Processo nº 5006276-63.2025.4.03.0000
ID: 257753162
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 04 - DES. FED. ALESSANDRO DIAFERIA
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5006276-63.2025.4.03.0000
Data de Disponibilização:
16/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FERNANDO APARECIDO POCO
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 2ª Turma AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5006276-63.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. ALESSANDRO DIAFERIA AGRAVANTE: CAIXA ECONÔMICA F…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 2ª Turma AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5006276-63.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. ALESSANDRO DIAFERIA AGRAVANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) AGRAVANTE: BRUNO MARCELINO DE ALBUQUERQUE - SC33281-A AGRAVADO: ADEMIR APARECIDO DE SOUSA ALVES Advogado do(a) AGRAVADO: FERNANDO APARECIDO POCO - SP479391 OUTROS PARTICIPANTES: D E C I S Ã O Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de concessão de tutela de urgência, interposto por CAIXA ECONÔMICA FEDERAL contra r. decisão proferida pelo MM. Juízo da 1ª Vara Federal de Piracicaba/SP, nos autos da ação de consignação em pagamento nº 5000157-92.2025.4.03.6109, que deferiu tutela de urgência para " que a requerida se abstenha de promover atos executórios do débito até a conclusão da audiência de tentativa de conciliação entre as partes, restando suspenso durante esse período qualquer leilão designado para o imóvel objeto da matrícula n° 64.179 2º Oficial De Registro De Imóveis, Títulos E Documentos E Civil De Pessoa Jurídica de Rio Claro/SP". A r. decisão agravada foi proferida nos seguintes termos: Vistos em decisão. Cuida-se de ação proposta por ADEMIR APARECIDO DE SOUSA ALVES em face de CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF objetivando a suspensão do imóvel situado a Rua 22 nº 4.181,Torre 5, apto. nº 31, Rio Claro/SP, CEP: 13504-465, sob matricula n° 64.179 2º Oficial De Registro De Imóveis, Títulos E Documentos E Civil De Pessoa Jurídica de Rio Claro/SP. Alegou a parte autora que firmou contrato de financiamento, com a Caixa Econômica Federal para a aquisição do referido imóvel. Sustentou que em razão de desequilíbrio financeiro deixou de adimplir ao financiamento. Alegou que sempre tentou contato com a instituição financeira com o intuito de resolver a situação, porém nunca obteve sucesso. Por fim, pleiteou os benefícios da gratuidade da justiça. Juntou documentos. É o relato do essencial. Fundamento e decido. Nos termos dos artigos 98 e 99 do Código de Processo Civil e considerando o pedido da parte autora, sua respectiva declaração firmada e dos documentos apresentados, defiro os benefícios da Justiça Gratuita. Anote-se. Dispõe o Código de Processo Civil: Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. § 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la. § 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia. § 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. (...) Art. 303. Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo. (...) Art. 305. A petição inicial da ação que visa à prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Parágrafo único. Caso entenda que o pedido a que se refere o caput tem natureza antecipada, o juiz observará o disposto no art. 303. Logo, como requisitos para a concessão da tutela de urgência passaram a constar a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Afora isso, para a concessão da medida, faz-se necessária que não haja perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. Feitas essas considerações, passo à análise do pedido propriamente dito. A alienação fiduciária de coisa imóvel veio definida pelo art. 22 da Lei nº 9.514/1997 como sendo "o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel". Dessa forma, efetuada mediante o registro a transmissão da propriedade do devedor fiduciante ao credor fiduciário como direito real de garantia de caráter resolúvel, haverá o desdobramento da posse, ficando o fiduciante como possuidor direto e o fiduciário como possuidor indireto. O bem já não mais pertence ao fiduciante, restando a ele um direito real de aquisição do imóvel, ou seja, somente após o adimplemento da dívida a titularidade do bem será resolvida em prol do devedor. No entanto, em caso de eventual inadimplemento, o credor fiduciário consolida a propriedade em seu nome, restando autorizado a alienar o bem para reaver o saldo devedor em aberto. No presente caso observa-se que a parte autora foi constituída em mora (ID351871870). Portanto, se nos termos do art. 236, CFB/88 regulamentado pela Lei nº 8.935/1994, o “Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública”, cabe à parte autora o ônus da prova em contrário ao ato declarado pelo Oficial de Registro de Imóveis, nos termos do art. 373, I, do CPC. Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. INTIMAÇÃO. PURGAÇÃO DA MORA. POSSIBILIDADE. CITAÇÃO POR EDITAL. NULIDADE. CERTIDÃO. FÉ-PÚBLICA. NULIDADE. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Trata-se de recurso de Apelação interposta contra sentença que, nos autos de Ação Ordinária julgou improcedente o pedido suscitado pela autora. Alega o autor, em síntese: I) nulidade da consolidação da propriedade por ausência de intimação para purgação da mora uma vez que ao não ser encontrado em seu endereço, foi citado por edital; II) Clama pelo direito de purgar a mora. No contrato de financiamento com garantia por alienação fiduciária, o devedor/fiduciante transfere a propriedade do imóvel à Caixa Econômica Federal (credora/fiduciária) até que se implemente a condição resolutiva, que é o pagamento total da dívida. Liquidado o financiamento, o devedor retoma a propriedade plena do imóvel, ao passo que, havendo inadimplemento dos termos contratuais, a Caixa Econômica Federal, desde que obedecidos os procedimentos previstos na lei, tem o direito de requerer ao Cartório a consolidação da propriedade do imóvel em seu nome, passando a exercer a propriedade plena do bem.Para que a consolidação da propriedade em nome da instituição financeira ocorra de maneira válida, é imperioso que esta observe um procedimento cuidadosamente especificado pela normativa aplicável. Com efeito, conforme se depreende do art. 26, §§ 1º e 3º, da Lei nº 9.514/97, os mutuários devem ser notificados pessoalmente para purgarem a mora no prazo de quinze dias. Há que se ressaltar que a certidão lavrada pelo Oficial de Registro de Imóveis goza de fé-pública, portanto, goza de presunção de veracidade, somente podendo ser ilidida mediante prova inequívoca em sentido contrário, o que não ocorreu na hipótese. Quando a propriedade foi consolidada em nome do agente fiduciário após a publicação da Lei nº 13.465/2017 (12/7/2017), não mais se discute a possibilidade de purgar a mora até a assinatura do auto de arrematação, mas, diferentemente, o direito de preferência para a aquisição do mesmo imóvel mediante o pagamento de preço correspondente ao valor da dívida somado aos encargos previstos no § 2º-B do artigo 27 da Lei nº 9.514/97. Recurso a que se nega provimento. (TRF3 – ApCiv n. 5002053-32.2019.4.03.6126, Rel. Des. Federal WILSON ZAUHY FILHO, 1ª Turma, j. 14/06/2021, e-DJEN 24/06/2021) Com efeito, em que pese a alegada dificuldade financeira, restou admitido pelo requerente o inadimplemento da obrigação, portanto, repisando os termos da Lei nº. 9.514/1997, no caso de inadimplência, no todo ou em parte, em contratos de compra e venda de imóveis garantidos por alienação fiduciária no âmbito do Sistema Financeiro Imobiliário, o fiduciante é constituído em mora e intimado pessoalmente para purgação no prazo de 15 dias, cuja inobservância consolida a propriedade em nome do fiduciário e o registro na matrícula do imóvel (art. 26), sendo que ato contínuo o fiduciário fica autorizado a promover o leilão público para alienação do bem (art. 27). Em virtude do advento das alterações introduzidas pela Lei n. 13.465/2017 à Lei n. 9.514/1997, a purgação da mora é viável apenas até a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário. Após essa data, ao devedor fiduciante, cabe apenas o direito de preferência a ser exercido para aquisição do imóvel. Note-se que a teor do § 2º-B, do art. 27, da Lei nº 9.514/1997, é assegurado ao devedor fiduciante, até a realização do segundo leilão, o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, acrescida de encargos. In verbis: § 2º-B. Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2o deste artigo, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos. Contudo, considerando os valores depositados em juízo (ID 351884205 e 352730801) e a possibilidade de eventual conciliação com a requerida em audiência a ser designada por este Juízo, tenho que, excepcionalmente e por tempo limitado, pode ser deferida a medida requerida, dada a possibilidade de prejuízo ao desfecho conciliatório. Com efeito, nos termos do artigo 3º, §3º, do Código de Processo Civil: “A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverá ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.”. Já o artigo 139, inciso V, por sua vez, prevê que: “O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe (...) V - promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais.” Logo, resta clara a pretensão do legislador em ver a pacificação social ocorrendo preferencialmente por meio da conciliação em detrimento da judicialização das demandas. Posto isto, DEFIRO excepcionalmente a tutela provisória para que a requerida se abstenha de promover atos executórios do débito até a conclusão da audiência de tentativa de conciliação entre as partes, restando suspenso durante esse período qualquer leilão designado para o imóvel objeto da matrícula n° 64.179 2º Oficial De Registro De Imóveis, Títulos E Documentos E Civil De Pessoa Jurídica de Rio Claro/SP. Com fundamento no art.3º, §3º c.c. art.139, V, e art.334, todos do CPC, defiro a realização audiência para tentativa de composição entre as partes. Providencie a Secretaria o quanto necessário para o agendamento da referida audiência, a ser realizada pela Central de Conciliação – CECON, por meio virtual, com a utilização da plataforma Microsoft Teams. Oficie-se à CEF para a suspensão dos leilões designados para o imóvel objeto da matrícula n° 64.179 2º Oficial De Registro De Imóveis, Títulos E Documentos E Civil De Pessoa Jurídica de Rio Claro/SP. Tendo em vista tratar-se de pedido de tutela antecipada antecedente, concedo à parte autora o prazo de 15 (quinze) dias para aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final. Após o aditamento, cite-se a requerida para responder a presente ação no prazo legal. Cumpra-se. Intimem-se." (ID 352899315 , autos de origem) Em suas razões recursais, aduz a agravante, em síntese, que: (i) a parte autora, ora agravada, foi devidamente intimada para purgar a mora; e (ii) não houve qualquer irregularidade em relação aos procedimentos expropriatórios, em razão da devida notificação do devedor para purgar a mora. Busca a concessão do efeito suspensivo ao recurso e a reforma da r. decisão para que sejam considerados válidos os atos praticados pela agravante. Subsidiariamente, pleiteia seja possibilitado à parte contrária a purga da mora, mediante depósito do valor atualizado da venda do imóvel em juízo, valor este a ser analisado pela CEF (ID 317989553). É o relatório. Decido. O agravo de instrumento é o meio adequado de impugnação contra as decisões tomadas pelo juiz na fase de conhecimento do processo judicial e contra os pronunciamentos proferidos em liquidação e cumprimento de sentença, no processo executivo e na ação de inventário. Essa é a redação do art. 1.015 do CPC/15, leia-se: “Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias; II - mérito do processo; III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI - exibição ou posse de documento ou coisa; VII - exclusão de litisconsorte; VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º; XII - (VETADO); XIII - outros casos expressamente referidos em lei. Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.” Observo que a hipótese dos presentes autos corresponde a uma daquelas previstas no rol legal acima transcrito. Preenchido o requisito do cabimento, e presentes os demais pressupostos de admissibilidade do agravo de instrumento, este deve ser conhecido. O Relator está autorizado a atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, desde que demonstrado o perigo de dano e a probabilidade de provimento do recurso, nos termos do art. 1019, inciso I, do CPC/15. Por sua vez, o art. 300, caput, do Código de Processo Civil, estabelece que a concessão da tutela de urgência está adstrita à existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Pois bem. Passo ao exame do pedido de concessão de efeito suspensivo. Verifica-se que foi firmado Contrato de venda e compra de imóvel residencial, mútuo e alienação fiduciária em garantia no SFH- Sistema Financeiro da Habitação com utilização dos Recursos da Conta Vinculada do FGTS do(s) devedor(es), regido pelas disposições da Lei nº 9.514/97 (ID 351871880, autos de origem ). Importa ressaltar que o contrato é um negócio jurídico bilateral na medida em que retrata o acordo de vontades com o fim de criar, modificar ou extinguir direitos, produzindo efeitos jurídicos e obrigações aos contratantes. O contrato celebrado nos termos da Lei nº 9.514/1997 possui cláusula relativa ao regime de satisfação da obrigação diferente de mútuos firmados com garantia hipotecária. Assim, quando do descumprimento contratual pelo fiduciante, há o vencimento antecipado da dívida e, decorrido o prazo para purgação da mora, a propriedade do imóvel será consolidada em nome da credora fiduciária, que deve alienar o bem para a satisfação de seu direito de crédito. Portanto, vencida e não paga a dívida (totalmente ou parcialmente) e constituído em mora o fiduciante, mantida a inadimplência, a propriedade do imóvel será consolidada em nome do fiduciário, de acordo com o procedimento da Lei nº 9.514/1997, viabilizando o leilão do bem (art. 27 da Lei nº 9.514/97). Nesse passo, a constitucionalidade do procedimento da alienação fiduciária de coisa imóvel previsto na Lei nº 9.514/1997 é matéria pacificada, conforme o julgado desta C. Corte, a seguir colacionado: CONSTITUCIONAL E CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CONSTITUCIONALIDADE DA EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL PREVISTA PELA LEI N. 9.514/97. INADIMPLEMENTO. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. Com base no art. 370 do Código de Processo Civil, deve prevalecer a prudente discrição do magistrado no exame da necessidade ou não da realização de provas, de acordo com as peculiaridades do caso concreto. 2. No caso, basta a mera interpretação das cláusulas do contrato firmado entre as partes para se apurar eventuais ilegalidades, de modo que a prova pericial mostra-se de todo inútil ao deslinde da causa. 3. A alienação fiduciária representa espécie de propriedade resolúvel, de modo que, conforme disposto pela própria Lei n. 9.514/97, inadimplida a obrigação pelo fiduciante a propriedade se consolida em mãos do credor fiduciário. 4. Afasta-se de plano a inconstitucionalidade da execução extrajudicial prevista pela Lei n. 9.514/97, a semelhança do que ocorre com a execução extrajudicial de que trata o Decreto-lei n. 70/66 de há muito declarada constitucional pelo STF. 5. Os contratos de financiamento foram firmados nos moldes do artigo 38 da Lei n. 9.514/97, com alienação fiduciária em garantia, cujo regime de satisfação da obrigação (artigos 26 e seguintes) diverge dos mútuos firmados com garantia hipotecária. 6. A impontualidade na obrigação do pagamento das prestações pelo mutuário acarreta o vencimento antecipado da dívida e a imediata consolidação da propriedade em nome da instituição financeira. 7. Providenciada pela instituição financeira a intimação da parte devedora para purgar a mora acompanhada de planilha de projeção detalhada do débito e, posteriormente, para exercer seu direito de preferência previsto na legislação de regência, denota-se que foram observadas as regras do procedimento executório. 8. O procedimento de execução do mútuo com alienação fiduciária em garantia não ofende os princípios fundamentais do contraditório ou ampla defesa, porquanto não impede que devedor fiduciante submeta à apreciação do Poder Judiciário eventuais descumprimentos de cláusulas contratuais ou abusos ou ilegalidades praticadas pelo credor. 9. Muito embora o STJ venha admitindo a aplicabilidade da Lei Consumerista aos contratos regidos pelo SFI, e que se trate de contrato de adesão, sua utilização não é indiscriminada, ainda mais que não restou demonstrada abusividade nas cláusulas adotadas no contrato de mútuo em tela, que viessem a contrariar a legislação de regência. 10. Apelação não provida. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5026408-58.2017.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 03/04/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 14/04/2020). No mesmo sentido, o entendimento do E. Supremo Tribunal Federal, que, no deslinde do Tema 982, firmou a seguinte tese: “É constitucional o procedimento da Lei nº 9.514/1997 para a execução extrajudicial da cláusula de alienação fiduciária em garantia, haja vista sua compatibilidade com as garantias processuais previstas na Constituição Federal”. Assim, resta cristalino o entendimento de que o procedimento previsto da Lei nº 9.514/1997, na execução extrajudicial nos contratos de alienação fiduciária, é constitucional e não viola os princípios de acesso à justiça, do devido processo legal e demais direitos processuais previstos na Constituição. Inclusive, não há norma autorizadora ao inadimplemento do devedor quanto ao pagamento das prestações contratadas em virtude de enfrentar problemas financeiros. Aliás, contratos firmados com cláusula de alienação fiduciária de bem imóvel em garantia já integram políticas públicas que atendem à proteção do direito fundamental à moradia. Quanto à possibilidade de purgação da mora, faz-se necessário tecer algumas observações. Primeiramente, registre-se que a redação original do art. 39, II, da Lei nº 9.514/1997, previa a aplicação subsidiária do art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966, em que era disposto que o devedor-fiduciante podia purgar a mora em 15 (quinze) dias após a intimação pessoal (art. 26, § 1º, da Lei nº 9.514/1997) ou até a assinatura do auto de arrematação do bem imóvel em leilão (art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966). Contudo, a Lei nº 13.465/2017 alterou o disposto no art. 39, II, da Lei nº 9.514/1997, que passou a apresentar a seguinte redação: "Art. 39. Às operações de crédito compreendidas no sistema de financiamento imobiliário, a que se refere esta Lei: (...) II - aplicam-se as disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-Lei nº 70, de 21 de novembro de 1966,exclusivamente aos procedimentos de execução de créditos garantidos por hipoteca." Logo, caso a manifestação para purgar a mora tenha ocorrido em momento anterior à Lei nº 13.465/2017 e alterações na Lei nº 9.514/1997, a purgação de mora é possível até a lavratura do auto de arrematação. Com o novo texto do art. 39, II, da Lei nº 9.514/1997, os contratos firmados com cláusula de alienação fiduciária de coisa imóvel em garantia não se enquadrariam em “procedimentos de execução de créditos garantidos por hipoteca”. Assim, após a Lei nº 13.465/2017, de 11 de julho de 2017, o regramento passou a ser outro. Portanto, como regra, a partir da Lei nº 13.465/2017, nas situações em que há contratos firmados no âmbito do Sistema Financeiro Imobiliário, regulado pela Lei nº 9.514/97, não há mais aplicação subsidiária do Decreto-Lei nº 70/1966. Inclusive, a Lei nº 13.465/2017, acrescentou o art. 26-A e o art. 27, § 2º-B na Lei nº 9.514/97, in verbis: “Art. 26-A. Os procedimentos de cobrança, purgação de mora e consolidação da propriedade fiduciária relativos às operações de financiamento habitacional, inclusive as operações do Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído pela Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, com recursos advindos da integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), sujeitam-se às normas especiais estabelecidas neste artigo. § 1º A consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário será averbada no registro de imóveis trinta dias após a expiração do prazo para purgação da mora de que trata o § 1º do art. 26 desta Lei. § 2ºAté a data da averbação da consolidação da propriedade fiduciária, é assegurado ao devedor fiduciante pagar as parcelas da dívida vencidas e as despesasde que trata o inciso II do § 3° do art. 27, hipótese em que convalescerá o contrato de alienação fiduciária.” “Art. 27 (...) § 2º-B.Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferênciapara adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2° deste artigo, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos.” Nesse sentido, até a data da averbação da consolidação da propriedade em favor do credor, é possível o pagamento das parcelas em atraso pelo devedor fiduciante, purgando a mora e mantendo o contrato. No entanto, após a consolidação da propriedade fiduciária e até a data da realização do último leilão, é assegurado apenas o direito de preferência em adquirir definitivamente o imóvel, desde que pago o valor integral do contrato e das demais despesas decorrentes da consolidação da propriedade. Portanto, com as alterações no art. 26-A e 27 da Lei nº 9.514/97, introduzidas pela Lei nº 13.465/17, o momento limite para a purgação da mora passou a ser outro. Dessa forma, há duas situações distintas: 1ª) a possibilidade de purgar a mora; e 2ª) o direito de preferência na aquisição do imóvel. Esclarecido este ponto, cumpre analisar o aspecto relativo à aplicação das alterações trazidas pela Lei nº 13.465/2017 no art. 27, da Lei nº 9.514/1997. Quanto ao marco temporal para início da aplicação da Lei nº 13.465/2017, há entendimento da C. Segunda Turma, que componho neste E. Tribunal de que, para identificar qual o regramento aplicado ao caso concreto, há de se considerar a data da manifestação da vontade do devedor. Destaco o seguinte julgado: APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 9.514/1997. REGULARIDADE DO PROCEDIMENTO. DIFICULDADES FINANCEIRAS. UTILIZAÇÃO DO FGTS. CONTRATO DE MÚTUO. POSSIBILIDADE. - São constitucionais e válidos os contratos firmados conforme a Lei nº 9.514/1997, pois se assentam em padrões admissíveis pelo ordenamento brasileiro e pela liberdade de negociar, notadamente com equilíbrio nas prerrogativas e deveres das partes, com publicidade de atos e possibilidade de defesa de interesses, inexistindo violação a primados jurídicos (inclusive de defesa do consumidor). - Dificuldades financeiras não são motivos jurídicos para justificar o inadimplemento de obrigações livremente assumidas pelo devedor-fiduciante, porque a alteração do contrato exige voluntária e bilateral acordo de vontade. Também não há legislação viabilizando inadimplência por esse motivo, do mesmo modo que essa circunstância unilateral não altera o equilíbrio do que foi pactuado entre as partes. - Com base na redação original do art. 39, II, da Lei nº 9.514/1997 (que previa a aplicação subsidiária do art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966), o devedor-fiduciante podia purgar a mora em 15 dias após a intimação pessoal (art. 26, § 1º, dessa Lei nº 9.514/1997), ou até a assinatura do auto de arrematação do bem imóvel em leilão (art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966).Com as alterações da Lei nº 13.465/2017 no art. 27 e no art. 39, ambos da Lei nº 9.514/1994, a purgação da mora deve se dar em 15 dias após a intimação pessoal, ou até a averbação da consolidação da propriedade, após o que restará ao devedor-fiduciante o apenas exercício do direito de preferência em leilão (até da data do segundo leilão). - Sobre a controvérsia de direito intertemporal, contratos de trato sucessivo estão sujeitos à garantia da irretroatividade mínima de lei (art. 5º, XXXV, da Constituição), de tal modo que as alterações promovidas pela Lei nº 13.465/2017 se aplicam às intimações pessoais feitas para purgação da mora após sua publicação (DOU de 12/07/2017, em nada prejudicando a retificação de 06/09/2017 e a republicação de 08/09/2017), pois até então o devedor-fiduciante era comunicado para regularizar a pendência no período de aplicação subsidiária do art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966. Todavia, esteE.TRF entende que o marco temporal para aplicação da Lei nº 13.465/2017 é momento em que o devedor manifesta sua vontade de purgar a mora(diretamente ao devedor-fiduciante, ou mediante propositura de medida judicial). - O devedor-fiduciante ajuizou ação judicial em primeira instância antes da publicação da Lei nº 13.465/2017 (DOU de 12/07/2017), mencionando interesse em purgar a mora com a utilização do saldo depositado em conta vinculada do FGTS. - A jurisprudência firmou entendimento no sentido de admitir o levantamento do saldo da conta vinculada do FGTS, mesmo nos contratos de mútuo realizados fora do Sistema Financeiro da Habitação, desde que o mutuário preencha os requisitos do art. 20, incisos VI e VII, alíneas “a” e “b” da Lei nº 8.036/1990, bem como do art. 35, VII, alínea “b”, do Decreto nº 99.684/1990, quais sejam: a) tratar-se de imóvel destinado à moradia própria; b) que o requerente não seja mutuário do SFH e nem proprietário de outro imóvel na localidade; e, c) possuir vinculação com o FGTS há mais de três anos. - Ainda que se trate de contrato de mútuo com alienação fiduciária em garantia, é possível a utilização do FGTS para a purgação da mora, em razão da finalidade social relacionada à garantia do direito à moradia, uma vez que a não purgação da mora no procedimento de execução extrajudicial poderá resultar na perda do imóvel que serve de moradia aos mutuários. - A purgação da mora deve englobar todos os valores previstos no art. 26, §1º, da Lei nº 9.514/1997. Eventual discussão acerca dos valores devidos deverá ser feita em sede de liquidação de sentença, podendo haver a complementação, se necessário, na forma consignada na r. sentença. - Apelação não provida. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001553-82.2017.4.03.6110, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 06/09/2023, DJEN DATA: 13/09/2023) Em sentido semelhante, há decisão do C. STJ, que considerou a data da consolidação da propriedade e da purga da mora para verificar a incidência, ou não, da nova redação introduzida pela Lei nº 13.465/17: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. PURGAÇÃO DA MORA APÓS A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DO CREDOR FIDUCIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA LEI Nº 13.465/2017. DIREITO DE PREFERÊNCIA. 1. Ação anulatória de ato jurídico ajuizada em 19/02/2020, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 28/03/2022 e atribuído ao gabinete em 04/07/2022. 2.O propósito recursal consiste em decidir acerca da possibilidade de o mutuário efetuar a purgação da mora, em contrato garantido por alienação fiduciária de bem imóvel, após a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário. 3. De acordo com a jurisprudência do STJ, antes da edição da Lei nº 16.465/2017, a purgação da mora era admitida no prazo de 15 (quinze) dias após a intimação prevista no art. 26, § 1º, da Lei nº 9.514/1997 ou, a qualquer tempo, até a assinatura do auto de arrematação do imóvel, com base no art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966, aplicado subsidiariamente às operações de financiamento imobiliário relativas à Lei nº 9.514/1997. Precedentes. 4.Após a edição da Lei nº 13.465, de 11/7/2017, que incluiu o § 2º-B no art. 27 da Lei nº 9.514/1997, assegurando o direito de preferência ao devedor fiduciante na aquisição do imóvel objeto de garantia fiduciária, a ser exercido após a consolidação da propriedade e até a data em que realizado o segundo leilão,a Terceira Turma do STJ, no julgamento do REsp 1.649.595/RS, em 13/10/2020, se posicionou no sentido de que, "com a entrada em vigor da nova lei, não mais se admite a purgação da mora após a consolidação da propriedade em favor do fiduciário", mas sim o exercício do direito de preferência para adquirir o imóvel objeto da propriedade fiduciária, previsto no mencionado art. 27, § 2º-B, da Lei nº 9.514/1997. 5.Na oportunidade, ficou assentada a aplicação da Lei nº 13.465/2017 aos contratos anteriores à sua edição, considerando, ao invés da data da contratação, a data da consolidação da propriedade e da purga da mora como elementos condicionantes, nos seguintes termos:"i) antes da entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017, nas situações em que já consolidada a propriedade e purgada a mora nos termos do art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966 (ato jurídico perfeito), impõe-se o desfazimento do ato de consolidação, com a consequente retomada do contrato de financiamento imobiliário; ii) a partir da entrada em vigor da lei nova, nas situações em que consolidada a propriedade, mas não purgada a mora, é assegurado ao devedor fiduciante tão somente o exercício do direito de preferência previsto no § 2º-B do art. 27 da Lei n. 9.514/1997" (REsp 1.649.595/RS, Terceira Turma, julgado em 13/10/2020, DJe de 16/10/2020). 6.Hipótese dos autos em que a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário ocorreu após a entrada em vigor da Lei nº 13.465/2017, razão pela qual não há que falar em possibilidade de o devedor purgar a mora até a assinatura do auto de arrematação, ficando assegurado apenas o exercício do direito de preferência para adquirir o imóvel objeto da propriedade fiduciária. 7. Recurso especial conhecido e não provido. (REsp n. 2.007.941/MG, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 16/2/2023.) Dessa forma, quanto ao direito intertemporal, a fim de definir se será cabível a purgação da mora ou apenas o direito de preferência, deve-se verificar a data em que ocorreu a consolidação da propriedade e a manifestação para purgar a mora. Tendo o devedor-fiduciante manifestado sua vontade em purgar a mora em data anterior à Lei nº 13.465/17, aplica-se o antigo regramento da Lei nº 9.514/97, sendo possível a purgação da mora até a assinatura do auto de arrematação. No entanto, se tal manifestação ocorreu após a vigência da Lei nº 13.465/17, que introduziu o art. 26-A e o § 2º-B no art. 27 à Lei nº 9.514/97, é garantido ao devedor apenas o direito de preferência para adquirir o imóvel até a realização do segundo leilão, nos termos do art. 27, § 2º-B, da Lei nº 9.514/97. No presente caso, verifico que a questão posta no presente recurso apresenta características que merecerem ser sopesadas, levando, assim, à solução diversa que já foi adotada por esta Segunda Turma, a qual componho. É que foram efetuados depósitos em juízo nos valores de R$7.500,00, em 28/01/2025 (ID 351884205, autos de origem), R$ 1.000,00, em 04/02/2025 (ID 352730801, autos de origem) e R$1.000,00, em 05/03/2025 (ID 356091140, autos de origem) para efeito de purgação da mora. Nesse caso, considerando que a parte autora, ora agravada, demonstra, ao menos neste juízo de cognição sumária, estar disposta a dar continuidade ao contrato de financiamento, entendo que deva ser mantida a decisão que determinou à CEF se abster de promover atos executórios do débito, restando suspenso qualquer leilão designado para o imóvel objeto da matrícula n° 64.179, no 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Rio Claro/SP, até porque os depósitos realizados excluem qualquer prejuízo econômico-financeiro à Instituição Financeira mutuante. No que tange ao pedido subsidário apresentado pela CEF no sentido de que seja possibilitado à parte contrária a purga da mora, mediante depósito do valor atualizado da venda do imóvel em juízo ( valor este a ser analisado pela CEF), entendo não haver óbice à sua autorização, dando-se continuidade à relação contratual, na esteira de julgado desta Segunda Turma, a qual componho, cuja ementa segue abaixo: APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 9.514/1997. REGULARIDADE DO PROCEDIMENTO. DIFICULDADES FINANCEIRAS. PRAZO PARA PURGAÇÃO DA MORA. PANDEMIA. COVID 19. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES DO CONSUMIDOR E DO FORNECEDOR DE SERVIÇOS. - São constitucionais e válidos os contratos firmados conforme a Lei nº 9.514/1997, pois se assentam em padrões admissíveis pelo ordenamento brasileiro e pela liberdade de negociar, notadamente com equilíbrio nas prerrogativas e deveres das partes, com publicidade de atos e possibilidade de defesa de interesses, inexistindo violação a primados jurídicos (inclusive de defesa do consumidor). - Quanto ao procedimento no caso de inadimplência por parte do devedor-fiduciante, o art. 26 e seguintes da Lei nº 9.514/1997 dispõem sobre formalidades que asseguram informação do estágio contratual. Esse procedimento é motivado pela necessária eficácia de políticas públicas que vão ao encontro da proteção do direito fundamental à moradia e do Estado de Direito, e não exclui casos específicos da apreciação pelo Poder Judiciário. Precedentes do E.STJ e deste C.TRF da 3ª Região. - O procedimento de execução extrajudicial previsto na Lei nº 9.514/1997 é constitucional, conforme decidido pelo E.STF no Tema 982: "É constitucional o procedimento da Lei nº 9.514/1997 para a execução extrajudicial da cláusula de alienação fiduciária em garantia, haja vista sua compatibilidade com as garantias processuais previstas na Constituição Federal". - Dificuldades financeiras não são motivos jurídicos para justificar o inadimplemento de obrigações livremente assumidas pelo devedor-fiduciante, porque a alteração do contrato exige voluntária e bilateral acordo de vontade. Também não há legislação viabilizando inadimplência por esse motivo, do mesmo modo que essa circunstância unilateral não altera o equilíbrio do que foi pactuado entre as partes. - A parte autora foi intimada para purgar a mora, porém deixou transcorrer in albis o prazo para liquidar sua dívida atrasada. Entretanto, que o caso guarda certas peculiaridades dignas de serem levadas em consideração, capazes de justificar, em caráter excepcional, a atribuição de solução diversa da usual. - O que se constata, do exame das provas produzidas nos autos, é que a parte autora, incontinente, buscou a instituição financeira para realizar o pagamento e depósitos das prestações em atraso. É de se notar, outrossim, que a parte autora vem efetuando, com regularidade, os depósitos das parcelas vencidas no decorrer da tramitação processual. Essa conduta da parte requerente, por sua vez, demonstra indubitavelmente sua boa-fé sob o aspecto objetivo (arts. 113 e 422 do CC e art. 4º, III, do CDC), visto que se comporta de maneira correta, proba, leal, honesta e ética em relação à outra contratante (CEF), notadamente se levarmos em conta as circunstâncias adversas pelas quais vem passando, evidenciadas no caso concreto. - Considerando que não houve a arrematação do imóvel em leilão, e também que a parte autora, inequivocamente, está disposta a dar continuidade ao contrato de financiamento, é de se concluir estar correta a sentença que declarou o direito da parte autora de purgar a mora até a arrematação ou a realização do 2º leilão, até mesmo por força da incidência do princípio da conservação do contrato. - Está-se diante de contrato submetido às diretrizes do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), o qual cumpre relevante função social, na medida em que visa proporcionar aos menos favorecidos (como é o caso da parte autora), acesso à moradia digna, tudo a aconselhar, no caso específico dos autos, a preservação da relação contratual entabulada. - Em caráter absolutamente excepcional, diante das peculiaridades do caso concreto, que o devedor-fiduciante tem direito à purgação da mora, dando-se continuidade à relação contratual, embora tenha proposto a ação judicial em primeira instância depois da publicação da Lei nº 13.465/2017 (DOU de 12/07/2017), não fazendo sentido, especialmente diante dos depósitos efetuados nos autos, remeter o mutuário ao mero exercício do direito de preferência na aquisição do imóvel, até a data da realização do segundo leilão, tal como prevê o art. 27, §2º-B, da Lei nº 9.514/1997, medida esta, aliás, que talvez nem seja vantajosa economicamente para a CEF, tendo em vista a possibilidade de deságio na aquisição do bem. - Apelação não provida. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5004659-76.2022.4.03.6110, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 12/12/2024, DJEN DATA: 17/12/2024) Destarte, não verifico a presença dos requisitos autorizadores da suspensão da r. decisão recorrida. Ante o exposto, defiro, em parte, o pedido de concessão de tutela recursal para autorizar a purga da mora, nos termos do pedido formulado pela parte agravante, mantendo, no mais a r. decisão recorrida no que se refere à suspensão dos atos executórios. Comunique-se ao Juízo de origem. Intime-se a parte agravada para apresentação de contraminuta, nos termos do art. 1.019, II do CPC. Publique-se. São Paulo, na data da assinatura digital. ALESSANDRO DIAFERIA Desembargador Federal
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