Banco Bradesco Financiamentos S.A. x Irio Fernandes De Souza
ID: 309666875
Tribunal: TJSC
Órgão: Gab. 03 - 3ª Câmara de Direito Civil
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5001715-46.2022.8.24.0076
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JULIANO RICARDO SCHMITT
OAB/SC XXXXXX
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MARLON ANDRE ABATTI
OAB/SC XXXXXX
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Apelação Nº 5001715-46.2022.8.24.0076/SC
APELANTE
: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. (RÉU)
ADVOGADO(A)
: JULIANO RICARDO SCHMITT (OAB SC020875)
APELADO
: IRIO FERNANDES DE SOUZA (AUTOR)
ADVOGADO(A…
Apelação Nº 5001715-46.2022.8.24.0076/SC
APELANTE
: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. (RÉU)
ADVOGADO(A)
: JULIANO RICARDO SCHMITT (OAB SC020875)
APELADO
: IRIO FERNANDES DE SOUZA (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: MARLON ANDRE ABATTI (OAB SC032319)
DESPACHO/DECISÃO
I - Relatório
Forte no princípio da celeridade, e utilizando racionalmente as ferramentas informatizadas, adota-se,
in totum,
o relatório da Sentença (
evento 107, SENT1
),
in verbis:
Trata-se de ação declaratória de nulidade de negócio jurídico c/c repetição de indébito com pedido de indenização por danos morais e tutela de urgência proposta por
IRIO FERNANDES DE SOUZA
em face de BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A., ambos qualificados nos autos.
Alega o autor que: recebe benefício previdenciário; foi surpreendido com descontos pelo banco réu; não contratou empréstimo com o réu. Requereu: a concessão dos benefícios da justiça gratuita; a inversão do ônus da prova; a declaração de inexistência da relação contratual; a repetição do indébito; a condenação do réu à compensação por danos morais no importe de R$20.000,00 (
1.1
).
A competência foi declinada (
5.1
), sendo suscitado conflito negativo de competência (
12.1
), o qual foi decidido pelo Tribunal de Justiça (
18.1
).
Instado a comprovar sua hipossuficiência econômica (
23.1
), juntou documentos (
26.1
).
Foram deferidos os benefícios da gratuidade da justiça e a inversão do ônus da prova, sendo a análise da tutela de urgência postergada (
28.1
).
Devidamente citado (
33.1
), o banco réu apresentou contestação (
35.2
), preliminarmente: impugnou o valor da causa e a justiça gratuita, levantou a falta de interesse de agir. No mérito: sustentou a legalidade da contratação, alegando inexistência de ato ilícito, tampouco dano moral indenizável.
Houve réplica (
39.1
).
O feito foi saneado, sendo concedida a tutela de urgência e determinada a realização de perícia (
47.1
).
O laudo pericial foi juntado (
94.1
).
As partes se manifestaram sobre o laudo pericial (
98.1
e
100.1
).
A parte ré juntou manifestação do assistente técnico pericial (
105.1
).
Vieram os autos conclusos.
É o relato.
Passo a fundamentar e decidir (art. 93, IX, da CF/88)
.
Ato contínuo, sobreveio Sentença (
evento 107, SENT1
) da lavra do MM. Magistrado Thiago Rosa Alvarez, julgando a demanda nos seguintes termos:
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por
IRIO FERNANDES DE SOUZA
em face de BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A., com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para confirmar a tutela de urgência deferida e:
a)
DECLARAR
a nulidade da relação jurídica representada pela Cédula de Crédito Bancário nº
816754072-1
;
b)
CONDENAR
a parte ré BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. a proceder à restituição dos valores cobrados indevidamente EM DOBRO a partir de 30/03/2021 e a na forma simples os valores cobrados anteriormente a 30/03/2021, todos acrescidos de juros de mora pela Taxa Selic, deduzido o índice de atualização monetária (IPCA) e correção monetária pelo IPCA, ambos desde cada desembolso;
c)
CONDENAR
a parte ré BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Correção monetária pelo IPCA desde o arbitramento (art. 389 do CC e Súmula 362 do STJ) e juros moratórios pela taxa legal prevista no art. 406 do CC desde a data do evento danoso (Súmula 54 do STJ).
CONDENO
a parte ré ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, os quais fixo em 15% do valor da condenação, na forma do art. 85, § 2º, do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Após o trânsito em julgado,
arquivem-se.
Irresignada com a prestação jurisdicional, a instituição financeira requerida interpôs recurso de Apelação (
evento 115, APELAÇÃO1
) no qual alega, preliminarmente, a nulidade da sentença em razão da prestação jurisdicional incompleta e, também, por cerceamento de defesa. Quanto ao mérito, sustenta, em suma, a regularidade da contratação e a ausência de falha na prestação do serviço bancário. Pugna, ainda, pela determinação de compensação de valores entre as partes a fim de evitar-se enriquecimento indevido da parte autora. Por fim requer o afastamento da determinação de repetição do indébito e da condenação ao pagamento de indenização por danos morais. De forma, alternativa, requer a minoração do quantum indenizatório. Diante dos referidos argumentos, pugna a recorrente pela reforma da sentença quanto aos suscitados pontos.
Contrarrazoado o recurso (
evento 121, CONTRAZAP1
), os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.
Este é o relato do necessário.
II - Decisão
1. Da possibilidade de decisão unipessoal
Inicialmente, impõe-se destacar caber ao Relator, nos termos do artigo 932 do Código de Processo Civil, em atenção ao direito das partes de receber da forma mais célere possível a prestação jurisdicional (artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal), proceder a julgamento monocrático de questão jurídica com entendimento pacificado no âmbito do Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça.
Extrai-se da Lei Processual Civil:
Art. 932. Incumbe ao relator:
I - dirigir e ordenar o processo no tribunal, inclusive em relação à produção de prova, bem como, quando for o caso, homologar autocomposição das partes;
II - apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal;
III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
IV - negar provimento a recurso que for contrário a:a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
VI - decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, quando este for instaurado originariamente perante o tribunal;
VII - determinar a intimação do Ministério Público, quando for o caso;
VIII - exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal.
Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.
Ainda, atentando ao permissivo legal constante no artigo 932, VIII, o Regimento Interno deste Tribunal de Justiça confere ao Relator a faculdade de proferir decisão monocrática na hipótese sub examine. Extrai-se:
Art. 132 - São atribuições do relator, além de outras previstas na legislação processual: [...]
XIII - negar seguimento a recurso nos casos previstos em lei;
XIV - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
XV - negar provimento a recurso nos casos previstos no inciso
IV do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando esteja em confronto com enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça;
XVI - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento a recurso nos casos previstos no inciso V do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando a decisão recorrida for contrária a enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça;
In casu
, havendo remansosa jurisprudência a respeito do tema, passível de análise monocrática o presente feito.
2. Admissibilidade
É consabido que o procedimento recursal exige o preenchimento de pressupostos específicos, necessários para que se possa examinar o mérito do recurso interposto. Portanto, torna-se imperiosa, num primeiro momento, a análise dos pressupostos recursais, em razão de constituírem a matéria preliminar do procedimento recursal, ficando vedado ao Tribunal o conhecimento do mérito no caso de não preenchimento de quaisquer destes pressupostos.
Tais pressupostos são classificados como intrínsecos (cabimento, interesse recursal, legitimidade recursal, inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) e extrínsecos (regularidade formal, tempestividade e preparo). Os pressupostos intrínsecos estão atrelados ao direito de recorrer, ao passo que os extrínsecos se referem ao exercício desse direito.
Assim, recolhidas as custas de preparo recursal pela parte apelante (
evento 115, ANEXO3
), e preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, passa-se à análise dos recursos.
3. Recurso
Trata-se de recurso de Apelação interposto pela casa bancária requerida contra Sentença proferida no âmbito da ação declaratória c/c pleito indenizatório que julgou parcialmente procedente o pedido da parte autora.
Em suas razões recursais, a parte requerida sustenta, preliminarmente, a nulidade da sentença em razão da prestação jurisdicional incompleta e, também, diante do cerceamento de defesa consubstanciado no fato de o Juízo singular não ter apreciado de forma adequada a documentação juntada pelo banco ora apelante. Quanto ao mérito a recorrente, sustenta, em suma, a regularidade da contratação e a ausência de falha na prestação do serviço bancário. Pugna, ainda, pela determinação de compensação de valores entre as partes a fim de evitar-se enriquecimento indevido da parte autora. Por fim requer o afastamento da determinação de repetição do indébito e da condenação ao pagamento de indenização por danos morais. De forma, alternativa, requer a minoração do quantum indenizatório. Diante dos referidos argumentos, pugna a recorrente pela reforma da sentença quanto aos suscitados pontos.
Delimitas as teses recursais, passa-se a análise das referidas insurgências.
4. Preliminares
4.1 Da Nulidade da Sentença
Em preliminar, sustenta a requerida que a Sentença vergastada deve ser anulada porquanto
"[...] o juízo decidiu em total discrepância com as provas e a situação narrada nos autos, visto que restou devidamente comprovada pelo Apelante a legalidade do contrato firmado entre as partes"
(
evento 115, APELAÇÃO1
). Defende, nesse contexto, que a jurisdição foi prestada de forma incompleta e, em razão disso, requer a anulação da sentença para que aspectos importantes para o deslinde do feito sejam analisados em novo
decisum.
Com efeito, a análise do mérito, neste caso, envolve a valoração das provas, sendo prerrogativa do Magistrado formar sua convicção acerca dos fatos expostos no processo, bem como acolher as teses apresentadas pelas partes. Nesse sentido, conforme entendimento sedimentado no Superior Tribunal de Justiça:
"O Magistrado não está obrigado a refutar detalhadamente todas as teses apresentadas pela defesa, desde que, pela fundamentação apresentada, seja possível compreender os motivos pelos quais rejeitou ou acolheu as pretensões deduzidas" (STJ, HC n. 433.109/RS, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 17/5/2018).
Outrossim, apesar da irresignação recursal, observa-se, em análise detalhada da sentença, que o Magistrado de primeira instância fundamentou de forma coerente e contextual os motivos pelos quais acolheu os pedidos iniciais, não havendo que se falar em ausência de fundamentação ou negativa de prestação jurisdicional. Constatou-se que a pretensão formulada foi devidamente analisada, havendo a devida demonstração do convencimento do juiz sobre a questão em litígio.
A respeito do tema, colhe-se julgado desta Corte de Justiça:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DE AMBAS AS PARTES. [...].
NULIDADE DA SENTENÇA POR PRESTAÇÃO JURISDICIONAL INCOMPLETA. DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO OBSERVADO. PRONUNCIAMENTO JUDUCIAL PAUTADO EM CONTEÚDO PROBATÓRIO PRODUZIDO NOS AUTOS. TESE REJEITADA.
DEFENDIDA A LEGALIDADE DA CONTRATAÇÃO. ALEGAÇÃO DE FALSIDADE DE ASSINATURA APOSTA NO PACTO SUB JUDICE. CESSADA A FÉ DO DOCUMENTO ANTE A IMPUGNAÇÃO DA FIRMA PELA PARTE AUTORA. EXEGESE DO ART. 428, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PROVA PERICIAL QUE ATESTA NÃO SER AUTÊNTICA A ASSINATURA LANÇADA. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. SENTENÇA ESCORREITA. [...]. RECURSO CONHECIDOS E PROVIDOS EM PARTE. (TJSC, Apelação n. 5001327-39.2022.8.24.0143, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Silvio Franco, Primeira Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, j. 26-03-2025).
Nesse contexto, importante destacar o entendimento já consagrado no sentido de que
"não importa negativa de prestação jurisdicional o acórdão que adota, para a resolução da causa, fundamentação suficiente, porém diversa da pretendida pelo recorrente, decidindo de modo integral a controvérsia posta"
(AgInt no AREsp n. 1.772.584/RS, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 31-5-2021).
Portanto em razão dos fundamentos declinados, afasta-se a arguição preliminar formulada pela parte requerida.
4.2 Do cerceamento de defesa
Também de forma prefacial, alega o banco requerido a ocorrência de cerceamento de defesa em razão do Juízo singular não ter apreciado o documento nomeado como "Análise do Laudo Pericial Grafotécnico" (
evento 105, DOCUMENTACAO2
) o qual foi elaborado por "Assistente técnico pericial" indicado por si.
No ponto, contudo, não assiste razão à apelante.
Isso porque, conforme bem esclarecido na sentença vergastada
"O banco réu juntou, após sua declaração sobre o laudo pericial, documento com manifestação do assistente técnico pericial. Tendo uma vez se manifestado sobre o laudo pericial, configura-se a preclusão consumativa, não sendo possível apresentá-la mais uma vez (
evento 107, SENT1
).
Dessa forma, inviável o acolhimento da pretensão do banco apelante no sentido de que houve cerceamento de defesa, especialmente porque já havia ocorrido a preclusão do seu direito de se insurgir contra o laudo pericial (
evento 94, LAUDO1
), quando protocolou o documento denominado "Análise do Laudo Pericial Grafotécnico" (
evento 105, DOCUMENTACAO2
)
Ademais, a referida "Análise do Laudo Pericial Grafotécnico" (
evento 105, DOCUMENTACAO2
) não é apta a provocar a nulidade do julgado e, consequentemente, a nova análise dos fatos na Primeira Instância, especialmente diante do argumento genérico de incorreção da perícia grafotécnica, a qual se revela dissociada de demonstração da exata maneira pela qual os fatos seriam efetivamente demonstrados por meio de eventual nova perícia.
Destarte, pelos fundamentos ora declinados, não há falar em cerceamento de defesa no caso concreto, pois exauriente a cognição decorrente dos documentos e da perícia realizada na primeira instância.
Portanto, afasta-se a prefacial aventada.
5. Mérito
5.1 Da validade da contratação
Sustenta a instituição financeira demandada a necessidade de reforma da sentença objurgada para fins de reconhecimento da regularidade da assinatura aposta na avença firmada entre as partes e por consectário lógico, da relação jurídica objeto de questionamento pela parte adversa.
Fundamenta sua pretensão, no fato de ter colacionado aos autos cópia do contrato firmado e sua respectiva documentação. Destaca, outrossim, o fato de que
"[...] a celebração do contrato em análise se deu através da vontade livre e consciente do Apelado, e, portanto, é um ato jurídico perfeito, posto que firmado por partes capazes, com objeto lícito e forma não defesa em lei"
(
evento 115, APELAÇÃO1
).
A celeuma recursal reside, portanto, em torno da constatação da legalidade da avença firmada entre as partes litigantes.
Pois bem.
Ab initio
, imprescindível ressaltar ter sido a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor devidamente fundamentada pelo Juízo de Primeiro Grau (
evento 28, DESPADEC1
), inexistindo qualquer insurgência recursal neste tocante, razão pela qual a análise do presente recurso será realizada sob o manto da legislação consumerista.
Dito isso, é cediço que a configuração da responsabilidade civil objetiva prevista no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, exige-se a comprovação da prática de conduta comissiva ou omissiva, causadora de prejuízo à esfera patrimonial de outrem, independentemente de culpa, decorrendo dessas situações, os pressupostos: ato ilícito, dano e nexo de causalidade.
Nesse sentido, incumbe ao autor, independentemente da inversão do ônus probatório, demonstrar a ocorrência de evento causador de dano e o nexo causal com a atividade exercida pelo fornecedor no mercado consumidor, que, por sua vez, desincumbir-se-á do dever ressarcitório tão somente se comprovar a inexistência de dano, ou ainda, de liame causal entre o dano e exercício de sua atividade.
É o que determina o § 3º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor,
in verbis:
"§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro."
Esclarecido isso, extrai-se incontroverso dos autos o fato de o requerido ter promovido descontos mensais no benefício previdenciário do autor a título de cobranças relacionadas a suposto contrato de empréstimo consignado (Contrato n. 816754072) (
evento 1, EXTR8
).
O demandante, no entanto, impugnou a regularidade dos referidos descontos, asseverando jamais ter celebrado a contratação ensejadora dos mesmos e refutou expressamente a autenticidade da assinatura aposta no contrato apresentado pelo banco demandado (
evento 39, RÉPLICA1
).
Dessarte, considerando ter sido a autenticidade da assinatura tese expressamente levantada pela autora - fazendo cessar, portanto, a fé do escrito particular - competia ao demandado (responsável pela produção da prova cuja autenticidade está sendo impugnada), o ônus de comprovar a veracidade do referido documento, à luz da regra estampada nos artigos 428, inciso I, e 429, inciso II, ambos do Código de Processo Civil,
in verbis:
Art. 428. Cessa a fé do documento particular quando:
I - for impugnada sua autenticidade e enquanto não se comprovar sua veracidade;
[...]
Art. 429. Incumbe o ônus da prova quando:
[...]
II - se tratar de impugnação da autenticidade, à parte que produziu o documento.
Nesse sentido, inclusive, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 1.061), definiu que, nas hipóteses em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a ela o ônus de provar a veracidade do registro.
Logo, tratando-se de contestação à assinatura aposta em contrato bancário apresentado pelo banco, incumbe à parte que produziu o documento - no presente caso, o demandado - o ônus de provar sua autenticidade.
A respeito do tema, leciona Nelson Nery Junior:
"Contestação de assinatura. A parte que produz o documento é aquela por conta de quem ele se fez (...) Logo, é a responsável por irregularidades dele constantes. Note-se que aqui não se contesta o documento como um todo, como na hipótese do CPC 429 I, mas apenas parte dele, qual seja a aposição a assinatura. Sendo assim, o responsável pela confecção do documento, aquele por conta de que ele se fez, é quem deve contrapor as alegações de falsidade, até porque pode justificar ou comprovar a presença da pessoa que assinou." (Código de Processo Civil comentado. 16. ed. São Paulo: revista dos Tribunais, 2016. p. 1140-1141)
Na hipótese em análise, imprescindível ressaltar ter sido comprovado por meio de perícia grafotécnica judicial que a assinatura disposta no contrato de empréstimo em discussão não partiu do punho do autor, restando configurada, portanto, a ocorrência de falsificação (
evento 94, LAUDO1
).
Com efeito, extrai-se da conclusão do expert (
evento 94, LAUDO2
, fl. 35):
Diante das análises realizadas sobre os lançamentos caligráficos apostos nos documentos apresentados (CCB N° 816754072-1 e DECLARAÇÃO DE RESIDÊNCIA juntados aos autos no evento 41, CONTRATO 2, fls. 1/6), objetos deste laudo pericial, evidencia-se que as assinaturas questionadas NÃO EMANARAM DO PUNHO DO SR.
IRIO FERNANDES DE SOUZA
, tratando-se, portanto, de: LANÇAMENTOS INAUTÊNTICOS Apesar da tentativa de reprodução da assinatura, vários elementos essenciais, habituais e próprios do autor não foram observados pelo(a) falsário(a), escapando a este(a), características elencadas no presente laudo como: ataques, remates, método de construção, momentos gráficos, inclinação e outros.
Como visto, a assinatura lançada no contrato objeto de questionamento e ensejador dos descontos refutados não partiram do autor, o que acarreta a nulidade da referida contratação, conforme bem sentenciado pelo Juízo singular.
Em que pese o demandado ter se insurgido contra o resultado da referida perícia técnica judicial, deixou de apresentar prova contundente capaz de infirmar a conclusão do
expert
e invalidar a conclusão da perícia judicial.
Portanto,
in casu,
não se afigura possível provar a conjugação de vontades para celebração do contrato, não havendo como reconhecer eficácia ao negócio, porquanto inexistente.
A aventada contratação não pode operar efeitos (plano de eficácia) se nem ao menos cumpriu requisito de existência. O que não existe não é válido, nem eficaz, mormente porque não há possibilidade de formação de contrato sem que as partes mútua e reciprocamente estabeleçam de forma livre o seu consentimento.
A respeito do tema, disserta Arnaldo Rizzardo:
“Embora não capitulado explicitamente nos arts. 104 e 166, mas está inerente nestes e em outros dispositivos, acrescenta-se mais um requisito primordial para a validade dos contratos, que é o consentimento. Define-se como a integração de vontades distintas, ou a conjugação das vontades convergindo ao fim desejado. [...] Para criar um laço obrigacional é necessário, mister que haja um perfeito acordo, isto é, mútuo consenso sobre o mesmo objeto - dourum vel plurium in idem placitum consensus. [...] Importa que a vontade dos declarantes vise como escopo imediato um resultado jurídico de natureza obrigacional, além do que ela se deve traduzir por uma manifestação exterior suficiente e inequívoca, que por si só basta para evidenciar o consentimento. O contrato não se forma sem o acordo das vontades sobre todos os pontos que as partes julgam indispensáveis na convenção." (Contratos. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 16/17).
Na hipótese, não se pode reconhecer como válido um contrato fraudulento, eivado de nulidade, tão somente porque foi depositado o numerário na conta bancária do autor.
Necessário frisar que o requerente não consentiu com os termos da avença, com as taxas e juros impostos ou com as condições de pagamento. Logo não há como obrigá-lo a cumprir o pacto contra o qual não expressou qualquer voluntariedade de contratação.
Assim, por não respeitar a vontade na assunção da obrigação o pacto não supera o plano de existência (e, por conseguinte, de validade), sendo de todo ineficaz.
Desse modo, não se desincumbiu o requerido do ônus probatório de demonstrar a legalidade do contrato firmado, que previa o desconto periódico de valores do benefício previdenciário do requerente, a título de empréstimo consignado.
Sendo assim, deve ser mantida a decisão que declarou a inexistência da obrigação decorrente do contrato de n. 816754072 (
evento 35, DOC5
), determinando em definitivo o cancelamento dos respectivos descontos no benefício previdenciário do autor.
Inclusive, em situação semelhante, assim já assentou esta Relatora:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS, EXTRAPATRIMONIAIS E TUTELA DE URGÊNCIA. DESCONTO INDEVIDO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DECORRENTE DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CUJA CONTRATAÇÃO PELA AUTORA NÃO RESTOU COMPROVADA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. DANO MORAL AFASTADO. [...]. RECURSO DA REQUERIDA. PLEITO OBJETIVANDO O RECONHECIMENTO DA VALIDADE DO CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES, E DA CONSEQUENTE REGULARIDADE DOS DESCONTOS OPERADOS EM SEUS PROVENTOS. INSUBSISTÊNCIA. PERÍCIA GRAFOTÉCNICA PRODUZIDA NOS AUTOS QUE ATESTA A FALSIFICAÇÃO DA ASSINATURA DA AUTORA APOSTA NO CONTRATO DE EMPRÉSTIMO ENSEJADOR DOS DESCONTOS IMPUGNADOS. INEXISTÊNCIA DE PROVA CAPAZ DE INFIRMAR A CONCLUSÃO DO EXPERT. IRREGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO CONFIRMADA. RESPONSABILIDADE CIVIL CONFIGURADA. EXEGESE DO ARTIGO 14 DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. ANULAÇÃO DO CONTRATO MANTIDA. ILICITUDE DOS DESCONTOS EVIDENCIADA. [...]. ADEQUAÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INAUGURAIS. CONDENAÇÃO DA DEMANDADA AO PAGAMENTO INTEGRAL DAS CUSTAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
HONORÁRIOS RECURSAIS. MAJORAÇÃO DA CONDENAÇÃO SUCUMBENCIAL ACESSÓRIA, EX VI DO ART. 85, § 11, DO CPC. RECURSO DA REQUERIDA CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO DA AUTORA CONHECIDO E PROVIDO (TJSC, Apelação n. 5002197-81.2021.8.24.0026, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Denise Volpato, Oitava Câmara de Direito Civil, j. 04-06-2024).
No mesmo sentido, colaciona-se julgado deste Órgão fracionário:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCONTOS DECORRENTES DE CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO E DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) OPERADOS NO BENEFÍCIO DA AUTORA. [...]. (I)
EXISTÊNCIA E VALIDADE DA CONTRATAÇÃO NÃO DEMONSTRADAS. PERÍCIA GRAFOTÉCNICA QUE CONCLUIU PELA FALSIFICAÇÃO DA ASSINATURA ATRIBUÍDA AO AUTOR
. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE CULPA DIANTE DE FRAUDE PERPETRADA POR TERCEIRO FALSÁRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA QUE, TODAVIA, PRESCINDE DA AFERIÇÃO DE CULPA. RISCO INERENTE À ATIVIDADE DESENVOLVIDA PELA RÉ. SENTENÇA MANTIDA NO PARTICULAR.(II) PEDIDO DE AFASTAMENTO DE SUA CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. ABALO ANÍMICO NÃO CONFIGURADO. DESCONTOS QUE CONSUMIAM MENOS DE 4% (QUATRO POR CENTO) DOS RENDIMENTOS AUFERIDOS PELO AUTOR. MONTANTE INCAPAZ DE COMPROMETER A ESFERA PATRIMONIAL DO CONSUMIDOR. PREJUÍZO QUE SE RESOLVE NA ÓRBITA MATERIAL. SENTENÇA REFORMADA NO PARTICULAR. APELO DO BANCO BMG S/A. [...]. SENTENÇA ALTERADA NO PARTICULAR. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. SENTENÇA ALTERADA EM PARTE. ÔNUS SUCUMBENCIAIS REDISTRIBUÍDOS. (TJSC, Apelação n. 5000392-73.2022.8.24.0086, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 05-03-2024, grifei).
Logo, tendo em vista a ausência de elementos essenciais ao reconhecimento da própria existência e da validade do negócio, impossível dar juridicidade ao contrato colacionado aos autos.
Assim sendo, nega-se provimento ao apelo do demandado, devendo ser mantida incólume a Sentença neste tocante.
5.2 Da compensação de valores entre as partes
Em suas razões recursais, objetiva a instituição financeira demandada que seja determinada a devolução/compensação dos valores efetivamente depositados na conta corrente da parte autora em razão do empréstimo objeto da presente lide.
Nesse particular, a parte apelante argumenta que o Magistrado singular
"[...] silenciou sobre o valor recebido em virtude do empréstimo. Ora, se declarada a inexistência e se a autora/recorrida auferiu valores, nada mais justo que a restituição do valor ao banco, compensando com a repetição e com os danos morais. Tal ponto se afirma apenas por amor ao debate, com base no princípio da eventualidade.
Em continuidade, aduz que
" [...] é fato pacífico que houve o depósito do valor do empréstimo na conta pessoal da parte recorrida, no valor de R$ 15.870,89 (quinze mil, oitocentos e setenta reais e oitenta e nove centavos), conforme comprovante constante no evento 35 – ANEXO4: [...]" (
evento 115, APELAÇÃO1
).
O reclamo é desprovido no ponto.
Isso porque o Juízo
a quo
consignou expressamente na sentença vergastada que "
considerando a inexistência de comprovação dos valores efetivamente transferidos para a conta do autor, não há que se falar em compensação
(
evento 107, SENT1
).
Portanto, o Juízo singular não silenciou a respeito de eventual compensação, mas sim, constatou que inexiste prova nos autos de que houve efetiva transferência dos valores objeto do contrato declarado inexistente na conta bancária da parte autora.
De fato, não há prova contundentes nos autos de que os valores estabelecidos no contrato declarado nulo foram revertidos em proveito da parte autora, ora insurgente.
Registra-se que não há qualquer informação ou documento hábil que comprove que a parte autora da demanda foi beneficiada com os valores contidos no contrato de empréstimo. Registre-se, nesse ponto, que a suposta prova da transferência dos valores apresentada pela casa bancária apelante (
evento 35, ANEXO4
) é imprestável pois se trata de uma "captura de tela" de um suposto sistema interno do banco requerido, a qual foi produzida unilateralmente e que não traz mínimos dados necessários à eventual reconhecimento da suscitada portabilidade.
Portanto, à míngua de informações claras e que demonstrem que os valores foram efetivamente destinados em proveito do autor, é que não se reconhece o direito de compensação alicerçada no art. 368 do Código Civil.
Esta Corte de Justiça já se manifestou a respeito da questão em demanda semelhante à dos presentes autos. Vejamos:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSOS DE AMBAS AS PARTES. DISCUSSÃO A RESPEITO DA REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO. RELAÇÃO CONSUMERISTA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. COMPROVAÇÃO DA LEGITIMIDADE DOS DESCONTOS QUE CABIA À RÉ, ÔNUS DO QUAL NÃO SE DESINCUMBIU (ART. 373, II, DO CPC/2015). SENTENÇA MANTIDA.
[...]. PLEITO DE AFASTAMENTO DA AUTORIZAÇÃO DE COMPENSAÇÃO DE VALORES DEPOSITADOS EM VIRTUDE DO EMPRÉSTIMO. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE FOI O AUTOR QUEM OBTEVE PROVEITO COM O DEPÓSITO. RECURSO DO DEMANDANTE PROVIDO NO PONTO.
[...]. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. (TJSC, Apelação n. 5002913-25.2021.8.24.0086, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Osmar Nunes Júnior, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 30-03-2023).
E, ainda:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE DIREITO COM RESTITUIÇÃO DE VALORES, DANOS MORAIS, OBRIGAÇÃO DE FAZER. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. RECURSO DA CASA BANCÁRIA. DEFENDIDA A REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO. INSUBSISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA VALIDADE DO PACTO. CASA BANCÁRIA QUE SE ABSTEVE DE REQUERER E CUSTEAR A PERÍCIA TÉCNICA, APÓS A AUTORA TER SUSCITADO A FALSIDADE DA RUBRICA APOSTA NO DOCUMENTO. INTELIGÊNCIA DO TEMA 1.061 DO STJ. ATO ILÍCITO VERIFICADO. DEVOLUÇÃO DE VALORES INCONTESTE. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. TESE FIXADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO JULGAMENTO DO EARESP N. 676.608/RS DISPENSANDO A EXISTÊNCIA DA MÁ-FÉ. PRETENSÃO PARCIALMENTE ACOLHIDA. [...]. PLEITO DE AFASTAMENTO DA COMPENSAÇÃO DE VALORES DETERMINADA EM SENTENÇA. SUBSISTÊNCIA. CONTRATO OBJETO DA LIDE QUE SE TRATA DE PORTABILIDADE BANCÁRIA, SEM A DISPONIBILIZAÇÃO DE VALORES A TÍTULO DE TROCO EM FAVOR DA DEMANDANTE. AFASTAMENTO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS INALTERADOS. HONORÁRIOS RECURSAIS. INVIABILIDADE. RECURSO DA RÉ CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. APELO DA AUTORA CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5020627-02.2021.8.24.0020, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Sérgio Izidoro Heil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 29-08-2023).
Sendo assim,
"[...] ausente a prova da transferência de valores, é de afastar a pretensão recursal de compensação"
(TJSC, Apelação n. 5015186-46.2022.8.24.0039, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Edir Josias Silveira Beck, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 07-12-2023).
Logo, diante das razões ora declinadas, nega-se provimento ao reclamo no presente tópico.
5.3 Da repetição do indébito
Insurge-se a casa bancária recorrente contra a determinação de repetição do indébito. Defende no referido aspecto, que
"o Apelado não teve qualquer prejuízo material, sendo que os descontos reclamados foram decorrentes da regular contratação de empréstimo consignado"
(
evento 115, APELAÇÃO1
).
No presente ponto, o reclamo deve ser desprovido.
Isso porque, a determinação de repetição do indébito é uma consequência lógica do reconhecimento da invalidade das contratações questionados nos presentes autos.
Com efeito, apesar de o Superior Tribunal de Justiça não ter encerrado a “
discussão quanto às hipóteses de aplicação da repetição em dobro prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC
” (Tema 929 – STJ), esta Corte tem-se filiado ao posicionamento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça, que ao julgar a EAREsp n. 676.608/RS, adotou o entendimento de que a devolução em dobro do valor indevidamente cobrado do consumidor não depende da comprovação de que o fornecedor agiu com má-fé,
in verbis:
13. Fixação das seguintes teses. Primeira tese: A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva. (...) Modulação dos efeitos: Modulam-se os efeitos da presente decisão - somente com relação à primeira tese - para que o entendimento aqui fixado quanto à restituição em dobro do indébito seja aplicado apenas a partir da publicação do presente acórdão. A modulação incide unicamente em relação às cobranças indevidas em contratos de consumo que não envolvam prestação de serviços públicos pelo Estado ou por concessionárias, as quais apenas serão atingidas pelo novo entendimento quando pagas após a data da publicação do acórdão.” (STJ. EAREsp 676608 / RS. Rel. Min. OG Fernandes, julgado em 21/10/2020 e DJE 30/03/2021).
Seguindo o referido posicionamento,
in casu
, restou devidamente comprovado nos autos que houve descontos operados pelo banco demandado nos proventos da parte autora (
evento 1, EXTR8
), no valor mensal de R$ 385,00 (trezentos e oitenta e cinco reais). Também restou incontroverso que tais descontos se revelaram indevidos pois decorreram de relação contratual declarada inexistente/nula. Logo, a manutenção de determinação de repetição do indébito é imperiosa para evitar-se enriquecimento sem causa da parte demandada.
Observou-se, ainda, que o Juízo singular fez a escorreita aplicação modulada da repetição do indébito, nos termos da decisão do Superior Tribunal de Justiça já suscitada no presente voto (EAREsp n. 676.608/RS) - (
evento 107, SENT1
).
Assim, em razão dos fundamentos expostos, afigura-se adequada a repetição do indébito conforme fixada na sentença guerreada.
A respeito do tema, colhe-se julgado desta Câmara judicante:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCONTOS DECORRENTES DE CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO OPERADOS NO BENEFÍCIO DA AUTORA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA RECÍPROCA. [...]. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. TESE FIXADA PELO STJ. DISPENSADA A EXISTÊNCIA DA MÁ-FÉ. APLICABILIDADE AO CASO CONCRETO EM RELAÇÃO AOS DESCONTOS PERPETRADOS PELA RÉ EM PERÍODO POSTERIOR À DATA DE PUBLICAÇÃO DO JULGAMENTO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA N. 676608/RS. VALORES REFERENTES AOS DESCONTOS OPERADOS EM DATA ANTERIOR QUE DEVEM, TODAVIA, SER RESTITUÍDOS NA FORMA SIMPLES. MÁ-FÉ DA RÉ NÃO DEMONSTRADA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. [...]. RECURSOS CONHECIDOS. APELO DA RÉ PROVIDO EM PARTE.(TJSC, Apelação n. 5002632-80.2023.8.24.0189, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 17-12-2024).
Portanto,
"[...] nada há a modificar no caso em apreço, tendo em vista que o juízo singular já observou o entendimento alhures e aplicou, à luz do art. 927 do Digesto Processual, a modulação de efeitos supracitada"
(TJSC, Apelação n. 5001017-96.2024.8.24.0067, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. André Carvalho, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 03-12-2024).
Destarte, pelos fundamentos ora expostos, nega-se provimento ao recurso de instituição financeira requerida.
5.4 Dos danos morais
Em suas razões recursais, objetiva a parte demandada, em suma, seja reformada a Sentença para afastar a sua condenação ao pagamento de indenização por danos morais.
No aspecto, defende que
"[...] Não houve falha na prestação do serviço ou ocorrência de ato ilícito, aptos a causar abalo que exacerbe “a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige.” (REsp 714611/PB, Quarta Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ em 02/10/2006)
"
. Alega, outrossim, que "
A configuração do dano moral indenizável requer, impreterivelmente, a presença do dano, a antijuridicidade do ato e o nexo causal entre tais elementos, devendo ser grave a lesão ao direito da vítima. E nada disso restou comprovado" (
evento 115, APELAÇÃO1
).
Razão não assiste à ora apelante.
É consabido que o dano moral consiste em prejuízo de natureza não patrimonial capaz de afetar o estado anímico da vítima, seja relacionado à honra, à imagem, à liberdade, à vida ou à incolumidade física e psíquica.
De outra parte, cediço não ser qualquer ofensa aos bens jurídicos supracitados que gera dever indenizatório, sendo imprescindível que a lesão moral apresente certo grau de magnitude, de modo a não configurar simples aborrecimento.
A propósito, explica Carlos Alberto Bittar:
"Na prática, cumpre demonstrar-se que, pelo estado da pessoa, ou por desequilíbrio e, sua situação jurídica, moral econômica, emocional ou outras, suportou ela consequências negativas advindas do ato lesivo. A experiência tem mostrado, na realidade fática, que certos fenômenos atingem a personalidade humana, lesando os aspectos referidos, de sorte que a questão se reduz, no fundo, a simples prova do fato lesivo. Realmente, não se cogita, em verdade, pela melhor técnica, em prova de dor, ou de aflição, ou de constrangimento, porque são fenômenos ínsitos na alma humana como reações naturais a agressões do meio social. Dispensam, pois, comprovação, bastando, no caso concreto, a demonstração do resultado lesivo e a conexão com o fato causador, para responsabilização do agente." (in Reparação civil por danos morais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 129/130).
No caso em concreto, o abalo moral decorreria da aflição e da intranquilidade financeira experimentadas pelo consumidor (autor), que sofreu descontos indevidos em benefício previdenciário por si auferido.
Com efeito, ao longo dos anos sempre me filiei ao entendimento de que os descontos indevidos em benefício previdenciário dispensava a produção de outras provas. Sobretudo porque não se pode banalizar a privação indevida e injustificada de bens de quem quer que seja, mas especialmente por considerar a particularidade da função social atrelada ao benefício previdenciário.
Essa linha de raciocínio contava com o respaldo de reiteradas decisões deste Tribunal de Justiça, no sentido de que se tratava de dano moral presumido, ou seja, que independia da produção de outras provas, porquanto a lesão extrapatrimonial seria presumida.
Nesse sentido, destaco da Jurisprudência desta Corte de Justiça:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECURSO DO RÉU.1) EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. ALEGADA A REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO DO SERVIÇO BANCÁRIO. INSUBSISTÊNCIA. REVELIA DO DEMANDADO. TESE DE MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO EM SEDE RECURSAL DE MATÉRIAS QUE NÃO SEJAM PURAMENTE DE DIREITO OU DE ORDEM PÚBLICA. PRECLUSÃO. MANIFESTA INOVAÇÃO RECURSAL. [...] DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS REVELADORES DO NEGÓCIO JURÍDICO ENTRE AS PARTES. CASA BANCÁRIA QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS DE PROVAR A EXISTÊNCIA DO DÉBITO SUPOSTAMENTE CONTRATADO PELO CONSUMIDOR (ART. 373, II, DO CPC/15). ILICITUDE DA CONDUTA CARACTERIZADA. RESTITUIÇÃO DEVIDA. DANO MORAL PRESUMIDO. RECLAMO DESACOLHIDO NO TÓPICO."A obrigação de indenizar o dano moral decorrente dos descontos indevidos da aposentadoria do autor depende apenas da comprovação da conduta ilícita, não sendo necessária a produção de prova do efetivo prejuízo, pois nestes casos, o dano é presumido (dano in re ipsa) (AC n. 2015.063249-4, de Guaramirim, Rela. Desa. Rosane Portella Wolff, j. 15-10-2015)" (AC n.0300062-89.2015.8.24.0068 , rel. Des. Ricardo Fontes, j. em 06.11.2018).3) [...] (TJSC, Apelação n. 5001519-72.2021.8.24.0024, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Gerson Cherem II, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 18-11-2021).
E ainda:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DESCONTOS INDEVIDOS NO BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA DA AUTORA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. INSURGÊNCIA DA PARTE RÉ. ADMISSIBILIDADE. GRATUIDADE DE JUSTIÇA REQUERIDA. HIPOSSUFICIÊNCIA DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA EM CONTRARRAZÕES. BENESSE DEFERIDA. MÉRITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALEGADA A INEXISTÊNCIA DE PROVAS DO ABALO ANÍMICO DA PARTE AUTORA. INSUBSISTÊNCIA. DANO MORAL PRESUMIDO (IN RE IPSA). DEDUÇÕES INDEVIDAS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE PESSOA HIPOSSUFICIENTE. DANO EXTRAPATRIMONIAL QUE ULTRAPASSA A ESFERA DO MERO DISSABOR. DEVER DE INDENIZAR MANTIDO.QUANTUM INDENIZATÓRIO. MINORAÇÃO. INVIABILIDADE. IMPORTE ARBITRADO EM SENTENÇA QUE ATENDE OS VETORES DESTA MODALIDADE DE REPARAÇÃO CIVIL. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5003114-41.2019.8.24.0036, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. André Luiz Dacol, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 19-10-2021).
A diversidade de posicionamentos abrigadas por esta Corte de Justiça, assim como a existência de reiteradas decisões em sentido oposto, contudo, resultaram na instauração de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (n. 5011469-46.2022.8.24.0000) junto ao Grupo de Câmaras de Direito Civil, em que se fixou a seguinte tese jurídica:
"Tema 25: Não é presumido o dano moral quando o desconto indevido em benefício previdenciário decorrer de contrato de empréstimo consignado declarado inexistente pelo Poder Judiciário."
Dessarte, a fim de garantir a isonomia e segurança jurídica, passo a adotar, por dever funcional, o entendimento do Grupo de Câmaras de Direito Civil deste Sodalício, no sentido de ser necessária a comprovação do abalo anímico no caso concreto.
In casu
, imperioso reconhecer tratar-se a parte autora de pessoa idosa, que, na data dos descontos (
evento 1, EXTR7
), recebia benefício previdenciário no valor de R$ 1.212,00 (um mil duzentos e doze reais), tendo sido surpreendido com descontos indevidos no valor de R$ 385,00 (trezentos e oitenta e cinco reais), referente à contrato reconhecidamente nulo (
evento 35, DOC5
).
Consigne-se, ainda, que os descontos indevidos perduraram por tempo suficiente a causar grandes transtornos a parte autora (cerca de 2 (dois) anos -
evento 1, EXTR8
), até o deferimento do pedido de antecipação dos efeitos da tutela (
evento 47, DESPADEC1
).
Além da evidente ilicitude da conduta da demandada, observa-se que as quantias deduzidas dos proventos do requerente implicaram redução considerável dos seus rendimentos mensais (cerca de 30% do benefício previdenciário).
Logo, a toda evidência, os valores descontados indevidamente causaram demasiada privação ao autor da demanda, mormente diante da constatação de que sua renda mensal líquida, recebida a título de benefício previdenciário, gira em torno de 1 (um) salário-mínimo.
Com efeito, o valor subtraído indevidamente dos proventos do demandante correspondeu a 30% (trinta por cento) dos seus rendimentos mensais, quantia que se afigura capaz de afetar o seu sustento próprio ou familiar, especialmente por se tratar de verba de natureza alimentar.
Como se não bastasse, além de todos os percalços enfrentados na esfera extrajudicial, o requerente precisou disponibilizar tempo e dinheiro com a contratação de advogado, busca de documentos, e demais providências que envolvem um litígio judicial.
Sendo assim, não há como dizer que os descontos indevidos em verba alimentar mensal da parte hipossuficiente tenham lhe gerado mero aborrecimento ou dissabor, já que inegável o abalo psíquico suportado pela requerente ao ver-se parcialmente privada de seu benefício em decorrência de contratação com a qual não concordou.
Dessarte, oportuno citar Acórdão deste Órgão Fracionário que bem ponderou as particularidades do caso concreto a fim de distingui-lo da tese jurídica definida no supracitado Tema 25 do Grupo de Câmaras de Direito Civil:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS OPERADOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA PARTE AUTORA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA.
[...] DANO MORAL. ACOLHIMENTO. DIVERSAS PARCELAS DE ALTO VALOR ABATIDAS DO MÓDICO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA PARTE DEMANDANTE. INDENIZAÇÃO FIXADA EM R$ 5.000,00 (CINCO MIL REAIS). OBSERVÂNCIA AOS DITAMES DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE.
SENTENÇA REFORMADA. ÔNUS SUCUMBENCIAIS REDISTRIBUÍDOS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 5001320-48.2023.8.24.0002, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 23-07-2024).
No mesmo sentido, inclusive, colaciona-se Acórdão de minha relatoria:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO POR COBRANÇA INDEVIDA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. DESCONTO INDEVIDO DE CONTRIBUIÇÃO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA REGULAR CONTRATAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. PLEITO DA REQUERIDA PELA REFORMA DA SENTENÇA. (...) PEDIDO DE AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO À REPARAÇÃO DO ABALO MORAL. INSUBSISTÊNCIA. TEMA 25 DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO CIVIL. DISTINGUISHING ENTRE O CASO CONCRETO E O PARADIGMA. DANO MORAL EXTRAORDINÁRIO EVIDENCIADO. DEDUÇÕES INDEVIDAS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE PESSOA HIPOSSUFICIENTE. VALORES QUE, EMBORA APARENTEMENTE ÍNFIMOS, INDUBITAVELMENTE IMPACTARAM A VIDA FINANCEIRA DA REQUERENTE A PONTO DE GERAR-LHE ABALO PSICOLÓGICO. DANO EXTRAPATRIMONIAL QUE ULTRAPASSA A ESFERA DO MERO DISSABOR. DEVER DE INDENIZAR INAFASTÁVEL. PRETENSÃO AFASTADA. (...) (TJSC, Apelação n. 5041425-90.2022.8.24.0038, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Denise Volpato, Oitava Câmara de Direito Civil, j. 16-04-2024).
Assim sendo, devidamente comprovada a ocorrência do abalo anímico extraordinário, inquestionável o dever da parte demandada de indenizar o prejuízo de ordem moral causado à requerente, razão por que se mantém incólume a sentença no presente ponto.
5.5 Do pleito de minoração do
quantum
indenizatório
Defende a instituição financeira recorrente a necessidade de minoração da indenização fixada a título de danos morais pelo Juízo singular em R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Tocante ao valor da indenização, em virtude da inexistência de parâmetros legais para a fixação da verba indenizatória, prepondera na doutrina e jurisprudência o entendimento de que o arbitramento da indenização pelo Magistrado levará em consideração os critérios de razoabilidade e proporcionalidade além de analisar as peculiaridades do caso concreto.
Estabeleceu-se, ainda, a necessidade de analisar não só as possibilidades financeiras da parte ofensora - pois a reprimenda deve ser proporcional ao seu patrimônio material, para que surta efeito inibitório concreto -, mas igualmente da parte ofendida, pois o Direito não tolera o enriquecimento sem causa.
Outrossim, importante salientar que, em caso tais, a indenização arbitrada guarda, além do caráter compensatório pelo abalo causado em razão do ato ilícito praticado, também o caráter pedagógico e inibitório, vez que visa precipuamente coibir a continuidade ou repetição da prática pelo requerido.
O montante indenizatório a ser fixado, portanto, deve respeitar as peculiaridades do caso, levando-se em consideração a extensão do dano impingido à parte autora (artigo 944 do Código Civil), mas igualmente o grau de aviltamento dos valores social e constitucionalmente defendidos (artigo 1º, incisos II e III, da Constituição Federal; artigo 5º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro) da dignidade humana e cidadania, tudo conforme a gravidade da ofensa.
Assim, da análise do caso concreto, denota-se, de um lado a instituição financeira com expressiva participação no mercado consumidor, valendo-se de elevada capacidade organizacional e grande poderio econômico, que não agiu com diligência ao promover indevidamente o desconto mensal de R$ 385,00 (trezentos e oitenta e cinco reais) sobre o benefício previdenciário auferido pela parte requerente, que, por sua vez, é inferior a 1 (um) salário-mínimo mensal.
De outro, tem-se o demandante, consumidor idoso, inegavelmente vulnerável, em situação de hipossuficiência fática e técnica, que suportou descontos indevidos de cerca de 30% (trinta por cento) de seus proventos, em razão de contratos declarados nulos.
Nesse viés, curial observar a proporcionalidade entre o ato ilícito praticado e os danos morais suportados pela parte autora, de modo a compensar-lhe de forma razoável e proporcional a extensão do dano à sua dignidade, sem, contudo, provocar a ruína financeira do ofensor, bem como imprimir o necessário caráter inibitório e pedagógico visando evitar conduta reincidente por parte do demandado.
Todas essas considerações apontam que o arbitramento de indenização no valor de R$ 10.000,00 (cinco mil reais) se mostrou escorreito, pois a quantia se revela capaz não só de amenizar o desconforto e frustração experimentada pelo requerente, como também de advertir a requerida quanto à reprovabilidade de sua conduta.
Oportunamente, colacionam-se precedentes nos quais este Sodalício decidiu, em hipóteses muito similares a dos presentes autos, pelo mesmo critério estabelecido na sentença vergastada. Vejamos:
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE PROVA DA REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO. PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados em ação declaratória de nulidade de empréstimo consignado cumulada com repetição de indébito e danos morais.
2. Autor alega não ter contratado empréstimos consignados que geraram descontos em seu benefício previdenciário.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
3. A controvérsia consiste em verificar: (i) a existência de cerceamento de defesa; (ii) a validade dos contratos de empréstimo consignado; (iii) o cabimento da repetição de indébito; (iv) a configuração do dano moral e seu quantum; e (v) a manutenção da condenação por litigância de má-fé.
III. RAZÕES DE DECIDIR
4. Impugnada a autenticidade da assinatura nos contratos e invertido o ônus da prova, cabia à instituição financeira comprovar a regularidade da contratação, nos termos do Tema 1.061 do STJ.
5. A repetição do indébito deve ocorrer de forma simples para os descontos realizados até 30-3-2021 e em dobro para os posteriores, conforme EAREsp 600663/RS.
6. Configurado o dano moral pelo comprometimento de mais de 40% da renda mensal do beneficiário, conforme Tema 25 do IRDR nº 5011469-46.2022.8.24.0000.
7. Quantum indenizatório fixado em R$ 10.000,00, considerando as circunstâncias do caso.
IV. DISPOSITIVO E TESE
8. Recurso conhecido e provido.
_______________
Dispositivos relevantes citados: CDC, art. 42, parágrafo único; CPC, arts. 428, I, 429, II e 430.
Jurisprudência relevante citada: STJ, EAREsp 600663/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, j. 21-10-2020; TJSC, IRDR 5011469-46.2022.8.24.0000, Grupo de Câmaras de Direito Civil.
(TJSC, Apelação n. 5002851-03.2021.8.24.0080, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Giancarlo Bremer Nones, Terceira Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, j. 26-11-2024).
E, ainda:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. RECURSOS DE AMBAS AS PARTES.1) APELO DO RÉU. 1.1) CONTRARRAZÕES. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO POR OFENSA À DIALETICIDADE. REJEIÇÃO. 1.2) AVENTADA VALIDADE DA CONTRATAÇÃO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. AUTENTICIDADE DA ASSINATURA IMPUGNADA. NÃO DESINCUMBÊNCIA DO ENCARGO PROBATÓRIO PELO RÉU. EXEGESE DO ART. 429, II, DO CPC/15. SENTENÇA MANTIDA. 1.3) EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM FOLHA DE PAGAMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PRETENSÃO PARA AFASTAR A REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA DOBRADA. RESTITUIÇÃO DÚPLICE A PRESCINDIR DA MÁ-FÉ. COBRANÇAS IRREGULARES DE EMPRÉSTIMO MANIFESTAMENTE NÃO CONTRATADO. AUSÊNCIA DE ERRO JUSTIFICÁVEL. INTELIGÊNCIA DO ART. 42, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTE DO STJ EM EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO MESMO NORTE. APLICAÇÃO DAS TESES LÁ FIRMADAS. RESTITUIÇÃO DÚPLICE DE TODOS OS DESCONTOS OPERADOS APÓS 30.03.2021. INSURGÊNCIA REPELIDA.2) APELO DO AUTOR. 2.1)
PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO POR DANOS MORAIS PELOS DESEMBOLSOS INDEVIDOS. ILICITUDE DA CONDUTA CARACTERIZADA. ABALO ANÍMICO NÃO PRESUMIDO. OBSERVÂNCIA À TESE FIXADA NO IRDR N. 25, DESTA CORTE. COMPROVAÇÃO DE CONSEQUÊNCIAS SIGNIFICATIVAS. DESCONTO CORRESPONDENTE A MAIS DE 13% (TREZE POR CENTO) DO RENDIMENTO LÍQUIDO. VERBA INDENIZATÓRIA DEVIDA. PLEITO ACOLHIDO. FIXAÇÃO DO IMPORTE INDENIZATÓRIO EM R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS), CONSOANTE PLEITO EXORDIAL
. 3) REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. TOTALIDADE DAS DESPESAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS A CARGO DO DEMANDADO. ART. 85, CAPUT, DO CPC/2015. FIXAÇÃO EM 10 % (DEZ POR CENTO) SOBRE O VALOR CONDENATÓRIO. INTELIGÊNCIA DO ART. 85, § 2º, DO CPC/15. 4) HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS RECURSAIS INCABÍVEIS EM RELAÇÃO AO AUTOR, DIANTE DO ÊXITO DA IRRESIGNAÇÃO. DESPROVIMENTO DO APELO DO RÉU, SUCUMBENTE DESDE A ORIGEM. FIXAÇÃO DO PATAMAR DE 5 % (CINCO POR CENTO) DO VALOR ATUALIZADO DA CONDENAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 85, § 11, DO CPC/2015. RECURSOS CONHECIDOS, DESPROVIDO O DO RÉU E PROVIDO AQUELE DO AUTOR (TJSC, Apelação n. 5005838-50.2021.8.24.0035, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Gerson Cherem II, Oitava Câmara de Direito Civil, j. 24-09-2024, sublinhei).
Desse modo, ponderadas as particularidades do caso em exame, sopesando-se os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, entende-se que a indenização por danos morais fixado pelo Juízo singular no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), está em consonância com a extensão do dano causado, além de guardar o caráter pedagógico e inibidor necessário à reprimenda, sem, contudo, importar em enriquecimento indevido da parte requerente, especialmente porque a parte autora teve 30% (trinta por cento) de seus rendimentos descontados indevidamente durante um período de 2 (dois) anos.
Sendo assim, mantém-se incólume a sentença neste particular.
6. Honorários recursais.
O Código de Processo Civil, em seu artigo 85, § 11, determina a majoração da verba honorária anteriormente fixada em virtude do trabalho adicional prestado pelo causídico no segundo grau de jurisdição,
in verbis:
"Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
[...]
§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2o a 6o, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2o e 3o para a fase de conhecimento."
Sobre o assunto, ensinam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:
"O CPC faculta a estipulação de verba honorária também para a fase recursal, de ofício ou a requerimento da parte. A nova verba, de acordo com o CPC 85 §11, deve respeitar os limites estabelecidos para a fase de conhecimento. A ideia contida na disposição é remunerar adequadamente o trabalho do advogado nessa fase, que pode ser tão ou mais intenso que na primeira instância. [...] a intenção do legislador, ao criar a verba honorária em sede recursal, foi a de evitar recursos abusivos (mesmo havendo já a multa em razão da litigância de má-fé e pela interposição de embargos de declaração protelatórios). Ainda em relação ao mesmo documento, a sucumbência só ocorrerá nos casos de recursos provenientes de decisão em que tenha sido fixada verba honorária (o que, ao que parece, se deduz do texto do § 11), de forma que as decisões interlocutórias não ensejariam acréscimo no valor dos honorários." (in Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 433 e 437).
A respeito do tema, cabe colacionar, também, o teor do Tema 1059, do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:
"A majoração dos honorários de sucumbência prevista no art. 85, § 11, do CPC pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente. Não se aplica o art. 85, § 11, do CPC em caso de provimento total ou parcial do recurso, ainda que mínima a alteração do resultado do julgamento ou limitada a consectários da condenação".
Desse modo, cabe a majoração dos estipêndios patronais do causídico da parte autora, haja vista que o recurso da instituição financeira requerida foi conhecido e desprovido.
Assim, majoram-se os honorários recursais devidos ao procurador da parte autora e, diante das especificidades do caso concreto, os adequo neste grau de jurisdição para 20% (vinte por cento) sobre o valor atualizado da condenação.
Ante o exposto, com fulcro nas normas constantes do art. 932 do Código de Processo Civil e do art. 132, inciso X, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, conheço do recurso de apelação e nego-lhe provimento. Com fulcro no art. 85, §11, do CPC, majoram-se os honorários devidos ao procurador da parte autora para 20% (vinte por cento) sobre o valor atualizado da condenação.
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