITO – PLEITO ABSOLUTÓRIO – IMPOSSIBILIDADE – MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS – INQUÉRITO E CONJUNTO PROBATÓRIO COESO – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA DEVIDAMENTE CARACTERIZADA – VÍNCULOS DOS RECORRENTES À FACÇÃO "COMANDO VERMELHO" EVIDENCIADOS – REDUÇÃO DA PENA BASE – INVIABILIDADE – VETORIAL DA CULPABILIDADE DEVIDAMENTE VALORADA – PERTENCIMENTO À ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA DE NOTÓRIA PERICULOSIDADE – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA – RECURSOS DESPROVIDOS. A competência da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá para processar e julgar delitos praticados por grupo criminal organizado em todo território estadual encontra respaldo na Resolução n. 11/2017-TP do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, ato normativo editado com fundamento no artigo 96, I, "a", da CF e 96, III, "a", da CEMT. A especialização de varas criminais por matéria prevalece sobre a competência territorial, conforme entendimento consolidado pelo STF e STJ, não havendo que se falar em incompetência do juízo. Não configura nulidade a prática de atos decisórios por juízo aparentemente competente à época, sendo que eventuais medidas cautelares deferidas são passíveis de ratificação pelo juízo competente para o processamento do feito. A mera alegação genérica de quebra da cadeia de custódia, sem demonstração de efetiva adulteração, modificação ou manipulação do material probatório, não é suficiente para decretar a nulidade da prova. Comprovado por meio de conjunto probatório idôneo (relatórios técnicos de investigação, extração de dados de aparelho telefônico, depoimentos de policiais e outros elementos) o vínculo dos recorrentes à organização criminosa Comando Vermelho, com funções específicas no contexto da facção, fica caracterizada a prática do crime previsto no art. 2º da Lei n. 12.850/13. A valoração negativa da culpabilidade justifica-se quando demonstrada a vinculação do agente a organização criminosa de notória periculosidade, complexidade e com histórico de atuação violenta, circunstância que extrapola os elementos típicos do crime e demanda maior reprovação da conduta. R E L A T Ó R I O Trata-se de recursos de apelação interpostos por William Fernando Almeida Campos, Raul Gabriel Marques e Márcio Henrique Anton Moesch contra sentença proferida pelo Juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá-MT, nos autos nº 1006018-08.2023.8.11.0042, que julgou parcialmente procedente a denúncia para condená-los pela prática do crime previsto no artigo 2º da Lei n. 12.850/13, fixando as respectivas penas privativas de liberdade de William em 05 (cinco) anos e 03 (três) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento de 17 (dezessete) dias-multa; Raul em 04 (quatro) anos e 01 (um) mês de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 13 (treze) dias-multa; e Márcio em 04 (quatro) anos e 01 (um) mês de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 13 (treze) dias-multa (sentença – Id. 264068973). Nas razões recursais, os apelantes William e Raul suscitam preliminarmente: a) incompetência territorial do Juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá-MT, requerendo a declaração de ilegalidade do termo "com jurisdição em todo o Estado" constante da Resolução n. 11/2017-TP, por contrariar os artigos 69, 70, 76, 78 e 83, todos do Código de Processo Penal; b) competência do juízo da Comarca de Primavera do Leste-MT, que se tornou prevento ao deferir as medidas cautelares de prisão preventiva, busca e apreensão e quebra de sigilo; c) nulidade das provas por decisão de juízo sabidamente incompetente; e d) nulidade das provas digitais por quebra da cadeia de custódia. No mérito, alegam insuficiência probatória e pugnam pela absolvição nos termos do art. 386, VII, do CPP (Id. 264068986). Por sua vez, em suas razões recursais, o apelante Márcio requer sua absolvição por alegada fragilidade probatória, argumentando que o caderno mencionado nos autos não passou por perícia técnica, que não há mensagens, ligações ou outros elementos que o vinculem diretamente à organização criminosa, e que o apelido "Caruso" é utilizado para descrever suas características físicas desde a infância. Subsidiariamente, pleiteia a fixação da pena-base no mínimo legal, afirmando ser réu primário e não possuir antecedentes criminais (Id. 264068999). O Ministério Público apresentou contrarrazões (Id. 264068992 e Id. 264069003), manifestando-se pelo desprovimento dos recursos e manutenção integral da sentença condenatória. A Procuradoria-Geral de Justiça, através do Procurador de Justiça João Augusto Veras Gadelha, manifestou-se pelo não acolhimento das preliminares e, no mérito, pelo desprovimento dos recursos (Id. 265245796), sintetizando seu entendimento com a seguinte ementa: “Apelação Criminal: Organização criminosa – Irresignação defensiva: I) Preliminarmente: a) Pretendido reconhecimento da nulidade do processo por incompetência territorial do Juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT, bem como de todos os atos e provas produzidas, com a consequente devolução dos autos ao Juízo da 1ª Vara da Comarca de Primavera do Leste/MT – Suscitada inconstitucionalidade da Resolução nº 11/2017 do Tribunal Pleno, violação dos art. 5º, LIII da Constituição Federal, bem como dos arts. 69,70,76,78 e 83, todos do Código de Processo Penal – Vilipêndio ao princípio do Juiz Natural – Prefacial levantada em prol dos apelantes William Fernando Almeida Campos e Raul Gabriel Marques – Não acolhimento – “(...) tanto o STF, como o STJ, firmaram o entendimento quanto a competência dos tribunais para disporem, por meio de ato normativo próprio, sobre especialização de varas do crime organizado, inclusive quanto à extensão territorial, como ocorreu com a especialização da 7º Vara Criminal de Cuiabá-MT, competente para processar e julgar crimes de organização criminosa e seus incidentes, em todo o território do Estado de Mato Grosso. [.. .].” (Parecer da PGJ nº 000111-034/2018 - Amarildo Cesar Fachone, promotor de Justiça designado) “A jurisprudência desta eg. Corte, alinhando-se ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, é a de autorização para que Tribunais locais procedam à especialização de Varas para o processamento de feitos restritos por matéria. Assim, apesar de terem sido cometidos os delitos na Comarca de Rondonópolis, o julgamento perante a Vara Especializada contra o Crime Organizado, os Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica e os Crimes contra a Administração Pública se mostra acertado porquanto prevalece o Juízo especializado em razão da matéria.” (STJ, AgRg no REsp nº 1611615/MT)” (TJ-MT - CJ: 00002142820188110050 MT, Relator: FRANCISCO ALEXANDRE FERREIRA MENDES NETO, Data de Julgamento: 02/05/2019, TURMA DE CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS, Data de Publicação: 08/05/2019) – Acerca da nulidade da decisão que deferiu prisão preventiva, busca e apreensão, bem como medida de extração de dados telefônicos no incidente 1008019-15.2022.8.11.0037, é cediço que a declaração de incompetência de natureza relativa não acarreta a nulidade dos atos decisórios, subsistindo, portanto, a validade desses até a apreciação pelo juízo competente, podendo a ratificação dos atos praticados pelo Juízo incompetente, inclusive, ser implícita, ou seja, por meio da prática de atos que impliquem a conclusão de que o Magistrado validou os referidos atos, como é o caso (STJ - RHC 47.018/RJ) – Prevalência do princípio pas de nulitte sans grief, já que nenhuma nulidade há de ser declarada sobre ato, cuja prática não resulte em prejuízo às partes – II) Mérito: a) Requestada absolvição do crime organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/13), face à insuficiência do acervo probatório, em observância ao princípio do in dubio pro reo – Improcedência – Materialidade e autoria devidamente comprovadas - A prática do crime em questão por parte dos apelantes restou assaz comprovada, diante do robusto conjunto probatório carreado aos autos, em especial pela quebra de sigilo de dados telefônicos do líder Leandro Miranda dos Santos, roborada pelas provas testemunhais coligidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, assim como pela demais provas coligidas nos autos durante a persecutio criminis – b) Pretendido redimensionamento da pena-base imposta ao recorrente Márcio Henrique – Inadmissibilidade – No caso sub judice, vê-se que a motivação empregada pelo Juízo sentenciante está correta, eis que, fundamentando-se no desvalor da culpabilidade do crime, majorou a pena-base 01 (um) ano e 01 (um) mês – O parecer é pelo não acolhimento da preliminar arguida e, no mérito, pelo desprovimento do apelo interposto, mantendo-se, no mais, incólume a sentença hostilizada.” (Sic.) A douta revisão V O T O R E L A T O R Das Preliminares Da alegada incompetência do juízo da 7ª Vara Criminal de Cuiabá/MT Os apelantes William e Raul arguem, preliminarmente, a incompetência do Juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT, questionando a validade da expressão "com jurisdição em todo o Estado" constante na Resolução n. 11/2017-TP do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, sob o argumento de que tal disposição contrariaria normas do Código de Processo Penal, em especial os artigos 69, 70, 76, 78 e 83. A preliminar não merece acolhimento. A competência da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá para processar e julgar crimes praticados por grupos criminosos organizados em todo o território do Estado de Mato Grosso encontra respaldo constitucional e está amparada na divisão organizacional do Poder Judiciário estadual. Com efeito, o artigo 96, I, alínea "a", da Constituição Federal estabelece que compete privativamente aos tribunais "elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos". No mesmo sentido, o artigo 125, § 1º, da Constituição Federal preceitua que "a competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça". Em âmbito estadual, o artigo 96, III, "a", da Constituição do Estado de Mato Grosso confere ao Tribunal de Justiça a competência privativa para "propor à Assembleia Legislativa o projeto de lei de organização Judiciária, eleger seus órgãos diretivos e elaborar seu regimento interno com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos". Exercendo essa competência constitucional e em consonância com a Recomendação n. 03/2006 do Conselho Nacional de Justiça, que sugeriu a criação ou especialização de varas criminais com competência exclusiva ou concorrente para processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso editou inicialmente o Provimento n. 004/2008/CM, estabelecendo as competências e atribuições das Varas Judiciais da Comarca de Cuiabá. Posteriormente, por meio da Resolução n. 11/2017-TP, consolidou a competência da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá para processar e julgar os delitos praticados por grupo criminal organizado, com jurisdição em todo o Estado. Importante ressaltar que a questão encontra-se pacificada na jurisprudência dos Tribunais Superiores, que reconhecem a validade da especialização de varas por matéria, inclusive com abrangência territorial ampliada. Nesse sentido: "O Supremo Tribunal Federal, ao interpretrar o artigo 96, inciso I, alíneas a e d, e inciso II, alínea d, da Constituição Federal, firmou o entendimento de que o Poder Judiciário pode dispor sobre a especialização de varas, pois se trata de matéria que se insere no âmbito da organização Judiciária dos Tribunais. Precedentes. 2. Não há qualquer ilegalidade na tramitação, quer do procedimento investigatório, quer da ação penal deflagrados contra os pacientes, perante a Vara Especializada contra o Crime Organizado, Crimes contra a Ordem Econômica e Crimes contra a Administração Pública da comarca de Cuiabá, pois embora os ilícitos a eles assestados tenham supostamente ocorrido em Paranatinga/MT e Campo Novo/MT, o referido Juízo, por ser especializado quanto à matéria, prevalece sobre os demais." (STJ - HC: 237956 MT 2012/0066843-9, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 05/06/2014, DJe 12/06/2014) "PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. COMPETÊNCIA. VARA ESPECIALIZADA CONTRA O CRIME ORGANIZADO, CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E ECONÔMICA E CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. I - A jurisprudência desta eg. Corte, alinhando-se ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, é a de autorização para que Tribunais locais procedam à especialização de Varas para o processamento de feitos restritos por matéria. Assim, apesar de terem sido cometidos os delitos na Comarca de Rondonópolis, o julgamento perante a Vara Especializada contra o Crime Organizado, os Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica e os Crimes contra a Administração Pública se mostra acertado porquanto prevalece o Juízo especializado em razão da matéria. Precedentes." (STJ - AgRg no REsp 1611615/MT, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 10/04/2018, DJe 16/04/2018) Também o Tribunal de Justiça de Mato Grosso já se manifestou reiteradamente sobre a matéria, validando a competência da 7ª Vara Criminal de Cuiabá para processar e julgar crimes praticados por organização criminosa em todo o território estadual: "RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO DA 7ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CUIABÁ – ILEGALIDADE DA RESOLUÇÃO N. 11/2017-TP – IMPROCEDÊNCIA – POSSIBILIDADE DE ESPECIALIZAÇÃO DE VARAS CÍVEIS E CRIMINAIS NO ÂMBITO DO PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MATO GROSSO – COMPETÊNCIA DA 7ª VARA CRIMINAL DA CAPITAL PARA PROCESSAR E JULGAR CRIMES DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA COM JURISDIÇÃO EM TODO O ESTADO – ENTENDIMENTO FIRMADO EM CONSONÂNCIA COM AS CORTES SUPERIORES – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. É válida a Resolução n. 11/2017 do Tribunal Pleno que confere ao Juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT competência especializada para processar e julgar delitos cometidos por organização criminosa em todo o território estadual. Entendimento este firmado em consonância com o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça." (TJMT, Segunda Câmara Criminal, Rese 1000556-36.2022.8.11.0000, Des. Pedro Sakamoto, julgado em 06/05/2022) Quanto à alegação de que a Resolução n. 11/2017-TP contrariaria as regras de competência estabelecidas no Código de Processo Penal, cumpre destacar que a especialização de varas por matéria constitui alteração da competência territorial em razão da matéria, e não alteração de competência material, esta sim regida com exclusividade pelo art. 22 da Constituição Federal. A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou: "A especialização de varas consiste em alteração de competência territorial em razão da matéria, e não alteração de competência material, regida pelo art. 22 da Constituição Federal." (STF - HC 113018, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 14/11/2013) Ademais, não se aplica ao caso a Súmula 206 do Superior Tribunal de Justiça ("A existência de vara privativa, instituída por lei estadual, não altera a competência territorial resultante das leis de processo"), uma vez que tal enunciado se refere à matéria de Direito Processual Civil, não tendo aplicabilidade no âmbito do Processo Penal, conforme bem ressaltou o magistrado sentenciante. Portanto, não há que se falar em incompetência territorial do Juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá-MT para processar e julgar o presente feito. Rejeito, assim, a preliminar suscitada. Da alegada prevenção do juízo da Comarca de Primavera do Leste/MT Os apelantes William e Raul alegam, ainda, que o Juízo da Comarca de Primavera do Leste-MT teria se tornado prevento, uma vez que proferiu decisões anteriores no feito, como o deferimento de medidas cautelares (prisão preventiva, busca e apreensão e quebra de sigilo de dados telefônicos). A preliminar não prospera. Como já demonstrado no tópico anterior, a competência para o processamento e julgamento de crimes de organização criminosa em todo o território de Mato Grosso foi atribuída à 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá-MT por ato normativo próprio do Tribunal de Justiça (Resolução n. 11/2017-TP), prevalecendo a competência por especialização de matéria sobre a territorial. Importante destacar que a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso já reconheceu, no julgamento do HC n. 1000405-41.2020.8.11.0000, que a competência decorrente da especialização das Varas judiciais detém natureza meramente relativa e, portanto, é passível de prorrogação do juízo. Contudo, mesmo tendo sido arguida a incompetência em momento oportuno, o fato é que a especialização da vara por matéria prevalece sobre a regra geral de competência territorial. Sobre a prevalência da competência por especialização, o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou: "A jurisprudência desta eg. Corte, alinhando-se ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, é a de autorização para que Tribunais locais procedam à especialização de Varas para o processamento de feitos restritos por matéria. Assim, apesar de terem sido cometidos os delitos na Comarca de Rondonópolis, o julgamento perante a Vara Especializada contra o Crime Organizado, os Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica e os Crimes contra a Administração Pública se mostra acertado porquanto prevalece o Juízo especializado em razão da matéria." (STJ, AgRg no REsp nº 1611615/MT) Dessa forma, o fato de o Juízo da Comarca de Primavera do Leste/MT ter praticado atos processuais anteriores não afasta a competência especializada da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT, que prevalece em razão da matéria. Rejeito, portanto, a preliminar. Da alegada nulidade das provas por decisão de juízo incompetente A terceira preliminar suscitada pelos apelantes William e Raul refere-se à suposta nulidade das provas obtidas por decisão judicial emanada de autoridade incompetente, notadamente as medidas cautelares de prisão preventiva, busca e apreensão, e quebra de sigilo de dados telefônicos deferidas pelo Juízo da Comarca de Primavera do Leste/MT. A preliminar não merece acolhimento. Conforme amplamente demonstrado nos tópicos anteriores, a competência para o processamento e julgamento de crimes de organização criminosa em Mato Grosso foi legitimamente atribuída à 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT, por meio da Resolução n. 11/2017-TP. Contudo, mesmo que se admitisse eventual incompetência do juízo originário no deferimento das medidas cautelares, tal fato não implicaria automaticamente na nulidade das provas produzidas. Isso porque a jurisprudência dos Tribunais Superiores é pacífica no sentido de que a declaração de incompetência de natureza relativa não acarreta a nulidade dos atos decisórios, os quais permanecem válidos até que o juízo competente se manifeste sobre eles, podendo inclusive ratificá-los de forma implícita. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou: "1. Constatada a incompetência absoluta, os autos devem ser remetidos ao Juízo competente, que pode ratificar ou não os atos já praticados. Por outro lado, a ratificação dos atos praticados pelo Juízo incompetente pode ser implícita, ou seja, por meio da prática de atos que impliquem a conclusão de que o Magistrado validou os referidos atos. Precedentes." (STJ - RHC 47.018/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2016, DJe 13/06/2016) Ademais, aplica-se ao caso a Teoria do Juízo Aparente, segundo a qual é possível a convalidação de medidas cautelares deferidas no curso do inquérito policial por juízo que, no momento da decisão, aparentava ser competente. Tal teoria é amplamente reconhecida pela jurisprudência dos Tribunais Superiores: "o princípio do juiz natural deve ser examinado com cautela na fase investigativa, especialmente nas hipóteses em que não se mostram ainda definidas as imputações, os agentes envolvidos e a respectiva competência [...] denominado teoria do juízo aparente [...] fundamento para validar medidas cautelares autorizadas por Juízo aparentemente competente que, em momento posterior, fora declarado incompetente." (STJ, EDCL no HC 650.842/SP) "não há nulidade na medida investigativa deferida por magistrado que, posteriormente, vem a declinar da competência por motivo superveniente e desconhecido à época da autorização judicial." (STF, HC 120.027; HC 185.755/CE) Além disso, para o reconhecimento de eventuais nulidades processuais, é imprescindível a demonstração do efetivo prejuízo sofrido pela parte, em atenção ao princípio “pas de nullité sans grief”, consagrado no art. 563 do Código de Processo Penal. No caso em análise, os apelantes não demonstraram qual seria o prejuízo concreto decorrente da suposta incompetência do juízo que autorizou as medidas cautelares, limitando-se a arguir a nulidade em tese. Sobre o tema, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso já se manifestou: [...] Em matéria de nulidade, rege o consagrado princípio pas de nullité sans grief, segundo o qual não há nulidade sem que o ato tenha gerado prejuízo para a acusação ou para a defesa. Não se prestigia, portanto, a forma pela forma, mas o fim atingido pelo ato. [...] (N.U 0000361-40.2018.8.11.0087, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, LUIZ FERREIRA DA SILVA, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 21/02/2019, Publicado no DJE 21/02/2019) Dessa forma, não há que se falar em nulidade das provas obtidas mediante decisão judicial do Juízo da Comarca de Primavera do Leste-MT, devendo ser rejeitada a preliminar. Da alegada nulidade das provas digitais - quebra da cadeia de custódia Por fim, ainda em sede preliminar, os apelantes William e Raul sustentam a nulidade das provas obtidas através da extração de dados dos celulares apreendidos, alegando quebra da cadeia de custódia. A preliminar não merece acolhimento. Inicialmente, cumpre destacar que os apelantes limitaram-se a alegar genericamente a quebra da cadeia de custódia, sem apontar objetiva e especificamente em que consistiria a suposta violação. Não demonstraram qualquer indício concreto de adulteração, manipulação ou contaminação das provas extraídas dos aparelhos celulares apreendidos que pudesse ensejar a declaração de nulidade. A jurisprudência dos Tribunais Superiores é clara ao afirmar que a mera alegação genérica de quebra da cadeia de custódia, desacompanhada de demonstração de efetivo prejuízo ou adulteração da prova, não é suficiente para ensejar sua invalidação. Nesse sentido: "Com efeito, a jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que a cadeia de custódia consiste no caminho idôneo a ser percorrido pela prova até sua análise pelo expert, de modo que a ocorrência de qualquer interferência indevida durante sua tramitação probatória pode resultar em sua imprestabilidade para o processo de referência. VIII - No caso concreto, não houve comprovação pela d. Defesa de qualquer circunstância capaz de sugerir a adulteração da prova, ou mesmo a interferência indevida em seu caminho, capaz de invalidá-la." (AgRg no HC n. 764.760/RJ, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 6/3/2023, DJe de 14/3/2023) No caso dos autos, a extração de dados dos aparelhos telefônicos foi realizada mediante prévia autorização judicial e seguiu os procedimentos legais cabíveis, não havendo nos autos qualquer indicativo de adulteração, manipulação ou violação da cadeia de custódia que pudesse comprometer a integridade e confiabilidade das provas produzidas. Além disso, conforme já destacado no tópico anterior, para o reconhecimento de nulidades processuais é imprescindível a demonstração do efetivo prejuízo sofrido pela parte, em atenção ao princípio “pas de nullité sans grief”, consagrado no art. 563 do Código de Processo Penal. No caso em exame, os apelantes não demonstraram qual seria o prejuízo concreto decorrente da suposta quebra da cadeia de custódia. Dessa forma, não havendo comprovação de irregularidades na obtenção e preservação das provas digitais, tampouco demonstração de efetivo prejuízo às partes, deve ser rejeitada a preliminar de nulidade. Mérito No mérito, todos os apelantes pleiteiam a absolvição por insuficiência de provas, alegando ausência de elementos concretos que demonstrem seu envolvimento com a organização criminosa denominada "Comando Vermelho". O pleito não merece prosperar. Da análise detalhada dos autos, verifica-se que a materialidade e a autoria do crime de integrar organização criminosa estão devidamente demonstradas por meio do robusto conjunto probatório, em especial: Relatório Técnico n. 004/2022 (Ids. 264068834 e 264068835); Autos do Inquérito Policial n. 307.4.2022.9249; Relatórios de Inteligência Financeira (Id. 264068838); Termo de Apreensão; medidas cautelares de n. 1002146-34.2022.8.11.0037, 1008019-15.2022.8.11.0037, 1004518-04.2023.8.11.0042; e depoimentos prestados em juízo. Conforme se depreende da denúncia, em março de 2022, a Polícia Judiciária Civil de Primavera do Leste-MT, em apoio à Delegacia Estadual de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco – PJC/GO), cumpriu mandados de prisão e busca e apreensão expedidos contra Leandro Miranda dos Santos, conhecido pelo vulgo "Léo do Chevette ou Bugiganga". Na oportunidade, foram localizados quatro cadernos e o aparelho telefônico do investigado, cuja análise permitiu à autoridade policial identificar a existência de uma organização criminosa, sua hierarquia, movimentação financeira e integrantes, dentre os quais os ora apelantes. Do apurado na investigação, os apelantes integravam a organização criminosa denominada "Comando Vermelho", atuando especificamente na cidade de Primavera do Leste-MT e regiões circunvizinhas. Essa conclusão decorre, principalmente, da análise dos materiais apreendidos com Leandro Miranda dos Santos, vulgo "Léo do Chevette" ou "Bugiganga", apontado como líder da facção na região, entre os quais se destacam cadernos com anotações sobre a estrutura da organização e dados extraídos de seu aparelho celular. Em relação ao apelante Márcio Henrique Anton Moesch, vulgo "CARUSO", sua vinculação à organização criminosa restou comprovada pela presença de seu apelido em listas de controle de integrantes da facção apreendidas com o líder Leandro Miranda dos Santos, constando inclusive seu registro faccional (matrícula n. 16.308). Além disso, a análise de suas redes sociais (Facebook e Instagram) revelou conexões com diversos integrantes da organização criminosa investigada, conforme detalhadamente exposto no Relatório de Investigação n. 2022.13.71123. Em seu interrogatório judicial, Márcio negou integrar a organização criminosa, bem como ser conhecido pelo vulgo "CARUSO". Contudo, tal negativa não se sustenta diante do conjunto probatório existente nos autos. Os investigadores Dalton e o Delegado Honório Gonçalves, em seus depoimentos judiciais, confirmaram a identificação do apelante como sendo o indivíduo conhecido pelo vulgo "CARUSO", mencionado nos materiais apreendidos. O Delegado Honório Gonçalves destacou ainda que, no perfil de Instagram do apelante, havia um link para o "boteco do CARUSO", corroborando sua identificação. Nesse sentido, destaca-se o depoimento do Investigador Dalton: "Esse codinome associado a uma matrícula, dentro da facção que é vulgo CARUSO associado a matrícula 16308. Nós fizemos diligencias para identificar a pessoa associada a esse vulgo. E a gente conseguiu atribuir essa qualificação, através de pesquisas, analisando redes sociais de todos os investigados, havia essa pessoa, o MÁRCIO HENRIQUE, que fazia parte daquele ciclo de amizade dentro das redes sociais. E ele era tratado como CARUSO, identificando-se, qualificamos ele, pesquisamos, havia um boletim de ocorrência dele de uma briga com um familiar. Fomos mais a fundo e tivemos conhecimento que ele tinha sido internado por problemas com drogas. Enfim, por esse motivo atribuímos, essa qualificação do vulgo Caruso ao MÁRCIO HENRIQUE." O Delegado Honório Gonçalves, por sua vez, acrescentou que no perfil de Instagram do apelante havia um link para o "boteco do CARUSO", corroborando sua identificação: "Ele consta no caderno tem o registo da matrícula dele, que é 16308. Ele na rede social, realmente ele tem outros faccionados, como amigos. Consta ali, por exemplo, em Luís Henrique, o Everton Oliveira, Gil dos Santos, Osmar Silva e no próprio perfil dele do Instagram dele, tinha um link para o boteco, estava lá boteco do CARUSO. Então, com base, com base nessas análises, tanto do caderno, quanto desses vínculos sociais, foi possível aos investigadores a vinculação, desse vulgo com o suspeito MÁRCIO HENRIQUE." O apelante Márcio alega em suas razões recursais que o caderno apreendido não passou por perícia técnica e que o apelido "Caruso" é utilizado para descrever suas características físicas desde a infância, sem qualquer vinculação com atividades criminosas. Contudo, tal alegação não encontra respaldo no conjunto probatório, uma vez que foram colhidos diversos elementos convergentes que o vinculam à facção criminosa, não se limitando apenas à menção de seu apelido nos cadernos apreendidos. As investigações policiais e a prova testemunhal evidenciaram que Márcio mantinha contato frequente com outros membros da facção e utilizava o apelido "CARUSO" em suas interações sociais, inclusive em suas redes sociais. A convergência desses elementos probatórios, analisados em seu conjunto, é suficiente para afastar a alegação de fragilidade probatória. Quanto ao apelante Raul Gabriel Marques, vulgo "GABRIEL", sua participação na organização criminosa ficou evidenciada através da análise do aparelho celular de Leandro Miranda dos Santos. Foram identificadas mensagens entre Leandro Miranda e Natália Brito Borges, vulgo "Catrina", em que o líder ordenava a "Catrina" que pegasse 200 comprimidos de ecstasy com "GABRIEL", fornecendo inclusive um número de telefone que foi confirmado como pertencente ao apelante e utilizado como chave PIX. Em seu interrogatório judicial, Raul negou integrar a organização criminosa e ser conhecido pelo vulgo "GABRIEL". No entanto, tal negativa não se sustenta diante do conjunto probatório constante dos autos. Os depoimentos do Investigador Dalton e do Delegado Rodolpho Garcia confirmaram essa identificação. O Delegado Honório Gonçalves relatou que o número de telefone mencionado nas mensagens estava registrado em nome do apelante Raul Gabriel Marques, tanto como chave PIX quanto nos sistemas do DETRAN-MT. O Investigador Dalton relatou: "Foi uma conversa entre o Leandro Miranda Santos e a Catarina, a Natália Borges, ele passa o número para ela, numeral de telefone para ela ligar, para esse Gabriel, passa um telefone e escreve, pega com Gabriel 200 Balas, ou seja, 200 comprimidos de ecstasy. É esse número de telefone, é uma conta Pix, e a chave Pix de uma conta de Raul Gabriel Marques, que é também um indivíduo de Primavera do Leste, como o próprio Leandro fala que ele passa o número ainda fala pega com Gabriel e esse número é uma chave Pix de um correntista chamado Raul Gabriel Marques, nós tivemos convicção de que a pessoa que ia entregar esses 200 comprimentos ecstasy, seria o Gabriel, o RAUL GABRIEL MARQUES." O Delegado Honório Gonçalves acrescentou: "Então ele é conhecido como o vulgo Gabriel e ele também constou dentro desse relatório técnico da extração de dados do celular do Leandro Miranda. Foi feita uma menção nesse relatório, em uma conversa entre Leandro Miranda dos Santos e a Natália Brito Borges, vulgo Catrina. É, e nessa conversa o Leandro Miranda pede para a Catrina, para que ela passe por Gabriel um contato, se referindo a aquisição de 200 unidades de bala, que seria o êxtase. Além disso, nessas conversas foi compartilhado, um número do Gabriel, que é uma chave Pix que está registrado no seu próprio nome. Além disso, segundo os investigadores, esse numeral é também consta dentro do registo do sistema Detranet, dentro do cadastro do suspeito RAUL GABRIEL." Esses elementos probatórios demonstram a integração de Raul à organização criminosa, desempenhando função específica no tráfico de entorpecentes a serviço da facção. Por fim, em relação ao apelante William Fernando Almeida Campos, vulgo "BILILIU ou BILI SARAVA", sua vinculação à organização criminosa restou evidenciada pela presença de seu apelido nos cadernos apreendidos com o líder Leandro Miranda dos Santos, bem como por um vídeo encontrado no celular do líder, enviado a Natália Brito Borges, no qual é possível identificar as tatuagens na mão de William Fernando enquanto contabilizava entorpecentes. Em seu interrogatório judicial, William negou integrar a organização criminosa e ser conhecido pelos vulgos atribuídos a ele. Contudo, tal negativa é isolada e contrasta com o conjunto probatório constante dos autos. O Investigador Dalton, em seu depoimento, relatou a identificação do apelante por meio da comparação das tatuagens em suas mãos com as que aparecem no vídeo apreendido: "Então, houve na troca de mensagens entre a Natália e o Leandro Miranda dos Santos, o Leo, quer passar uma quantidade até expressiva de maconha para Natália até e ele manda um vídeo dessa droga, e quem faz esse vídeo é o WILLIAN FERNANDO, dá para notar que na hora vai estar constando nos autos o vídeo dessa droga, ele mostra nos tablets de maconha e aparece a tatuagem da mão do WILLIAM FERNANDO no vídeo, tatuagem dele, a gente tem imagens daquelas, imagens dele aqui, de quando ele foi, das oportunidades que ele foi preso por tráfico de drogas, e a tatuagem que aparece na mão é idêntica a dele, ou seja, por esse motivo nós atribuiu o que o Bili Sarava, que o Leandro Miranda fala que estava armazenando que ia entrega para a Natália que era uma gerente, que é a gerente da tráfico da maconha seria o WILLIAN FERNANDO ALMEIDA, ou seja, através daquele vídeo a gente deduziu e que ele presumiu na verdade que ele armazenava e distribuía a droga da facção criminosa." O Delegado Rodolpho Garcia confirmou essa identificação: "Eu me recordo em específico do vulgo dele, o BILILIU. Havia também conversas entre o Leandro Miranda e, salvo melhor juízo, com uma outra integrante da facção a Catrina. Eu lembro que na extração consta o Leandro Miranda falando para a Catrina pegar uma certa quantidade de droga com BILILIU, inclusive havia um vídeo encaminhado pelo Leandro Miranda para a Catrina que mostra o BILILIU contabilizando uma certa quantidade de droga, salvo melhor, era de maconha." Esses elementos probatórios, analisados em seu conjunto, demonstram a integração de William à organização criminosa, desempenhando função específica no tráfico de entorpecentes em benefício da facção. O crime de organização criminosa, tipificado no art. 2º da Lei n. 12.850/2013, exige, para sua configuração, a reunião de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 04 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. No caso dos autos, restou evidenciado que os apelantes integravam a facção criminosa denominada "Comando Vermelho", organização hierarquicamente estruturada, com divisão de tarefas entre seus integrantes e voltada à prática de crimes, especialmente o tráfico de drogas, cujas penas máximas superam o limite estabelecido na lei. A jurisprudência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso é firme no sentido de que, uma vez demonstrada a integração do agente à organização criminosa, mediante conjunto probatório coeso, a condenação pelo crime previsto no art. 2º da Lei n. 12.850/2013 é imperativa: "(...) Descabe cogitar em absolvição quando há provas robustas nos autos que demonstram que os apelantes integram/integravam a organização criminosa denominada "Comando Vermelho", especificando a atuação de cada um dentro da "estrutura criminosa", notadamente por meio das interceptações telefônicas realizadas e pelos depoimentos das testemunhas prestados sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Os depoimentos prestados por policiais que participaram das investigações, corroborados por extensos relatórios de inteligência e de interceptações telefônicas, são idôneos para comprovar a caracterização do delito capitulado no artigo 2º da Lei n. 12.850/2013, consoante dispõe o Enunciado n. 8 do TJMT." (TJMT - N.U 0005377-28.2018.8.11.0037, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PEDRO SAKAMOTO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 11/07/2023, Publicado no DJE 14/07/2023) Diante do robusto conjunto probatório constante dos autos, que demonstra de forma inequívoca a integração dos apelantes à organização criminosa "Comando Vermelho", não há que se falar em absolvição por insuficiência de provas. O pleito absolutório, portanto, não merece acolhimento. Subsidiariamente, o apelante Márcio requer a fixação da pena-base no mínimo legal, alegando ser réu primário, não possuir antecedentes criminais e não existirem circunstâncias agravantes que justifiquem o aumento de sua pena. O pedido não merece acolhimento. Na primeira fase da dosimetria, o magistrado sentenciante fixou a pena-base do apelante em 04 (quatro) anos e 01 (um) mês de reclusão, ou seja, 01 (um) ano e 01 (um) mês acima do mínimo legal previsto para o crime de organização criminosa (03 anos), em razão da valoração negativa de uma única circunstância judicial: a culpabilidade. Para essa valoração, o juiz considerou que o apelante integrava a organização criminosa “Comando Vermelho”, grupo criminoso bem articulado, com várias ramificações, divisão de funções definidas, reconhecido nacionalmente por atos de extrema violência e voltado para a prática não apenas do comércio ilegal de entorpecentes, mas também de outros delitos graves, como tortura, homicídio, roubo e lesão corporal. Destacou, ainda, que o grupo criminoso se instaura como verdadeiro poder paralelo, causador de inúmeros problemas na sociedade, atuando dentro e fora dos presídios de todo o país, ordenando "salves" e até morte de desafetos. Tais circunstâncias, de fato, denotam maior reprovabilidade da conduta praticada pelo apelante, justificando a valoração negativa da culpabilidade e o consequente aumento da pena-base acima do mínimo legal. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. DECOTE DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO ART. 59 DO CP OU REDUÇÃO DA PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUSTIFICADAS. APREENSÃO DE 1,073KG DE MACONHA. INTEGRANTE DO "COMANDO VERMELHO". DESEJO DE FORTALECIMENTO DA ORCRIM. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ALTAMENTE ESTRUTURADA E QUE PROVOCA SEVERAS CONSEQUÊNCIAS NO ESTADO DO ACRE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que, para a "elevação da pena-base, podem ser utilizadas as frações de 1/6 sobre a pena-mínima ou de 1/8 sobre o intervalo entre as penas mínima e máxima, exigindo-se fundamentação concreta e objetiva para o uso de percentual de aumento diverso de um desses" (AgRg no AREsp n. 1.799.289/DF, Quinta Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 6/8/2021). 2. Na fase inicial da dosimetria do crime de tráfico, a pena foi acrescida em 1 ano e 8 meses por conta da natureza e da quantidade de drogas apreendidas (1,073 kg de maconha). Referido aumento foi devidamente justificado, tendo em vista a quantidade expressiva de droga apreendida, o que constitui fundamento concreto para o incremento da pena-base. 3. Quanto ao crime de integrar organização criminosa, as instâncias de origem, considerando as circunstâncias desfavoráveis no tocante à culpabilidade, ao motivo e às consequências, fixaram a pena-base acima do mínimo legal, em 5 anos e 6 meses de reclusão. Considerou-se negativo o vetor da culpabilidade por se tratar de acusado integrante de facção criminosa altamente estruturada e que pratica uma diversidade de crimes, no caso, o "Comando Vermelho". Resta, portanto, evidente o maior grau de censura da conduta do paciente, o que permite o incremento da reprimenda em razão da culpabilidade. 4. Consoante a jurisprudência deste Superior Tribunal, quanto aos motivos do crime, "o fato da organização criminosa ter por escopo o fortalecimento ante a rivalidade entre as facções, bem como a proteção e logística na prática de delitos, denotam a maior gravidade do móvel da prática delitiva" (AgRg no HC n. 710.706/AC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 2/8/2022, DJe de 10/8/2022.), justificando, assim, a exasperação. 5. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, "A demonstração concreta de que houve um aumento no número de delitos no Estado do Acre desde que a organização criminosa passou a lá atuar, mormente em razão dos conflitos entre os grupos criminosos rivais, lastreada em relatórios da Secretaria de Segurança Pública, justifica a negativação da vetorial consequências do crime" (REsp n. 1.896.832/AC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 23/11/2021, DJe de 30/11/2021). 6. Esta Corte Superior sedimentou o entendimento de que "A dosimetria da pena configura matéria restrita ao âmbito de certa discricionariedade do magistrado e é regulada pelos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade" (AgRg no HC n. 786.617/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 13/3/2023, DJe de 16/3/2023). 7. Estando presentes fundamentos aptos a exasperar a pena na primeira fase acima do patamar sedimentado por esta Corte para cada circunstância judicial negativa, deve ser mantida a pena-base do crime de integrar organização criminosa em 5 anos e 6 meses de reclusão, não se vislumbrando ilegalidades nas fases posteriores da dosimetria. 8. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 802.312/AC, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 18/9/2023, DJe de 21/9/2023.) (negritou-se) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ARMADA, COM PARTICIPAÇÃO DE ADOLESCENTE E CONEXA A OUTRAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS (ART. 2º, §§2º E 4º, I E IV, DA LEI N. 12.850/2013). PORTE ILEGAL DE ARMA (ART. 16 DA LEI N. 10.826/2003). DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. APLICAÇÃO SUCESSIVA DAS CAUSAS DE AUMENTO. MOTIVAÇÃO CONCRETA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Na esteira da orientação jurisprudencial desta Casa, por se tratar de questão afeta a certa discricionariedade do magistrado, a dosimetria da pena é passível de revisão em habeas corpus apenas em hipóteses excepcionais, quando ficar evidenciada flagrante ilegalidade, constatada de plano, sem a necessidade de maior aprofundamento no acervo fático-probatório. [...] No caso, o aumento pela culpabilidade está devidamente justificado, porquanto o fato de o paciente integrar grupo criminoso de organização complexa, e que pratica uma diversidade de crimes, inclusive hediondos e violentos (Comando Vermelho), desborda do tipo penal. 4. Ademais, quanto às circunstâncias do delito, ao apontar os motivos para desfavorecer esse vetorial, as instâncias ordinárias relataram a atuação da organização dentro e fora dos presídios, a ordenação de morte de desafetos, o planejamento de rebeliões e massacres que atrapalham a formação de uma consciência coletiva de recuperação, e que resultam em mortes realizadas com extremada crueldade, resultado das personalidades agressivas dos integrantes da organização, ações que são usadas também como meio de intimidação coletiva, parecendo-me, portanto, suficientemente fundamentado o aumento operado na origem. [...] (AgRg no HC n. 601.992/AC, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 1/12/2020, DJe de 16/12/2020.) No caso dos autos, o fato de o apelante integrar uma organização criminosa de alta periculosidade e amplo alcance territorial, com histórico de violência em seus atos, revela uma culpabilidade mais acentuada do que aquela já inerente ao tipo penal, justificando o incremento da pena-base. Vale destacar que o incremento de 01 (um) ano e 01 (um) mês na pena-base foi proporcional à gravidade da circunstância judicial negativamente valorada, especialmente considerando que a pena cominada para o crime varia de 03 (três) a 08 (oito) anos de reclusão, portanto, com uma margem de apenamento de 05 (cinco) anos. Outrossim, em que pese o apelante argumentar ser réu primário e não possuir antecedentes criminais, tais circunstâncias já foram consideradas favoráveis pelo juiz sentenciante na dosimetria da pena, não havendo valoração negativa quanto a esses aspectos. Quanto à alegação de inexistência de circunstâncias agravantes, cabe ressaltar que o magistrado não reconheceu a presença de agravantes na segunda fase da dosimetria, mantendo a pena intermediária no mesmo patamar da pena-base. Portanto, não há que se falar em reforma da sentença nesse ponto. Dessa forma, tendo sido a pena do apelante fixada dentro dos parâmetros legais e de forma fundamentada, respeitando os princípios da proporcionalidade e da individualização da pena, não há razão para sua redução ao mínimo legal. Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso: [...] Quanto ao crime de integrar organização criminosa considerando a circunstância desfavorável no tocante à culpabilidade por se tratar de acusados integrantes de facção criminosa altamente estruturada e que pratica uma diversidade de crimes, no caso, o "Comando Vermelho". Resta, portanto, evidente o maior grau de censura da conduta dos apelantes, o que permite o incremento da reprimenda em razão da culpabilidade. Ainda, consoante a jurisprudência deste Superior Tribunal, quanto “o vetor da culpabilidade por se tratar de acusado integrante de facção criminosa altamente estruturada e que pratica uma diversidade de crimes, no caso, o "Comando Vermelho". Resta, portanto, evidente o maior grau de censura da conduta do paciente, o que permite o incremento da reprimenda em razão da culpabilidade.” (AgRg no HC n. 802.312/AC, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do Tjdft), Sexta Turma, julgado em 18/9/2023, DJe de 21/9/2023), justificando, assim, a exasperação. (N.U 1006040-66.2023.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Vice-Presidência, Julgado em 25/04/2025, Publicado no DJE 25/04/2025) Diante disso, nego provimento ao recurso neste ponto, mantendo a pena-base fixada pelo juízo a quo. Ante o exposto, em consonância com o parecer ministerial, rejeito as preliminares suscitadas e, no mérito, nego provimento aos recursos de apelação criminal interpostos por William Fernando Almeida Campos, Raul Gabriel Marques e Márcio Henrique Anton Moesch, mantendo inalterada a sentença ora vergastada. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 08/07/2025
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