Processo nº 0754289-87.2025.8.18.0000
ID: 261816649
Tribunal: TJPI
Órgão: 1ª Câmara Especializada Criminal
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 0754289-87.2025.8.18.0000
Data de Disponibilização:
29/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Habeas Corpus nº 0754289-87.2025.8.18.0000 (1ª Vara Criminal da Comarca de Teresina) Processo de origem nº 0804677-59.2025.8.18.0140 Impetrante e Paciente: Rômulo Rocha Macedo (OAB/PI nº 24.885) Rela…
Habeas Corpus nº 0754289-87.2025.8.18.0000 (1ª Vara Criminal da Comarca de Teresina) Processo de origem nº 0804677-59.2025.8.18.0140 Impetrante e Paciente: Rômulo Rocha Macedo (OAB/PI nº 24.885) Relator: Des. Pedro de Alcântara da Silva Macêdo Ementa: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. QUEIXA-CRIME INSTRUÍDA COM PROCURAÇÃO QUE ATENDE AOS REQUISITOS DO ART. 44 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RESTRIÇÃO À ATIVIDADE JORNALÍSTICA. CENSURA PRÉVIA. ADPF 130. PROIBIÇÃO DE CONTATO. MEDIDA ADEQUADA E PROPORCIONAL AO CASO. LIMINAR PARCIALMENTE CONCEDIDA. I. CASO EM EXAME 1. Habeas corpus, com pedido liminar, impetrado por Impetrante/Paciente denunciado em queixa-crime por calúnia, difamação e injúria, com base em matérias jornalísticas que relatam desvio de recursos públicos, imputando-lhe conduta ofensiva à honra de ex-funcionário público identificado indiretamente nas reportagens. O impetrante pleiteia o trancamento da ação penal por ausência de justa causa, decadência do direito de queixa e nulidade da procuração por ausência de poderes especiais, bem como a revogação das medidas cautelares que proíbem o contato com o querelante e a publicação de novas matérias jornalísticas. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) definir se a procuração apresentada supre os requisitos do art. 44 do CPP; (ii) verificar se há justa causa para a ação penal por crimes contra a honra, à luz da liberdade de imprensa; e (iii) avaliar a legalidade e proporcionalidade das medidas cautelares impostas, especialmente quanto à proibição de veiculação de matérias jornalísticas. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A procuração apresentada contém menção ao fato criminoso, identificação das partes e outorga expressa para propositura de queixa-crime, sendo suficiente nos termos do art. 44 do CPP e da jurisprudência consolidada do STJ. 4. Afasta-se a tese de decadência do direito de queixa, pois o ajuizamento da ação ocorreu dentro do prazo legal de seis meses a contar do conhecimento inequívoco da autoria. 5. A queixa-crime apresenta indícios mínimos de autoria e materialidade dos delitos imputados, sendo incabível o trancamento da ação penal pela via estreita do habeas corpus. 6. A proibição imposta ao paciente de produzir ou divulgar matérias jornalísticas com conteúdo ofensivo à honra do querelante configura censura prévia, vedada pela jurisprudência do STF (ADPF 130), e viola a liberdade de imprensa. 7. A medida cautelar de proibição de contato com o querelante e seus familiares mostra-se proporcional e adequada, pois visa proteger a integridade psíquica das partes e evitar reiteração de condutas conflituosas. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Liminar parcialmente concedida. Tese de julgamento: 1. É válida a procuração para oferecimento de queixa-crime que contenha menção ao fato criminoso, identificação das partes e autorização expressa para propositura da ação penal. 2. O trancamento de ação penal por crimes contra a honra somente é cabível em habeas corpus quando demonstrada de plano a ausência de justa causa, o que exige atipicidade manifesta, ausência de autoria ou extinção da punibilidade. 3. A proibição de veiculação de matérias jornalísticas antes de decisão judicial definitiva configura censura prévia, sendo incompatível com a liberdade de imprensa assegurada pela Constituição. 4. A medida cautelar que restringe o contato pessoal entre o acusado e a vítima é legítima quando destinada à proteção da ordem pública e da integridade psíquica da vítima. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 1º, III; 5º, IV, IX, X; 220, §1º; CPP, arts. 38, 41, 44, 69, 319, III. Jurisprudência relevante citada: STF, ADPF nº 130, Rel. Min. Ayres Britto, Plenário, j. 30.04.2009; STJ, AgRg no HC 825712/SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato, j. 26.02.2024; STJ, RHC 69.301/MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 02.08.2016. DECISÃO Trata-se de Habeas Corpus, com pedido liminar, impetrado em favor próprio pelo advogado Rômulo Rocha Macedo, submetido a medidas cautelares impostas por decisão proferida em 30 de março de 2025, no curso de ação penal privada originada de queixa-crime recebida pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Teresina, que lhe imputa a prática dos crimes previstos nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, em concurso material (calúnia, difamação e injúria). O impetrante relata que a ação penal privada tem origem em duas matérias jornalísticas publicadas no portal eletrônico “180graus”, de cunho investigativo, acerca de desvio de recursos públicos no âmbito do programa “Minha Casa Minha Vida”, em que o querelante, Gustavo Macêdo Costa, figura como suposto participante, conforme documentos públicos e decisões da Justiça Federal mencionados nas reportagens. Assevera que a decisão que recebeu a queixa-crime desrespeitou requisitos formais indispensáveis à sua admissibilidade, enquanto destaca que a procuração juntada aos autos não continha poderes especiais, tampouco menção expressa ao fato criminoso, conforme exigido pelo art. 44 do Código de Processo Penal, o que tornaria nulo o ajuizamento da ação penal e ensejaria a extinção da punibilidade por decadência, à luz do art. 38 do mesmo diploma. Ressalta que os fatos noticiados nas matérias já foram objeto de apreciação judicial em outras queixas-crime anteriormente ajuizadas pelo querelante, inclusive com sentenças transitadas em julgado, e que, apesar disso, são reiteradamente utilizados em novas ações com o objetivo de impedir-lhe o exercício da liberdade de imprensa, configurando, segundo sustenta, censura judicial disfarçada. Sustenta que não há justa causa para o ajuizamento da ação penal, uma vez que as matérias jornalísticas limitam-se a narrar fatos de interesse público, amparados por documentos oficiais e decisões judiciais. Afirma que inexiste dolo específico de ofender a honra do querelante, havendo nítido exercício legítimo da liberdade de expressão e de imprensa, assegurados constitucionalmente. Argumenta que as medidas cautelares impostas – proibição de contato com o querelante e de publicação de novas matérias – são desproporcionais, o que estaria a configurar indevida limitação à atividade profissional do paciente como jornalista. Defende que a adoção de tais medidas viola frontalmente o direito constitucional à livre manifestação do pensamento e à liberdade de imprensa. Aduz que o juízo de origem ignorou o teor da ADPF 130, na qual o Supremo Tribunal Federal firmou tese no sentido da impossibilidade de controle prévio do conteúdo jornalístico por qualquer órgão estatal, inclusive o Poder Judiciário, sendo vedada a censura, ainda que indireta. Pleiteia, liminarmente, a concessão da ordem e sua confirmação quando do julgamento, com a consequente revogação das medidas cautelares impostas e o trancamento da ação penal privada, diante da nulidade da queixa-crime por ausência de procuração com poderes especiais e da decadência do direito de ação, bem como por ausência de justa causa e de tipicidade na conduta imputada. Postergada a análise do pedido liminar, a autoridade coatora prestou informações nos seguintes termos (Id 24193871): 1 - No dia 29.01.2025, o querelante Gustavo Macedo Costa apresentou queixa-crime em face de Rômulo Rocha Macêdo, ora impetrante/paciente, imputando ao querelado a prática dos crimes de calúnia (art. 138 do Código Penal), difamação (art. 139 do Código Penal) e injúria (art. 140 do Código Penal), todos em concurso material, nos termos do art. 69 do Código Penal. 2 - O querelante alega, em síntese, que foi surpreendido com a divulgação de matéria jornalística no Portal 180 Graus, em 30 de julho de 2024, que denegriu sua imagem. Sustenta que o jornalista, ora querelado, mesmo estando proibido de citar o nome da vítima, fez menção a um profissional que seria responsável por atestar medições em obras, o qual seria facilmente identificado como o querelante. 3 - Aduz que o querelado, em matérias jornalísticas, consignou o número do processo judicial (Ação Civil Pública nº 1003567-12.2019.4.01.4003) e fez expressa menção ao nome de duas partes dos autos (Associação das Famílias Carentes do Município de Rio Grande do Piauí e o então vereador do PC do B Rones Pereira da Silva), deixando claro, logo em seguida, que havia participação de uma outra parte, fazendo correlação com o nome da vítima. 4 - O querelante requereu a concessão de medidas cautelares aptas a impedir o contato, por qualquer meio, do querelado com a vítima e seus familiares ou pessoas próximas, bem como a produção de novas matérias jornalísticas que sejam ofensivas à honra do querelante, seus familiares e suas empresas. Requereu, ainda, o recebimento da queixa-crime pelos crimes de calúnia, difamação e injúria, em concurso material, bem como a citação do querelado para apresentar defesa e, ao final, a condenação do querelado como incurso em todos os tipos penais imputados, bem como a condenação do querelado no pagamento de quantia a ser arbitrada por este juízo, nos termos do art. 387, inciso IV do CPP e no pagamento de custas. 5 - O Ministério Público manifestou-se (ID 70472005) pelo recebimento da queixa-crime, para que este juízo decida sobre o pedido de medidas cautelares quando proferir decisão sobre o recebimento da queixa-crime e para que seja determinada a designação de audiência de conciliação. 6 - O querelado, ora impetrante/paciente, apresentou petição (ID 70489480), requerendo o arquivamento imediato da queixa-crime, a fixação de indenização por danos morais e a fixação de honorários advocatícios. Alega, em preliminar, a ausência de procuração com poderes especiais e a decadência do direito de queixa. No mérito, alega a ausência de dolo específico e o abuso do direito de ação. 7 - O querelante manifestou desinteresse na realização de audiência de conciliação (ID 72358907). 8 - Em decisão proferida no dia 31.03.2025, este Magistrado indeferiu os pedidos do querelado e recebeu a queixa-crime apresentada por Gustavo Macedo Costa em face de Rômulo Rocha Macêdo, imputando-o a prática dos crimes de calúnia (art. 138 do Código Penal), difamação (art. 139 do Código Penal) e injúria (art. 140 do Código Penal), todos em concurso material, nos termos do art. 69 do Código Penal. 9 - Ainda, foi concedida as seguintes medidas cautelares, nos termos do art. 319 do Código de Processo Penal: b.1) Proibição do querelado manter contato, por qualquer meio (telefone, internet, redes sociais, etc.), com o querelante e seus familiares, bem como com as pessoas próximas a eles, como sócios e funcionários de suas empresas; b.2) Proibição do querelado produzir ou divulgar, por qualquer meio (jornais, revistas, internet, redes sociais, etc.), novas matérias jornalísticas que sejam ofensivas à honra do querelante, seus familiares e suas empresas, abstendo-se de fazer novas publicações que atinjam a honra do querelante, ainda que não nominando-o expressamente, mas passível de identificação. 10 - Por fim, este Magistrado deixou de designar audiência de conciliação, diante da manifestação de desinteresse do querelante e determinou a citação do querelado Rômulo Rocha Macêdo para que apresente resposta à acusação, no prazo de 10 (dez) dias, nos termos do art. 396 do Código de Processo Penal, ou ratifique ou complemente a defesa de ID 70489480, no mesmo prazo. 11 - As peças processuais estão no PJe (APOrd 0804677-59.2025.8.18.0140) e 6690931. É o que importa relatar. Passo a decidir. Como se sabe, a concessão de liminar em sede de habeas corpus, embora possível, revela-se medida de todo excepcional, admitida somente nas hipóteses em que se mostre induvidosa e sem necessidade de avaliação aprofundada de fatos, indícios e provas (i) a ilegalidade do ato praticado pela autoridade dita coatora ou (ii) a ausência de justa causa para a ação penal. Feita essa breve consideração, passo à análise das teses. 1 Da procuração com poderes especiais Consoante a jurisprudência consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, o art. 44 do Código de Processo Penal não exige exposição pormenorizada dos fatos, sendo suficiente a indicação do fato criminoso a ele atribuído. Logo, a indicação do(s) delito(s) atribuído(s) mostra-se suficiente para considerar válida a outorga de poderes. Confira-se: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. QUEIXA-CRIME. PROCURAÇÃO GENÉRICA. NÃO OCORRÊNCIA . MENÇÃO DO FATO CRIMINOSO. INDICAÇÃO DA CAPITULAÇÃO DO CRIME. SUFICIÊNCIA. 1 . Na procuração com poderes especiais necessária ao oferecimento de queixa-crime, deverá constar o nome do querelante e a menção (simples) ao fato criminoso, sendo desnecessária exposição detalhada dos fatos. 2. A indicação do delito atribuído ao querelado é suficiente para se considerar regular a procuração, não havendo falar em procuração genérica. 3 . Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no HC: 825712 SP 2023/0175126-6, Relator.: Ministro JESUÍNO RISSATO DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT, Data de Julgamento: 26/02/2024, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/03/2024) EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. QUEIXA-CRIME. REGISTRO DE BOLETIM DE OCORRÊNCIA E AJUIZAMENTO DE AÇÃO CÍVEL CONTRA OS QUERELADOS. PROCURAÇÃO. MENÇÃO AO DELITO SUPOSTAMENTE COMETIDO. SUFICIÊNCIA. ART. 44 DO CPP. DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA. INÉPCIA DA INICIAL. ROL DE TESTEMUNHAS FACULTATIVO. RECURSO DESPROVIDO. 1. O registro de boletim de ocorrência e o ajuizamento de ação cível contra os querelados, somados à outorga de procuração para o oferecimento de queixa-crime, tornam evidente a autorização do querelante para o início da ação penal privada contra os querelados. 2. A procuração outorgada pelo querelante ao seu advogado, para fins de ajuizamento de queixa-crime, não requer a descrição pormenorizada do fato criminoso, bastando, no dizer do art. 44 do CPP, a menção a ele, a qual se perfaz tanto com a indicação do artigo de lei como do nomen juris do crime no qual incidiram, em tese, os querelados. Precedentes. 3. A apresentação de rol de testemunhas na queixa-crime é faculdade do autor da ação. Sua ausência não inquina a petição inicial de inepta. 4. Recurso ao qual se nega provimento. (STJ, RHC 69.301/MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ªT., j.02/08/2016) Sublinhe-se que o objetivo primordial das exigências previstas no art. 44 do Código de Processo Penal é prevenir o ajuizamento de ações penais sem o consentimento do querelante, quando o procurador não estiver munido de poderes especiais. Busca-se, com isso, assegurar a responsabilização penal do outorgante que atuar de má-fé, bem como resguardar o constituinte de eventuais excessos cometidos pelo mandatário. No caso, ainda que a procuração não contenha a expressão “poderes especiais”, seu conteúdo atende aos requisitos exigidos pelo art. 44 do Código de Processo Penal, pois nele constam os nomes do querelante e do querelado, a menção aos fatos criminosos imputados (“postagens com o intuito de macular, aviltar e depreciar a reputação da Outorgante”; “incidindo nas condultas dos crimes de stalking (…) difamação (…) e injúria”), bem como a outorga de poderes ao advogado para “propor Ação Penal Privada” (Id 69920826 dos autos originais), o que permite concluir que houve autorização expressa para o oferecimento da queixa-crime. Portanto, inexiste justificativa plausível para que, sob uma exigência meramente formalista, seja reconhecida a invalidade de procuração que não contenha a referência literal ao termo “poderes especiais”, mas preencha todos os requisitos do art. 44 do CPP. 2 Do trancamento da ação por ausência de justa causa Em primeiro lugar, mostra-se oportuno colacionar o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: O trancamento de ação penal, pela via estreita do habeas corpus é medida de exceção, só admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca e sem a necessidade de valoração probatória, a inexistência de autoria por parte do indiciado ou a atipicidade da conduta”. (HC 39.231-CE, 5ª T., rel. Laurita Vaz, 01.02.2005, v.u., DJ 28.03.2005, p. 300). Consoante entendimento uníssono da doutrina e jurisprudência pátrias, a ação constitucional de Habeas Corpus pode ser utilizada para o trancamento da ação penal (ou investigação policial), desde que sua existência implique em constrangimento ilegal, quando não houver justa causa para o seu ajuizamento, nos termos do que dispõe o art. 648, I, do Código Processo Penal. O trancamento da ação penal por ausência de justa causa, todavia, somente é possível quando comprovada, de plano, a (i) atipicidade absoluta do fato descrito na denúncia, a (ii) ausência de indícios da autoria e prova da materialidade do delito ou a (iii) incidência de causa de extinção da punibilidade do agente. Caso inexista prova nesse sentido, mostra-se incabível o manejo do writ, uma vez que a via eleita não se presta ao exame da procedência ou não da acusação, com incursão em aspectos que demandam dilação probatória e valoração do conjunto de fatos e provas. Nesse sentido, transcrevo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DESACATO E AMEAÇA. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO. MEDIDA EXCEPCIONAL. ATIPICIDADE, CAUSA EXTINTIVA DA PUNIBILIDADE, AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA OU PROVA DA MATERIALIDADE DO DELITO. 1. O trancamento de inquérito policial ou de ação penal é medida excepcional, só admitida quando restar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito. ADVOGADO. INVIOLABILIDADE. ART. 7º, § 2º, DA LEI 8.906/94. IMUNIDADE PROFISSIONAL. ATOS ILÍCITOS. 1. (omisses) EXAME APROFUNDADO DAS PROVAS. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA.TESE DEFENSIVA. PROCESSO DE CONHECIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A via estreita do habeas corpus é inadequada para um aprofundamento na apreciação dos fatos e provas constantes no processo de conhecimento para a verificação da tese defendida pelo recorrente de ocorrência de crimes de denunciação caluniosa e contra a honra. 2. In casu, não se vislumbra qualquer constrangimento ilegal a ser sanado por este Sodalício, não havendo que se falar em falta de justa causa para a investigação criminal. 3. Recurso não provido. (RHC 29.826/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 16/06/2011, DJe 29/06/2011). HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO-CABIMENTO.RESSALVA DO ENTENDIMENTO PESSOAL DA RELATORA. DIREITO PROCESSUAL PENAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA PELO JUÍZO PROCESSANTE. INICIAL ACUSATÓRIA RECEBIDA PELA CORTE A QUO, EM GRAU DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA E NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INVIABILIDADE. ORDEM DE HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDA. 1. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e ambas as Turmas desta Corte, após evolução jurisprudencial, passaram a não mais admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso ordinário, nas hipóteses em que esse último é cabível, em razão da competência do Pretório Excelso e deste Superior Tribunal tratar-se de matéria de direito estrito, prevista taxativamente na Constituição da República. 2. Esse entendimento tem sido adotado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, com a ressalva da posição pessoal desta Relatora, também nos casos de utilização do habeas corpus em substituição ao recurso especial, sem prejuízo de, eventualmente, se for o caso, deferir-se a ordem de ofício, em caso de flagrante ilegalidade. 3. "O reconhecimento da inocorrência de justa causa para a persecução penal, embora cabível em sede de 'habeas corpus', reveste-se de caráter excepcional. Para que tal se revele possível, impõe-se que inexista qualquer situação de iliquidez ou de dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes à acusação penal" (STF - HC 94.592/SP, 2.ª Turma, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe de 02/04/2009). Na hipótese, ao contrário, há indícios nos autos de que os fatos ocorreram como descritos na denúncia, razão pela qual não há justificativa para o trancamento da ação penal. 4. O Tribunal de origem, ao analisar as provas carreadas aos autos, concluiu estar configurada justa causa e recebeu a inicial acusatória. Para tanto, consignou que consta nos autos a presença de exame de corpo de delito, atestando a materialidade do crime de lesões corporais no contexto de violência doméstica, bem como o termo de declarações da vítima, narrando a suposta agressão praticada pelo Paciente. Tais circunstâncias denotam o acerto do acórdão combatido em não admitir o prematuro encerramento da persecução criminal. 5. Ordem de habeas corpus não conhecida. (HC 263.705/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 03/02/2014). Na hipótese dos autos, verifica-se que a queixa-crime preenche os requisitos do art. 44 do Código de Processo Penal1, pois dela consta a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do querelado, a classificação dos crimes e o rol de testemunhas: II – DOS FATOS QUE DERAM ENSEJO À PRESENTE AÇÃO PENAL PRIVADA O Ofendido, ora Querelante, foi surpreendido no último dia 30/07/2024 com a divulgação de uma matéria jornalística denegrindo sua imagem, cuja matéria foi publicada no PORTAL 180 GRAUS (MATÉRIA EM ANEXO). Na referida matéria, o jornalista que ainda permanece proibido de citar o nome da vítima fez questão de constar o seguinte: “Associação e então comunista devem devolver R$ 528 mil por desvios do Minha Casa Minha Vida O juiz federal Flávio Marcelo Sérvio Borges, da Vara Única da Subseção de Floriano, condenou no âmbito da Ação Civil Pública nº 1003567-12.2019.4.01.4003, a Associação das Famílias Carentes do Município de Rio Grande do Piauí e o então vereador do PC do B Rones Pereira da Silva a ressarcir a União, de forma solidária, o valor exato de R$ 528.396,82 por desvios de recursos públicos destinados à construção de casas populares para famílias carentes e seus filhos no âmbito do Programa Federal do Minha Casa Minha Vida.” O caso, que também possui uma ação criminal, contou com ampla e longeva investigação da Polícia Federal e ainda, participação mais que especial de profissional ligado a políticos – e que já seria carteirinha batida (cara-crachá) de membros da rede de controle em Teresina, além de réu confesso – em meio à suposta empreitada apontada como criminosa aos olhos das autoridades investigativas nesses outros autos. Isso porque, para o sucesso dos desvios de ambos os aqui condenados, também era preciso que fossem atestadas medições falsas e, segundo os autos criminais, isso teria sido feito visando um dinheirinho fácil. (grifos no original) Veja que matéria deu destaque e ênfase ao profissional que seria responsável por atestar as medições; nos autos esse profissional é o Sr. GUSTAVO MACÊDO COSTA, que atuou justamente executando as medições da obra, razão pela qual facilmente a vítima é identificada pela leitura da matéria em questão. Veja ainda outros fatos desabonadores e que ofendem a dignidade da vítima: – Profissional ligado a políticos – e que já seria carteirinha batida (cara-crachá) de membros da rede de controle em Teresina – Réu confesso – em meio à suposta empreitada apontada como criminosa aos olhos das autoridades investigativas nesses outros autos – Que o intuito do representante seria ganhar um dinheirinho fácil, ou seja, em outras palavras, chama a vítima de “ladrão” Importante constar ainda que o jornalista consignou na matéria jornalística o número do processo judicial (Ação Civil Pública nº 1003567-12.2019.4.01.4003) e fez expressa menção ao nome de duas partes dos autos (Associação das Famílias Carentes do Município de Rio Grande do Piauí e o então vereador do PC do B Rones Pereira da Silva), deixando claro logo em seguida que havia participação de uma outra parte, fazendo correlação com o nome da vítima. Pelo que se vê, o representado buscou um novo nicho para continuar expondo e difamando a vítima, perturbando seu sossego, já tendo noticiado fato semelhante em 27/10/2023, ocasião em que, logo no início da matéria, fez questão de tratar sobre a vítima, pelo fato de ter firmado um Acordo de não persecução penal, vejamos: “Uma investigação da Polícia Federal apontou desvios de verbas públicas através do Programa Minha Casa Minha Vida destinados à Associação das Famílias Carentes de Rio Grande do Piauí. Ao menos um dos envolvidos veio a assumir perante as autoridades da Justiça que realmente ajudou a desviar o dinheiro” (grifos no original) Em verificação aos autos dos processos em que se encontram tais informações, constatou-se que a busca se deu através do advogado do representado, Sr. Rony de Abreu Torres, que, utilizando-se da sua prerrogativa de advogado e através de pedido feito pelo representado, consultou os autos com a finalidade de possibilitar que a íntegra das informações ali contidas fosse exposta na matéria logo em seguida confeccionada pelo representado, com intuito de lhe causar abalo, invadindo e perturbando sua esfera de liberdade e privacidade, assim como também denegrindo a imagem da vítima. Segue adiante print obtido junto ao sistema PJE da Justiça Federal: (…) Cabe trazer à baila as reportagens de autoria do Querelado, nas quais se comprovam as inúmeras matérias veiculadas por ele próprio, durante anos a fio, sob a motivação frustrada e inaceitável de investigação jornalística. Tais veiculações realizadas pelo Querelado, com uso indevido e repugnante de veículo de comunicação social em benefício próprio, possuem somente o condão de infligir sofrimento à vítima e seus familiares, denegrindo-lhes a imagem com o fito de atingir em cheio a vítima e familiares próximos, ferindo, inclusive, o Código de Ética Jornalístico. Pela narrativa dos fatos, fica evidente a prática dos crimes de stalking (Art. 147-A, CP), calúnia (art. 138, CP), difamação (Art. 139, CP) e injúria (Art. 140, CP), na forma do art. 69 do Código Penal, considerando o cotejo probatório anexado, decerto que há indícios de materialidade e de autoria. Com efeito, extrai-se da narrativa fática que o Querelante teria sido surpreendido com a publicação de matéria jornalística divulgada em portal eletrônico, em 30 de julho de 2024, cujo conteúdo, embora não mencione expressamente seu nome, permite sua identificação inequívoca a partir do contexto narrado, atingindo frontalmente sua honra objetiva e subjetiva. A reportagem noticiaria decisão proferida nos autos de ação civil, na qual figurariam como condenados a “Associação das Famílias Carentes do Município de Rio Grande do Piauí” e um ex-vereador. Todavia, de forma maliciosa, o Paciente supostamente teceu insinuações diretas à atuação profissional do Querelante, atribuindo-lhe condutas criminosas e desonrosas, utilizando expressões pejorativas e depreciativas, como “carteirinha batida de membros da rede de controle em Teresina” e “ganhar um dinheirinho fácil”, o que configuraria, sob sua visão, violação à sua dignidade. O texto jornalístico, segundo o Querelante, extrapolaria os limites da liberdade de imprensa e revelaria inequívoca intenção de difamá-lo e caluniá-lo, sugerindo, sem respaldo fático idôneo, sua participação em suposto esquema de desvio de recursos públicos, em afronta ao princípio da presunção de inocência e aos direitos da personalidade, assegurados pela Constituição Federal. Verifica-se, ainda, que a matéria se vale de informações extraídas diretamente dos autos processuais, às quais o Querelado teve acesso por meio de requerimento formalizado por seu advogado, demonstrando clara instrumentalização indevida da atividade advocatícia e do exercício da liberdade de expressão, com o propósito deliberado de promover exposição vexatória e reprovável da imagem do Querelante. Tais condutas não são isoladas, mas revelam certa renitência, uma vez que, em outubro de 2023, o mesmo Querelado já havia publicado outra matéria de teor semelhante, novamente associando o nome do Querelante a prática criminosa, com base na existência de Acordo de Não Persecução Penal firmado nos autos em questão, em perseguição velada, que se manifestaria por meio de contínuas e ofensivas inserções jornalísticas. Como se vê, denota-se da queixa-crime a presença de elementos indispensáveis à configuração, em tese, dos delitos de stalking (art. 147-A do Código Penal), calúnia (art. 138 do CP), difamação (art. 139 do CP) e injúria (art. 140 do CP), praticados em concurso material (art. 69 do CP), estando demonstrados os indícios de autoria e a prova da materialidade delitiva. Ademais, o liame entre a conduta do Querelado e o abalo causado à esfera jurídica do Querelante está suficientemente delineado, o que permitirá o exercício da ampla defesa no curso da persecução penal. 3 Das medidas cautelares Visando melhor abordagem da matéria, destaco trecho da fundamentação empregada pelo magistrado: (…) I – RELATÓRIO Trata-se de queixa-crime apresentada por Gustavo Macedo Costa em face de Rômulo Rocha Macêdo, imputando ao querelado a prática dos crimes de calúnia (art. 138 do Código Penal), difamação (art. 139 do Código Penal) e injúria (art. 140 do Código Penal), todos em concurso material, nos termos do art. 69 do Código Penal. O querelante alega, em síntese, que foi surpreendido com a divulgação de matéria jornalística no Portal 180 Graus, em 30 de julho de 2024, que denegriu sua imagem. Sustenta que o jornalista, ora querelado, mesmo estando proibido de citar o nome da vítima, fez menção a um profissional que seria responsável por atestar medições em obras, o qual seria facilmente identificado como o querelante. Aduz que o querelado, em matérias jornalísticas, consignou o número do processo judicial (Ação Civil Pública nº 1003567-12.2019.4.01.4003) e fez expressa menção ao nome de duas partes dos autos (Associação das Famílias Carentes do Município de Rio Grande do Piauí e o então vereador do PC do B Rones Pereira da Silva), deixando claro, logo em seguida, que havia participação de uma outra parte, fazendo correlação com o nome da vítima. Alega que o querelado buscou um novo nicho para continuar expondo e difamando a vítima, perturbando seu sossego, já tendo noticiado fato semelhante em 27/10/2023, ocasião em que, logo no início da matéria, fez questão de tratar sobre a vítima, pelo fato de ter firmado um Acordo de não Persecução Penal. O querelante relata um histórico de desavenças com o querelado, mencionando que, em um passado distante, a esposa do querelante teve um relacionamento amoroso com o querelado, e que este não teria superado o término dessa relação, adotando uma conduta de perseguição ao casal por meio de portais jornalísticos. Menciona que a produção dessas matérias jornalísticas de caráter difamatório iniciou ainda em 2009, quando o querelado atuava no Portal AZ, e que ele publicou reportagens que afetaram negativamente a esposa do querelante, a ponto de ela ser exonerada de um cargo comissionado que mantinha junto ao TCE/PI. O querelante informa que moveu, em seu nome e no nome de sua empresa, uma ação de indenização, cujo processo tramita na 3ª Vara Cível de Teresina-PI, tombada sob n° 0805708-95.2017.8.18.0140, onde são réus o Portal 180 Graus e o querelado. Afirma que, na referida demanda, há decisão judicial determinando que o querelado e o Portal 180 graus se abstenham de produzir novas matérias que sejam ofensivas e visem atacar a honra da vítima. O querelante também menciona que a esposa da vítima ingressou com demanda judicial junto à Delegacia da Mulher de Teresina, cuja demanda foi encaminhada ao Poder Judiciário e distribuída no 1º Juizado de Violência Doméstica (Processo nº 0012694-98.2017.8.18.0140), ocasião em que foram deferidas medidas protetivas em favor da esposa do querelante, sobretudo com determinação para que ele também se abstenha de divulgar novas matérias jornalísticas sobre a vítima, bem como sobre os familiares. O querelante requer a concessão de medidas cautelares aptas a impedir o contato, por qualquer meio, do querelado com a vítima e seus familiares ou pessoas próximas, bem como a produção de novas matérias jornalísticas que sejam ofensivas à honra do querelante, seus familiares e suas empresas. Requer, ainda, o recebimento da queixa-crime pelos crimes de calúnia, difamação e injúria, em concurso material, bem como a citação do querelado para apresentar defesa e, ao final, a condenação do querelado como incurso em todos os tipos penais imputados, bem como a condenação do querelado no pagamento de quantia a ser arbitrada por este juízo, nos termos do art. 387, inciso IV do CPP e no pagamento de custas. A queixa-crime veio acompanhada de procuração (ID 69920826), documentos de identificação do querelante (ID 69920827), comprovante de endereço (ID 69920828), matérias jornalísticas (ID 69920829 e 69920830), decisões judiciais (ID 69920831 e 69920832) e comprovante de pagamento das custas processuais (ID 69989527). O Ministério Público manifestou-se (ID 70472005) pelo recebimento da queixa-crime, para que este juízo decida sobre o pedido de medidas cautelares quando proferir decisão sobre o recebimento da queixa-crime e para que seja determinada a designação de audiência de conciliação. O querelado apresentou petição (ID 70489480), requerendo o arquivamento imediato da queixa-crime, a fixação de indenização por danos morais e a fixação de honorários advocatícios. Alega, em preliminar, a ausência de procuração com poderes especiais e a decadência do direito de queixa. No mérito, alega a ausência de dolo específico e o abuso do direito de ação. O querelante manifestou desinteresse na realização de audiência de conciliação (ID 72358907). II – FUNDAMENTAÇÃO II.A - DA ADMISSIBILIDADE DA QUEIXA-CRIME Inicialmente, cumpre analisar as preliminares arguidas pelo querelado em sua petição (ID 70489480). Quanto à alegação de ausência de procuração com poderes especiais, verifico que a procuração apresentada pelo querelante (ID 69920826) outorga poderes ao advogado para "promover e defender os interesses" do querelante, "em qualquer Juízo, Instância ou Tribunal", e ainda, expressamente, para "propor ação penal privada em face de Rômulo Rocha Macêdo", nominando-o expressamente, o que é suficiente para atender ao requisito do art. 44 do Código de Processo Penal. A jurisprudência tem entendido que a exigência de poderes especiais na procuração se justifica para evitar a propositura de ações temerárias, o que não se verifica no caso em tela, onde a queixa-crime apresenta indícios mínimos de autoria e materialidade dos crimes imputados ao querelado. No que tange à alegação de decadência, verifico que a queixa-crime foi apresentada dentro do prazo de seis meses previsto no art. 38 do Código de Processo Penal, contados a partir do conhecimento dos fatos pelo querelante. O querelado argumenta que, como o querelante afirma ter tomado conhecimento das publicações no mesmo dia em que foram ao ar (27/10/2023 e 30/07/2024), o prazo decadencial já teria se esgotado quando a queixa-crime foi protocolada em 29 de janeiro de 2025 sem a devida procuração, não havendo tempo hábil para saná-la. No entanto, tal argumento não prospera. O prazo decadencial se inicia a partir do momento em que o querelante tem conhecimento inequívoco da autoria do delito, o que nem sempre coincide com a data da publicação da matéria jornalística. No caso em tela, o querelante alega que, mesmo sem a citação expressa de seu nome nas matérias, era possível identificá-lo como o profissional mencionado, o que demanda uma análise mais aprofundada dos fatos e das provas. Ademais, a matéria jornalística de 30 de julho de 2024 é o marco inicial para a contagem do prazo decadencial, e a queixa-crime foi protocolada dentro do prazo de seis meses a partir dessa data, mais precisamente em seu último dia e sem qualquer irregularidade em sua procuração, como visto alhures. Superadas as preliminares, passo à análise das alegações de mérito apresentadas pelo querelado. O querelado alega a ausência de dolo específico, argumentando que as publicações jornalísticas se limitaram a narrar fatos de interesse público, sem a intenção de ofender a honra do querelante. Contudo, tal alegação não se sustenta diante dos elementos apresentados na queixa-crime. Conforme a síntese dos fatos narrados na queixa, o querelante foi surpreendido com a divulgação de matéria jornalística no Portal 180 Graus, em 30 de julho de 2024, na qual, mesmo sem a citação expressa de seu nome, foi feita menção a um profissional que seria responsável por atestar medições em obras, sendo este profissional facilmente identificado como o querelante. As matérias jornalísticas, ao mencionarem o número do processo judicial e o nome de outras partes envolvidas, e ao fazerem referência a um profissional responsável por atestar medições em obras, criaram uma correlação que permitiu a fácil identificação do querelante como o alvo das imputações. As expressões utilizadas nas matérias, como "profissional ligado a políticos", "carteirinha batida (cara-crachá) de membros da rede de controle em Teresina" e "réu confesso", demonstram a intenção de denegrir a imagem do querelante e de associá-lo a práticas ilícitas. O fato de o querelado ter conhecimento do histórico de desavenças com o querelante e da existência de decisões judiciais que o proibiam de divulgar matérias ofensivas à sua honra reforça, ao menos em tese, neste juízo de cognição sumaríssima, a presença do dolo específico em sua conduta. Acrescente-se que a liberdade de imprensa, embora seja um pilar fundamental do Estado Democrático de Direito, não pode ser utilizada como salvo-conduto para violar direitos da personalidade. A atividade jornalística deve ser exercida com responsabilidade, razoabilidade e dentro dos limites impostos pela lei, sob pena de configurar abuso de direito. No caso em tela, a análise preliminar dos elementos apresentados na queixa-crime revela que o querelado, em tese, extrapolou os limites da liberdade de imprensa, ao divulgar matérias jornalísticas que, mesmo sem citar expressamente o nome do querelante, permitiram a sua fácil identificação e o associaram a práticas ilícitas, com o evidente propósito de denegrir a sua imagem. O querelado também alega o abuso do direito de ação por parte do querelante, argumentando que este tem se utilizado de ações judiciais para promover uma "caça" a jornalistas e para impor censura à imprensa. Entretanto, tal alegação não encontra respaldo nos autos. O direito de ação é um direito fundamental assegurado a todos os cidadãos, e o seu exercício não pode ser considerado abusivo quando presentes indícios mínimos de autoria e materialidade dos crimes imputados. No caso em exame, a queixa-crime apresenta elementos que justificam a instauração da ação penal, e a análise da procedência das acusações dependerá da instrução probatória. Ademais, a existência de outras ações judiciais envolvendo as mesmas partes não impede o querelante de buscar a tutela jurisdicional para a proteção de sua honra, desde que presentes os requisitos legais. Por fim, o querelado requer a fixação de indenização por danos morais e de honorários advocatícios em seu favor, argumentando que a queixa-crime é temerária e movida por má-fé. Tal pedido não pode ser acolhido neste momento processual. A análise da procedência da queixa-crime e da eventual responsabilidade do querelante por danos morais dependerá da instrução probatória e do julgamento do mérito da ação penal. Portanto, rejeito as alegações da defesa e entendo que a queixa-crime preenche os requisitos de admissibilidade, devendo ser recebida para o seu regular processamento. A queixa-crime preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, expondo o fato criminoso com todas as suas circunstâncias, qualificando o acusado, classificando o crime e apresentando o rol de testemunhas. Há justa causa para a ação penal, consubstanciada em indícios de autoria e materialidade dos crimes imputados ao querelado, extraídos das matérias jornalísticas e dos demais documentos que acompanham a queixa-crime. II.B - DAS MEDIDAS CAUTELARES O querelante requer a concessão de medidas cautelares aptas a impedir o contato, por qualquer meio, do querelado com a vítima e seus familiares ou pessoas próximas, bem como a produção de novas matérias jornalísticas que sejam ofensivas à honra do querelante, seus familiares e suas empresas. O Código de Processo Penal, em seu art. 319, prevê diversas medidas cautelares diversas da prisão, que podem ser aplicadas quando presentes os requisitos do fumus comissi delicti e do periculum libertatis. No caso sub examine, entendo que estão presentes os requisitos para a aplicação de algumas das medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal. O fumus comissi delicti se encontra demonstrado pelos indícios de autoria e materialidade dos crimes imputados ao querelado, extraídos das matérias jornalísticas e dos demais documentos que acompanham a queixa-crime. O periculum libertatis se manifesta na necessidade de garantir a ordem pública e a tranquilidade da vítima e de seus familiares, bem como de evitar a reiteração das condutas delituosas por parte do querelado. O histórico de desavenças entre as partes, a existência de outras ações judiciais envolvendo os mesmos fatos e a persistência do querelado em divulgar matérias jornalísticas que, em tese, ofendem a honra do querelante, demonstram a necessidade de se adotar medidas para evitar a continuidade dessas condutas. Diante do exposto, faz-se necessária a aplicação das seguintes medidas cautelares: a) Proibição de o querelado manter contato, por qualquer meio (telefone, internet, redes sociais, etc.), com o querelante e seus familiares, bem como com as pessoas próximas a eles, como sócios e funcionários de suas empresas; b) Proibição de o querelado produzir ou divulgar, por qualquer meio (jornais, revistas, internet, redes sociais, etc.), novas matérias jornalísticas que sejam ofensivas à honra do querelante, seus familiares e suas empresas, abstendo-se de fazer novas publicações que atinjam a honra do querelante. Tais medidas são adequadas e proporcionais à gravidade dos fatos e à necessidade de proteger a vítima e seus familiares, sem, contudo, impedir o exercício da atividade jornalística pelo querelado, desde que respeitados os limites da liberdade de expressão e do direito à informação. II.C - DA DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO O Ministério Público requereu a designação de audiência de conciliação entre as partes. Todavia, o querelante manifestou desinteresse na realização de tal audiência, alegando que qualquer tentativa de diálogo com o requerido se mostraria infrutífera. Considerando a manifestação do querelante, e tendo em vista que a conciliação é uma faculdade das partes, e não uma imposição, entendo que não é o caso de designar audiência de conciliação neste momento processual. II.D - DA CITAÇÃO DO QUERELADO Diante do recebimento da queixa-crime e da concessão das medidas cautelares, é necessário citar o querelado para que apresente resposta à acusação, no prazo de 10 (dez) dias, nos termos do art. 396 do Código de Processo Penal. Na resposta, o querelado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interessar à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. O querelado poderá apenas ratificar ou complementar a resposta já apresentada no ID ID 70489480, no prazo de 10 (dez) dias. III – DISPOSITIVO Ante o exposto: a) Recebo a queixa-crime apresentada por Gustavo Macedo Costa em face de Rômulo Rocha Macêdo, imputando-o a prática dos crimes de calúnia (art. 138 do Código Penal), difamação (art. 139 do Código Penal) e injúria (art. 140 do Código Penal), todos em concurso material, nos termos do art. 69 do Código Penal; b) Concedo as seguintes medidas cautelares, nos termos do art. 319 do Código de Processo Penal: b.1) Proibição do querelado manter contato, por qualquer meio (telefone, internet, redes sociais, etc.), com o querelante e seus familiares, bem como com as pessoas próximas a eles, como sócios e funcionários de suas empresas; b.2) Proibição do querelado produzir ou divulgar, por qualquer meio (jornais, revistas, internet, redes sociais, etc.), novas matérias jornalísticas que sejam ofensivas à honra do querelante, seus familiares e suas empresas, abstendo-se de fazer novas publicações que atinjam a honra do querelante, ainda que não nominando-o expressamente, mas passível de identificação; (…) (grifou-se) Pois bem. A liberdade de expressão, enquanto direito fundamental, reveste-se, primordialmente, de um caráter negativo, consubstanciado na pretensão de que o Estado se abstenha de exercer qualquer forma de censura. Desse modo, com exceções de manifestações que incitem a violência ou configurem condutas penalmente relevantes, não compete ao Estado definir quais opiniões são válidas ou socialmente aceitáveis. Em um regime democrático, essa avaliação cabe, em primeiro lugar, à coletividade à qual as manifestações se dirigem, incumbindo, portanto, ao Estado a adoção de uma postura de abstenção ativa, com o fim de evitar práticas que possam restringir o livre debate de ideias e o pluralismo de opiniões – pilares que encontram fundamento na liberdade de imprensa e constituem pressupostos essenciais à ordem democrática. Foi com base nesse entendimento que o Supremo Tribunal Federal firmou a vedação à censura prévia no exercício da atividade jornalística (ADPF 130), reconhecendo como essencial à consolidação do regime democrático a plena liberdade de imprensa. Ressalvou-se, todavia, a possibilidade de controle posterior, pelo Poder Judiciário, quanto a eventuais excessos, com o fim de assegurar a observância dos direitos da personalidade, notadamente os relativos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem. Obviamente, a liberdade de expressão não se reveste de caráter absoluto, pois se trata de direito fundamental que, embora assegure ampla manifestação do pensamento, também impõe deveres correlatos. Seus limites encontram-se delineados na própria Constituição Federal, sobretudo na proteção à imagem, na vedação ao anonimato e na observância do princípio da dignidade da pessoa humana – um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, nos termos do art. 1º, inciso III. É dizer, ainda que a liberdade de expressão e o direito à informação constituam privilégios de uma sociedade republicana, democrática e pluralista, não podem ser instrumentalizados como pretexto para o desrespeito a outros direitos igualmente tutelados pelo texto constitucional. A invocação da liberdade de expressão não legitima, portanto, condutas que atentem contra a honra, a imagem ou a dignidade de terceiros. Tanto é assim que o art. 220, § 1º, da Constituição Federal estabelece que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, observarão os dispositivos constantes do art. 5º, especialmente os incisos IV, V, X, XIII e XIV. Ainda que o dispositivo mencione a atividade jornalística, a exigência de respeito a tais balizas aplica-se a toda e qualquer manifestação de expressão, independentemente de sua origem ou meio de veiculação. Desse modo, mesmo que o exercício desse direito ocorra em meio diverso do jornalístico, exige-se respeito, por aquele que se usa da palavra, aos direitos que garantem a inviolabilidade da honra, imagem, dignidade e demais direitos fundamentais previstos e garantidos constitucionalmente. O controle pelo Poder Judiciário, como dito, deve ser exercido a posteriori, a fim de que não configure censura prévia ao exercício da liberdade de expressão – não se deve impedir, de forma antecipada, a livre manifestação do pensamento. Na hipótese, a imposição da medida cautelar de proibição do Paciente produzir ou divulgar matérias ditas “ofensivas à honra do querelante, seus familiares e suas empresas” configura uma verdadeira censura prévia, uma vez que: (i) impede a circulação antecipada de ideias e informações, antes mesmo que sua veracidade ou licitude sejam submetidas ao crivo do Judiciário; (ii) desloca para o juiz – e não para o público destinatário – a função de filtragem do debate, usurpando o papel que é reservado constitucionalmente à coletividade; e (iii) inverte o sistema de tutela, transformando o controle posterior – legítimo e compatível com o art. 220, § 1º, da CF – em um obstáculo permanente ao exercício livre do pensamento. Por outro lado, considero adequada a manutenção da cautelar de proibição de contato entre o Paciente e o querelante, seus familiares ou pessoas próximas – medida que, diferentemente da anterior, encontra amparo no artigo 319, III, do Código de Processo Penal, por se destinar à preservação da tranquilidade da vítima e à prevenção de eventual reiteração de condutas que possam comprometer a integridade psíquica dos envolvidos, sem, contudo, obstar o exercício da atividade jornalística pelo Paciente. É dizer, a análise dos autos revela um histórico de litígios entre as partes, incluindo duas ações penais privadas (0000072-12.2017.8.18.0164 e 0012694-98.2017.8.18.0140), ambas tratando de matérias jornalísticas publicadas pelo Paciente, sendo uma delas já julgada improcedente. A reiteração desses litígios, baseada nos mesmos fatos ou em variações mínimas, sugere uma escalada conflitiva que justifica um juízo cautelar quanto a interações pessoais. Posto isso, concedo parcialmente a liminar com o fim de revogar a medida cautelar de proibição de produzir ou divulgar matérias ditas “ofensivas à honra do querelante, seus familiares e suas empresas” imposta ao paciente Rômulo Rocha Macedo. Mantenho inalterada a medida de proibição de contato. Advirta-se ao paciente que o descumprimento da cautelar remanescente implicará na imposição de outras ou, em último caso, na decretação de sua prisão pelo juízo de primeiro grau, nos termos do art. 282, § 4º, do CPP. Dê-se ciência da decisão à autoridade coatora e, ato contínuo, encaminhe-se os autos ao Ministério Público Superior para os fins de direito. Logo depois, voltem-me os autos conclusos para julgamento. Intime-se e cumpra-se. Teresina (PI), data registrada no sistema. 1 A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.
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