Processo nº 1001724-95.2021.8.11.0004
ID: 258213233
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1001724-95.2021.8.11.0004
Data de Disponibilização:
17/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
REINALDO LEITE DE OLIVEIRA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001724-95.2021.8.11.0004 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Estupro de vulnerável] Relator: Des(a). JORGE LUIZ TAD…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001724-95.2021.8.11.0004 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Estupro de vulnerável] Relator: Des(a). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES Turma Julgadora: [DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO] Parte(s): [RAIMUNDO MARQUES DE VASCONCELOS - CPF: 914.048.601-00 (APELANTE), REINALDO LEITE DE OLIVEIRA - CPF: 383.899.161-34 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), M. V. B. R. - CPF: 081.753.691-40 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. EMENTA: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PRELIMINAR. INÉPCIA DA DENÚNCIA. SUPERVINIÊNCIA DA SENTENÇA. MATÉRIA SUPERADA. REJEIÇÃO DA PRELIMINAR. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA OU DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA O CRIME PREVISTO NO ART. 213 DO CP. IMPROCEDÊNCIA. CONJUNTO PROBATÓRIO FORTE E HARMÔNICO, DEMONSTRANDO A MATERIALIDADE E A AUTORIA. DECLARAÇÕES DAS VÍTIMAS EM SINTONIA COM AS DEMAIS PROVAS AMEALHADAS. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS (12 ANOS À ÉPOCA DOS FATOS). EVIDENCIADA A VULNERABILIDADE. REDUÇÃO DA PENA E FIXAÇÃO DE REGIME MENOS GRAVOSO. IMPROCEDÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. FRAÇÃO UTILIZADA PARA A CONTINUIDADE DELITIVA EM HARMONIA COM O CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. REGIME FECHADO. DECORRÊNCIA LEGAL. PREQUESTIONAMENTO. MATÉRIAS ENFRENTADAS NO VOTO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame: Recurso de apelação interposto pelo réu contra sentença da 2ª Vara Criminal da Comarca de Barra do Garças/MT, que o condenou à pena de 9 anos e 4 meses de reclusão, em regime fechado, pela prática do delito de estupro de vulnerável (art. 217-A c/c art. 71, CP), impondo-lhe ainda a reparação de danos à vítima, no valor de R$ 10.000,00. II. Questão em discussão: 2. As questões em discussão consistem em averiguar: (I) se a alegada inépcia da denúncia pode incorrer em nulidade processual; (II) se há provas suficientes para a manutenção da condenação; (III) se a conduta do réu se amolda ao tipo penal previsto no art. 213 do Código Penal, conduzindo a desclassificação do crime; (IV) se a dosimetria da pena merece reparos, fixando regime de cumprimento de pena menos gravoso. III. Razões de decidir: 3. No que tange a inépcia da denúncia, por ausência de justa causa, é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que "a superveniência da sentença penal condenatória torna esvaída a análise do pretendido reconhecimento de inépcia da denúncia, isso porque o exercício do contraditório e da ampla defesa foi viabilizado em sua plenitude durante a instrução criminal". (AgRg no AREsp n. 1.769.850/PR, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 9/3/2021, DJe de 15/3/2021). Preliminar Rejeitada. 4. A materialidade e autoria do delito encontram-se comprovadas por depoimentos coerentes da vítima e das testemunhas, além do boletim de ocorrência, laudos e demais elementos probatórios, permitindo a aplicação do Enunciado Orientativo n.º 10 da Jurisprudência Uniformizada da C. Turma de Câmaras Criminais Reunidas, deste E. Tribunal, cuja redação dispõe que: “Cuidando-se de crime contra a dignidade sexual, a palavra firme e coerente da vítima assume especial relevo no contexto probatório, uma vez que delitos dessa natureza são comumente praticados às ocultas”. 5. O pleito subsidiário para desclassificação da conduta para o crime previsto no art. 213 do Código Penal não prospera, porquanto o conjunto fático-probatório demonstra que a vítima tinha 12 anos, à época dos fatos. Assim, evidenciada a vulnerabilidade da vítima e considerando que os fatos foram praticados sob a égide da Lei 12.015/2009 que inseriu o art. 217-A no Código Penal, afasta-se a desclassificação e a manutenção da condenação pelo crime de estupro de vulnerável, em observância ao princípio da especialidade. 6. A dosimetria da pena não merece qualquer reparo, porquanto as circunstâncias judiciais foram reputadas favoráveis ao réu e a exasperação da pena, na terceira fase dosimétrica, na fração de 1/6, em face da continuidade delitiva está em consonância com os critérios de proporcionalidade e razoabilidade, previstos no art. 71 do CP, e com a jurisprudência do STJ. 7. Impõe-se o regime inicial fechado, por decorrência legal (33, §2º, alínea “a”, do Código Penal). IV. Dispositivo e tese: 8. Recurso conhecido e rejeitada a preliminar. No mérito, desprovido. Tese de julgamento: “1. A palavra da vítima, especialmente em delitos sexuais e quando corroborada por outros elementos probatórios, possui valor probatório suficiente para embasar a condenação. 2. O conjunto fático-probatório evidenciou a vulnerabilidade da vítima, cuja idade era de 12 anos, à época dos fatos, afastando a almejada desclassificação, porquanto a conduta do recorrente se amolda ao tipo penal previsto no art. 217-A do Código Penal, em observância ao princípio da especialidade. 3. A dosimetria da pena não merece reparos, pois as circunstâncias judiciais foram consideradas favoráveis ao réu, inexistem agravantes ou atenuantes a serem consideradas e, por fim, a fração utilizada para exasperar a pena devido a continuidade delitiva, atendeu aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade. 4. O regime fechado impõe-se, por decorrência legal, com fundamento no art. 33, §2º, alínea “a”, do Código Pena. 5. Os dispositivos legais prequestionados pela defesa, para fins de eventual interposição de recursos às instâncias extraordinárias, foram devidamente observados e integrados à fundamentação, ficando prequestionados. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, inc. XLVI; CP, arts. 71, art. 213 e 217-A; CPP, art. 155. Jurisprudências relevantes citadas: STJ, Súmula 593; TJMT, Enunciado Orientativo nº 10 das Câmaras Criminais Reunidas; TJMT, N.U 1004167-60.2021.8.11.0055, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 01/02/2022, Publicado no DJE 09/02/2022; TJMT, N.U 1000227-65.2021.8.11.0030, Rel. Des. Helio Nishiyama, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 29/10/2024; STJ, AgRg no HC n. 756.132/DF, Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 28/8/2023, DJe de 1/9/2023. RELATÓRIO EXMO. SR. DES. JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES (RELATOR). Egrégia Câmara: Trata-se de apelação criminal interposta por réu RAIMUNDO MARQUES DE VASCONDELLOS contra os termos da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Barra do Garças/MT que o condenou à pena de 09(nove) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime fechado, pela prática do delito previsto no artigo 217-A, c/c o art. 71 (por inúmeras vezes), ambos do Código Penal, impondo-lhe ainda a reparação dos danos causados à vítima, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Nas razões recursais, a Defesa requer, em sede de preliminar, a rejeição da presente ação penal, por falta de justa causa. No mérito, pleiteou pela absolvição do apelante, por insuficiência de provas, pois a sentença se fundamentou somente nas palavras da vítima. Alternativamente, requereu a desclassificação da conduta para o crime previsto no art. 213 do Código Penal, ou a redução da pena imposta ao mínimo legal, fixando o regime semiaberto. Ao final, para fins de interposição de recursos às instâncias superiores, prequestionou os seguintes dispositivos legais: artigos 5º, inciso XLVI, e, 93, IX, ambos da CF; artigos 155, 386, incisos II, V, e VII, todos do CPP. (id. 214048408). Em contrarrazões, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso opinou pelo improvimento do recurso, mantendo-se inalterada a sentença condenatória (id. 214048411). A douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do apelo, mantendo-se intacta a sentença (id. 214048411). É o relatório. À douta revisão. VOTO - PRELIMINAR De proêmio, sobre a alegada nulidade, que se refere a inépcia da denúncia, por ausência de justa causa, é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que "a superveniência da sentença penal condenatória torna esvaída a análise do pretendido reconhecimento de inépcia da denúncia, isso porque o exercício do contraditório e da ampla defesa foi viabilizado em sua plenitude durante a instrução criminal". (AgRg no AREsp n. 1.769.850/PR, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 9/3/2021, DJe de 15/3/2021). Na mesma direção, é o entendimento deste E. Tribunal de Justiça. Vejamos: “(...). 3.1. A denúncia não pode ser considerada inepta quando preenche os requisitos estabelecidos no art. 41 do Código de Processo Penal, descrevendo de forma suficiente o fato delituoso e viabilizando o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. Além disso, a prolação de sentença condenatória prejudica a análise da matéria. (N.U 1005770-53.2023.8.11.0006, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 17/12/2024, Publicado no DJE 19/12/2024). “A alegação de inépcia da denúncia deve ser deduzida antes da prolação do édito condenatório, sob pena de preclusão, uma vez que a superveniência da sentença torna a matéria superada, não havendo mais falar em rejeição da denúncia, mas sim na absolvição ou condenação do acusado. (...)”. (N.U 1003742-89.2021.8.11.0004, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PEDRO SAKAMOTO, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 27/08/2024, Publicado no DJE 30/08/2024). Além disso, apenas a título de esclarecimento, nota-se que a exordial acusatória contempla exposição satisfatória do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, além da qualificação do acusado, a classificação do crime e rol das testemunhas, preenchendo todos os requisitos exigidos no art. 41 do CPP. Isto posto, considerando que a denúncia narra satisfatoriamente as condutas praticadas pelo apelante e, independentemente disso, em face da prolação de sentença condenatória, após regular instrução processual, em que foram respeitadas as diretrizes dos princípios do contraditório e da ampla defesa, REJEITO A PRELIMINAR suscitada pela Defesa. VOTO – MÉRITO. O recurso ora interposto baseia-se na insatisfação diante da rejeição da tese de absolvição do apelante, fundamentada na alegada ausência de provas e no fato da sentença condenatória ter se fundamentado somente nas palavras da vítima. Subsidiariamente, pleiteou-se pela desclassificação da conduta para o crime previsto no art. 213, do Código Penal, ou a redução da pena imposta ao mínimo legal, fixando o regime semiaberto. O recurso não merece acolhimento. Extrai-se da denúncia que o acusado Raimundo Marques de Vasconcelos é padrinho da vítima M. V. B. R., a qual, frequentemente, pernoitava aos finais de semana na residência dele, em face do vínculo afetivo entre as famílias. Consta ainda que, no ano de 2019, quando a vítima contava com apenas 12 anos de idade, o recorrente, aproveitando da sua condição de padrinho e do fato da ofendida passar os finais de semana em sua residência, praticou atos libidinosos com ela, consistente em acariciar as partes íntimas da ofendida. A peça acusatória narrou também que os abusos sexuais foram descortinados no dia 12.11.2019, após ser ministrada uma palestra na escola da ofendida, sobre violência sexual, momento em que ela chorou ao participar do evento. Na espécie, a materialidade e a autoria do crime de estupro de vulnerável são incontroversas, e se encontram comprovadas pelas provas produzidas nos autos, quais sejam: Boletim de Ocorrência n. 2019.339160 (id. 214049171); cópia do livro de registro de ocorrências da Escola (id. 214049182-pág. 7), escuta especializada (id. 214049182-pág. 15), laudo pericial de violência sexual (id. 214049182-pág. 27), além das declarações da vítima, testemunhas e informantes, em ambas as fases processuais. Não obstante, a ausência de constatação de vestígios da violência sexual no exame pericial, este fato, não se mostra suficiente para afastar a materialidade delitiva, notadamente ao se considerar que o estupro também se consuma com a prática de “atos libidinosos diversos da conjunção carnal” (STJ, AgRg no AREsp 1803498/CE - Relator Min. Antônio Saldanha Palheiro - 5.11.2021), os quais nem sempre deixam vestígios. Na fase policial, o recorrente Raimundo Marques de Vasconcelos reservou-se no direito de permanecer em silêncio (id. 214049182 – pág. 50). Em juízo, negou a prática delitiva, explicitando que sua relação com a vítima era de padrinho-afilhada e que a presenteava com dinheiro, além de pagar comida em decorrência da relação de apadrinhamento, pois a sua esposa e ele acompanhavam a vítima e sua família, em face de que eram vulneráveis financeiramente. Ao final, afirmou que a vítima não tinha muitos limites e quando os impunha, ela não teria se contentado, conforme se observa da mídia audiovisual de id.214048366. Em sede policial, na escuta especializada, a ofendida M. V. B. R., de apenas 12 anos de idade, à época dos fatos, narrou que durante uma palestra, sobre abuso sexual, realizada em sua escola, começou a chorar logo após a exibição de um vídeo, sendo consolada por sua professora. A vítima discorreu que “quando viu o vídeo, lembrou-se do que seu padrinho fazia com ela, dizendo que toda vez que ela ia dormir na casa dele, ele pedia para que ela dormisse na sala, e quando sua madrinha ia dormir, ele passava mão em seu corpo. Comunicou também que ele já pediu para que ela tirasse o short, pois por diversas vezes ela hesitou e quando ela percebia a intenção dele, ia para o quarto e se trancava lá. Informou que ele lhe dava dinheiro para que mantivesse segredo e não expusesse nada a ninguém”. Ao final da escuta, a vítima explicitou que os fatos ocorriam “desde o final do ano passado, mas que nunca contou nada a ninguém, por medo” (id. 214049182-pág. 15). Em juízo, a ofendida reprisou a declaração prestada anteriormente, dizendo que o apelante praticou atos libidinosos com ela, consistentes em passar as mãos em suas partes íntimas, por várias vezes, oferecendo presentes, em troca do seu silêncio. Vejamos: “sim, alguns finais de semana eu ia para casa dele, quando eu queria ir, eu falava para a minha mãe mandar mensagem para ele ou para a mulher dele e eu ia para lá, ou ele vinha me busca; tratava ele como padrinho, sim; tava tudo normal, relação de padrinho, tava de boa, só que uma vez, eu tinha assistido um filme de terror em casa e fui para lá, lá tinha dois quarto, eu não quis dormir no quarto, eu fiquei com muito medo de dormir e eu fui dormir na sala, aí de madrugada eu comecei a sentir muito medo e chamei a minha madrinha para ir lá deitar comigo, só que ela não foi, ele pegou e deitou lá no sofá, eu estava deitada no colchão, no chão e do nada eu comecei a sentir ele passando a mão nas minhas partes íntimas; aconteceram em outras noites também; essa noite foi na sala e teve outras também no quarto; eu fiquei quieta; teve noites que eu estava acordada, eu pegava e saia, ia para o banheiro ou para o quarto, teve noite que eu acordava e estava sem a minha parte de baixo, não tinha sentido; nós nunca conversou sobre isso; era estranho, porque nunca tinha acontecido, ninguém nunca tinha feito aquilo; eu tinha medo de contar e fazer alguma coisa; não, ele não chegou a me ameaçar, só falava que não era para contar para ninguém; eu não estava mais conseguindo guardar, aí teve uma palestra na escola, tocou muito, eu comecei a chorar e contei para a professora e para a diretora; depois disso eu não voltei mais, nunca mais falei com eles; nunca mais fui lá, depois que a história foi revelada para a família; ele falava que não era para eu contar para ninguém e ele me dava presentes, uma boal de futebol, já me deu bola, falava que ia me dar um patins que não era para contar para ninguém senão eu não ia ganhar, me deu bicicleta, colocava crédito no meu celular, ele me deu o celular dele; (...); sim, a minha madrinha estava no quarto dormindo; sim, era sempre a noite, quando ela estava dormindo; sim, nos finais de semana quando eu ia lá; não sei dizer, mas foram várias vezes; eu tinha uns 11 para 12 anos, eu acho; só na delegacia mesmo, quando eu fui lá, conversei com as duas psicólogas de lá, só; (...); Além das palavras da vítima, cujas declarações foram coerentes e harmônicas em ambas as fases processuais, o édito condenatório fundamentou-se também nos depoimentos prestadas pelas testemunhas Renata Perez e Laura Annyelba Macedo de Brito, funcionárias da escola onde estudava a vítima, as quais prestaram o atendimento inicial à ofendida, durante a palestra. As testemunhas afirmaram, em juízo, que ocorreu uma palestra direcionada aos alunos sobre o tema de violência sexual contra crianças e adolescente e que, no decorrer da palestra, a vítima estava chorando muito, razão pela qual foi retirada da sala. Em conversa, a ofendida revelou à testemunha Renata Peres, sua professora, que “teria sido vítima de abusos sexuais praticados pelo seu padrinho, relatando ainda que os abusos eram praticados aos finais de semana, quando ia para a residência dele”. Some-se ao acervo probatório, as declarações da genitora da ofendida, Simone Vieira Barbosa, que, ao ser ouvida em juízo, corroborou o depoimento da menor, dizendo que foi chamada na escola pela diretora e por uma professora, durante uma palestra ministrada por um Delegado de Polícia sobre o tema violência sexual, pois a menor teve uma crise de choro e relatou à professora ter sido vítima de abusos praticados pelo padrinho. A informante verberou ainda que conversou com a filha, oportunidade em que “ela relatou que não havia tido coragem de lhe contar anteriormente os abusos”, descrevendo que “a vítima relatou que em uma determinada oportunidade, durante a noite, quando ela dormia na casa do acusado, na sala, ele passou as mãos em suas partes íntimas e que a menor afirmou que o denunciado dava presentes a ela”. Ao final, acrescentou que a ofendida tem dificuldade de socialização. Com relação às testemunhas de defesa: Neuraci Oliveira Sousa, Jefferson Pereira da Cruz e Klésia Sales Marques ao serem ouvidas, em juízo, limitaram-se em discorrer sobre as qualidades pessoais do acusado, em nada contribuindo para a elucidação dos fatos. Nesse contexto, após ouvir detidamente as oitivas das testemunhas, da informante e da vítima, constata-se que a vítima foi abusada sexualmente, aos 12 anos de idade, quando o seu padrinho passava as mãos em suas partes íntimas, culminando na prática delitiva de estupro de vulnerável. Com efeito, comumente os crimes de natureza sexual não deixam vestígios e normalmente são realizadas as escondidas, o que confere uma maior credibilidade na palavra da vítima quando realizada de forma harmônica e coerente, autorizando a prolação do decreto condenatório, como é o caso dos autos. Na hipótese, conforme mencionado, os fatos aconteceram quando a vítima e o acusado estavam sozinhos na casa do recorrente, o que, por óbvio, afasta testemunhas oculares. Além disso, os atos libidinosos praticados são diversos da conjunção carnal, o que também afastam vestígios a serem periciados. Aliás, a questão está pacificada no âmbito deste Sodalício, por meio do Enunciado Orientativo n.º 10 da Jurisprudência Uniformizada da C. Turma de Câmaras Criminais Reunidas, cuja redação dispõe que: “Cuidando-se de crime contra a dignidade sexual, a palavra firme e coerente da vítima assume especial relevo no contexto probatório, uma vez que delitos dessa natureza são comumente praticados às ocultas”. (INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 101532/2015. Disponível em DJE n.º 9998, de 11/04/2017) (destaquei). Neste sentido, de modo a não deixar dúvidas quanto a consolidação deste entendimento, confira-se precedentes recentes de todas as Câmaras Criminais do TJMT: N.U 1004167-60.2021.8.11.0055, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 01/02/2022, Publicado no DJE 09/02/2022; N.U 0003463-86.2011.8.11.0064, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 26/01/2022, Publicado no DJE 31/01/2022; N.U 0014057-67.2019.8.11.0004, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 08/12/2021, Publicado no DJE 15/12/2021). Diante deste cenário probatório, à luz do princípio da persuasão racional, estou convencido de que as provas juntadas ao feito, em ambas as fases da persecução criminal, em observância ao comando insculpido no art. 155 do Código de Processo Penal, são claras em demonstrar, a materialidade e autoria do apelante pelo crime de estupro de vulnerável que lhe é imputado, com todos os elementos inerentes ao tipo penal, descabendo acolher a pretendida absolvição por falta de provas. Nesse sentido, cito os seguintes precedentes oriundo deste egrégio Tribunal de Justiça: TJMT, N.U 1000227-65.2021.8.11.0030, Rel. Des. Helio Nishiyama, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 29/10/2024, Publicado no DJE 01/11/2024; TJMT, N.U 1001277-27.2023.8.11.0008, Rel. Des. Marcos Regenold Fernandes, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 17/09/2024, Publicado no DJE 23/09/2024; TJMT, N.U 0006962-14.2015.8.11.0040, Rel. Des. Gilberto Giraldelli, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 06/10/2021, Publicado no DJE 18/10/2021. Desse modo, não há que se falar em absolvição por falta de provas, já que nos delitos contra a dignidade sexual, a palavra da vítima menor de idade tem importante valor como prova, quando corroborada com os demais elementos probatórios. No que tange ao pleito subsidiário para desclassificação da conduta, é imperioso registrar a impossibilidade da desclassificação do delito de estupro de vulnerável para a conduta prevista no art. 213 do Código Penal, quando demonstrado nos autos a intenção do abusado em saciar à sua lascívia, com menor de 14 anos, como no caso em que a vítima tinha, apenas, 11 para 12 anos de idade. Aliás, os fatos foram praticados no ano de 2019, sob a égide da Lei n. 12.015 de 2009 que incluiu no ordenamento jurídico o art. 217-A, Código Penal, devendo, assim, ser observado o princípio da especialidade. Some-se a isto, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, na Súmula 593, ensinando que: “O crime deestuprodevulnerávelse configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente”. Portanto, sem mais delongas, o acervo probatório é indene de dúvidas e demonstra que os fatos foram perpetrados em desfavor de vítima menor de 14 anos, amoldando-se a conduta do recorrente no tipo penal descrito no art. 217-A do Código Penal, não havendo em que se falar em desclassificação da sua conduta. No tocante à dosimetria da pena, a Defesa pleiteou pela redução da pena ao mínimo legal, com fixação do regime semiaberto. Contudo, o pleito defensivo não prospera. Isso porque, o juízo de primeiro grau, na primeira fase dosimétrica, fixou a pena base em seu mínimo legal, por entender que as circunstâncias judiciais (art. 59 do CP) eram favoráveis ao réu. Na sequência, manteve a pena intermediária, na segunda fase dosimétrica, por inexistir causas de aumento ou diminuição da pena. Na última fase, aplicou a causa de aumento pela continuidade delitiva (art. 71 do CP), reconhecendo que a ação delitiva ocorreu por, pelo menos, 03 (três) oportunidades, motivo pelo qual exasperou a pena na proporção de 1/6. Neste ponto, cumpre registrar que a fração utilizada pelo magistrado é menor do que a recomendada pelo Superior Tribunal de Justiça. Vejamos: “A fração aplicada em razão da continuidade delitiva está em consonância com os parâmetros aplicados pela jurisprudência desta Corte, ante a exasperação da pena na fração de 1/2, pelo cometimento de seis delitos. Com efeito, esta Corte firmou a compreensão de que a fração de aumento no crime continuado é determinada em função da quantidade de delitos cometidos, aplicando-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4, para 4 infrações; 1/3, para 5 infrações; 1/2, para 6 infrações; e 2/3, para 7 ou mais infrações (HC n. 342.475/RN, Sexta Turma, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 23/02/2016). 9. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no HC n. 756.132/DF, Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 28/8/2023, DJe de 1/9/2023, sem grifos no original).” Destarte, esta fase dosimétrica não merece nenhum reparo, porquanto pelas declarações da vítima é possível auferir que os abusos sexuais ocorreram, ao menos, por duas vezes (“aconteceram em outras noites também; essa noite foi na sala e teve outras também no quarto (...) não sei dizer, mas foram várias vezes”), amoldando-se, ao caso, a exasperação na fração de 1/6, tal como aplicada pelo juízo de primeiro grau. Consequentemente, MANTENHO o regime FECHADO, para início de cumprimento da pena, por decorrência legal, com fundamento no art. 33, §2º, alínea “a”, do Código Penal, tal como fixado na sentença condenatória. Por derradeiro, no que tange aos dispositivos legais prequestionados pela defesa para fins de eventual interposição de recursos às instâncias extraordinárias, destaco que, muito embora seja “desnecessário que o julgador esmiúce cada um dos argumentos e dispositivos legais tidos por violados, bastando que esclareça os motivos que o levaram à determinada conclusão” (TJDF – RESE n. 20120510091147 – Relator: Des. João Batista Teixeira – 26.11.2013), todos aqueles artigos relacionados com a tese sustentada no presente recurso foram devidamente observados e integrados à fundamentação deste voto, ficando, desde já, prequestionados. Diante do exposto, em consonância com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, REJEITO A PRELIMNAR, suscitada pela Defesa. No mérito, NEGO PROVIMENTO ao recurso interposto por RAIMUNDO MARQUES DE VASCONCELOS, mantendo incólume a sentença de primeiro grau. É como voto. Cuiabá, data registrada pelo sistema. Desembargador JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 14/04/2025
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