Processo nº 1036197-42.2023.8.11.0003
ID: 323211940
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1036197-42.2023.8.11.0003
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOAO RICARDO FILIPAK REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO JOAO RICARDO FILIPAK
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1036197-42.2023.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Inclusão Indevida em Cadastro de Inadimplentes, …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1036197-42.2023.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Inclusão Indevida em Cadastro de Inadimplentes, Fornecimento de Energia Elétrica] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [JOSE PEREIRA DE SOUZA - CPF: 836.024.881-87 (APELANTE), JOAO RICARDO FILIPAK registrado(a) civilmente como JOAO RICARDO FILIPAK - CPF: 565.021.849-87 (ADVOGADO), ENERGISA MATO GROSSO DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A - CNPJ: 03.467.321/0001-99 (APELADO), DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA - CPF: 568.962.041-68 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. NEGATIVAÇÃO DECORRENTE DE DÉBITO POSTERIOR À NEGOCIAÇÃO. PROTESTO REGULAR. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1.. Recurso de apelação interposto por consumidor contra sentença que julgou improcedente ação declaratória cumulada com indenização por danos morais, proposta em face de concessionária de energia elétrica, alegando inscrição indevida em cadastros restritivos de crédito, apesar de quitação anterior dos débitos. II. Questão em discussão 2. Há duas questões em discussão: (i) saber se a negativação e o protesto realizados pela fornecedora decorrem de débito efetivamente quitado em acordo anterior; e (ii) saber se há ilicitude apta a ensejar reparação por danos morais diante da inscrição negativa ou manutenção de protesto após quitação. III. Razões de decidir 3. A responsabilidade pela baixa de protesto regularmente realizado recai sobre o devedor, nos termos da jurisprudência do STJ, incumbindo à credora apenas a emissão da carta de anuência. 4. A inscrição junto ao SERASA refere-se a débito vencido após a negociação anterior e, portanto, não abrangido pela avença quitada em 29/06/2021. 5. Ausente comprovação de conduta ilícita por parte da concessionária, não há que se falar em dano moral indenizável. 6. A confusão entre protesto e negativação, feita pelo apelante, inviabiliza a caracterização do nexo causal necessário à responsabilização civil. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso de apelação conhecido e desprovido. Tese de julgamento: "1. O protesto regularmente lavrado e não baixado após a quitação do débito não configura ato ilícito imputável ao credor, sendo ônus do devedor providenciar sua retirada. 2. A negativação decorrente de débito vencido e não abrangido por composição anterior não enseja reparação por dano moral." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, X; CDC, arts. 6º, III e VIII, e 14; CPC, art. 373, I. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 2326767/MT, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, j. 18.12.2023. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO (RELATOR) Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação apresentado por JOSE PEREIRA DE SOUZA contra sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis/MT, nos autos da Ação Declaratória De Inexistência De Débito C/C Repetição De Indébito E Indenização Por Danos Morais Com Pedido De Tutela Antecipada n. 1036197-42.2023.8.11.0003, ajuizada em desfavor de ENERGISA MATO GROSSO DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A, que julgou improcedente o pleito autoral por ausência de comprovação de fato constitutivo do direito alegado, nos termos do art. 373, I, do CPC. Alega o recorrente que quitou integralmente os débitos com a recorrida por meio de renegociação celebrada em 29/06/2021, incluindo-se na composição da dívida o valor de R$ 854,60 referente a fatura vencida em 28/02/2019, não obstante o que teve seu nome negativado posteriormente, em 08/11/2021, fato que qualifica como abusivo e ensejador de reparação civil. Em suas palavras, “o valor cobrado se trata de valor efetivamente PAGO conforme comprovante de pagamento da renegociação de dívida anexo aos autos”. Para reforçar sua alegação, argumenta que houve falha na prestação do serviço por parte da concessionária de energia, que descumpriu o dever de correção e atualização cadastral após o pagamento integral da dívida renegociada. Invoca ainda a hipossuficiência técnica do consumidor, alegando que o juízo de primeiro grau ignorou o pedido de inversão do ônus da prova, previsto no art. 6º, VIII, do CDC, o que teria violado os princípios do devido processo legal e da equidade nas relações consumeristas. Sustenta ainda que os documentos juntados pela parte ré não possuem autenticidade e foram unilateralmente produzidos, sendo os “prints de tela” impugnados em contestação. Aponta que, ao não aplicar a inversão do ônus da prova, o juízo acabou por concentrar toda a carga probatória sobre o consumidor, frustrando o espírito protetivo do Código de Defesa do Consumidor. Por fim, requer que o recurso seja provido para que seja julgada procedente a ação originária, com a declaração de inexistência do débito no valor de R$ 854,60, bem como a condenação da apelada ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigido e com juros legais, além da condenação em custas e honorários advocatícios. Isenção de preparo, id. 294502873. Contrarrazões, id. 293564406. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO (RELATOR) Egrégia Câmara: Conforme o explicitado, cuide-se de recurso de apelação apresentado por JOSÉ PEREIRA DE SOUZA contra sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis/MT, nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Débito C/C Repetição de Indébito e Indenização por Danos Morais Com Pedido de Tutela Antecipada n. 1036197-42.2023.8.11.0003, ajuizada em desfavor de ENERGISA MATO GROSSO DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A, que julgou improcedente o pleito autoral por ausência de comprovação de fato constitutivo do direito alegado, nos termos do art. 373, I, do CPC. Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade. Cinge-se da inicial que a parte autora, ora apelante narra que, em 29/06/2021, firmou acordo com a empresa requerida para quitação integral de débitos relativos ao fornecimento de energia elétrica, no valor de R$ 1.740,14, incluindo uma fatura antiga, datada de 28/02/2019, no valor de R$ 854,60. Alega que em 06/09/2023, ao tentar realizar compra parcelada de óculos em estabelecimento comercial, foi surpreendido com a negativa de crédito em razão de inscrição de seu nome nos cadastros de inadimplentes pela própria Requerida, exatamente pela mesma fatura que já havia sido quitada. Apesar de ter tentado resolver a situação de forma extrajudicial, inclusive por meio de diversos contatos telefônicos, o Autor não obteve qualquer resposta eficaz. A negativação indevida lhe causou constrangimento público e abalo moral, especialmente por ter sua credibilidade comercial questionada injustamente. Em razão da cobrança de débito inexistente e da indevida inscrição nos órgãos de proteção ao crédito, o Autor busca a tutela jurisdicional para ver reconhecida a ilicitude da conduta da Requerida e ser devidamente indenizado pelos prejuízos morais sofridos. O Magistrado de origem julgou improcedente, nos seguintes fundamentos: “ [...] É o relatório. Fundamento e decido. Impende consignar que o feito comporta o julgamento antecipado, nos termos do inciso I, art. 355, do Código de Processo Civil, uma vez que, embora a questão versada nos autos seja de fato e de direito, a prova documental se revela suficiente ao deslinde da causa, notadamente diante da manifestação das partes nesse sentido. DA PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DO INTERESSE DE AGIR. Convém deixar claro que não deve prevalecer a preliminar de ausência do interesse processual. Isto porque o interesse processual reside na necessidade que tem alguém de vir a juízo buscar a tutela para alguma pretensão sua, resultante de violação de direito seu, ainda quando essa tutela jurisdicional possa trazer-lhe alguma utilidade do ponto de vista prático. Estudando a legitimação para agir, José Frederico Marques leciona: “BUZAID denomina-a de ‘pertinência subjetiva da ação’, porquanto consiste a legitimidade ad causam (legitimidade de parte ou também legitimação para agir) na individualização daquele a quem pertence o interesse de agir e daquele em frente do qual se formula a pretensão levada ao Judiciário. Diz respeito a legitimação para agir à posição do autor e réu em relação a um litígio. Só os titulares dos interesses em conflito têm direito à prestação jurisdicional e ficam obrigados a subordinar-se, in casu, ao poder ou imperium estatal” (Manual de Direito Processual Civil. Ed. Malheiros, 1998, p. 303). Legítimos para figurar em uma demanda judicial são os titulares dos interesses em conflito. O autor deve ser o titular da pretensão deduzida em juízo e o réu, aquele que resiste a essa pretensão ou que deverá sujeitar-se à eventual sentença de procedência. A legitimidade ativa “ad causam” ocorre quando a pessoa que pede a tutela jurisdicional é a mesma que tem o direito indicado como ameaçado ou violado. Assim, a parte terá legitimidade como autor, se for ela quem, juridicamente, pode fazer valer a pretensão em face do demandado. Assim, não se pode recusar a submissão de um litígio não resolvido ao Judiciário. Essa titularidade de ação proposta dá existência ao interesse processual de agir em juízo. A colocação supra tem o valioso aval de Teresa Arruda Alim Wambier (“Nulidades do Processo e da Sentença” – R.T. 1997, 4ª edição, pág. 47) quando entende que o interesse processual se encontra na “na necessidade e na utilidade de jurisdição, que embute o requisito da adequação”. Por tais motivos, RECHAÇO a preliminar suscitada. DA PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL. Quanto a preliminar de inépcia da inicial, verifico que esta de igual forma não merece acolhimento, considerando que a peça de ingresso não contém qualquer tipo de vício insanável que comande o seu indeferimento de plano, providência excepcional e que só deve ser adotada quando a mácula apontada inviabilize a defesa da parte contrária, o que não é o caso dos autos, haja vista que a inicial na espécie se mostra compreensível e atende aos requisitos legais para sua admissibilidade. Corroborando o entendimento aviventado transcrevo os seguintes arestos: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. INICIAL. PEDIDO. INÉPCIA. DESCRIÇÃO SUFICIENTE DOS FATOS. - Não é inepta a petição inicial onde foi feita descrição suficiente dos fatos que servem de fundamento ao pedido, ensejando ao réu o pleno exercício de sua defesa. Precedentes. (AgRg no Ag 447.331/SP, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 28.06.2005, DJ 15.08.2005 p. 300.) (destacamos). PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – FGTS – PETIÇÃO INICIAL – INÉPCIA NÃO CONFIGURADA – INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO – PRECEDENTES DO STJ. 1 - Ainda que o pedido formulado pelos autores não tenha sido elaborado em conformidade com a mais elevada técnica processual, descabe ao julgador indeferir de plano da petição inicial, quando se pode extrair do seu contexto, o pedido e a causa de pedir. 2 - Recurso especial provido. (REsp 742.775/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 14.06.2005, DJ 15.08.2005 p. 293) (destacamos). Em análise das lições jurisprudenciais colecionadas, emerge a insubsistência da preliminar em comento, pois reafirma a excepcionalidade do juízo negativo de inadmissibilidade da peça de ingresso, motivo pelo qual REJEITO tal arguição da demandada. DO MÉRITO Versam os presentes autos sobre reclamação de cunho declaratório e condenatório, onde a parte autora pretende que seja declarada a inexistência da dívida cobrada, bem como ser indenizada por danos morais, por entender ter tido prejuízo, em razão de ter o seu nome protestado perante o cartório de protestos, pela reclamada, indevidamente. Da análise dos autos, verifica-se que o autor comprovou a existência do protesto de seu nome frente aos órgãos de proteção ao crédito, alegando que a referida negativação é indevida. No entanto não foi possível tal comprovação, uma vez que pela simples análise dos documentos trazidos é possível verificar que houve o comprometimento do autor, quanto à assunção da dívida frente à requerida e como não houve o devido adimplemento da obrigação, ocorreu à negativação do seu nome por parte da requerida. Ademais, a requerida, em sede de contestação justifica de forma coerente o motivo da negativação, devendo ser acatada a sua defesa. Frisa-se o que dispõe a lei nº 2.828 de 12 de março de 2014, que dispõe sobre protesto: Art. 5º: Os valores devidos na apresentação e distribuição de protesto de documentos de dívida pública são pagos, exclusivamente, pelo devedor no ato elisivo do protesto. Nesse diapasão, conclui-se que embora haja a comprovação da negativação, não é possível o estabelecimento do nexo entre estes fatos e a caracterização do dano reclamado. Na avaliação do dano moral, deve-se medir o grau de sequela produzido, isto é, necessita-se de dados concretos para quantificar o valor desse dano, para que, posteriormente possa dosar com justiça a condenação do ofensor. Verifica-se no caso em análise, tratar-se de transtornos diários inerentes ao cotidiano do homem comum; é certo que estes fatos são desagradáveis, causam desconforto, aborrecimentos; entretanto, não ensejam indenização, especialmente referente ao dano moral, se não houver a devida comprovação de quem é a responsabilidade pelo prejuízo causado. Depreende-se das alegações deduzidas na inicial e dos documentos carreados aos autos, que os fatos narrados não devem ser considerados causa ensejadora de dano moral, uma vez que não foi possível ter-se a certeza de que ocorreu o dano, sendo impossível quantificar o prejuízo do reclamante. Assim, o autor não conseguiu comprovar o fato constitutivo do seu direito, conforme art. 373, inciso I do Código de Processo Civil, o qual possui a mesma redação do antigo Código. Eis que, em matéria de prova, rege o princípio do interesse de quem alega, como se vê na lição do mestre Cândido Rangel Dinamarco, in “Instituições de Direito Processual Civil”, 5ª ed., Malheiros Editores, páginas 72⁄73, in verbis: “Segundo o art. 333 do Código de Processo Civil, cabe ao autor a prova relativa aos fatos constitutivos de seu alegado direito (inc.I) e ao réu, a dos fatos de que algum modo atuem ou tenham atuado sobre o direito alegado pelo autor, seja impedindo que ele se formasse, seja modificando-o ou mesmo extinguindo-o (inc. II); fatos impeditivos, modificativos ou extintivos - supra, n. 524). A síntese dessas disposições consiste na regra de que o ônus da prova incumbe à parte que tiver interesse no reconhecimento do fato a ser provado (Chiovenda), ou seja, àquela que se beneficie desse reconhecimento; essa fórmula coloca adequadamente o tema do ônus probandi no quadro do interesse como mola propulsora da efetiva participação dos litigantes, segundo o empenho de cada um em obter vitória. O princípio do interesse é que leva a lei a distribuir o ônus da prova pelo modo que está no artigo 333 do Código de Processo Civil, porque o reconhecimento dos fatos constitutivos aproveitará ao autor e o dos demais, ao réu; sem prova daqueles, a demanda inicial é julgada improcedente e, sem prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos, provavelmente a defesa do réu não obterá sucesso.” Entretanto, como se vê dos autos, a inicial veio embasada em documentos pouco elucidativos e durante a tramitação do processo não foi possível a comprovação das alegações do autor, motivo pelo qual não merecem guarida. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, extinguindo o processo, com resolução do mérito, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Em atenção ao princípio da sucumbência, CONDENO o requerente ao pagamento das despesas judiciais e honorários advocatícios, fixados estes no importe de 10% sobre o valor da causa (art. 85, § 2º, CPC). No entanto, seu pagamento fica isento de exigibilidade pelo prazo estatuído no art. 98, § 3º, do CPC, uma vez que a autora beneficiária da assistência judiciária gratuita - ID 135343980. [...]” Pois bem. - DA PRELIMINAR DA APELADA – DIALETICIDADE Inicialmente, impõe-se a análise da preliminar suscitada pela apelada no sentido de que o recurso não merece conhecimento por suposta ofensa ao princípio da dialeticidade recursal. Alega-se, em síntese, que a parte apelante teria deixado de impugnar de maneira específica os fundamentos adotados na sentença de primeiro grau, restringindo-se a reproduzir os argumentos já expendidos na petição inicial, além de promover remissões que reputa equivocadas ao conteúdo da peça exordial. Não assiste razão, todavia, à parte recorrida. A preliminar não merece acolhimento. Ao compulsar detidamente as razões recursais, constata-se que a parte apelante, ainda que não tenha se valido da mais refinada técnica redacional, logrou apresentar, de maneira minimamente satisfatória, os fundamentos de fato e de direito que embasam seu inconformismo em relação à sentença de primeiro grau. Com efeito, verifica-se que a insurgência recursal foi suficientemente motivada, especialmente no que tange ao argumentos jurídicos que justificariam a necessidade de reforma do decisum, notadamente quanto à caracterização do dano moral indenizável na hipótese de atraso significativo e cancelamento de voo sem prévia comunicação. O princípio da dialeticidade recursal — expressão da necessidade de motivação específica e confronto direto com os fundamentos da decisão recorrida — restou, no caso concreto, atendido de forma suficiente para ensejar o regular processamento do recurso, sobretudo porque permitiu à parte adversa o pleno exercício do contraditório, como se verifica pela apresentação de contrarrazões extensas e devidamente fundamentadas. Nesse sentido é o entendimento deste Tribunal de Justiça: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO DE DANOS ELÉTRICOS – PRELIMINAR DE VIOLAÇÃO A DIALETICIDADE REJEITADA – MÉRITO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA – QUEIMA DE EQUIPAMENTOS CAUSADOS POR FALHA NA ENERGIA ELÉTRICA – RESPONSABILIDADE AFASTADA – EQUIPAMENTO AVARIADO – LAUDO TÉCNICO IMPRESTÁVEL GENÉRICO E SUPERFICIAL – INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA – DEVER DE RESTITUIÇÃO NÃO CONFIGURADO – AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Não há falar em ofensa ao princípio da dialeticidade quando as razões recursais impugnam especificamente as questões decididas na sentença e apresentam as razões da inconformidade. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1013482-86.2023 .8.11.0041, Relator.: MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Data de Julgamento: 10/04/2024, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/04/2024) ALTAIR RODRIGUES DE SOUZAEMENTARECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE ILEGALIDADE DE RETENÇÃO DE SALÁRIO – PROCEDÊNCIA – PRELIMINAR DE INÉPCIA DO RECURSO POR VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE – REJEIÇÃO – ALEGAÇÃO DE POSSIBILIDADE DE RETENÇÃO DE 100% DO SALÁRIO DO CORRENTISTA PARA SALDAR DÉBITOS JUNTO AO BANCO – IMPOSSIBILIDADE – IMPENHORABILIDADE DA VERBA (ARTIGO 833, INCISO IV, DO CPC/15)– LIMITAÇÃO DO BLOQUEIO À 30% DOS VENCIMENTOS DO DEVEDOR A FIM DE PERMITIR A SUA SUBSISTÊNCIA – RECURSO DESPROVIDO. Não há falar-se em violação ao princípio da dialeticidade se o apelante ataca especificamente todos os pontos da sentença recorrida, expondo os fundamentos de fato e de direito pelos quais requer a reforma da sentença (...).- (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1049096-89.2022 .8.11.0041, Relator.: MARILSEN ANDRADE ADDARIO, Data de Julgamento: 15/05/2024, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 20/05/2024) Ressalte-se, ademais, que os princípios da instrumentalidade das formas e da primazia do julgamento de mérito, ambos positivados no Código de Processo Civil de 2015, orientam a atuação jurisdicional no sentido de se evitar decisões fundadas em excessivo formalismo, prestigiando-se a análise substancial das questões trazidas em juízo, sempre que observados os pressupostos mínimos de admissibilidade. Diante desse panorama, não há que se falar em inobservância do princípio da dialeticidade. Rejeita-se, pois, a preliminar de não conhecimento do recurso. - DO MÉRITO A controvérsia cinge-se à análise da existência de negativação indevida e consequente dever de indenizar, em razão da inclusão ou manutenção do nome do autor em cadastros de proteção ao crédito por débito que alega ter sido quitado em negociação anterior. Ab initio, cumpre salientar que a relação jurídica estabelecida entre as partes é tipicamente de consumo, subsumindo-se aos ditames do Código de Defesa do Consumidor, conforme disposto em seus artigos 2º e 3º. Sendo assim, incide na espécie a responsabilidade objetiva da fornecedora pelos danos causados, nos termos do art. 14 do referido diploma legal. Impende destacar que nas relações de consumo, quando verossímil a alegação ou quando for o consumidor hipossuficiente, deve ser facilitada a sua defesa, com a inversão do ônus da prova, a teor do disposto no art. 6º, VIII, do CDC. No caso em apreço, o autor afirma ter quitado o débito objeto da negativação em 29/06/2021, mediante negociação com a requerida, tendo apresentado o respectivo comprovante de pagamento. Contudo, seu nome foi incluído nos cadastros de proteção ao crédito em 08/11/2021, conforme demonstra o extrato de negativação juntado aos autos. Inicialmente, cumpre salientar, com a devida ênfase, que a parte autora, ora apelante, figura como destinatária de duas inscrições negativas distintas, cada qual com natureza jurídica e origem específicas. A primeira corresponde à inscrição junto a órgão de proteção ao crédito, referente ao Contrato n.º 95276202109, cujo vencimento ocorreu em 01/10/2021, no valor de R$ 39,82 (trinta e nove reais e oitenta e dois centavos). A segunda, por sua vez, consiste em protesto lavrado perante o Cartório de Registro Público n.º 0004 da Comarca de Rondonópolis, datado de 28/02/2019, no valor de R$ 854,60 (oitocentos e cinquenta e quatro reais e sessenta centavos). A avença firmada pelo autor junto à concessionária, em 29/06/2021, abrangeu a consolidação de diversas faturas vencidas entre os anos de 2018 e maio de 2021, resultando no montante de R$ 1.740,14 (mil setecentos e quarenta reais e quatorze centavos), valor que foi integralmente quitado, conforme se depreende do comprovante de pagamento acostado aos autos, id. 293564357. Diante desses esclarecimentos, é imprescindível estabelecer as seguintes premissas. No que tange ao protesto lavrado em cartório, no valor de R$ 854,60 (oitocentos e cinquenta e quatro reais e sessenta centavos), ainda que tenha sido incluído na negociação firmada e devidamente quitado pelo autor em 29/06/2021, cumpre observar que, conforme orientação pacífica do Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade pela baixa do apontamento cartorário incumbe exclusivamente ao devedor. Compete ao credor, após a quitação integral da dívida, tão somente a emissão da correspondente carta de anuência, sendo ônus do devedor promover, por sua conta, o respectivo cancelamento junto ao cartório competente, inclusive quanto ao recolhimento das custas decorrentes do ato. Nesse sentido, é o entendimento consolidado pelo STJ, inclusive em sede de recurso repetitivo: AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM DANOS MORAIS. PROTESTO DEVIDO . POSTERIOR QUITAÇÃO DO DÉBITO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO REQUERIMENTO DA CARTA DE ANUÊNCIA JUNTO À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PARA A RETIRADA DO PROTESTO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA DA LIDE. SÚMULA N . 7 DO STJ. BAIXA DO PROTESTO DE DÍVIDA. RESPONSABILIDADE DO DEVEDOR. 1 .Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ). 2. A jurisprudência do STJ entende que é do devedor a responsabilidade pela baixa de protesto de dívida . 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no AREsp: 2326767 MT 2023/0087497-4, Relator.: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 18/12/2023, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/12/2023) No que se refere à inscrição negativa junto ao SERASA, relativa ao Contrato n.º 95276202109, no valor de R$ 39,82 (trinta e nove reais e oitenta e dois centavos), com vencimento em 01/10/2021, constata-se que se trata de obrigação vencida posteriormente à negociação realizada em 29/06/2021, a qual contemplou apenas débitos vencidos até maio daquele ano. Deste modo, a negativação em questão decorre de inadimplemento autônomo, não abrangido pela composição anterior, constituindo, portanto, legítimo exercício do direito creditório por parte da concessionária. Ressalte-se, ainda, que o apelante, em sua peça inaugural, incorreu em equívoco ao tratar indistintamente dois institutos jurídicos distintos — o protesto e a inscrição em órgão de proteção ao crédito —, circunstância que acabou por gerar confusão quanto à origem do impedimento de crédito enfrentado em 06/09/2023. Com efeito, tal restrição pode ter decorrido tanto da manutenção do protesto não baixado, cuja regularização competia ao próprio devedor, quanto da negativação legítima alusiva ao débito vencido em outubro de 2021, no qual a concessionária se limitou a exercer, de forma regular e lícita, o seu direito de cobrança. Em qualquer das hipóteses analisadas, inexiste ato ilícito imputável à concessionária. No tocante ao protesto cartorário, a baixa do apontamento dependia de iniciativa do próprio devedor, após a devida quitação do débito. Já quanto à negativação junto ao órgão de proteção ao crédito, esta decorreu de obrigação inadimplida posteriormente à negociação firmada entre as partes, cuja legitimidade, ademais, não foi infirmada pelo autor. Outrossim, no que tange aos débitos abrangidos pelo Termo de Confissão de Dívida, observa-se que todos foram devidamente baixados no prazo de um dia após a respectiva quitação, conforme demonstra o extrato do SPC acostado aos autos. Ressalte-se, inclusive, que o referido extrato registra como pendente apenas o débito inadimplido com vencimento em outubro de 2021, cuja exigibilidade não foi afastada e que não integrou a negociação firmada. Diante da ausência dos pressupostos caracterizadores da responsabilidade civil — em especial, o ato ilícito e o nexo de causalidade —, não subsiste fundamento jurídico para o reconhecimento do dever de indenizar. Nesse cenário, a sentença proferida pelo juízo de primeiro grau, ao julgar improcedentes os pedidos deduzidos na exordial, revela-se escorreita e merece ser integralmente mantida por seus próprios fundamentos. Ante o exposto, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação, mantendo integralmente a sentença recorrida. Majoro os honorários advocatícios devidos pelo apelante em favor do advogado da parte apelada para 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 11, do CPC, observada a suspensão da exigibilidade em razão da gratuidade da justiça concedida. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 08/07/2025
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