Processo nº 1018425-12.2024.8.11.0042
ID: 323312543
Tribunal: TJMT
Órgão: Quarta Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1018425-12.2024.8.11.0042
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
WESLEU ROBERT DE AMORIM
OAB/MT XXXXXX
Desbloquear
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1018425-12.2024.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Crime de Descumprimento de Medida Protetiva de Urgência…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1018425-12.2024.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Crime de Descumprimento de Medida Protetiva de Urgência] Relator: Des(a). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO Turma Julgadora: [DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, DES(A). HELIO NISHIYAMA, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA] Parte(s): [POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), ROBERTO DE OLIVEIRA SILVA - CPF: 952.886.861-49 (APELANTE), WESLEU ROBERT DE AMORIM - CPF: 567.468.141-49 (ADVOGADO), JOAO PAULO PINCEGHER - CPF: 936.649.749-72 (TERCEIRO INTERESSADO), IARLA DA SILVA ALVES - CPF: 078.671.283-01 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. E M E N T A DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA (ART. 24-A, DA LEI N. 11.343/06). PLEITO DE ABSOLVIÇÂO. ENVIO DE CARTAS E MENSAGENS À VÍTIMA. AUTORIA CONFESSADA. PALAVRA FIRME E COERENTE DA VÍTIMA. PROVAS DOCUMENTAIS CORROBORANTES. DOLO CONFIGURADO. ALEGADO CONSENTIMENTO DA VÍTIMA NÃO DEMONSTRADO NOS AUTOS. TESE DE ATIPICIDADE DA CONTUDA REJEITADA. PERSPECTIVA DE GÊNERO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame: Recurso de Apelação Criminal interposto contra sentença prolatada pelo Juízo da 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Cuiabá (MT), que julgou procedente a denúncia para condenar o apelante à pena de 11 (onze) meses e 27 (vinte e sete) dias de detenção, em regime inicial aberto, pela prática de três crimes de descumprimento de medida protetiva (art. 24-A, da Lei n. 11.340/06, c.c. art. 61, II, “f”, do CP), consistentes no envio de cartas manuscritas e mensagens eletrônicas à vítima, mesmo após ciência inequívoca das medidas protetivas em favor da ofendida. II. Questão em discussão: Há 2 (duas) questões em discussão: (i) verificar se o conjunto probatório é suficiente para sustentar a condenação pela prática do crime de descumprimento de medida protetiva; (ii) avaliar a tese defensiva de atipicidade da conduta, diante da alegada autorização da vítima para o contato. III. Razões de decidir: 1. A palavra da vítima, prestada sob o crivo do contraditório, é firme, coerente e amparada por documentos juntados aos autos, como print’s de mensagens e fotografias das cartas recebidas, confirmando o reiterado descumprimento das medidas protetivas impostas. 2. O apelante confessou em juízo o envio das cartas durante o período de reclusão, o que corrobora a autoria dos fatos. A negativa quanto às mensagens por aplicativo não se sustenta diante da titularidade da linha telefônica confirmada por ofício da operadora de telefonia móvel. 3. A alegação de consentimento tácito da vítima para o contato é refutada por seu depoimento claro de que foi induzida a erro por advogado do apelante a lhe responder a mensagem enviada, e que não autorizou o recebimento das correspondências, o que afasta a tese de atipicidade da conduta delitiva, corroborando o édito condenatório prolatado na origem. 4. Aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero conforme Portaria CNJ n. 27, de 2 de fevereiro de 2021, em que se firmou posicionamento de aumentar o espectro de proteção da mulher vítima em situação de violência doméstica e familiar nas decisões do Poder Judiciário, visando a equidade de gênero no contexto social e adequação ao caso concreto para a proteção das vítimas em situação de vulnerabilidade. IV. Dispositivo e Tese: Recurso desprovido em consonância com o parecer ministerial. Tese de julgamento: “1. A palavra da vítima, firme e coerente, corroborada por provas documentais e confissão parcial do réu, é apta a sustentar a condenação por descumprimento de medida protetiva. 2. O dolo no crime do art. 24-A da Lei n. 11.340/06 se configura pela ciência da ordem judicial e posterior conduta de aproximação ou contato com a vítima. 3. A alegação de autorização tácita para contato não se sustenta quando não há prova robusta de consentimento, especialmente em contexto de violência doméstica”. Dispositivos relevantes citados: Art. 24-A, da Lei n. 11.340/06. Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero 2021 do CNJ, Resolução n. 492/2023, do CNJ e Lei n. 14.857, de 21 de mai. de 2024. Jurisprudência relevante citada: STJ – AgRg no AREsp: 2262174/DF 2022/0384964-8, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Des. conv. do TJDFT), Sexta Turma, j. em 07/11/2023; AgRg no AREsp n. 2.146.872/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, j. em 27/09/2022. TJMG – Apelação Criminal: 0018572-03.2020.8.13.0216, Rel. Desa. Maria das Graças Rocha Santos, 9ª Câmara Criminal Especializa, j. em 18/10/2023. TJMT – N.U 1000243-78.2023.8.11.0020, Rel. Des. Marcos Machado, Primeira Câmara Criminal, j. em 27/09/2024; N.U 1000313-27.2024.8.11.0096, Rel. Des. Gilberto Giraldelli, Terceira Câmara Criminal, j. em 31/01/2025. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. LÍDIO MODESTO DA SILVA FILHO Egrégia Câmara: Trata-se de Recurso de Apelação Criminal interposto por ROBERTO DE OLIVEIRA SILVA contra a sentença prolatada pelo Juízo da 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Cuiabá (MT), que julgou procedente a pretensão acusatória para condená-lo à pena definitiva de 11 (onze) meses e 27 (vinte e sete) dias de detenção, em regime inicial aberto, pela prática dos crimes de descumprimento de medida protetiva (art. 24-A, da Lei n. 11.340/06, c.c. art. 61, II, “f”, do CP), por três vezes, conforme decisão que se vê no Id. 291911426. Em suas razões recursais (Id. 291911441) a defesa sustenta, em síntese, a ausência de materialidade e de acervo probatório suficiente à condenação. Argumenta que não foram juntadas nos autos as supostas cartas que teriam sido enviadas à vítima, o que impossibilita a aferição de autenticidade/autoria, além de eventual pedido de perícia documental. Não fosse isso, aduz que houve autorização tácita da vítima para o recebimento das aludidas correspondências, o que afasta o dolo necessário para configuração do crime. No que pertine às mensagens por meio de aplicativo WhatsApp, o apelante nega ter descumprido a medida protetiva, afirmando não ter enviado qualquer mensagem à vítima, relatando possível hackeamento de seu aparelho celular. Alega, ainda, que a própria vítima teria se aproximado de sua residência, o que, segundo a tese defensiva, fragiliza a alegação de receio ou ameaça. Acrescenta que a vítima teria motivações econômicas e pessoais, como a perda de pensão alimentícia e despejo, para causar prejuízo ao réu/apelante. Com estes argumentos, postula pela absolvição, com fundamento no art. 386, VII, do CPP ou, de forma subsidiaria, seja reconhecida a atipicidade da conduta diante do consentimento da vítima para o contato. Contrarrazões pelo desprovimento do recurso e manutenção integral da condenação (Id. 291911445). Instada a se manifestar, a Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do d. Procurador Almir Tadeu de Arruda Guimarães, opinou pelo desprovimento do recurso (Id. 295985395). É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DES. LÍDIO MODESTO DA SILVA FILHO Egrégia Câmara: O recurso em apreço é tempestivo, foi interposto por quem tinha interesse e legitimidade para fazê-lo, bem como o meio de impugnação empregado afigura-se necessário e adequado para se atingirem às finalidades colimadas, motivos pelos quais, estando presentes os seus requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade, CONHEÇO do apelo manejado pelo réu. Extrai-se da peça acusatória o seguinte contexto fático: (...) o denunciado ROBERTO DE OLIVEIRA SILVA e a vítima I. S. A. conviveram maritalmente durante 06 (seis) anos. Da relação não adveio filhos. No dia 05.05.2024, após ter sofrido agressões físicas e emocionais, I. S. A. foi até a Delegacia de Polícia e registrou Boletim de Ocorrência solicitando medidas protetivas de urgência, as quais foram deferidas no mesmo dia, nos autos nº 1008013-22.2024.8.11.0042. ROBERTO foi devidamente intimado da decisão judicial no dia 06.05.2024, conforme certidão positiva em ID. 154874248 dos autos da MPU. Em decorrência da insistência do denunciado em manter contato com a vítima, descumprindo as cautelares que lhe foram impostas, ROBERTO foi preso preventivamente e permaneceu recluso por 40 (quarenta) dias. No dia 10.07.2024, por volta das 07h48min, a vítima estava em sua residência, localizada na Avenida Oito de Abril, n. 179, bairro Goiabeiras, nesta capital, quando tomou conhecimento que ROBERTO estava tentando manter contato consigo mesmo estando recluso, através de cartas escritas à mão, as quais foram entregues para I. pelo seu advogado. Ainda, no dia 21.07.2024, por volta das 19h00min, a vítima recebeu uma mensagem via Whatsapp, mostrando uma outra carta escrita a punho pelo denunciado, através de um número desconhecido. ROBERTO foi posto em liberdade no dia 25/08/2024 e mesmo ciente das medidas protetivas impostas, inclusive de não manter contato com a vítima, o denunciado, imediatamente, enviou uma mensagem de texto (...), dizendo: “(...) não me verá nunca mais ou vai ouvir falar de mim, se Deus quiser, entregue tudo na mão de Deus, ele cobrará tudo que fez comigo, toda sua cachorrada (...)” descumprindo, de maneira reiterada, as cautelares impostas. (grifos meus) (Id. 291911373). Sobreveio a sentença julgando procedente o pedido da denúncia, para condenar o apelante à pena definitiva de 11 (onze) meses e 27 (vinte e sete) dias de detenção, em regime inicial aberto, pela prática dos crimes de descumprimento de medida protetiva (art. 24-A, da Lei n. 11.340/06, c.c. art. 61, II, “f”, do CP), por três vezes. Inconformada, a defesa interpôs o presente recurso pleiteando a reforma da sentença para que haja a sua absolvição por atipicidade da conduta ante o consentimento da própria vítima em autorizar a aproximação do apelante, não havendo falar-se em descumprimento de medidas protetivas. No caso em análise o apelante foi acusado dos crimes de descumprimento de medida protetiva contra sua ex-companheira, I. S. A. por três vezes (fatos ocorridos nas datas de 10/07/2024, 21/07/2024 e 25/08/2024 quando, após o término do relacionamento e ciente das restrições que lhe foram impostas devido a episódios anteriores de violência doméstica (medidas protetivas), o apelante continuou estabelecer contato com a vítima por meio de cartas manuscritas e mensagens via aplicativo WhatsApp. Tais medidas protetivas (que incluíam a proibição do réu/apelante de se aproximar da vítima ou de qualquer forma manter contato com esta) foram ignoradas pelo apelante, causando-lhe desconforto. Embora ele tivesse ciência das medidas protetivas, o fato é que não respeitou a decisão judicial, o que levou à formalização de uma denúncia contra ele. Da alegada ausência de provas e atipicidade da conduta: Aduz, o apelante, ausência de comprovação da autoria delitiva, bem como houve autorização consentida da vítima, o que conduz ao reconhecimento da atipicidade da conduta criminosa prevista no art. 24-A, da Lei n. 11.340/06. A sentença condenatória ponderou que: (...) extrai-se do caderno informativo que a vítima declarou que conviveu maritalmente com o denunciado e, em razão de violência doméstica sofrida após o fim do relacionamento, pleiteou medidas protetivas em desfavor dele, que foram, reiteradamente, descumpridas, culminando na prisão do denunciado, que mesmo preso continuou tentando contato com ela, por meio de cartas enviadas por seu advogado e, após ter sido solto, voltou a lhe enviar mensagens via aplicativo whatsapp, (...). (...). Corroborando as declarações da vítima, pela autoridade policial foi juntado, no id: 170333335, cópia de print’s de mensagens enviadas pelo número de telefone (65) 99633-5631 para a vítima, constando inúmeras “mensagens apagadas” (...). Foram juntadas aos autos também fotografias das cartas enviadas pelo denunciado à vítima no período em que estava preso (id: 170333337). Ainda, consta que à vítima foram concedidas medidas protetivas nos autos nº 1008013-22.2024.8.11.0042, das quais o acusado foi devidamente intimado em 6 de maio de 2024 (certidão de id. 170333339). Durante a instrução processual, a vítima foi ouvida perante este juízo, ocasião em que ratificou as declarações prestadas em Delegacia, informou que recebeu as cartas enviadas pelo denunciado, por meio do seu advogado, que não autorizou o envio, porém, em razão de desinformação, recebeu as cartas e, uma vez, respondeu para o acusado, falando que iria orar por ele e que esperava que ele assumisse seus atos de cabeça erguida. Ressaltou ainda que não sabia que não poderia responder às cartas enviadas pelo denunciado e foi induzida a erro pelo advogado dele e que não tem acesso nem ao celular e nem as senhas do denunciado ou de sua empresa. (...). O acusado foi interrogado em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, oportunidade na qual confirmou o envio de cartas para a vítima enquanto estava preso, por meio do seu advogado, asseverando, no entanto, que assim procedeu porque ela autorizou o envio e negou o envio de mensagem, ao argumento de que seu número de celular foi hackeado. (...). Verifica-se que, a despeito das alegações da defesa, a materialidade e autoria do crime de descumprimento de medidas protetivas, encontram-se devidamente demonstradas nos autos, por meio de juntada de print’s das cartas enviadas, inclusive pela defesa em sua resposta à acusação (id. 171923582) e mensagens recebidas pela vítima e da confissão do denunciado, perante este juízo, do envio das referidas cartas. A vítima, tanto perante a autoridade policial quanto em juízo, foi firme em suas declarações ao afirmar que o acusado, apesar de devidamente intimado das medidas protetivas impostas a seu desfavor, entrou em contato com ela, por meio do envio de cartas e mensagens, o que fez, sem a sua permissão. No que se refere ao envio das cartas, a defesa, apesar de alegar a autorização, não logrou êxito em confirmar, o que seria efetuado facilmente já que quem intermediou o recebimento das cartas foi o advogado do denunciado, ou seja, pessoa conhecedora da Lei. (grifos meus) (Id. 291911426). Do depoimento da vítima em juízo, em síntese, se extrai que: (...) foram três cartas que ele mandou duas por meio do advogado dele e a terceira ele mandou pela esposa de um outro preso (...). após ele ter saído da cadeia teve aproximação. (...) eu recebi as cartas em mãos por meio do advogado dele (...) recebi uma por whatsapp e uma outra em mãos (...) reconheci a letra do Roberto nas cartas (...) basicamente dizendo que ele não aceita o fim do relacionamento e pede que a gente fique junto novamente (...) depois que ele saiu da cadeia recebi uma mensagem eletrônica falando que eu ia pagar caro pelo o que eu tinha feito, que ele já tinha pago por ter sido preso e agora estava liberto, dizendo como se eu fosse a errada e eu ia pagar pelo que estou fazendo (...). Não autorizei receber essas cartas (...) única resposta que dei pra ele por meio do advogado foi no sentido de que a única coisa que poderia fazer por ele seria orar por ele (...) fui induzida a responder ele pelo advogado dele, a pedido do advogado dele, eu não sabia que não podia responder (...) negou ter vontade de visitar o roberto na cadeia dizendo: “como é que eu como vítima teria vontade de visitar um agressor?” (...) não me aproximei da residência do Roberto a única vez que fui a Várzea Grande precisei ir ao aeroporto (...). (grifos meus) (mídia disponível no Id. 291911408). Portanto, as declarações da vítima prestadas na fase policial (Id. 291910370) e print’s anexados (mensagens WhatsApp e foto da carta enviada a ela) confirmam a veracidade de suas declarações (Ids. 291910373 a 291910376 – p. 82-84). Desse contexto probatório, verifico que a vítima descreveu os eventos ocorridos, mencionando especificamente que as medidas foram descumpridas. Ela detalhou as circunstâncias, apontou o autor e o modo em que o ato ocorreu, fornecendo detalhes sobre as ações do réu/apelante e como isso lhe causou incômodo desnecessário. Embora o acusado/apelante tenha negado a prática delitiva e que a aproximação da vítima foi consentida, verifica-se que esta tese defendia é isolada e não se encontram provas nesse sentido nos autos. Ao revés, a ofendida foi firme e coerente e frisou que sua interação com o réu/apelante foi específica, respondendo que apenas poderia orar por ele e, ainda assim induzida pelo advogado do réu a lhe responder, o que ficou muito claro ao afirmar isso na presença do patrono do réu/apelante quando ouvida em juízo. A materialidade ficou nitidamente demonstrada diante do Boletim de Ocorrência n. 291910376 (Id. 291910369) e termo de declarações (Id. 291910370), print’s de mensagens (Ids. 291910373 a 291910376 – p. 82-84) e especialmente pelo depoimento da vítima em juízo (Id. 291911408), além de que o próprio réu confessou que manteve contato com a vítima, que enviou mensagens para ela, reagindo a publicações por meio de rede social. O boletim de ocorrência e as declarações da vítima em sede policial estão coerentes com o que foi narrado em juízo sob o crivo do contraditório e os print’s constantes dos autos não demonstram qualquer interação da vítima a sugerir que ela teria permitido ou iniciado eventual aproximação, muito pelo contrário, as provas carreadas nos autos elidem todos os argumentos defensivos. Lado outro o réu/apelante confessou em juízo que redigiu as cartas e as estregou ao seu advogado (Id. 291911406), o que desqualifica o argumento defensivo de que seria imprescindível a realização de perícia no documento para fins de se comprovar a autoria delitiva. A alegação de que teria recomendado ao seu advogado para que a entrega das cartas só ocorresse se houvesse permissão da vítima não foi comprovada nos autos, como já elidido em linhas anteriores diante da palavra da vítima, bem como sem qualquer fundamento a alegação de que o celular de onde teriam partido as mensagens de WhatsApp teria sido hackeado. Tais questões foram devidamente rechaçadas pela decisão de origem, tal como se vê do seguinte trecho extraído da sentença: (...) a despeito das alegações da defesa, a materialidade e autoria do crime de descumprimento de medidas protetivas, encontram-se devidamente demonstradas nos autos, por meio de juntada de print’s das cartas enviadas, inclusive pela defesa em sua resposta à acusação (id. 171923582) e mensagens recebidas pela vítima e da confissão do denunciado, perante este juízo, do envio das referidas cartas. A vítima, tanto perante a autoridade policial quanto em juízo, foi firme em suas declarações ao afirmar que o acusado, apesar de devidamente intimado das medidas protetivas impostas a seu desfavor, entrou em contato com ela, por meio do envio de cartas e mensagens, o que fez, sem a sua permissão. No que se refere ao envio das cartas, a defesa, apesar de alegar a autorização, não logrou êxito em confirmar, o que seria efetuado facilmente já que quem intermediou o recebimento das cartas foi o advogado do denunciado, ou seja, pessoa conhecedora da Lei. (...). No que se refere à mensagem enviada à vítima, apesar das alegações da defesa, não houve comprovação de que o celular do denunciado teria sido hackeado e, conforme informação prestada pela empresa VIVO (ofício de id: 175183874), o número da linha: (65) 99633-5631, responsável pelo envio das mensagens, pertence ao denunciado. (...). No presente caso, o acusado após ter sido devidamente intimado das medidas protetivas em 6 de maio de 2024 (certidão de id. 170333339), enviou cartas para a vítima (id: 170333337), o que admitiu em juízo e no dia 25/08/2024, entrou em contato com a vítima, através do aplicativo de mensagens (print’s de id. 170333335), descumprindo, portanto, as medidas protetivas impostas nos autos nº 1008013-22.2024.8.11.0042. (...). Portanto, como ficou constatado, mesmo ciente da decisão e proibição de se aproximar e entrar em contato com a ofendida, o acusado descumpriu a medida protetiva, logo, sua conduta caracterizou o tipo penal previsto no art. 24-A da Lei nº 11.340/2006. (grifos meus) (Id. 291911426). Perfilhando esse entendimento, há julgados desse Sodalício: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA. ART. 24-A DA LEI N. 11.340/2006. ATIPICIDADE DE UMA DAS CONDUTAS. AUSÊNCIA DE DOLO RECHAÇADA. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO DA CONFISSÃO ESPONTANEA. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO, COM PROVIDÊNCIA DE OFÍCIO. I. Caso em exame 1. Apelação criminal interposta pelo acusado contra a sentença que o condenou pela prática de dois crimes de descumprimento de medida protetiva de urgência, previstos no art. 24-A da Lei n. 11.340/2006, em continuidade delitiva. Em suas razões, a defesa pugna pela absolvição, alegando atipicidade da conduta e ausência de dolo, além de requerer, subsidiariamente, a redução da pena e a isenção de custas processuais. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar: (i) se o consentimento da vítima ou a alegada ausência de dolo afasta a tipicidade da conduta imputada ao réu; (ii) se estão presentes elementos que justifiquem a redução da pena basilar; e (iii) se é cabível a isenção das custas processuais. III. Razões de decidir 3. A tipicidade do crime previsto no art. 24-A da Lei n. 11.340/2006 não é afastada por eventual consentimento da vítima, conforme entendimento jurisprudencial dominante, dado que as medidas protetivas possuem caráter judicial obrigatório. 4. Não foi demonstrada ausência de dolo na conduta do réu, que, ao enviar carta à vítima após ser intimado das medidas protetivas, agiu ao menos com dolo eventual, assumindo o risco de descumprir a ordem judicial. (...). (N.U 1000313-27.2024.8.11.0096, Rel. Des. GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, j. em 31/01/2025, Publicado no DJE 31/01/2025) (grifos meus). DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS. ART. 24-A DA LEI N. 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA). ENVIO DE CARTA À VÍTIMA. CIÊNCIA DAS MEDIDAS. DOLO CARACTERIZADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Apelação criminal interposta contra sentença que condenou o apelante por descumprimento de medida protetiva a 3 (três) meses de detenção, em regime aberto, visando a absolvição. II. Questão em discussão Existência de dolo ao descumprir as medidas protetivas. III. Razões de decidir A materialidade do delito está comprovada por meio da carta enviada à vítima após o apelante ter sido devidamente intimado sobre as medidas protetivas, que incluíam a proibição de contato com a ofendida por qualquer meio. A palavra da vítima corroborada pelo Termo de Intimação de Decisão demonstra que o apelante tinha ciência da proibição e, ainda assim, descumpriu a ordem judicial, o que caracteriza o dolo necessário para a configuração do crime previsto no art. 24-A da Lei Maria da Penha. O dolo no crime de descumprimento de medida protetiva se configura com a prática da conduta proibida, desde que o agente tenha conhecimento da decisão judicial. Não há elementos que justifiquem a absolvição ou a modificação da sentença condenatória. IV. Dispositivo Recurso desprovido. (...). (N.U 1000243-78.2023.8.11.0020, Rel. Des. MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, j. em 27/09/2024, Publicado no DJE 27/09/2024) (grifos meus). Em crimes desta natureza a palavra da vítima é considerada um elemento de grande influência probatória, pois se presume a ação justa por parte do sistema judicial. Por essa razão, a amplitude probatória é limitada, fazendo com que o relato da vítima adquira um peso significativo. A propósito, o entendimento jurisprudencial valida esse peso às declarações da vítima. Vejamos: APELAÇÃO CRIMINAL - AMEAÇA, VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO, DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS - PALAVRA DA VÍTIMA - RELEVÂNCIA PROBATÓRIA - CONDENAÇÃO MANTIDA. Imperiosa a manutenção da condenação pela prática dos crimes previstos nos artigos 147, por duas vezes, 150 do CP, art. 24-A da Lei 11.340/06, quando o conjunto probatório carreado aos autos demonstra a materialidade e autoria delitiva em face do acusado. Nos delitos cometidos na clandestinidade, a palavra da vítima assume relevante valor probatório para elucidação dos fatos, especialmente, quando corroborado pelos demais elementos colhidos nos autos. (TJMG - Apelação Criminal: 0018572-03.2020.8.13.0216, Rel. Desa. Maria das Graças Rocha Santos, 9ª Câmara Criminal Especializa, j. em 18/10/2023, Data de Publicação: 18/10/2023) (grifos meus). AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA E PERSEGUIÇÃO. ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE E INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7/STJ. RECONHECIMENTO DE CRIME CONTINUADO. DELITOS DE ESPÉCIES DISTINTAS. ENTENDIMENTO EM CONFORMIDADE COM O DESTA CORTE SUPERIOR. SÚMULA N. 83/STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1. É pacífico na jurisprudência desta Corte Superior que a palavra da vítima, em harmonia com os demais elementos contidos nos autos, possui relevante valor em termos de provas, motivo pelo qual desconstituir as premissas fáticas adotadas pelas instâncias pretéritas, que fundamentadamente concluíram pela condenação do agravante, afigura-se incompatível na via do apelo nobre, conforme o óbice da Súmula n. 7/STJ. 2. Uma vez que os crimes de descumprimento de medidas protetivas (art. 24-A da Lei n. 11 .340/2006) e o de perseguição (art. 147-A do Código Penal) são de espécies distintas, ou seja, não possuem a mesma tipificação legal, o entendimento do Tribunal de origem, nesse sentido, vai ao encontro da jurisprudência pacífica do STJ, pois "Esta Corte Superior tem entendimento consolidado no sentido de que é impossível o reconhecimento da continuidade delitiva entre crimes de espécies distintas" (AgRg no AREsp n. 1.172 .428/SP, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 12/6/2018, DJe de 20/6/2018). 3. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no AREsp: 2262174/DF 2022/0384964-8, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Des. conv. do TJDFT), Sexta Turma, j. em 07/11/2023, DJe de 10/11/2023) (grifos meus). PROCESSO PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS. ART. 24-A DA LEI N. 11.340/2006. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVA. DESCABIMENTO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. 1. Prevalece nesta Corte Superior o entendimento de que, nos crimes perpetrados no âmbito da violência doméstica, a palavra da vítima tem valor probante diferenciado (AgRg no RHC n. 144.174/MG, Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 19/8/2022). 2. A desconstituição das premissas do acórdão impugnado, para fins de absolvição, demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório, inadmissível pela via do recurso especial, a teor da Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no AREsp n. 2.146.872/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, j. em 27/09/2022, DJe de 30/09/2022) (grifos meus). Ressalta-se, ainda, que alicerçado no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero conforme Portaria CNJ n. 27, de 2 de fevereiro de 2021, em que se firmou posicionamento de aumentar o espectro de proteção da mulher vítima em situação de violência doméstica e familiar, esta relatoria tem por praxe verificar, em cada caso concreto, eventuais necessidades específicas a serem adotadas em favor das vítimas vulneráveis, sendo tal diretriz jurisprudencial reforçada pela Resolução n. 492/2023 do CNJ, no sentido de se adotar a Perspectiva de Gênero nos julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário com o objetivo de se prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher. Vejamos: Faz parte do julgamento com perspectiva de gênero a alta valoração das declarações da mulher vítima de violência de gênero, não se cogitando de desequilíbrio processual. O peso probatório diferenciado se legitima pela vulnerabilidade e hipossuficiência da ofendida na relação jurídica processual, qualificando-se a atividade jurisdicional, desenvolvida nesses moldes, como imparcial e de acordo com o aspecto material do princípio da igualdade (art. 5º, inciso I, da Constituição Federal) (...). (Conselho Nacional de Justiça, Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. https://www.cnj.jus.br/programaseacoes/protocolo-para-julgamento com-perspectiva-de-genero/). Ressalto, ainda, que o nome da vítima foi abreviado para constar apenas as iniciais, como forma de proteção à sua privacidade e intimidade, nos termos da Lei n. 14.857, de 21 de mai. de 2024. Importante consignar que o dolo no crime de descumprimento de medida protetiva caracteriza-se, justamente, com a prática da conduta proibida pelo sujeito, desde que este tenha ciência da medida imposta, fato este incontestável nos presentes autos. O crime de descumprimento de medida protetiva (art. 24-A, da Lei n 11.343 /2006)tem como objeto jurídico o respeito ao cumprimento das decisões judiciais. Portanto, violado esse direito, não há falar-se em absolvição do réu/apelante. Por essa razão a tese defensiva para absolvição por ausência de provas ou por atipicidade da conduta não comporta acolhimento. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de Roberto de Oliveira Silva, em consonância com o parecer ministerial, mantendo inalterado os termos da sentença condenatória prolatada pelo Juízo da 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Cuiabá (MT). É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 08/07/2025
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear