Processo nº 5003857-09.2023.8.21.0064
ID: 279674090
Tribunal: TJRS
Órgão: Projeto de Gestão de Superendividamento
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5003857-09.2023.8.21.0064
Data de Disponibilização:
26/05/2025
Polo Ativo:
Advogados:
SAMARA ROCKENBACH
OAB/RS XXXXXX
Desbloquear
PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL Nº 5003857-09.2023.8.21.0064/RS
RÉU
: COOPERATIVA DE CREDITO E ECONOMIA COM INTERACAO SOLIDARIA - CRESOL NOROESTE
ADVOGADO(A)
: SAMARA ROCKENBACH (OAB RS053443)
DESPACHO/DEC…
PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL Nº 5003857-09.2023.8.21.0064/RS
RÉU
: COOPERATIVA DE CREDITO E ECONOMIA COM INTERACAO SOLIDARIA - CRESOL NOROESTE
ADVOGADO(A)
: SAMARA ROCKENBACH (OAB RS053443)
DESPACHO/DECISÃO
1. Verifico que na audiência de conciliação realizada (evento 81, ATA2 ) estavam presentes a parte autora e os credores, todavia, após tratativas, não ocorreu entendimento entre as partes. Ausente o credor BANCO SANTANDER S/A.
AUSÊNCIA, SEM PROPOSTA OU PRESENÇA QUALIFICADA
Da análise da conduta do credor em audiência
:
A ausência injustificada, bem como o comparecimento do representante do credor sem poderes reais e plenos para transigir ou, ainda, a falta de proposta ou de proposta inviável dos credores
, contrariam a finalidade da norma e autorizam a aplicação de sanção, em especial do art. 104-A, § 2.º, do CDC:
§ 2º O não comparecimento injustificado de qualquer credor, ou de seu procurador com poderes especiais e plenos para transigir, à audiência de conciliação de que trata o caput deste artigo acarretará a
suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora
, bem como a
sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida
se o montante devido ao credor ausente for certo e conhecido pelo consumidor,
devendo o pagamento a esse credor ser estipulado para ocorrer apenas após o pagamento aos credores presentes à audiência conciliatória
.
É necessário salientar que a lei não criou o dever de compor, pois violaria o princípio da autonomia privada. Contudo, é inegável o dever criado de renegociar, que se assenta especialmente sob o princípio da boa-fé.
A doutrinadora Claudia Lima Marques, juntamente com o Ministro Antonio Herman Benjamin, ensinam que a boa-fé sempre conheceu o dever de cooperar, o dever de cuidado com o outro, o cocontratante. No superendividamento, nasce um dever de renegociar, de repactuar, de cooperar vivamente para ajudar o leigo a sair da ruína. E, na concessão de crédito e na venda a prazo (que também pode levar ao superendividamento), nasce um dever de cuidado, de concessão “avaliada”, cuidado, responsável de crédito para não levar com este contrato o consumidor à ruína.
Além do mais, os doutrinadores estabelecem que todas as "soluções" de prevenção e tratamento são resultado dos deveres de informação, cuidado e, principalmente, de cooperação e lealdade oriundas da boa-fé.
Tanto que, o Código de Processo Civil de 2015 foi embasado em vários princípios, estando entre ele o princípio da cooperação das partes, artigo 6.º e o princípio da boa-fé, artigo 5.º
Na melhor doutrina, Teresa Alvim Arruda Wambier aduz que:
A cooperação ocorre através da prática dos atos processuais, que no contexto das partes realiza-se com o exercício dos direitos de ação, de defesa e de manifestação em geral; e na seara da magistratura se efetiva através das ordens e decisões latu sensu. Ademais, a cooperação, como dever imposto aos sujeitos do processo, pressupõe uma harmoniosa sintonia nesta prática de atos processuais, os quais devem ser realizados sempre sob o signo da boa-fé, como examinado anteriormente no item 8, supra, inclusive, aqueles praticados por terceiros estranhos ao conflito, que também devem cooperar com a atividade jurisdicional, como ocorre no procedimento da exibição de documentos (art. 378, c/c o art. 6.º).
Recordo que, a parte ré assume o risco de ver declarada a confissão, quando nomeia, para representá-la em juízo preposto que desconhece dos fatos objeto do litígio (artigo 386, CPC/2015).
Logo, os credores têm o dever de observar a boa-fé concretizada na apresentação de propostas na audiência de conciliação/mediação, ou, no mínimo terem conhecimento para transigir sobre a lide.
Na essência, significa que o legislador ao instaurar procedimento de tratamento do superendividamento do consumidor privilegiou a atuação pró-ativa, exigindo a PRESENÇA QUALIFICADA dos credores na construção do plano de pagamento consensual. Nesse sentido, veja-se que o diploma legal em análise destinou tratamento diferenciado aos credores quando previu recebimento preferencial do pagamento no plano consensual, artigo 104-B do CDC.
Outrossim, quanto maior for a participação e, por conseguinte, os elementos de informação, maior será a legitimidade democrática da decisão.
Tratando-se de presença não qualificada, portanto, impositiva a aplicação da sanção, em especial, para garantir a eficácia das normas consumeristas.
A esse respeito, importante o apontamento realizado pelo douto jurista Dr. Leonardo Garcia, membro do GT de acompanhamento da Lei do Superendividamento no Conselho Nacional de Justiça, ao analisar a plausibilidade de aplicação das sanções do artigo art. 104-A, § 2.º, do CDC não somente em relação aos credores ausentes, mas em desfavor dos credores que comparecem à sessão sem poderes reais e plenos para transigir ou, ainda, sem falta de proposta ou com proposta inviável, frustrando chance legítima de resolução da questão de forma consensual e que poderia vir em benefício de ambas as partes:
Essa conduta, ao frustrar deliberadamente a função conciliatória do procedimento e agravar a vulnerabilidade do consumidor superendividado, compromete a própria razão de ser da legislação, que busca assegurar uma solução sustentável e digna para ambas as partes (...)
(...) Além de estimular a cooperação processual entre as partes, esse mecanismo normativo impulsiona os credores a adotar uma postura ativa, construtiva e responsável nas negociações, contribuindo assim para a efetividade dos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato.
Ademais, a firme aplicação dessas sanções também desempenha um papel fundamental na proteção dos direitos fundamentais do consumidor superendividado, notadamente a preservação do mínimo existencial, necessário para que o indivíduo mantenha condições básicas de sobrevivência digna.
Dessa forma, ao assegurar ao consumidor superendividado uma genuína oportunidade de reorganizar sua situação financeira e econômica, as medidas preconizadas pelo artigo 104-A, §2º, do CDC contribuem diretamente para a promoção da dignidade humana, em consonância com os preceitos constitucionais vigentes
(...)
Por fim, é possível concluir que a experiência gaúcha demonstra de forma clara e inequívoca o potencial transformador das sanções aplicadas corretamente no âmbito das negociações de superendividamento.1
E destaca, inclusive, os efeitos que já são observados com a adoção de postura firme em relação aos credores, conforme a conduta em audiência:
o aumento nas composições entre as partes, quando cientes os credores sobre a importância da presença qualificada
:
Esse efeito transformador não é apenas perceptível no âmbito prático, mas também mensurável: dados empíricos recentes demonstram um expressivo aumento na taxa de acordos homologados, evidenciando que a aplicação correta da lei não apenas protege os consumidores vulneráveis, mas também gera um ambiente de maior segurança jurídica e previsibilidade para todas as partes envolvidas.
O gráfico das sentenças homologatórias de acordos do TJRS, a seguir colacionado, ilustra bem a questão:
A importância da aplicação das sanções trazidas pela Lei 14.181/21 aos credores que não apresentam presença qualificada foi reconhecida, também, pelo Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do RECURSO ESPECIAL Nº 2191259 - RS (2025/0001365-2), através do qual a respeitável Ministra FÁTIMA NANCY ANDRIGHI expôs com acerto as razões pela quais é dever do Poder Judicário primar pelo cumprimento do propósito da lei: possibilitar a solução na fase pré-processual.
Trago à colação, trechos do voto proferido:
"(...) 4. Recentemente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, interpretando o artigo 104-A, § 2º do Código de Defesa do Consumidor, que o comparecimento à audiência conciliatória da fase consensual (préprocessual) do processo de repactuação de dívidas é um dever da instituição financeira, cujo descumprimento acarreta a
imposição das sanções legalmente previstas
(...)
5. No recurso sob julgamento, a discussão diz respeito à possibilidade de imposição das sanções previstas no artigo 104-A, § 2º do CDC mesmo em caso de comparecimento da instituição financeira à audiência de conciliação,
caso deixe de apresentar proposta de renegociação da dívida
.
(...)
6.
A possibilidade antes mencionada deve ser admitida
.
(...)
11.
É dever do Poder Judiciário a proteção ao consumidor superendividado
, cuja posição de vulnerabilidade na relação com as instituições financeiras é tão evidente que dispensa maiores considerações. O propósito da Lei n.º 14.181/2021 (Lei do Superendividamento), que introduziu uma série de mudanças no Código de Defesa do Consumidor, foi justamente o de possibilitar que o consumidor superendividado (situação que decorre, em muitos casos, da oferta indiscriminada de crédito pelas instituições financeiras e dos juros em patamar altíssimo, comprometendo a renda do consumidor e, com ela, a preservação do seu mínimo existencial) renegocie suas dívidas de um modo que lhe seja mais favorável.
12. Não foi outro o propósito da lei ao estabelecer uma fase conciliatória no procedimento de repactuação de dívidas do consumidor superendividado. Nesse procedimento,
é dever da instituição financeira comparecer à audiência designada pelo juízo, sob pena de aplicação das sanções correspondentes
. (...)
13. Para afastar a aplicação dessas sanções,
não basta que a instituição financeira, por meio de seu preposto, compareça à audiência e genericamente rejeite a proposta de plano de pagamento apresentada pelo consumidor.
Essa postura cômoda não se coaduna com a boa-fé que deve nortear as relações entre consumidores e fornecedores em geral e, mais ainda, entre consumidores e fornecedores de crédito, ante a situação de vulnerabilidade acentuada.
15.
O simples comparecimento do preposto da instituição financeira à audiência conciliatória, sem que esteja munido de contraproposta em caso de rejeição daquela apresentada pelo consumidor superendividado, denota postura não colaborativa e é, em termos práticos, indistinguível da sua ausência
.
16.
O propósito da audiência conciliatória é justamente o de possibilitar a solução na fase pré-processual, o que se mostra inviável se uma das partes não estiver disposta ao diálogo.
A ausência de colaboração, pela instituição financeira, é incompatível com a boa-fé e, nessa medida, justifica a imposição das sanções previstas para o seu não comparecimento.
17.
Mostra-se cabível, portanto, a aplicação das sanções previstas no artigo 104-A, § 2º do Código de Defesa do Consumidor à instituição financeira recorrente
. (...)". GRIFEI
Sobre a incidência da penalidade em casos como o dos autos, cito decisão paradigma, oriunda do Tribunal de Justiça do Estado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. PEDIDO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. SANÇÕES DO ARTIGO 104-A, §2º DO CDC. PENALIDADES APLICÁVEIS AOS CREDORES QUE DEIXAM DE COMPARECER À AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO, INJUSTIFICADAMENTE. CASO CONCRETO EM QUE NÃO HÁ JUSTIFICATIVA PARA A AUSÊNCIA. APRESENTAÇÃO DE PROPOSTA DE ACORDO EM CONTESTAÇAO QUE NÃO AFASTA AS SANÇÕES. QUESTÕES OUTRAS, NÃO OBJETO DA DECISÃO RECORRIDA, INSUSCETÍVEIS DE INSURGÊNCIA RECURSAL NESTA VIA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDO. NÃO TENDO O AGRAVANTE COMPARECIDO NA AUDIÊNCIA, INDEPENDENTE DA APRESENTAÇÃO DE CONSTESTAÇÃO COM PROPOSTA DE ACORDO, É CABÍVEL A IMPOSIÇÃO DAS PENALIDADES DO ART. 104-A, §2º DO CDC. DECISÃO MANTIDA. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO NOS PONTOS SOBRE AO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PELO PLANO COMPULSÓRIO, DETERMINAÇÃO A APRESENTAÇÃO DE NOVO PLANO QUE PREENCHA OS REQUISITOS OU DETERMINAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE NOVA AUDIÊNCIA, POR AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO NA DECISÃO RECORRIDA, SOB PENA DE INDEVIDA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 52553141220248217000, Vigésima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Pippi Schmidt, Julgado em: 17-12-2024)
Assim, por todos os fundamentos expostos, aplico ao credor BANCO SANTANDER S/A a sanção do artigo 104-A, § 2.º, CDC
, a saber:
1)
suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora;
2) sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida;
3) o pagamento a esse credor ser estipulado para ocorrer apenas após o pagamento aos credores presentes à audiência conciliatória.
Prazo para implementar a suspensão aqui determinada:
30 dias a contar da intimação da presente decisão.
Informo que realizei a intimação pessoal de
BANCO SANTANDER S/A
junto ao DJE, através da ferramenta disponibilizada sistema E-proc, sendo desnecessária, assim, a expedição de ofício para cientificação.
O DESCUMPRIMENTO
desta decisão judicial de suspensão
importará incidência de multa de R$ 500,00 por desconto indevido, até o limite da dívida pendente.
Sobre a multa aplicada, a cobrança do valor deverá ocorrer em ação autônoma, observado o decurso do prazo de cumprimento, a necessidade de confirmação na decisão final, bem como
a confirmação da intimação pessoal no DJE junto ao sistema ou entrega do ofício.
Ademais, fica advertido o credor réu que o descumprimento reiterado da decisão judicial incidirá na aplicação, ainda, de multa por ato atentatório à dignidade da justiça, nos termos do artigo 77, § 1º e inciso IV, do CPC.
PRELIMINARES DE MÉRITO
3. Passo ao exame das preliminares suscitadas.
FALTA DE INTERESSE DE AGIR - NÃO ALTERAÇÃO DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DA PARTE DEMANDANTE
Improcede a alegação de falta de interesse de agir por não ter demonstrado a parte autora qualquer tipo de infortúnio da vida ou de fatos imprevisíveis, pois devidamente preenchidos os requisitos previstos na lei n. 14. 181/2021, ao menos, em sede de cognição sumária.
Além disso, a parte reservada ao pagamento das despesas de subsistência encontra identificação na proteção do mínimo existencial, bem como no princípio da dignidade da pessoa humana, assegurado na Constituição Federal, art. 1º, inciso III; e no Código de Defesa do Consumidor, art. 6º, XII.
Ressalto que, a aferição das condições de superendividamento atinge o próprio mérito da pretensão, o que será apurado nos autos através da análise técnica ao final da demanda, razão pela qual, não há falar-se em extinção do feito de forma prematura.
AUSÊNCIA/FALTA DE INTERESSE DE AGIR - AUSÊNCIA DE CONTATO ADMINISTRATIVO
Inexiste previsão legal a exigir contato administrativo prévio entre as partes. Ademais, o próprio rito da Lei n. 14.181/2021 promove a audiência de conciliação entre as partes, para que possam construir plano de pagamento voluntário.
A esse respeito, embora o procedimento especial do superendividamento incentive a autocomposição, não é necessário o esgotamento da via administrativa para o ingresso de ação judicial, de forma que afasto a preliminar que versa sobre a falta de interesse de agir.
INÉPCIA DA INICIAL E AUSÊNCIA DE REQUISITOS
Improcede a alegação de inépcia da inicial e ausência de requisitos sobre declaração de valor incontroverso, porquanto viável a aferição das condições para elaboração do plano na segunda fase do procedimento mediante apresentação de quesitos ao administrador, ilustrando as condições de cumprimento da relação contratual em preservação à capacidade de reembolso do consumidor.
Soma-se à esta fundamentação o fato da ausência de conhecimento atual sobre o montante da dívida com os encargos pactuados, cujo ônus cabia à demandada apresentar nos autos com as informações integrantes da fase pré-contratual quando da concessão do crédito, na forma do artigo 6º, VIII do CDC. Ademais, a redação do artigo 104-B do CDC destinou procedimento especial diverso daquele contemplado no Código de Processo Civil.
Ainda, a ação tramita sob o rito específico da lei n. 14.181/2021, não sendo indispensável que os documentos estejam completos e juntados com a inicial, pois se trata de ação consumerista, com a possibilidade de inversão do ônus da prova para juntada de contratos e documentação pertinente.
DA AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR - DECRETO 11.567/2023 E AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO
Resta afastada a referida preliminar, tendo em vista à análise do caso concreto, sem incidência do Decreto 11.567/2023 (o qual alterou o Decreto nº. 11.150/2022) em controle difuso de constitucionalidade, conforme fundamentado no recebimento da inicial.
Além disso, a lei n. 14. 181/2021 padece de conceito de mínimo existencial, que é um termo indeterminado e amplo, sem regulamentação. Assim, indefiro a preliminar, pois o termo mínimo existencial é uma norma aberta e indeterminada, sendo avaliado o valor no caso concreto.
DA IMPOSSIBILIDADE INCLUSÃO DO CRÉDITO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NO ROL DE DÍVIDAS SUJEITAS À LEI 14.181/21
Sustenta a parte ré que os empréstimos consignados devem ser excluídos do rol de dívidas que afetam o denominado mínimo existencial, como previsto no Decreto nº. 11.150/2022, alterado pelo Decreto 11.567/2023, não podendo ser submetidos à repactuação em razão disso.
Sem razão. O Código de Defesa do Consumidor, ao disciplinar sobre o superendividamento em seus artigos 54-A e 104-A, não exclui da repactuação os empréstimos consignados, os quais são dívidas de consumo, inegavelmente:
Art. 54-A. Este Capítulo dispõe sobre a prevenção do superendividamento da pessoa natural, sobre o crédito responsável e sobre a educação financeira do consumidor.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas
dívidas de consumo
, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
(grifei)
§ 2º As dívidas referidas no § 1º deste artigo
englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada
. (grifei)
Art. 104-A. A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de
dívidas previstas no art. 54-A
deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
(grifei)
As exclusões, ademais, foram apontadas de forma expressa pela legislação protetiva, senão vejamos:
§ 1º Excluem-se do processo de repactuação as dívidas, ainda que decorrentes de relações de consumo, oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento, bem como as dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
Embora o artigo 4º, parágrafo único, inciso I, letra "h" do Decreto nº 11.150/2022 tenha excluído os empréstimos consignados do cálculo do mínimo existencial, não há exclusão de tal dívida do rol passível de repactuação trazido pela Lei 14.181/21, na forma dos artigos supracitados.
Cito, para ilustrar o entendimento firmado, decisão proferida pelo Des. Alexandre David Malfatti nos autos do Agravo de instrumento nº 2145091-53.2024.8.26.0000, oriundo do Tribunal de Justiça de Estado de São Paulo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO COM RELAÇÃO A TODAS AS DÍVIDAS DE CONSUMO. Recurso interposto contra decisão que julgou improcedente a ação com relação aos empréstimos consignados e determinou o prosseguimento da ação com relação ao contrato nº 125944911 referente ao Banco. Exclusão dos empréstimos consignados da ação de repactuação de dívidas. Descabimento. Na verdade,
o art. 104-A § 1º do CDC não excluiu os empréstimos consignados da ação de repactuação de dívidas. E, nessa linha, o artigo 4º, parágrafo único, inciso I, letra "h" mencionou os "empréstimos consignados" como exclusão do cálculo do mínimo existencial. Os empréstimos consignados não foram excluídos da possibilidade da repactuação
. Ação judicial que visa implementar direitos básicos do consumidor, em especial a uma vida digna (inclusive sob enfoque material), modificação de cláusulas ou revisão de contratos, acesso aos órgãos judiciários, a facilitação dos direitos do consumidor em Juízo, tratamento do superendividamento, e garantia da preservação do mínimo existencial na conciliação e repactuação de dívidas, tudo nos moldes dos incisos I, V, VII, VIII, XI e XII do artigo 6º do CDC. Processamento da ação de repactuação de dívidas que se mostra necessário em relação também aos empréstimos consignados. DECISÃO REFORMADA. AGRAVO PROVIDO. (grifei)
As demais matérias confundem-se com o mérito e com ele serão apreciadas ao final, ante a necessidade de análise conjunta das condições contratuais e patrimoniais da parte autora.
ADMINISTRADOR JUDICIAL
3. Sanadas as preliminares, o processo encontra-se apto à segunda fase do procedimento de repactuação.
Restou realizada audiência de conciliação, estando a parte ré devidamente citada e cientificada da pretensão de repactuação, autorizado pela Lei n. 14.181/2021 (art. 104-B).
As possibilidades da parte demandante, de igual forma, encontram-se assinaladas na exordial.
Nesse compasso, considerando a possibilidade de nomeação de administrador nos processos que tramitam sob o rito da Lei n. 14.181/2021, visando ao auxílio técnico para elaboração do plano judicial compulsório, nomeio para o encargo o SR.
MÁRCIO LAVIES BONDER
,
marcio@lbpericias.com.br <mailto:marcio@lbpericias.com.br>
, 5130620201, 5199013000
,
sob compromisso.
Orientação ao administrador nomeado:
Em preservação à cooperação das partes e boa-fé dos contrantes,
NÃO
podem ser abrangidos na presente repactuação, os
contratos celebrados após o ajuizamento da ação
, em razão da vedação, ao consumidor, da prática de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento, artigo 104-A, § 4º, IV, do CDC.
A esse respeito, pondero que o consumidor que adota tal prática enquadra-se na definição de superendividado ativo, conceito que, conforme a doutrina, pode ser dividido em ativo consciente, assim considerado aquele que agiu com a intenção deliberada de não pagar ou fraudar seu credor (consumidor de má-fé), ou, ativo inconsciente, o qual, ou age de forma impulsiva ou sem formular o cálculo correto no momento da contratação de novas dívidas (consumidor imprevidente e sem malícia).
1
Quanto aos honorários e custeio
:
Consigno que, o custeio do profissional se dará com base na tabela Anexo único, do Ato n.º 38/2025-P, previsto pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
a) Dessa forma, para ações revisionais envolvendo Negócios Jurídicos Bancários de
até 4 (quatro) contratos
deverão ser fixados os honorários do perito/administrador
no valor máximo de R$ 823,91
, conforme item 1.2 da tabela. Outrossim, quando envolver
mais de 4 (quatro) contratos
serão fixados os honorários periciais
no importe máximo de R$ 1.412,40
, segundo item 1.3 da referida tabela.
O pagamento será efetuado quando da entrega do laudo:
Ato 045/2022-P - ART. 3.º - O PAGAMENTO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS, NOS CASOS DISCIPLINADOS POR ESTE ATO, À EXCEÇÃO DA HIPÓTESE PREVISTA NO § 2.º DO ARTIGO 1.º, SERÁ EFETUADO APÓS O TÉRMINO DO PRAZO PARA QUE AS PARTES SE MANIFESTEM SOBRE O LAUDO, OU, HAVENDO SOLICITAÇÃO DE ESCLARECIMENTOS, DEPOIS DE SEREM PRESTADOS
Do dever das partes:
1. A parte demandante
deverá juntar aos autos
comprovante de rendimentos atualizados
, bem como, extrato atual da conta bancária, para o que fica intimada na presente decisão.
Reitero à parte demandante sobre a
importância da descrição da quantia a ser reservada ao mínimo existencial
e demonstração,
de forma documental e discriminada
, especialmente com relação às despesas de sobrevivência, fins de possibilitar a elaboração de plano de pagamento viável.
Consigno que,
a omissão da parte demandante
quanto à comprovação das despesas de sobrevivência e apresentação dos documentos necessários influirá no plano de pagamento a ser elaborado pelo administrador judicial.
2. Os credores demandados
devem juntar aos autos cópia de todos os contratos firmados entre as partes
em vigor e descritos na inicial
, bem como extratos integrais e atualizados dos pagamentos, contendo valores e respectivas datas, tão logo intimados sobre a nomeação, sendo que,
a omissão será valorada quando da decisão final
.
3. Outrossim, o(s) credor(es) deverá(ão)
apresentar os comprovantes de renda utilizados como parâmetro para concessão do crédito.
Prazo comum: 5 dias a contar da intimação da presente decisão.
Para elaboração do plano
, necessária, inicialmente, a análise dos contratos e a capacidade de comprometimento da renda consumidor, motivo pelo qual passo a formular quesitos ao (à) Administrador (a):
Quesitos:
1) O (s) contrato (s) firmado (s) observa (m) a taxa média de mercado? Caso negativo, qual o percentual em que ultrapassa (m)?
2) Quais tarifas foram estipuladas em contrato e exigidas do consumidor no que diz com o cálculo de pagamento?
2.1) Listar as tarifas e valores ou percentuais.
3) O (s) contrato (s) possui (em) previsão de cobrança de capitalização de juros? Qual a periodicidade?
4) Quais os encargos moratórios incidentes e estabelecidos em cada contrato?
5) Indique, expressamente, se há cumulação de comissão de permanência com encargos moratórios.
6) O (s) contrato (s) celebrado (s) respeitam a previsão do artigo 54-B do CDC? Caso negativo, o que não restou observado?
6.1) O custo efetivo total e a descrição dos elementos que o compõem?
6.2) A taxa efetiva mensal de juros?
6.3) A taxa dos juros de mora?
6.4) O total de encargos, de qualquer natureza, previstos para o atraso no pagamento?
6.5) O montante das prestações?
7) Qual o valor mensal disponível no orçamento do consumidor para distribuição entre os credores, que preserve o mínimo existencial (entende-se por mínimo existencial as despesas necessárias à subsistência do consumidor)?
7.1) Qual a cronologia da concessão do crédito?
7.2) Quando concedido o crédito, qual era a disponibilidade mensal do consumidor de comprometimento de renda? (especificar por contrato)
7.3) Quando concedido o crédito, o consumidor estava inscrito em cadastros de inadimplentes?
7.4) Quando concedido o crédito, havia comprometimento integral ou parcial de margem consignada (tratando-se de pensionista, aposentado ou renda fixa)? O administrador judicial deverá informar qual era a
disponibilidade mensal do consumidor de comprometimento de renda
(se existente ou não), quando concedido o crédito em repactuação, especialmente, se havia
comprometimento integral ou parcial de margem consignada
, no que diz com os empréstimos consignados.
7.5) Com base na resposta do quesito 06, qual o valor disponível a ser pago a cada credor, proporcionalmente ao (s) contrato (s) firmado (s), em respeito ao artigo 54-D do CDC?
8) Elabore o plano de pagamento compulsório, observando-se o estabelecido pelo artigo 104-B do CDC e considerando-se o prazo de 60 meses, o que for necessário para preservação do mínimo existencial. A quitação das dívidas constantes no plano consensual antecederão às do plano compulsório, salvo quando houver possibilidade de simultaneidade.
8.1) O plano compulsório observará o valor principal e correção monetária que preservem o mínimo existencial, nos termos do §4º do 104B, incidindo os demais encargos de mora se preservado o mínimo existencial.
8.2) Elabore o plano de pagamento compulsório observando a média dos juros remuneratórios, publicados pelo BACEN, caso o percentual aplicado ao contrato seja superior.
Data-base para início da repactuação
:
1. Regra geral: data do deferimento da tutela de urgência.
2. Se modificada a decisão pela via recursal, data da última decisão da Instância Superior.
Ao profissional nomeado
para que diga se aceita o encargo (cuja manifestação deverá ocorrer no prazo de 05 dias a contar da presente intimação). Em caso de aceite,
O PROFISSIONAL FICA, DESDE JÁ, INTIMADO PARA DAR INÍCIO AOS TRABALHOS
,
devendo entregar o laudo no prazo de
30 dias da aceitação
.
Desnecessária
a apresentação de quesitos ou indicação de assistente técnico para acompanhamento dos trabalhos, uma vez que as partes serão intimadas do plano elaborado, com prazo para manifestação.
Entregue o laudo, intimem-se as partes para manifestação no prazo comum de 15 dias.
Q
uanto ao pagamento do profissional
,
apresentado o laudo e decorrido prazo de manifestação sem impugnação, proceda-se na requisição de pagamento dos honorários, através do Sistema AJ.
Agendada intimação eletrônica.
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear