Processo nº 1000898-64.2024.8.11.0004
ID: 278905543
Tribunal: TJMT
Órgão: JUIZADOS ESPECIAIS DE BARRA DO GARÇAS
Classe: REPRESENTAçãO CRIMINAL/NOTíCIA DE CRIME
Nº Processo: 1000898-64.2024.8.11.0004
Data de Disponibilização:
26/05/2025
Polo Passivo:
Esta unidade judiciária possui competência plena no que atine às lides ambientais, cumulando-a com os Juizados Especiais (Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública) e o Juizado Volante Ambiental – JUVAM…
Esta unidade judiciária possui competência plena no que atine às lides ambientais, cumulando-a com os Juizados Especiais (Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública) e o Juizado Volante Ambiental – JUVAM (artigo 1º do Regimento Interno do JUVAM-MT ano 2012/2013), por isto e inspirado em trabalho que o JUVAM de Cáceres realizou há anos, após inúmeras reclamações sobre a possível recalcitrância de agentes públicos da Comarca de Barra do Garças em atuarem nos casos de maus-tratos e abandono de animais não humanos (domésticos e silvestres) - de agora em diante citados apenas como animais, necessário foi abrir um canal direto entre os cidadãos e a unidade judiciária para recebimento de notícias (delatio criminis) de eventuais infrações desta natureza, quase sempre apontando possíveis práticas do delito previsto no artigo 32 da Lei 9.605/1998, atendimento público que se agasalhou fulcrado na inteligência dos artigos 5º e 6º do Regimento Interno do JUVAM-MT (2012/2013) e do artigo 39, § 4º, do CPP, este conjugado com o artigo 40 do mesmo diploma, todos sustentados pela consagração da dignidade animal no artigo 225 da CF/1988, conforme já assentado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), além de ser um dever funcional e ético, nos termos da interpretação do artigo 66 da LCP e artigo 2º do Código de Ética da Magistratura Nacional, este último aqui invocado porque não há como se negar que referida medida sopra vida à busca da “plena realização dos valores democráticos” ao se garantir o integral exercício da cidadania (artigo 1º, II, da CF/1988) à verdadeira razão existencial do Estado, qual seja, o próprio cidadão, permitindo a todos materializarem o direito de petição descrito no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea a), da Lex Legum brasileira. Os protestos afetos à indicada resistência das instituições da área de segurança pública (Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e Polícia Judiciária Civil) de Barra do Garças em atenderem às notícias de maus-tratos, crueldade e abandonos de animais no Município implicavam e implicam no apontamento de sério descumprimento dos deveres constitucionais e legais por parte dos agentes que as representam, visto que o artigo 144 da Carta Magna não deixa margem de dúvidas quanto às suas incumbências, notadamente os incisos IV e V, atribuições que foram reforçadas pelas Leis 14.751/2023 (Polícias Militares e Corpos de Bombeiros – destacando-se o artigo 4º, Inciso, I) e 14.735/2023 (Polícia Judiciária Civil – valendo a pena ler o seu artigo 5º, inciso XI), não se olvidando que desde 2014 a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso são regidos pela Lei Complementar Estadual 555/2014, enquanto a Lei Complementar Estadual 407/2010 trata da Polícia Judiciária Civil do mesmo Estado, merecendo atenção especial o artigo 46, § 2º, da LCE 555/2014 e o artigo 7º da LCE 407/2010. As increpações sociais de que referidos órgãos não estavam se prestando ao papel de recepcionar ocorrências vinculadas aos maus-tratos, abandono e crueldade de animais, não foram e/ou são algo tópico e esporádico, pois reiteradas e descortinando uma aparente prática sistêmica por parte de certas repartições públicas da comarca de Barra do Garças, alusões que ganharam reforço ao se perceber que dadas situações eram indevidamente declinadas para os cuidados de particulares, precisamente pessoas estranhas aos quadros de servidores, na maioria das vezes tratando-se do senhor Francisco Cândido da Silva, já falecido, conhecido como “Garrincha”, por isto forçosa foi a criação do supramencionado atendimento para colheita deste tipo de ocorrência e demais queixas dos cidadãos, a fim de registrar as demandas eventualmente reprimidas, vez que a Vara Ambiental/JUVAM se tornou uma confiante via para os jurisdicionados barra-garcenses serem atendidos. Esclareça-se que pesquisa no banco de dados da unidade judiciária abarcando os 03 (três) últimos anos sobre procedimentos relativos a maus-tratos, crueldade e abandonos de animais, apontou que no ano de 2023 houve uma redução de 40% (quarenta por cento) do número de procedimentos ao se comparar com 2022, enquanto após o início dos atendimentos pelo JUVAM no ano de 2024, mesmo sem grande publicidade e havendo um universo considerável da população ainda ignorando o novel canal, ocorreu um aumento de 233% (duzentos e trinta e três por cento), ainda é pouco diante do quadro delicado que permeia a comarca neste aspecto. Constatado no início do aludido ano de 2024 o parco número de procedimentos no ano anterior e envolvendo os crimes sob enfoque, mesmo depois do advento da Lei Sansão que alterou o artigo 32 da Lei 9.605/1998, permitido foi (ainda é) atribuir relevância às altercações “populares” ao bradarem a negativa do aparato de segurança pública em se ocupar de tais delitos, bastando visitar alguns dos feitos que tramitaram nesta vara, em especial os relatos das testemunhas durante às audiências de instrução, para se ter um vislumbre dos fragmentos de uma irregular postura adotada por agentes públicos de Barra do Garças desde o ano 2015, v.g.: “Uma coisa me chamou a atenção, naquele período era prática, ou práxis, dos agentes da área de segurança pública encaminharem este tipo de demanda para o Garrincha, conhecido como Garrincha e a ONG dele?” (juiz). “Quando eu mudei para Barra em 2015... eu tive um caso na casa onde eu morava, do lado do meu vizinho e pedi socorro para a polícia, foi quando a polícia não me deu atenção, aí eu me diligenciei com a Márcia Bitencourt, aí fui prontamente atendido pelo comando, o comando na época pediu para que eu tratasse diretamente com a Tenente Coronel Andreia, na época ela era major da Força Tática, aí ela explicou que havia muitas denúncias que realmente eram maus-tratos, como a equipe deles era pequena, eles tinha dificuldades de dar assistência, então eles só iriam depois de muita insistência, ou muitas vezes eles mesmo falavam, procuram o Garrincha, o Garrincha vai averiguar se é ou não, se caso o Garrincha pautasse, então eles iriam, no sentido de não perder tempo né, em uma diligência, algo neste sentido, por isto que eu acabei conhecendo o Garrincha.” (testemunha). “Estes episódios se repetiram quantas vezes ao longo do período que o senhor permaneceu, esta rotina?” (juiz). “Média de 02 (duas) ou 03 (três) vezes por semana, nós tínhamos estas ocorrências que chegavam até a OAB.” (testemunha). “Média de 02 ou 03 vezes por semana, ao longo de 08 (oito) anos, o senhor mencionou?” (juiz). “06 (seis) anos, média de 06 (seis) anos.” (testemunha). “O senhor recebe este tipo de reclamação, a gente está falando do ano de 2020, a Polícia Militar direcionava este tipo de reclamação para o senhor atender, era isto?” (juiz). “Aconteceu pouca vez, neste ano o único causo acho que foi o dele. Agora ultimamente, tem acontecido bastante caso agora, mas nos anos atrás quase que não, a polícia também não abraçou esta causa, ninguém estava abraçando esta causa, primeiro que começou a abraçar foi a OAB, maus-tratos, aí eles começou a andar, mas assim, nunca, nunca teve muita coisa não, muito devagar, agora ultimamente que tá assim, parece que as pessoas tá mais interessada, mas toda vida foi muito desleixado, você levava uma denúncia para a Polícia Civil, eles não aceitavam, a PM também não aceitava, então a OAB sempre aceitava, falava, não, nós vamos lá e vamos ver.” (Francisco Cândido da Silva – Garrincha). Registraram-se outras declarações que são deveras preocupantes, algumas consistentes em ameaças partidas de agentes públicos contra cidadãos que utilizaram o JUVAM para reclamarem de suas omissões, quebra do caráter sigiloso de procedimento com a revelação indevida de quem foi a autora da denúncia para o superior hierárquico - causando a demissão (ato sinalizado como forma de retaliação) do cargo comissionado, negativa expressa de atendimento, encaminhamento dos cidadãos para demais instituições (vulgarmente conhecido como “jogo de empurra”), entre outros episódios desabonadores, os quais não se enunciam circunstanciadamente nesta defesa para fins de proteger os envolvidos. Cônscio desta realidade caótica e perigosa, garantiu-se a confidencialidade dos dados e elementos identificadores de algumas pessoas autoras de denúncias (sentido comum), geralmente a pedido, cujas qualificações são identificadas apenas no âmbito interno e sigiloso da vara ambiental, o que se mantém para eventuais constatações no caso de possíveis “pescadores de águas turvas” questionarem a origem dos aludidos feitos e na hipótese de vir a ocorrer, miraculosamente e no âmbito estadual, alguma investigação neutra e séria sobre esta indigesta condição. Evidentemente não se olvida ser o anonimato garantido pelo nosso ordenamento jurídico, mas é imperioso registrar que além do gabinete da unidade jurisdicional em tablado realizar um “filtro” para selecionar os fatos que realmente exalam atos de maus-tratos, abandono e crueldade contra animais, promovendo orientações nas hipóteses que exigem mero esclarecimento, a proteção dos cidadãos por meio da referida confidencialidade não é um excesso de zelo, pois Barra do Garças possui problemas institucionais profundos e inquietantes, afetando de forma impiedosa as pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica, prevalecendo uma postura reativa do sistema local contra quem enfrente os questionáveis interesses que são guarnecidos por uma notável - dado que por parte de alguns é publicamente ostentada no intuito de propagar o medo, angariar prestígio e ilustrar poder - teia de relações composta por diversos agentes públicos. Não menos relevante registrar que se o próprio julgador atualmente encontra-se submetido à regime especial de proteção determinado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que ao promover investigação sobre os chocantes eventos levados ao seu conhecimento, atestou, por meio do Departamento Nacional de Polícia Judicial, elevado grau de risco, o que subsidiou decisão por parte do Comitê Gestor do Sistema Nacional de Segurança do Poder Judiciário, não convindo anotar aqui os detalhes, em função dos patentes efeitos deletérios que poderiam surtir para a plena concretude do artigo 10, artigos V e VII, da Resolução 435/2021, merecendo alusão apenas que os vários fatos causadores desta proteção envolvem agentes da área de segurança pública e membros de Poder, daí com maior razão a necessidade de se resguardar a integridade física dos cidadãos “comuns” que ainda possuem coragem de “denunciar” pretensos abusos. Grande parcela da população vulnerável das cidades que compõem a Comarca de Barra do Garças sofre com uma exequível parcimônia das instituições públicas que estão naturalizando alguns episódios reclamando perquirição oficial, por mais desleixado que fosse o ato apuratório, contudo, certos contextos englobam justamente parte dos agentes públicos obrigados a promover tais investigações, enquanto outros acontecimentos beneficiam os que comodamente insistem em fazer “ouvidos de mercador” para os clamores da “plebe” não participante do restrito círculo de pessoas privilegiadas da região. Certamente os animais também são afetados, e muito, com esta inusual seletividade que contagiou alguns órgãos da Comarca de Barra do Garças, havendo um viável desinteresse em garantir o bem-estar da fauna doméstica desamparada, pois as situações englobando animais em condições de maus-tratos, abandono e crueldade atingiu cronicidade inaceitável, algo que sabidamente não é segredo, de maneira oposta, manifesta é a falta de políticas públicas concretas e voltadas aos especiais e “invisíveis” habitantes dos municípios abrangidos pela comarca, excetuando-se a cidade de Pontal do Araguaia, pois recentemente inaugurou aparentes medidas de bem-estar animal. Cabe elucidar que a Vara Ambiental/JUVAM fez abordagem compatível às suas limitações operacionais, empregando a promoção de reuniões com certos gestores municipais e expedições de ofícios, atuações institucionais que se provaram débeis, porém pretendiam fomentar assunção de responsabilidades, vez que públicas e notórias as inações concernentes a tratamentos dignos aos citadinos não humanos dos respectivos Municípios, algo constatável em contendas judiciais. Realizada a colheita das notícias trazidas pelos cidadãos quando sinalizam práticas de maus-tratos, crueldade ou abandono contra animais, havendo necessidade aciona-se primitivamente a Polícia Militar ou o Corpo de Bombeiros Militar, observando-se o espírito do artigo 4º, III, da Lei 14.751/2023, contudo e via de regra, depois de instaurado procedimento preliminar os fatos são subordinados ao crivo da Polícia Judiciária Civil de Barra do Garças, que tem como uma de suas diretrizes cooperar com os órgãos da justiça criminal (artigo 5º, XIII, da Lei 14.735/2023) para as apurações devidas, não se requisitando imediatamente a instauração de inquérito ou lavratura de TCO, justamente no intuito de prestigiar referida instituição e permitir aos seus agentes responsáveis expurgar a percepção de agirem com menoscabo nestes tipos de ocorrências, adotando-se o prazo de 24h (vinte e quatro) horas para respostas nos casos que envolvem cães ou gatos, visto que é justamente o lapso temporal definido para a autoridade policial comunicar o juiz sobre eventual prisão e viabilizar realização de audiência de custódia (artigo 306, § 1º, e 310, ambos do CPP), que fora dos plantões é ato de responsabilidade da própria vara ambiental, concedendo-se posterior vista ao MP a fim de se manifestar. O artigo 6º do Regimento Interno do JUVAM 2012/2013 não pode ser objeto de leitura rasa, pois crimes de maus-tratos contra cães e gatos devem ser, desde o advento da mencionada lei Sansão, objeto de inquérito policial podendo gerar prisão em flagrante, hipótese em que incide o § 2º do referido artigo 6º. Pertinente esclarecer que neste cenário, com a instauração do procedimento preliminar decorrente da notícia de crime (delatio criminis na maioria das vezes) aportada no JUVAM, mobiliza-se a prestação jurisdicional, ou seja, o Estado-Juiz sai da sua inércia para solver o conflito apresentado, tendo em vista o cidadão estar exigindo que o Estado-Administração investigue condutas aparentemente ilícitas, buscando a pessoa noticiante a plenitude do seu direito à segurança pública (artigo 144, caput, da CF/1988) no exercício da cidadania (art. 1º, II, CF/1988), vez que os canais apropriados (em regra a PM, CBM e a PJC) criados para tanto, negaram-se em promover a reta, eficiente e imparcial apuração, procedimento que não segue os moldes do processo civil como se estivesse lidando com direito disponível. Necessário elucidar que após atuação do JUVAM em face da negativa de atendimento dos órgãos de segurança pública (PM, CBM e PJC), observou-se a existência de fortes indicadores de atuação meramente protocolar por parte dos delegados responsáveis, brotada do reconhecimento de uma factível inação em se envidar diligências compatíveis com os episódios a serem equacionados e a natureza dos plausíveis delitos, ou melhor dizendo, em regra maneja-se precários atos investigativos gerando fundamentação solteira de base empírica e conjunto probatório hábil, cujas manifestações se apresentam irrigadas quase que totalmente por alta carga de subjetividade, sempre direcionada a prevalecer a versão que convém ao arquivamento, na maioria das vezes contendo marcadores de que a autoridade policial negligenciou o espírito do artigo 144, § 4º, da CF, fazendo tábula rasa do artigo 6º do CPP, deixando de adotar qualquer uma das providências ali descritas quando eficazes à elucidação da potencial ilicitude, por meio de ato inculcando arbítrio travestido de uma pretensa discricionariedade, porquanto todas decisões administrativas devem ser fundamentadas/motivadas, mesmo nas hipóteses em que se “abre mão” de diligência teoricamente apta a contribuir com a busca da verdade real (artigo 4º, VII, da Lei 14.735/2023), visto que a investigação criminal se trata de função de natureza jurídica, por isto cabe ao Delegado de Polícia a requisição de perícias, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos, nos termos do artigo 2º da Lei 12.830/2013, ressaltando-se que mera interpretação gramatical demonstra ter sido a palavra “cabe” utilizada para fins de se atribuir um dever e não uma faculdade ao agente público em questão, atos investigativos abolíveis somente quando demonstrada, de forma cabal, a impossibilidade jurídica, técnica ou fática de suas realizações. Na maioria dos procedimentos, não há qualquer laudo de exame de corpo de delito, requisição de arquivos de possíveis câmeras de vigilância, análise de eventuais vídeos e imagens juntadas pelos interessados noticiantes, perícia quanto aos animais envolvidos, ao passo que quase sempre a autoridade policial opina pela inexistência de fato típico com base em impressões pessoais, utilizando o resultado da própria falha para sustentar a sua compreensão. A leitura que nesta decisão se faz do artigo 225 da CF/1988, dispositivo aplicado timidamente no âmbito do Poder Judiciário Brasileiro, certamente impregna a exegese das normas inferiores, visto que a ordem jurídica vigente contém princípios caros aos direitos dos demais seres vivos distintos da humanidade, merecendo alusão o princípio da dignidade animal, princípio da universalidade, princípio da educação animalista e princípio da substituição. Certamente o primeiro é o de maior relevância, ele implica a consagração de que animais apresentam uma dignidade intrínseca a ser respeitada e ponderada, verdadeiro e obrigatório fio condutor das ações dos agentes públicos ao cumprirem deveres funcionais, independentemente do que nutram em suas insondáveis mentes ou juízos de valor que façam, cuidando-se de um dever ético concretizar o desejo de Jeremy Bethan quando enunciou que talvez “chegue um dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos que jamais poderiam ter-lhe sido negados, a não ser pela mão da tirania”, sendo sim o Poder Judiciário uma seara apta a receber notícias de maus-tratos contra animais, como se aduziu invocando o artigo 6º do Regimento Interno do JUVAM 2012/2013. Faz tempo que estabeleceu-se critérios básicos para se identificar crueldade, maus-tratos e abuso de animais, não podendo o agente público agir com esteio nas suas tacanhas percepções ou ao seu alvedrio realizar delimitações de cunhos eminentemente subjetivas, deve em tais situações, inicialmente observar as 05 (cinco) liberdades do bem-estar animal, quais sejam: a) a liberdade de sede, fome e má nutrição; b) a liberdade de dor e doença; c) a liberdade de desconforto; d) a liberdade para expressar o seu comportamento natural e e) a liberdade do medo e do estresse. Suprimida ou indevidamente mitigada qualquer destas liberdades, está-se diante de indícios razoáveis de maus-tratos, abandono ou crueldade, realizando-se investigações e diligências profundas, mediante instauração do pertinente inquérito - nos casos de gatos e cães -, ou no âmbito do TCO. Investigar a prática de maus-tratos, abandono ou crueldade de animais não é uma tarefa que percorre o mero julgamento íntimo da autoridade envolvida, há um itinerário próprio que serve como elemento de apoio para se lavrar uma decisão e aferir, objetivamente, dados relevantes. No que diz respeito aos cães e gatos, preciso é avaliar os indicadores de saúde e qualidade de vida do animal (havendo mais de um, deve ser individualizada a avaliação), considerando os três elementos básicos da Saúde Única: animal, ambiente e pessoa responsável. Em relação ao animal em si, carece observar, minimamente, os critérios físicos diretos (escore corporal, pelagem e presença ou não de ferimentos) e indiretos (tipo de alimentação – ração, restos de comida, etc - , água – quantidade, qualidade e disponibilidade), bem como os critérios comportamentais diretos (comportamentos anormais e/ou repetitivos sem função aparente – estereotipias, resposta do animal às tentativas de aproximação - amistoso, amedrontado, agressivo, indiferente ou neutro, incapaz de interação normal em decorrência de fraqueza, inação ou doença) e indiretos (comportamento do animal em presença do proprietário, tipo de interação com outros animais do ambiente). A pelagem deve ser brilhante, farta e cobrir todas as partes do corpo, sem presença de manchas, hematomas, lesões avermelhadas, áreas emaranhadas (nós) ou extremamente oleosas, descamação intensa, crostas, feridas de mordida, abscessos ou feridas infectadas com pus, sem evidenciar ectoparasitas externos em excesso como pulgas, carrapatos ou larvas de insetos, se atentando para o fato de que a má aparência da pelagem também pode indicar desnutrição ou alimentação de má qualidade, cabendo verificar se o animal apresenta lambedura compulsiva em alguma parte do corpo, comportamento que pode ser indicativo de doença de pele ou dor local. Os olhos devem se apresentar brilhantes, transparentes e bem abertos, sem apresentar inchaço ou vermelhidão nas pálpebras, tampouco coceira ou algum sinal de dor e/ou inflamação ocular (piscar com frequência, olho vermelho, secreção ocular espessa, dificuldade de manter os olhos abertos aversão à luz – fotofobia), sendo óbvio que necessário se faz verificar se o animal enxerga. As orelhas precisam estar uniformemente cobertas com peles no exterior, enquanto na parte interna deve estar limpa, com a pele clara, sem odor forte e sem secreção purulenta ou acumulação excessiva de cera no canal auditivo, cuidando-se de medida imperiosa avaliar se o animal apresenta sinais de dor nos condutos auditivos (desvio ou tremor de cabeça, coceira intensa, animal evita contato na cabeça). Locomoção e sistema nervoso não podem escapulir de uma reta análise, cabe observar se o animal caminha normalmente, não esboçando claudicações, tremores, relutância em se apoiar em algum membro, se há inchaço ou edema em alguma parte do corpo, se o equilíbrio é normal, se há inclinação ou desvio de cabeça, se as unhas estão extremamente grandes ou curvadas, se não se levanta durante a visita, confirmando se o animal apresenta algum tremor, desequilíbrio, tremor em algum músculo ou "trismo" na boca (bate os dentes), convulsões, se pressiona a cabeça na parede, se tem a cabeça virada para algum lado, cegueira, etc. Cuida-se de postura negligente e denotadora de inaptidão para o ofício não verificar o trato digestório e a boca do animal, constatando se há presença de fezes grudadas ao pelo ou nas áreas genitais, secreções, prolapso retal, se há muitas moscas próximo à área genital, edemas de testículos ou na região da vulva, se o abdômen está distendido ou se há sinais de diarreia ou vômito, ou algum comportamento anormal de apetite, como ingestão de madeira, tijolo, terra, areia, ou outros produtos não alimentares, devendo a boca estar livre de secreções, inchaço, salivação excessiva, espessa ou com mau odor, cumprindo examinar se há desvio de mandíbula ou se a há excesso de tártaro ou sinais de periodontite, inflamação nos dentes e gengiva levando a dor na boca (dificuldade de comer, tremor na boca, mau odor). Uma obviedade dizer que é preciso verificar o trato respiratório, a fim de constatar se o animal apresenta alguma dificuldade respiratória, respiração ofegante, respiração com a boca aberta, se há secreção nasal espessa ou purulenta, se há tosses ou espirros ou se apresenta sangramento nasal. Quanto ao ambiente, inarredavelmente a autoridade avaliará se o animal vive em espaço interno ou externo, a limpeza do seu habitat, temperatura do espaço destinado, ventilação, existência e higiene do comedouro/bebedouro, dejetos, fezes e urina no local, condições de habitação, limpeza, tipo de abrigo e confinamento, descrição da cena/achados, com imagens e vídeos, averiguar se existem evidência físicas, biológicas, armas (porretes, cintos, fios etc), manchas de sangue, período em que o animal é mantido sem se socializar com outros e permanece isolado, emprego do animal para atividades laborais (segurança, companhia, lavoura etc) dentre outros elementos relevantes para aferir acomodação digna. Referentemente ao tutor ou responsável pelo animal, preciso é averiguar se este apresenta comportamento dócil ou aversivo ao primeiro, como reage (amistoso, agressivo, neutro, assustado) a aproximação do tutor, anotando tais comportamentos em relação à estranhos para comparação, notadamente se há presença de sinais de medo (rabo entre as patas, tremor, fuga, oculta-se etc). Cães precisam de água fresca e limpa acessível por 24h (vinte e quatro horas), devendo ser alimentados pelo menos uma vez por dia com alimentos específicos e obviamente de boa qualidade em quantidade adequada, assegurando-lhes hígido desenvolvimento e manutenção corporal saudável. O abrigo externo deve garantir proteção contra frio, sol, chuva, calor e demais intempéries ambientais que possam afetar sua integridade física e mental, por isto, necessário se faz que sejam adequadas ao porte do animal, ou seja, grandes o suficiente para permitir acesso e movimento sem restrições, sendo vedado o uso de correntes e cordas para contenção, salvo quando for temporariamente imprescindível (mediante comprovação), exige-se o uso de coleira específica (folgadas o bastante para passar dois dedos entre a coleira e o pescoço) e arame estendido para permitir o máximo de mobilidade de movimentos ao cão, o qual deve ter acesso contínuo a alimento, água e abrigo. O local frequentado pelo cão deve estar livre de fezes acumuladas e urina, ao passo que vedado é permanecerem por longos períodos isolados de contatos com outros animais ou seus tutores, havendo recomendação de que não ultrapassem 08 (oito) horas, pois são animais sociais que possuem necessidade psicológica de estarem com suas famílias humanas. Nota-se, assim, que existem alguns indicadores que apontam fortes indícios de maus tratos e estão vinculados à aparência, condições de habitação e comportamento, as quais uma vez confirmadas sem que o tutor tenha anteriormente procurado tratamento médico-veterinário, acenam para a prática de maus-tratos pelo desvalor dado à integridade física e vida do animal, instrumentalizando-o para fins de atendimento do interesse humano, passível de descarte e troca por outro em caso de morte. Os critérios elencados no item anterior são os sobrelevados quando do recebimento das notícias por parte da equipe do JUVAM, não se cuidando de ato arbitrário, por isto, na hipótese versada, frente ao que foi relatado pela noticiante e uma vez encaminhadas fotos do animal, ponderou-se 02 (dois) dos 03 (três) elementos básicos da saúde única, o animal em si e o ambiente registrado, estando visível que pelos critérios físicos diretos (escore corporal, pelagem e presença ou não de ferimentos) haviam fortes indicadores de maus-tratos, o mesmo se dando no tocante ao ambiente, já que a limpeza do seu habitat, a ausência de higiene, a presença de dejetos, fezes e urina no local, além da constante exposição ao sol, robustecia os indícios e apontaram a imperiosa necessidade de se adotar medidas urgentes para salvaguardar a integridade física do cão, dado que a noticiante mencionou que há dias ele se encontrava naquele estado. Revolvimento dos autos e análise de parte dos “prints” das conversas (ID 139868790) confirmará que a cidadã tentou vários canais a fim de relatar a situação, saindo frustrada em seu intento, por isto manteve contato com o JUVAM, cujo atendimento foi prestado, precisamente por volta das 13h, tendo o servidor se valido do que determina o artigo 3º c/c o artigo 5º, ambos do Regimento Interno do JUVAM 2012/2013, por isto contatou por telefone a PM e PJC tão logo soube da situação, para fins de verificarem os fatos, sendo que uma vez acionada a Polícia Militar para averiguação, inicialmente houve resistência, todavia e após orientações da equipe de assessores do gabinete, se deslocaram até o local e disseram que nada poderiam fazer, motivando que não havia ninguém na residência, momento em que postularam ordem verbal para ingresso, pois apenas um portão enferrujado (ID.139868790 página 04) os separava do animal, pretensão negada e somente deferida após formalização dos atos por volta das 16h. Ocorre que depois da atuação dos agentes da Polícia Militar, a Polícia Judiciária Civil resistiu em atender a ocorrência mediante negativa do delegado plantonista, sob o argumento de não ter local para destinação do animal, conforme se constata do relato prestado pelo oficial do dia Tenente Welison (Áudio anexo), sendo que depois de muito desgaste, a PM finalmente logrou entregar os conduzidos e o cão, tendo o delegado plantonista asseverado não ser caso de flagrante por falta de elementos apontando serem as lesões provocadas por ações diretas dos tutores (ID. 140286207, pág. 06), nada falando sobre eventuais omissões, desconsiderando por completo os critérios acima elencados e, o que é pior, assim se portou mesmo constatando que o animal fica em ambiente cheio de fezes, matéria orgânica que atrai o mosquito-palha, vetor da leishmaniose e que o estágio avançado da doença é um sinal claro da falta de suporte médico-veterinário, configurando maus tratos nos termos do artigo 5º, inciso IV, da Resolução 1236/2018 do CFMV, como se depreende da imagem abaixo ilustrada: Além de meras oitivas, nada existe nos autos que corrobore tais versões e desmistifique os indícios presentes, calhando destacar que não se pode invocar condições financeiras como excludente de antijuridicidade e/ou culpabilidade, muito menos para fins de alegar falta de tipicidade de condutas passíveis de se amoldarem a tipos penais, especialmente quando se deixou o cão atingir estado deplorável omitindo-se em buscar qualquer tipo de tratamento adequado, além de deixá-lo em ambiente insalubre e exposto ao sol sem abrigo, rotina percebida por transeunte que o avistava diariamente em tais condições, por isto denunciou a situação. Não se está a realizar um juízo de valor definitivo, contudo, exige-se a busca de certezas sobre o que se afirma para fins jurídicos, sendo imprestável mera opinião pessoal de agente público que mantenha contato com os eventos, lançando conjecturas desamparadas de lastro técnico-científico e ilustrando certo descontentamento em se debruçar sobre a ocorrência, visto que foi justamente a negativa de atender a população que fomentou a busca do JUVAM para socorrer o legítimo direito de petição de todo e qualquer cidadão. Para não flertar com a leviandade, exime-se de grafar um juízo de certeza, entretanto, a forma como PM, CBM e PJC tem lidado com delitos envolvendo animais como vítimas em Barra do Garças, autoriza eclodir a ideia de que não desejam se ocupar com tais crimes, como se a integridade e vida dos seres sencientes distintos dos humanos estivesse num patamar inferior e desmerecessem a proteção do Estado, fazendo do artigo 225 da CF e artigo 32 da Lei 9.605/1998 quase letras mortas na comarca, pois num primeiro momento os indícios apontaram obstáculos para se noticiar os fatos oficialmente perante as instituições mencionadas, contudo, o JUVAM passou a servir como via para tanto, daí, uma vez acionados pelo Poder Judiciário, causa-se a impressão que a estratégia dos órgãos é agir de modo apenas e tão somente a obter narrativa válida para subsidiar o arquivamento do procedimento, pois o que tem prevalecido em tais feitos é a simples versão fática desculpista dos apontados autores(as), sem que se realize qualquer comparação com outras provas, ou mesmo atue-se no intuito de confirmar a versão muitas vezes alegórica, em resumo, omite-se em apurar o fato, mimetiza-se uma investigação, depois alega-se falta de provas, sem que tenha sido exaurida todas as medidas válidas para se concluir seguramente quanto ao que realmente sucedeu. Acolher, sem qualquer análise jurídica e objetiva, as deliberações promovidas nestes autos, implica em anuir que seja imantada com caráter superlativo à discricionariedade no âmbito das investigações criminais, a ponto de se permitir, irresponsavelmente, a inércia da autoridade policial ao invés de exigir dela que promova uma clara, objetiva e segura elucidação dos eventos, o que deturpa o sistema de justiça penal por conferir a possibilidade de se constituir crime não um fenômeno fáctico-jurídico previamente definido em lei, mas sim o que o agente público dotado da atribuição de investigar seleciona contingentemente, hipótese em nada passível de se amoldar a pretenso “livre convencimento técnico-jurídico” (artigo 4º, VIII, da Lei 14.735/2023), aliás, o disposto no artigo 2º, § 6º, da supramencionada Lei 12.830/2013 é uma via de mão dupla, ou seja, o dever ali preconizado se aplica tanto para o indiciamento, quanto para o não-indiciamento e/ou, com maior imprescindibilidade, a própria negativa de se investigar o fato noticiado empregando todos os recursos disponíveis. Retardar uma diligência, ou mesmo não a materializar em tempo útil, protelar ou deixar de requisitar uma necessária perícia, não promover atos inadiáveis e urgentes ao esclarecimento dos casos que chegam ao seu conhecimento, enfim, qualquer conduta da autoridade policial direcionadora da investigação que reflita em prejuízo para uma formação, por parte dos demais órgãos do sistema de justiça criminal, assaz e segura, sobre à perfeita qualificação jurídica de um fato aparentemente típico, contém genuíno indício da inobservância do princípio da eficiência consagrado no artigo 37 da Constituição Federal e artigo 4º da LCE 407/2010 do Estado de Mato Grosso, sem embargo de poder ocultar ilicitudes mais severas disfarçadas numa imperícia propositalmente orquestrada, além de contrariar outros inúmeros dispositivos legais que regem a atividade investigativa, tais como artigos 158 usque 184 do CPP, artigos 4º, 5º e 6º da Lei 14.735/2023 e artigo 7º da LCE 407/2010. Não se pretende ingressar no mérito da capacidade técnica do agente público que não lavrou o flagrante, tampouco cogita-se fazê-lo, está-se a ocupar apenas e tão somente dos atos externados e adequadamente documentados no bojo dos autos do procedimento em voga, os quais no entender deste juiz não comprazem os pressupostos indispensáveis para subsidiar análise judicial sobre as condutas que foram escrutinadas e tachadas de indiferentes penais. Vale ressaltar que as autoridades policiais que mantiveram contato com os fatos, nem sequer materializaram o disposto no artigo 159 do CPP, tampouco deram vida aos artigos 158 usque 158-F do mesmo diploma, tratando a investigação com perceptível informalidade defesa em lei, ocasionando danos irreparáveis para averiguação do evento encaminhado aos cuidados da PJC de Barra do Garças, visto que muito embora nossos tribunais já tenham decidido que a falta de exame de corpo de delito direto não é causa suficiente para anular condenações por maus-tratos quando se obteve a prova por outros meios (STJ; AgRg no HC n. 763.428/MG, relator ministro Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, julgado em 19/6/2023, DJe de 22/6/2023), esta diligência não pode ser dispensada ao bel-prazer da autoridade policial, muito menos se valer da própria omissão funcional para sustentar ato concluindo pela atipicidade do fato, deixando de produzir provas relevantes capazes de alicerçar a decisão dos demais órgãos do sistema criminal. Nesse sentido, merece destaque que a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem se consolidando no sentido de exigir a realização de exame de corpo de delito, direto ou indireto, para as infrações que deixem vestígios, aceitando-se a sua dispensa tão somente em situações excepcionais que justifiquem a não confecção do laudo pericial, não podendo ser a inércia do Estado a exceção que justifique o suplemento da prova da materialidade (STJ - HC: 881971, Relator.: Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Data de Publicação: Data da Publicação DJ 04/06/2024). Face ao entendimento firmado pelas cortes superiores quanto à imprescindibilidade do exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios e nas hipóteses que simplesmente optou-se por não o fazer sem justa causa, tem-se que a displicência no trato com a apuração detém força para causar nulidades futuras. Semelhante compreensão serve para o caminho contrário, ou seja, assim como para a prolação de sentença condenatória nos crimes que deixam vestígios não averiguados por desídia dos agentes estatais, exige o devido processo legal o exame de corpo de delito direto, também compete à autoridade policial materializá-lo para sustentar seu ato de opinar pela atipicidade da conduta com base em vestígios materiais que atesta não serem provocações diretas dos supostos autores. Afora isto, operadores do direito atuantes na seara criminal possuem plena ciência de que corpo de delito é o local do crime com todos os seus vestígios, portanto a investigação destes dados compõe laudo confeccionado por peritos manejando alto rigor técnico, instrumento a que se atribui o nome de exame de corpo de delito, competindo aos profissionais analisarem todos os materiais deixados pela infração penal, a materialidade do crime, dinâmica dos eventos, em suma, o que pode ser objeto de inspeção por meio dos sentidos. Infrações que deixam vestígios materiais (delicta facti permanentis), tais como homicídio, lesões corporais, falsificação, estupro e maus-tratos de animais em dadas situações, subordinam-se ao exame de corpo de delito, não sendo concebível abordagem semelhante à direcionada aos crimes que por natureza se concretizam sem deixar tais “rastros materiais” (delicta facti transeuntes), sonegando aos que se enquadram entre os primeiros a incidência do artigo 158 do CPP. Compreende-se como local do crime não somente a área em que o fato aparentemente típico brotou, mas também o evento em si, por isto inarredavelmente deve-se questionar onde consumou-se, a sua natureza e o que realmente aconteceu, cujo mister do agente público é se debruçar sobre todos os vestígios deixados, mediante estudo sistemático, obedecendo a cadeia de custódia, até que se prove cientificamente a ausência de hierarquia para importância das provas. Se presta a prova a transformar suspeita em certeza, ainda que seja a suspeita de inexistência do delito, não podendo o fracasso da investigação ser fruto de um inadequado exame de corpo de delito, devendo as ações dos responsáveis serem de observar, descrever, colher e materializar vestígios, fotografar, filmar, promover exames médicos, usar bases científicas para, ao final, concluir laudo robusto, algo mui distinto de mero preenchimento de relatórios amadores e manifestações semelhantes a simples opiniões sem lastro técnico sustentando-as, aliás, no presente caso as condutas foram desidiosas em observar o disposto no artigo 6º da Resolução 1236/2018 do CFMV: “Em casos não previstos no caput do artigo 5º, os médicos veterinários procederão ao diagnóstico de crueldade, abuso e maus-tratos mediante exame de corpo de delito consubstanciado em laudo pericial ou parecer técnico, podendo incluir exames necroscópicos ou, em caso de animais vivos, a avaliação da saúde física e comportamental e do grau de bem-estar dos animais, considerando os conjuntos de indicadores nutricionais, ambientais, de saúde e comportamentais, validados em protocolos reconhecidos internacionalmente”. (Destaquei). Todos os aspectos científicos e objetivos acima levantados aparentam não possuir qualquer relevância para as autoridades policiais que atuaram neste feito, aliás, existem indicativos de que algumas que labutam em Barra do Garças, dentre elas os dois delegados que despacharam nos autos sob análise, podem ter sido negligentes quanto à reta apuração da morte de pessoa em confronto com forças policiais. Sabido e consabido que este magistrado nunca transigiu com ilicitudes que chegam ao seu conhecimento, ao passo que reprimir o crime não é uma autorização para que agentes estatais cometam irregularidades sob o argumento de combate à delinquência, pois não existe ilícito mais gravoso do que o nascido das mãos de quem exerça função pública, cuja remuneração é paga pelo povo, daí a razão de negar a violência policial ser o mesmo que cortejar a ignorância e má-fé, visto que grande parte da população tem no Poder Judiciário e Ministério Público a fonte de esperança de que serão protegidos contra os que possuem o monopólio da atividade armada, emprego da força física e métodos letais, por isto se coadunar com a falta de apuração adequada sobre confronto que gerou a morte de cidadão, jamais deve ser o papel de um magistrado, ele é fiel depositário de uma das mais nobres atividades delegadas pela nação, ou seja, o sacerdócio de julgar, missão impossível de ser plena se fingir a inexistência de algo que precisa ser esclarecido. Inúmeras foram as vezes em que por excesso ou descompromisso dos agentes públicos com a ordem legal este juiz anulou - a semelhança de diversos magistrados(as) atuantes no Brasil afora - prisões e ordenou expedições de ofícios para averiguação do comportar dos envolvidos, certamente não se pretende demonizar a atividade policial, pelo contrário, os agentes da PM e PJC merecem apoio quando seguem o reto caminho funcional, entretanto, dúvidas não podem pairar quanto à inexistência de crimes onde houver aparentes violações. No ano de 2023, precisamente em 25/09/2023, durante um plantão judicial, o magistrado que subscreve esta decisão analisou auto de prisão em flagrante (processo número 1009242-68.2023.8.11.0004) contendo informações sobre a morte de um dos envolvidos em pretenso confronto com policiais militares e como é trivial, avaliou as condutas dos participantes da ocorrência, medida imperiosa quando há informes nos autos de que houve emprego de métodos de força por agentes públicos (causadores de lesões, ou mortes dos que deveriam ser contidos), labor albergado por dever e não caridade, diga-se. O evento chamou a atenção em face da concatenação de atos redundantes na morte do senhor Thiago Henrique Lopes, bem como a irrelevância dada ao desfecho, visto que ele era figura conhecida na cidade e autor de diversos delitos, dentre eles vários furtos, quase sempre destinados a subsidiar seu vício em drogas, já tendo sido flagrado dormindo em um restaurante flutuante muito frequentado em Barra do Garças, conjuntamente com a sua companheira, aproximadamente 01 (um) dia antes da sua morte, episódio registrado pelo proprietário do estabelecimento ao gravar (Vídeo anexo) toda a situação, constatando que Thiago Henrique Lopes e sua acompanhante ingressaram no local para dormir e usar o ambiente climatizado, face à onda de calor que abatia Barra do Garças, não estando nenhum dos invasores portando arma de fogo. Quando percorreu os respectivos autos de prisão em flagrante este juiz notou que o despacho lavrado pelo delegado plantonista não teceu qualquer menção à morte do senhor Thiago Henrique Lopes, como se fosse um dado de somenos importância e não reclamando detalhada apuração, especialmente no que concerne à dinâmica dos eventos que resultaram no óbito, enquanto alguns pontos específicos despertaram aprofundamento, o primeiro consiste na informação de que o senhor Thiago Henrique Lopes não estava armado quando dialogou com o menor Herick Gabryel Sávio dos Santos, instante em que ele relatou à vítima estar sendo perseguido pela facção Comando Vermelho, confissão que tornou intrigante o conduta de alguém jurado de morte pelo CV possuir uma arma de fogo e deixar de portá-la para ao menos tentar se defender, optando por praticar crimes de roubo sem usar tal artefato bélico, situação que apresentou-se mais complexa em face de que no dia 19/09/2023 o senhor Thiago Henrique Lopes havia sido preso (autos 1009040-91.2023.8.11.0004) por porte ilegal de arma de fogo que foi apreendida e provavelmente não devolvida quando solto em 20/09/2023, ausente indicativos de que estava armado um dia antes da sua morte ao ser flagrado no referido restaurante, ou seja, esta nova arma tornou-se conhecida e surgiu no momento da abordagem por policiais da Força Tática. Leitura dos autos de flagrante demonstram que mesmo sendo perseguido por um agente da Polícia Judiciária Civil, que até efetivou disparos para o alto, ainda assim Thiago Henrique Lopes não revidou fazendo uso de arma de fogo, sendo que posteriormente, segundo consta, o local onde buscou refúgio se viu cercado pela Força Tática, composta por membros altamente armados e em considerável número, foi justamente durante este quadro nada favorável que Thiago Henrique Lopes teria sido tomado por uma insensatez, resolvendo confrontá-los com uma arma de fogo que nem sequer portava para se defender do CV, ocorrendo o aludido embate que resultou na sua morte. Animado pelo intuito de esclarecer as circunstâncias e deixá-las livres de qualquer dúvida sobre a retidão da postura adotada pelos agentes policiais que ceifaram a vida de Thiago Henrique Lopes, ao perceber uma aparente falta de esmero na elucidação da dinâmica fatal, este juiz ordenou diligência em caráter urgente, consistente em percorrer o itinerário feito por Thiago Henrique Lopes e averiguar todas as câmeras do percurso, a fim de constatar em qual momento ele obteve o revólver que estaria totalmente municiado. Referentemente à senhora Ana Caroline Oliveira dos Santos, foi mantida presa para fins de resguardar sua integridade física, vez que naquela ocasião era a única medida que restava diante do quadro preocupante que se apresentou, inclusive tendo a própria Defensoria Pública manifestado, informalmente, que este era o desejo dela. Tiveram contato com os fatos e ficaram cientes da morte do senhor Thiago Henrique Lopes, o delegado Adriano Marcos Alencar (solicitante do exame de necrópsia e responsável pela 1ª Delegacia de Polícia), o delegado José Mauro Dias de Souza (responsável pelo plantão do dia), o delegado Joaquim Leitão Júnior (trabalha no GAECO), o juiz Fernando da Fonsêca Melo e o juiz Marcelo Sousa Melo Bento de Resende. Uma leitura dos referidos autos da prisão em flagrante demonstra que depois da atuação deste magistrado não foram adotadas medidas a fim de garantir as diligências, tampouco verificada suas concretizações, ou se estavam em andamento para elucidar a morte do senhor Thiago Henrique Lopes, ficando evidente a falta de apuração célere do caso, postura que implica na perda de provas e prevalência da versão oficial, como se fosse algo insignificante, não podendo se descurar que Barra do Garças é uma cidade com pouco mais de 50.000 habitantes, por via de consequência episódios desta natureza ganham notoriedade, competindo encartar notícia que foi propalada sobre o evento, a fim de que a narrativa divulgada seja cotejada com o que os autos continham (Notícia). O inquérito policial destinado à descortinar o crime de roubo praticado por Thiago Henrique Lopes e sua companheira Ana Carolina Oliveira dos Santos, no dia em que foi morto, merece análise criteriosa, primeiro pela total ausência de informação quanto ao outro inquérito que estaria apurando a morte daquele, segundo pela menção de que houve emprego de arma de fogo durante a prática delitiva, sendo que a vítima foi expressa em dizer que ele estava com uma faca de mesa, tendo a entregado e iniciado lamentações. Por quais razões o delegado Joaquim Leitão Júnior compreendeu que o senhor Thiago Henrique Lopes empregou arma de fogo durante o crime, mesmo havendo inúmeras informações no sentido de que apenas os policiais militares envolvidos na morte visualizaram tal aparato, permanece uma incógnita, especialmente ao sobrelevar que o MP ofertou denúncia asseverando uso de arma branca, como de fato se infere das provas, ao passo que o menor Herick Gabryel Sávio dos Santos mencionou em sede policial e em juízo, que o senhor Thiago não portava arma e era perseguido por facção. Passados meses e já no ano de 2024, no bojo destes autos, notou-se indícios de negligência por parte da autoridade policial na apuração dos fatos, como se viu nos itens anteriores, momento em que este magistrado recordou tratar-se do mesmo delegado José Mauro Dias de Souza que se ocupou do pretenso roubo praticado por Thiago Henrique Lopes, por isto e antes de proferir decisão, a fim de não agir de forma relapsa, determinou-se a requisição de informações quanto ao desfecho das diligências que haviam sido determinadas no dia 25/09/2023, algo relevante, contudo e uma vez oficiadas as autoridades, ocorreu uma sucessão de manifestações que causam sérios questionamentos sobre as práticas adotadas. O delegado Joaquim Leitão Júnior altercou que não era sua incumbência apurar a morte de Thiago Henrique Lopes, cuidando-se de atividade afeita à 1ª Delegacia de Polícia, sob a responsabilidade do Delegado Adriano Marcos Alencar, merecendo registro a conduta do primeiro delegado ordenar - depois de receber ofício requisitando informações quanto às providências determinadas no ano anterior durante o plantão, meses depois e mesmo não sendo da sua atribuição, diligências para descortinar o referido óbito. Afora isto, o delegado Joaquim Leitão Júnior não logrou informar o inquérito relativo ao caso, algo que se entende facilmente obtenível pela douta autoridade policial, mas depois de perceber a incongruência do que fez, revogou os despachos que determinaram a tardia e provavelmente inútil diligência, restringindo-se a informar que não era sua responsabilidade se ocupar do fato. Digno de destaque que além de haver elementos inculcando falha na distribuição de inquéritos junto ao sistema PJE, consistente na fragmentação dos autos com exclusão de documentos angariados, o referido delegado nem sequer informou para quem remeteu - quando recebeu os autos do flagrante, a ordem judicial proferida pelo juiz plantonista a fim de promover diligência que aparentava ser relevante ao esclarecimento das circunstâncias que envolvem a morte de um cidadão, quadro que se agrava quando se tem ciência de que por ser este juiz padrinho de um dos filhos do delegado Joaquim Leitão Júnior, como já foi por ele reconhecido em outros autos, naquele período mantinham diálogos sobre a rotina forense, tendo em dada oportunidade sido externado ao último a situação e confidenciado ser preocupante a falta de apuração sobre a morte em comento, mencionando-se que havia determinação de diligências para contribuir com as investigações. Por outro lado, sem saber em que momento o senhor Thiago Henrique Lopes se apoderou do revólver apresentado pelos Policiais Militares, o delegado Joaquim Leitão Júnior indiciou a senhora Ana Caroline Oliveira dos Santos como incursa em crime de roubo qualificado, justamente pelo uso de arma de fogo. Sem embargo de análises distintas, era necessário constatar em que momento foi apurada a morte do senhor Thiago Henrique Lopes pela Polícia Judiciária Civil, pois aparentemente o Delegado Adriano Marcos Alencar, responsável pela 1ª DP, não movimentou inquérito (324/2023) sobre o fato, havendo indicativos de que somente o distribuiu no sistema PJE no ano de 2024 (sob o número 1004058- 97.2024.8.11.0004), postulando dilação de prazo apenas depois de instado em razão do despacho (ID. 152810056) proferido neste feito, como se nota do ID 153328600 e conexos, enquanto o Delegado Plantonista José Mauro Dias de Souza provavelmente não se ocupou do assunto ao lavrar o flagrante de roubo, ao passo que o Delegado Joaquim Leitão Júnior demonstra ter atuado de forma meramente burocrática, sendo que pelo constante (ID. 153752873 e conexos), há elementos apontando ter sido a própria Polícia Militar quem investigou o evento, remetendo os autos a conclusão do IPM apenas no ano de 2024, situação que somente foi descoberta por força de ofício expedido nos autos ora decididos, pois após isto acertadamente o promotor responsável pelo controle externo das atividades policiais e do GAECO lançou, no dia 23/04/2024, uma cota (ID. 153752886 páginas 152/153) nos autos do inquérito 1006311-41.2024.8.11.0042 em curso na 1ª Vara desta Comarca, donde se nota que existem dois procedimentos sobre o mesmo assunto, um que transparece ter ficado paralisado sob os cuidados do Delegado Adriano Marcos Alencar, outro advindo da distribuição das investigações promovidas no âmbito de um IPM depois do declínio de competência (ID. 153752886, páginas 27/29) da 11ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá. As medidas adotadas serviram para que este julgador pudesse se acercar e obter informações seguras antes de proferir decisão, pois tanto a morte do senhor Thiago Henrique Lopes, quanto as condutas dos delegados em relação aos maus-tratos noticiados neste procedimento em apreço, chegaram ao conhecimento do presente magistrado no exercício da atividade jurisdicional, por isto, uma vez tendo sido uma das autoridades que manteve contato com notícia relatando morte de cidadão pelo emprego da força de agentes estatais, mister constatar se foi investigada antes de atestar a reiteração de negligência por parte de delegados, em outras palavras, o dever ético de cautela (artigo 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional), impôs perscrutar se os delegados Adriano Marcos Alencar e José Mauro Dias de Souza, de fato agiram com menoscabo em relação à morte de Thiago Henrique Lopes, antes de asseverar isto em decisão a ser proferida neste procedimento contendo indícios de que procederam da mesma forma na apuração de outro crime. Não se esperava que seria revelada uma situação gravíssima e desnudando comportamento que aparenta não ser raro por parte dos agentes atuantes na linha de frente das investigações criminais, possivelmente ficando as viáveis reiterações incólumes por conta da falha de outras instituições ao não exigirem o fiel cumprimento das normas regentes dos procedimentos apuratórios de infrações penais. Respeitando opiniões divergentes e destacando ser o Promotor atuante no caso pessoa de elevada respeitabilidade e capacidade técnica, a referida cota ministerial por ele lançada merece ponderações, visto que passados mais de 05 (cinco) meses em que se ordenou apuração precisa, ainda no calor dos fatos, sobre estar o senhor Thiago Henrique Lopes portando arma de fogo quando abordado pelos Policiais Militares, medidas que aparentemente não se concretizaram por força da inação de 03 (três) delegados de polícia, um deles lotado no GAECO, determinou o MP a realização de inúmeras diligências não havendo indicativos de que dispôs sobre o comportamento dos delegados, salvo se o fez em outro procedimento e em caráter reservado, bem como por quais razões as declarações da vítima Herick Gabryel Sávio dos Santos, ré Ana Caroline Oliveira dos Santos e o investigador da Policial Civil Edsinomar Maciel Gonçalves, atestando categoricamente, tanto em sede policial, quanto em juízo, que o senhor Thiago Henrique Lopes estava sem arma de fogo, perdeu fidedignidade, posto que foi determinada uma terceira oitiva dos 03 (três) para que esclareçam se Thiago Henrique Lopes estava ou não com arma de fogo. Anote-se que a arma que o delegado Joaquim Leitão Júnior “colocou na mão” do senhor Thiago Henrique Lopes para qualificar o crime de roubo, não foi objeto da denúncia ofertada pelo MP, pois se restringiu ao uso de arma branca (faca de mesa). Não se pode ficar alheio e olvidar que o Conselho Nacional de Justiça tem promovido, de forma contundente, o respeito aos Direitos Humanos e propagado sua observância por parte dos órgãos judiciais, surgindo desta postura a Recomendação 123/2022, para que a magistratura tenha uma visão alpina dos graves problemas que assolam a sociedade, renegando práticas antigas e soluções burocráticas em tempos que a dinâmica das relações exige adaptações constantes dos órgãos estatais para corresponderem as expectativas legitimas dos cidadãos. Esta é a razão do Supremo Tribunal Federal propagar a agenda 2030, com foco na proteção das pessoas em situação de vulnerabilidade, sendo que um dos seus objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS 16) é a construção de instituição eficazes, o que inclui o Poder Judiciário, não se esquecendo que o artigo 3º do Código de Ética da Magistratura Nacional é expresso ao sentenciar que a “atividade judicial deve desenvolver-se de modo a garantir e fomentar a dignidade da pessoa humana, objetivando assegurar e promover a solidariedade e a justiça na relação entre as pessoas”. Reconhecido institucionalmente este novo paradigma no âmbito do Poder Judiciário brasileiro, o que se deu por meio do Pacto Nacional do Judiciário Pelos Direitos Humanos, todo magistrado deve realizar controle de convencionalidade dos atos privados e funcionais, algo que não precisa ser expresso constantemente, urge apenas compatibilidade das decisões em tais esferas com os propalados direitos, assim sendo, a decisão judicial proferida durante o plantão além de compatível com as normas internas brasileiras, pois as vigentes ao tempo já exigiam uma reta apuração do que sucedeu no aventado confronto gerador da morte enfocada, a começar pelo artigo 6º do CPP combinado com o artigo 2º, § 2º, da Lei 12.830/2013 e artigo 7º da LCE 407/2010, mesmo que se estivesse na ausência das sobreditas normas, o Protocolo de Minnesota (redação de 2016) deveria ter sido aplicado pelas autoridades envolvidas e sustenta a ordem judicial proferida quando apreciado os autos 1009242-68.2023.8.11.0004 durante o plantão judiciário, bem como a outrora deitada neste feito. Vale assinalar que o Conselho Nacional de Justiça estimula e divulga a implementação do referido protocolo, cujo objetivo “é proteger o direito à vida e promover a justiça, a responsabilização e o direito à preparação, promovendo uma investigação eficaz de qualquer morte potencialmente ilegal” (artigo 1), aplicável mesmo nas mortes provocadas por agentes do Estado (artigo 2), competindo aos juízes utilizá-lo (artigo 4), não sendo cabível restrição da busca da verdade na esfera judicial por meio de atos exclusivos do juiz da 2ª Vara Criminal de Barra do Garças que se ocupou do fato típico analisado no mencionado plantão, uma vez que o “direito de conhecer a verdade estende-se à sociedade como um todo, dado o interesse público em prevenir e responsabilizar as violações do direito internacionais” (artigo 13). Evidencia-se pelo historiado nos autos que os 03 (três) delegados que tomaram ciência (Adriano Marcos Alencar, Joaquim Leitão Júnior e José Mauro Dias de Souza) da morte do senhor Thiago Henrique Lopes, não se prontificaram a promover atos concretos para um perfeito esclarecimento dos fatos, fazendo tábula rasa dos artigos 15, 16 e 17 da norma internacional em voga, especialmente quando se pondera que Thiago Henrique Lopes era ex-membro do CV e se encontrava sob ameaça da facção, donde se nota que poderia fornecer informações substanciais da atuação da ORCRIM em Barra do Garças, resultando a sua morte no prematuro silenciamento de alguém que deveria ter sido indagado sobre participação no programa de proteção às testemunhas ( Lei 9.807/1999). Analisar a postura dos delegados na situação sob escrutínio e com esteio no Protocolo de Minessota, desautoriza decisão no sentido de não apurar suas condutas, visto que por qualquer ângulo que se faça tal tarefa, nota-se fragmentos de omissões, ademais a partir do momento em que ficaram cientes da morte, pois lhes cumpria agirem, ponderando que os primeiros que dela tomaram conhecimento deveriam (artigo 22) investigar prontamente (artigo 23), enquanto a quem recebeu os autos com diligências não concretizadas competia “comunicá-la, sem demora, aos seus superiores ou às autoridades pertinentes”, tendo em vista que o “ fato de que o Estado não leve a cabo uma investigação com prontidão não o exime de sua obrigação de investigar mais adiante: a obrigação não cessa nem sequer quando transcorra muito tempo” (artigo 23). Por meio das informações carreadas a estes autos, constatou-se uma certa falta de publicidade das investigações, aliás, alguns dos delegados responsáveis não souberam apontar o procedimento relativo aos fatos, condução que pode ter ido de encontro ao artigo 32 do Protocolo de Minnesota, porquanto os “processos e resultados da investigação devem ser transparentes, o que significa estar abertos ao escrutínio do público em geral e das famílias das vítimas”. Salutar deixar claro que a partir do momento em que este juiz atuou no plantão judiciário e se inteirou da morte, tanto que ordenou diligências para uma escorreita constatação das circunstâncias, viável dizer que naquela condição participou do processo investigativo, por isto ao proferir a decisão acima indicada, de certa forma cumpriu o dever de “procurar garantir a integridade e a eficácia do processo de investigação e promover os objetivos da justiça e dos direitos humanos” (artigo 41), aliás, na versão que o CNJ publicou do protocolo evidenciado, o presidente da corte administrativa, Ministro Luís Roberto Barroso, adverte: “Compete a todas as magistradas e todos os magistrados zelar pela observância dos direitos fundamentais previstos em nossa Constituição, sobretudo quando se leva em consideração que esse grupo é composto por centenas de milhares de seres humanos em situação de vulnerabilidade, altamente estigmatizados, e muitas vezes desprovidos de representação política para pleitear melhores serviços do estado pela via democrática”. (Destaquei). O entendimento esposado de há muito por este juiz sobre a aplicação do Protocolo de Minessota e a diligência ordenada por meio da decisão proferida durante o plantão judiciário, quando atuou nos autos número 1009242-68.2023.8.11.0004, parece ter encontrado abrigo junto ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), como se nota das motivações da Resolução 310 de 29/04/2025 e dos artigos 2º (incisos VI), artigo 5º (§ 2º, I), sinalizando acerto na postura adotada. Diante do quadro acima retratado e do que dita os artigos 66 da LCP, artigos 5º (inciso II) e 40 do CPP, além do disposto no artigo 6º, § 2º, parte final, da Resolução 310 do CNMP, ORDENO extração de cópias dos autos e remessa à Promotoria de Justiça desta comarca que exerce o controle externo da atividade policial, bem como à Corregedoria da Polícia Judiciária Civil - CORREGEPOL. Tendo em vista o disposto no artigo 2º, § 2º, da Lei Complementar Estadual 11/2002, atribuindo ao Procurador Geral de Justiça solicitar nominalmente Delegados de Polícia junto à Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso, ponderando que o Delegado Joaquim Leitão Júnior atuou ou atua no GAECO de Barra do Garças, DETERMINO extração de cópias e remessa ao excelentíssimo Procurador Geral de Justiça, para ciência. Observando o espírito que norteia os artigos 6º e 8º da Resolução 310 do CNMP, vigentes desde a data da sua publicação, avaliando os artigos 10 e 12 da mesma resolução, mirando contribuir com o controle e implantação da nova e salutar sistemática implantada, ESTABELEÇO à secretaria que também envie cópias integrais destes autos para a Corregedoria Nacional do Ministério Público, a fim de que tome ciência das intercorrências. Dados sobre mortes e violências praticadas contra pessoas negras são estudados e acompanhados pelo Ministério da Igualdade Racial, enquanto o Ministério dos Direitos Humanos atua no resguardo dos respectivos direitos consagrados internacionalmente, deste modo e para contribuir com tão nobres atividades, COMPETIRÁ à secretaria igualmente enviar cópias integrais as(o) respectivas(os) Ministras(os). Concretizadas as diligências acima, frente às novas informações que carreiam esta decisão e ilustram possível resistência de autoridades policiais em investigarem a notícia que gerou este procedimento, promova vista ao MP oportunizando nova manifestação, realizando a conclusão dos autos após o prazo legal. Expeça-se o necessário. Cumpra-se.
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