Processo nº 5352281-13.2025.8.09.0051
ID: 332882870
Tribunal: TJGO
Órgão: Goiânia - 5ª UPJ Varas Cíveis: 12ª, 20ª, 21ª, 22ª, 23ª e 25ª
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5352281-13.2025.8.09.0051
Data de Disponibilização:
23/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GILMAR JUNIO FERREIRA DE SOUZA
OAB/GO XXXXXX
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Poder Judiciário
Comarca de Goiânia
Gabinete do Juiz da 21ª Vara Cível
Telejudiciario (62) 3216-2070, Fórum Cível: 62-3018-6000, 5ª UPJ das Varas Cíveis (62) 3018-6456 e (62) 3018-6457, WhatsApp …
Poder Judiciário
Comarca de Goiânia
Gabinete do Juiz da 21ª Vara Cível
Telejudiciario (62) 3216-2070, Fórum Cível: 62-3018-6000, 5ª UPJ das Varas Cíveis (62) 3018-6456 e (62) 3018-6457, WhatsApp 5ª UPJ: (62) 3018-6455
E-mail 5ª UPJ: 5upj.civelgyn@tjgo.jus.br, Gabinete Virtual: gab21varacivel@tjgo.jus.br, WhatsApp Gabinete 21ª: (62) 3018-6472
Endereço: (Edificio Forum Civel) Avenida Olinda, Esquina com Rua PL-03, Qd. G, Lt. 04, Park Lozandes, Cep: 74.884-120 - Goiânia - GO
SENTENÇA
Processo nº 5352281-13.2025.8.09.0051
I - RELATÓRIO.
Trata-se de Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Indenização por Danos Morais proposta por PEDRO HENRIQUE PINTO DE PAULA em desfavor de CLARO S.A., ambos qualificados nos autos, aduzindo, em síntese, que teve seu nome indevidamente apontado na plataforma de dados da SERASA LIMPA NOME por dívidas das quais a ré alega ser credora.
Segundo o autor, a conduta negligente da requerida lhe prejudicou moralmente, causando transtorno, perda de tempo, impossibilidade de compra a prazo, além de lhe render a pecha de "péssimo pagador" no comércio local e em seu meio social. Sustenta que tal situação lhe trouxe dano moral incalculável.
Argumenta que os documentos que demonstram a dívida foram produzidos pela própria SERASA, que teria elaborado documentos unilaterais para tentar sustentar o contrário, inclusive alterando suas políticas de privacidade. Aduz que a plataforma "LIMPA NOME" é um importante insumo para a principal atividade empresária da SERASA EXPERIAN, pois através dela a empresa reúne mais informações para traçar um perfil analítico do consumidor e vender essas informações aos seus conveniados.
Em sua narrativa, afirma que o armazenamento de dados relativos a dívidas em atraso na SERASA LIMPA NOME gera os mesmos efeitos nocivos dos cadastros de negativados, pois restringe o fornecimento de crédito ao consumidor. Para corroborar sua tese, cita reportagem da Revista Exame, de 09/09/2020, em que Lucas Lopes, Gerente de produtos da Serasa, teria afirmado que as "contas atrasadas não negativam o nome nem baixam o score", mas contrapõe argumentando que o "SERASA TURBO" só é disponibilizado se o consumidor aderir ao "SERASA CADASTRO POSITIVO", que considera pagamentos de toda e qualquer natureza, implicando que contas atrasadas, mesmo sem negativação, afetam o score.
Requer o reconhecimento da inversão do ônus da prova, a concessão da gratuidade da justiça, a exclusão definitiva de qualquer informação ou proposta de negociação relacionada às dívidas apontadas na SERASA CONSUMIDOR LIMPA NOME, que a suposta credora seja proibida de incluir tais informações novamente na plataforma ou em qualquer outro cadastro, e que se abstenha de realizar qualquer tipo de cobrança (e-mail, SMS, WhatsApp, etc.). Pugna também por indenização por danos morais, defendendo que o dano deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, configurando-se in re ipsa (prescinde de prova).
O valor atribuído à causa foi de R$ 35.263,51 (trinta e cinco mil, duzentos e sessenta e três reais e cinquenta e um centavos).
Juntou aos autos declaração de renúncia ao valor de seu crédito que exceder 60 salários-mínimos, definidos como teto fixador da competência dos Juizados Especiais Federais, nos termos do artigo 3º da Lei nº 10.259/01.
Em decisão interlocutória, este juízo deferiu a gratuidade da justiça, determinou a designação de audiência de conciliação e a citação da parte ré, nos seguintes termos:
"Considerando a documentação acostada aos autos, demonstrada está a insuficiência de recursos da parte autora para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, razão pela qual DEFIRO o pedido de gratuidade da justiça, com fundamento no art. 98, caput, do Código de Processo Civil."
Em 16/05/2025, foi agendada audiência de conciliação para o dia 03/07/2025, às 13:00 horas, com a devida intimação das partes.
Em 20/05/2025, foi emitida certidão informando que "a Berna, inteligência artificial do TJGO, não detectou no sistema Projudi/PJD outros processos envolvendo as mesmas partes", bem como certidão de encaminhamento dos autos à CEPACE para realização da audiência de conciliação.
Devidamente citada, a requerida apresentou contestação extensa, suscitando preliminarmente:
a) inépcia da inicial por ausência de documentos indispensáveis à propositura, alegando que a autora não apresentou qualquer documento que comprove a negativação, sendo o documento apresentado apenas um "print de consulta interna";
b) falta de interesse de agir/perda do objeto, argumentando que não há pretensão resistida, pois a autora sequer procurou o atendimento da Claro para solução administrativa, e que a retirada da proposta de negociação do débito da Plataforma Serasa Limpa Nome teria ocorrido antes mesmo da citação;
c) impossibilidade de a prescrição ser objeto autônomo de ação, defendendo que a prescrição é um contradireito do devedor e só poderia ser suscitada caso a Claro estivesse exigindo judicialmente o pagamento da dívida;
d) necessidade de comprovação da tentativa prévia de solução administrativa ou extrajudicial, citando o IRDR Nº 1.0000.22.157099-7/002 (Tema 91) do TJMG.
No mérito, a requerida sustenta que o requerente contratou e usufruiu dos serviços de telefonia, e que no ato da contratação é feita a conferência dos dados cadastrais. Ressalta que, apesar da inadimplência, não negativou o nome da parte autora junto aos órgãos de proteção ao crédito e requer a expedição de ofício para esses órgãos para comprovar a inexistência da negativação alegada.
Argumenta que a Serasa Limpa Nome é um lugar virtual para renegociação de dívidas, um ambiente privado e sem influência no Score, não representando restrição no cadastro de inadimplentes. Cita a Súmula nº 81 do TJGO, que afirma que "O mero registro na plataforma Serasa Limpa Nome ou similar, cuja finalidade é a negociação de dívidas prescritas, não traduz, por si só, abusividade da inscrição e não enseja, por consequência, indenização por danos morais, salvo se comprovada a publicidade das informações ou alteração no score".
Defende que o dano alegado não se configura in re ipsa (presumido), cabendo à parte autora provar a suposta ofensa grave e lesiva à sua moral, e que o mero dissabor não pode ser alçado ao patamar de dano moral. Cita diversas decisões de tribunais (TJMG, TJAM, TJSP, TJBA, TJTO) que corroboram que a inscrição em Serasa Limpa Nome não gera dano moral, especialmente se não há negativação ou cobrança vexatória.
Sobre a validade das telas sistêmicas e faturas apresentadas, a ré defende que os sistemas utilizados são os mesmos usados para bilhetagem e outros dados, são auditados pela Anatel (Lei nº 9472/97) e possuem presunção de legitimidade. Argumenta que considerar essas informações como provas unilaterais violaria o princípio do contraditório e da ampla defesa, configurando cerceamento de defesa.
Quanto à inversão do ônus da prova, sustenta que esta só é admitida com seus pressupostos presentes (art. 6º, VIII, CDC), e que, no caso, não há verossimilhança nas alegações da autora, e ela não comprovou os fatos constitutivos de seu direito.
Por fim, alega que a autora incorreu em litigância de má-fé, por omitir fatos ou usar o Judiciário com objetivos repreensíveis, ferindo o princípio da lealdade processual, com o propósito de enriquecer-se indevida e injustificadamente às custas da requerida.
Requer que sejam acolhidas as preliminares suscitadas, ou, no mérito, que os pedidos da autora sejam julgados totalmente improcedentes, com condenação ao pagamento de multa por litigância de má-fé e honorários de 20% sobre o valor da causa. Subsidiariamente, caso haja condenação por danos morais, que a sentença observe os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Em 04/06/2025, foi expedida intimação para que a parte autora impugnasse a contestação no prazo de 15 dias.
Em sua impugnação, a autora alega que a ré não apresentou documentos pessoais ou gravações de áudio que comprovem a existência da relação jurídica, e que as telas extraídas do sistema interno da ré e as faturas são consideradas provas unilaterais, desprovidas de fé pública e insuficientes para comprovar a legitimidade do débito.
Reitera que a conduta ilícita da ré foi comprovada e que a ré não se desincumbiu do ônus de demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora (art. 373, II, do CPC), citando jurisprudência que considera insuficiente a prova produzida unilateralmente.
Afirma que as informações na Serasa Limpa Nome afetam o Score ou dificultam o acesso ao crédito, sendo acessíveis a qualquer pessoa física ou jurídica para consultar débitos, e cita um caso análogo onde o juízo realizou consulta via WhatsApp. Argumenta que a Súmula 385 do STJ não se aplica se a negativação indevida é posterior a uma legítima já existente, e que o argumento da ré sobre "devedor contumaz" deve ser desconsiderado.
Sobre os honorários, defende que a fixação deve seguir os parâmetros objetivos do art. 85, §2º do CPC, entre 10% e 20% do valor da condenação/proveito econômico, e não por equidade, a menos que o valor seja irrisório ou inestimável. Requer que os juros de mora incidam a partir do evento danoso (inserção e divulgação da dívida prescrita na plataforma Serasa Limpa Nome), conforme Súmula 54 do STJ, e a correção monetária a partir da publicação do julgado, conforme Súmula 362 do STJ.
Em 23/06/2025, a requerida se manifestou ratificando os termos da contestação e requerendo o julgamento antecipado da lide, com fulcro no art. 355 do CPC.
Em 03/07/2025, foi realizada audiência de conciliação pela plataforma digital Zoom Cloud Meetings, com a presença do conciliador judicial Raimundo P. Miranda. Foi registrado que não foi possível consultar os documentos pessoais das partes e as habilitações dos respectivos patronos, razão pela qual foi feito o print da tela de vídeo, para posterior conferência com os documentos juntados no processo. Não houve acordo entre as partes.
É o relatório. Decido.
II - FUNDAMENTAÇÃO.
DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE.
Inicialmente, verifico que o feito comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil, porquanto a matéria discutida é preponderantemente de direito, sendo que os fatos relevantes para o deslinde da controvérsia encontram-se devidamente comprovados pela prova documental carreada aos autos, não havendo necessidade de produção de outras provas.
Ressalta-se que a própria requerida manifestou expressamente, em petição de 23/06/2025, seu interesse no julgamento antecipado da lide, afirmando: "Em atenção à intimação das partes para especificarem as provas que pretendem produzir, a parte Ré vem ratificar em todos os termos a peça contestatória apresentada, requerendo ainda, o julgamento antecipado da lide, com fulcro no art. 355 do Novo Código de Processo Civil."
Ademais, o Juiz é o destinatário das provas, cabendo-lhe, nos termos do art. 371 do CPC, apreciar livremente as provas constantes dos autos para formação do seu convencimento, podendo indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, sem que isso implique cerceamento de defesa.
Desta feita, passo ao julgamento antecipado da lide.
DAS QUESTÕES PRELIMINARES.
1. Da inépcia da inicial por ausência de documentos indispensáveis à propositura.
A requerida suscita preliminar de inépcia da inicial, alegando que a autora não apresentou documentos que comprovem a negativação, sendo o documento apresentado apenas um "print de consulta interna".
A preliminar não merece acolhimento. O Código de Processo Civil, em seu art. 320, estabelece que a petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação. No caso em análise, o autor juntou aos autos print da plataforma Serasa Limpa Nome demonstrando a existência do débito questionado, o que se mostra suficiente para a caracterização de sua pretensão e para o exercício do direito de ação.
Ademais, não há que se falar em ausência de prova de negativação, uma vez que a própria requerida reconhece em sua contestação que o débito foi incluído na plataforma Serasa Limpa Nome, divergindo apenas quanto à natureza jurídica dessa inclusão e seus efeitos. A controvérsia, portanto, não reside na existência da inclusão do nome do autor na referida plataforma, mas em sua regularidade e consequências jurídicas.
Portanto, rejeito a preliminar de inépcia da inicial.
2. Da falta de interesse de agir/perda do objeto.
A requerida alega falta de interesse de agir, argumentando que não há pretensão resistida, pois o autor não teria procurado o atendimento da Claro para solução administrativa, e que a retirada da proposta de negociação do débito da Plataforma Serasa Limpa Nome teria ocorrido antes mesmo da citação.
A preliminar não merece prosperar. O interesse de agir configura-se pela presença do binômio necessidade-utilidade da prestação jurisdicional. A necessidade da tutela jurisdicional evidencia-se pela impossibilidade ou vedação à autotutela, e a utilidade seria caracterizada pela adequação da providência pleiteada para satisfazer a pretensão do autor.
No caso em análise, o autor busca não apenas a exclusão do seu nome da plataforma Serasa Limpa Nome, mas também indenização por danos morais em razão da alegada inclusão indevida. Assim, mesmo que a requerida tenha procedido à exclusão do nome do autor da referida plataforma após a propositura da ação, persiste o interesse processual quanto ao pedido indenizatório.
Ademais, o ordenamento jurídico pátrio consagra o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF), não podendo o exercício do direito de ação estar condicionado ao esgotamento de vias administrativas, salvo previsão constitucional expressa.
Como lecionam Marinoni, Arenhart e Mitidiero:
"A exigência de exaurimento da via administrativa para acesso ao Judiciário não se coaduna com o princípio da inafastabilidade da jurisdição, salvo previsão legal expressa." (Novo Curso de Processo Civil, v. 1, 15ª ed., São Paulo: RT, 2024, p. 372)
Neste sentido, também o Supremo Tribunal Federal já decidiu:
"O prévio requerimento administrativo é necessário apenas quando houver previsão legal; não se pode exigir exaurimento da via administrativa para propositura da demanda judicial." (STF, RE 631240/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 03/09/2014, DJe 10/10/2014)
Portanto, rejeito a preliminar de falta de interesse de agir/perda do objeto.
3. Da impossibilidade de a prescrição ser objeto autônomo de ação.
A requerida alega que a prescrição é um contradireito do devedor e só poderia ser suscitada caso a Claro estivesse exigindo judicialmente o pagamento da dívida, o que não seria o caso, pois a Claro não estaria exigindo a dívida nem mesmo extrajudicialmente.
Ocorre que o pedido principal do autor não é a declaração de prescrição da dívida, mas sim a declaração de inexistência da relação jurídica, a exclusão de seu nome da plataforma Serasa Limpa Nome e a indenização por danos morais. A prescrição, no caso, é apenas um dos fundamentos jurídicos invocados pelo autor para embasar sua pretensão.
Ademais, o art. 487, II, do CPC estabelece que o juiz resolverá o mérito quando decidir sobre a ocorrência de prescrição, o que demonstra que a prescrição pode ser objeto de cognição judicial, inclusive de ofício, nos termos do art. 332, §1º, do mesmo diploma legal.
Portanto, rejeito a preliminar de impossibilidade de a prescrição ser objeto autônomo de ação.
4. Da necessidade de comprovação da tentativa prévia de solução administrativa ou extrajudicial.
A requerida sustenta que, em demandas de consumo, seria exigível que o autor demonstre ter buscado a solução do litígio por vias administrativas ou extrajudiciais, citando o IRDR Nº 1.0000.22.157099-7/002 (Tema 91) do TJMG.
Contudo, tal entendimento não vincula este juízo, uma vez que se trata de precedente de tribunal diverso do qual este juízo está subordinado. Ademais, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 631.240/MG, estabeleceu que a exigência de prévio requerimento administrativo não deve ser confundida com o esgotamento das vias administrativas, e que tal exigência deve se dar apenas em casos específicos e com expressa previsão legal, o que não é o caso dos autos.
No caso em análise, a própria requerida reconhece a existência da inclusão do nome do autor na plataforma Serasa Limpa Nome, o que por si só já caracteriza a pretensão resistida, tornando desnecessária a prévia tentativa de solução administrativa ou extrajudicial.
Portanto, rejeito a preliminar de necessidade de comprovação da tentativa prévia de solução administrativa ou extrajudicial.
DO MÉRITO.
1. Da relação de consumo e inversão do ônus da prova.
De início, reconheço a incidência do Código de Defesa do Consumidor à relação jurídica debatida nos autos, na medida em que as partes se enquadram nos conceitos de consumidor e fornecedor previstos nos arts. 2º e 3º do referido diploma legal.
Quanto à inversão do ônus da prova, o art. 6º, VIII, do CDC estabelece que é direito básico do consumidor "a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência".
No caso em análise, vislumbro tanto a verossimilhança das alegações quanto a hipossuficiência técnica do consumidor em face da operadora, elementos que justificam a inversão do ônus probatório.
Como bem ensinam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:
"A inversão do ônus da prova é direito básico do consumidor, cabendo ao juiz, diante da verossimilhança das alegações ou hipossuficiência técnica, determinar sua incidência, mesmo de ofício, inclusive nos casos em que a relação jurídica é posta em dúvida." (Código Civil Comentado, 18ª ed., São Paulo: RT, 2024, p. 1202-1204)
Essa orientação encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
"O art. 6º, VIII, do CDC consagra o direito do consumidor à facilitação da defesa de seus direitos, podendo o magistrado inverter o ônus da prova quando verossímil a alegação ou caracterizada a hipossuficiência." (STJ, AgInt no AREsp 2121380/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 06/10/2022)
Destarte, determino a inversão do ônus da prova, cabendo à requerida comprovar a legitimidade da inscrição do nome do autor na plataforma Serasa Limpa Nome.
2. Da validade das telas sistêmicas como prova.
A requerida, para comprovar a existência da relação contratual, apresentou telas sistêmicas e faturas.
Sobre a validade probatória das telas sistêmicas, o Tribunal de Justiça de Goiás, por meio da Súmula nº 18 do Tribunal de Uniformização, estabeleceu que "telas sistêmicas, por si só, não são capazes de demonstrar relação obrigacional entre as partes, exceto se não impugnadas especificamente e se corroboradas com outros meios de provas".
No caso em tela, as telas foram expressamente impugnadas pelo autor em sua réplica, não podendo, portanto, ser consideradas isoladamente como prova suficiente da contratação.
Como ensina Daniel Amorim Assumpção Neves:
"Telas de sistemas internos das empresas, por não se revestirem de fé pública e serem produzidas unilateralmente, têm valor probatório limitado, devendo ser corroboradas por outros meios, sob pena de afronta ao contraditório." (Manual de Direito Processual Civil, 15ª ed., São Paulo: Método, 2024, p. 1354-1355)
Em consonância com esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu:
"A mera apresentação de extratos ou telas de sistemas não é suficiente para provar a contratação, notadamente quando impugnados pela parte contrária." (STJ, AgInt no AREsp 1.670.858/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 04/10/2021)
Portanto, as telas sistêmicas apresentadas pela requerida, por si sós, não são suficientes para comprovar a existência da relação contratual, especialmente quando impugnadas pelo autor.
3. Da existência da relação contratual.
A requerida alega que o autor contratou e usufruiu dos serviços, apresentando como provas telas sistêmicas e faturas.
Contudo, a requerida não apresentou contrato assinado, termo de adesão ou gravação telefônica da contratação, elementos que, em contratos de telefonia, são comumente produzidos e armazenados pelas operadoras.
No caso dos autos, a requerida não se desincumbiu satisfatoriamente do ônus de comprovar a existência de relação contratual legítima com o autor.
As faturas e as telas sistêmicas, por si sós, não comprovam a contratação, mas apenas a geração de débitos e o registro destes nos sistemas da empresa, o que pode ter ocorrido por terceiro que se valeu indevidamente dos dados do autor.
Portanto, concluo pela inexistência de relação contratual válida entre as partes.
4. Da inclusão do nome do autor na plataforma Serasa Limpa Nome.
A requerida reconhece a inclusão do nome do autor na plataforma Serasa Limpa Nome, mas argumenta que tal plataforma é um ambiente privado para negociação de dívidas, sem influência no Score ou restrição no cadastro de inadimplentes.
Contudo, independentemente da natureza jurídica da plataforma Serasa Limpa Nome, é inegável que a inclusão do nome do autor nessa plataforma, sem que haja relação contratual legítima, configura ato ilícito.
É importante destacar que a Súmula nº 81 do TJGO, citada pela requerida, estabelece que "o mero registro na plataforma Serasa Limpa Nome ou similar, cuja finalidade é a negociação de dívidas prescritas, não traduz, por si só, abusividade da inscrição e não enseja, por consequência, indenização por danos morais, salvo se comprovada a publicidade das informações ou alteração no score".
Ocorre que, no caso em análise, não se trata apenas de negociação de dívida prescrita, mas de inclusão indevida por inexistência de relação contratual legítima, o que extrapola a hipótese prevista na referida súmula.
Ademais, mesmo que se considere a plataforma Serasa Limpa Nome como um ambiente privado, é inegável que as informações nela contidas são acessíveis a terceiros, ainda que de forma limitada, o que caracteriza a publicidade das informações exigida pela súmula para a configuração do dano moral.
Como ensina Luiz Antônio Rizzatto Nunes:
"Não obstante a finalidade informada pelos fornecedores acerca das plataformas de negociação de dívidas (como 'Serasa Limpa Nome'), a exposição do consumidor em tais ambientes, mesmo sem anotação formal de restrição, pode ocasionar constrangimento e limitar acesso ao crédito, quando inexistente relação contratual legítima. O caráter de publicidade mitigada não afasta a possibilidade de dano moral, sobretudo se demonstrada a repercussão negativa ou a ausência de origem da dívida." (Manual de Direito do Consumidor, 17ª ed., São Paulo: Saraiva, 2023, p. 847-849)
No mesmo sentido, Flávio Tartuce esclarece:
"A jurisprudência tem entendido que a mera inserção do nome do consumidor em plataformas privadas para renegociação, sem efetiva negativação, não caracteriza, por si só, dano moral, salvo comprovação de acesso indevido, publicidade ou repercussão no score. Todavia, se inexistente qualquer relação jurídica ou se comprovada repercussão, a indenização é cabível." (Manual de Direito Civil, v. 2, 15ª ed., São Paulo: Método, 2024, p. 543)
Esse entendimento encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
"Não se configura dano moral, de forma automática, pela inscrição de dívida em plataforma de negociação como o 'Serasa Limpa Nome', salvo demonstração de efetiva publicidade dos dados ou prejuízo ao consumidor. Havendo inexistência de relação jurídica ou repercussão, é devida a indenização." (STJ, AgInt no AREsp 1952703/GO, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 15/09/2022)
No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu:
"A inscrição em plataforma de negociação, desacompanhada de relação contratual, expõe o consumidor a situação vexatória, justificando o dano moral." (TJSP, Apelação Cível nº 1002397-31.2022.8.26.0482, Rel. Des. Erickson Gavazza Marques, j. 15/05/2023)
No caso dos autos, restou demonstrada não apenas a inexistência de relação contratual legítima, mas também a possibilidade de acesso às informações por terceiros e a repercussão negativa na esfera jurídica do autor.
Portanto, concluo que a inclusão do nome do autor na plataforma Serasa Limpa Nome, sem relação contratual legítima, configura ato ilícito passível de indenização por danos morais.
5. Do dano moral.
Quanto ao dano moral, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado no sentido de que a inscrição indevida em cadastros de inadimplentes gera dano moral presumido (in re ipsa), dispensando a comprovação do prejuízo.
No caso em análise, embora a plataforma Serasa Limpa Nome não seja propriamente um cadastro de inadimplentes, a inclusão indevida do nome do autor nessa plataforma, sem relação contratual legítima, é suficiente para gerar dano moral presumido.
Como ensina Silvio de Salvo Venosa:
"A inscrição indevida em cadastros ou sistemas de restrição, ainda que não formalmente negativa, pode ensejar dano moral presumido, em especial quando expõe o consumidor à desconfiança do mercado." (Direito Civil, Responsabilidade Civil, 22ª ed., São Paulo: Atlas, 2024, p. 446)
Essa orientação encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
"A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a inscrição ou manutenção indevida do nome do consumidor em cadastros restritivos configura dano moral in re ipsa." (STJ, AgInt no AREsp 1.307.399/DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 19/02/2020)
No âmbito do Tribunal de Justiça de Goiás, há precedente no mesmo sentido:
"A inclusão indevida do nome do consumidor em plataforma de renegociação de dívidas, sem prévia relação contratual, ultrapassa o mero aborrecimento e justifica a reparação moral, especialmente se acessível a terceiros." (TJGO, Apelação Cível nº 5329611-74.2022.8.09.0051, Rel. Des. Marcus da Costa Ferreira, j. 21/03/2024)
Portanto, reconheço a ocorrência de dano moral presumido pela inclusão indevida do nome do autor na plataforma Serasa Limpa Nome.
6. Do quantum indenizatório.
No tocante ao valor da indenização por danos morais, deve-se considerar a extensão do dano, a capacidade econômica das partes, o grau de culpa do ofensor, o caráter pedagógico da indenização e os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
No caso em análise, considerando que a inclusão do nome do autor na plataforma Serasa Limpa Nome, embora indevida, não constitui propriamente uma negativação em cadastro de inadimplentes, e que não há nos autos prova de efetivo prejuízo material decorrente dessa inclusão, entendo como adequado o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de indenização por danos morais.
Este valor atende aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, sendo suficiente para compensar o dano sofrido pelo autor e para desestimular a requerida a praticar condutas semelhantes, sem constituir enriquecimento sem causa.
7. Da litigância de má-fé.
A requerida alega que o autor incorreu em litigância de má-fé, por omitir fatos ou usar o Judiciário com objetivos repreensíveis, ferindo o princípio da lealdade processual.
Contudo, não vislumbro nos autos elementos que caracterizem a litigância de má-fé por parte do autor. O autor exerceu regularmente seu direito de ação, apresentando fatos e fundamentos jurídicos que entendeu pertinentes, e não há nos autos prova de que tenha agido com dolo ou má-fé no curso do processo.
Portanto, rejeito o pedido de condenação do autor por litigância de má-fé.
III - DISPOSITIVO.
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para:
REJEITAR as preliminares suscitadas pela requerida;
DECLARAR a inexistência da relação jurídica entre as partes, bem como do débito dela decorrente;
CONDENAR a requerida ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigido monetariamente pelo INPC a partir da data desta sentença (Súmula 362, STJ) e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde a data da inclusão indevida (Súmula 54, STJ);
DETERMINAR que a requerida providencie a exclusão definitiva do nome do autor da plataforma Serasa Limpa Nome em relação ao débito declarado inexistente, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, contados da intimação pessoal do representante legal da requerida, conforme preconiza a Súmula 410 do STJ, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), limitada a R$ 10.000,00 (dez mil reais);
DETERMINAR que a requerida se abstenha de incluir novamente o nome do autor na plataforma Serasa Limpa Nome ou em qualquer outro cadastro em relação ao débito declarado inexistente, sob pena de multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por inclusão indevida;
DETERMINAR que a requerida se abstenha de realizar qualquer tipo de cobrança (e-mail, SMS, WhatsApp, etc.) em relação ao débito declarado inexistente, sob pena de multa de R$ 1.000,00 (mil reais) por cobrança indevida.
Nos termos da Súmula 410 do STJ: "A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer."
Em razão da sucumbência recíproca, porém desproporcional, condeno a requerida ao pagamento de 80% (oitenta por cento) das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. Condeno o autor ao pagamento de 20% (vinte por cento) das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da diferença entre o que foi pedido e o que foi concedido a título de danos morais, observada a suspensão da exigibilidade em razão da gratuidade da justiça deferida, nos termos do art. 98, §3º, do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Após o trânsito em julgado, não havendo requerimentos, arquivem-se os autos com as baixas e anotações de estilo.
Cópia desta decisão servirá como MANDADO/OFÍCIO, para o efetivo cumprimento das determinações constantes do ato, nos termos do artigo 136 e seguintes do Código de Normas e Procedimentos do Foro Judicial da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Goiás.
Cumpra-se.
Goiânia, data da assinatura eletrônica.
MARCELO PEREIRA DE AMORIM
Juiz de Direito da 21ª Vara Cível de Goiânia
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