Resultados para "1002951-86.2023.8.26.0666" – Página 47 de 47

Processo nº 1000018-40.2022.8.11.0005

ID: 258598440

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1000018-40.2022.8.11.0005

Data de Disponibilização: 21/04/2025

Polo Ativo:

VILMAR OPOLSKI

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

JOAO MARCELO BARROS MASSAROLO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

PERSIO OLIVEIRA LANDIM

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000018-40.2022.8.11.0005 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Posse, Esbulho / Turbação / Ameaça, Efeitos] R… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000018-40.2022.8.11.0005 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Posse, Esbulho / Turbação / Ameaça, Efeitos] Relator: Des(a). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES] Parte(s): [VILMAR OPOLSKI - CPF: 476.473.889-91 (APELANTE), PERSIO OLIVEIRA LANDIM - CPF: 710.893.811-15 (ADVOGADO), JOAO MARCELO BARROS MASSAROLO - CPF: 054.031.681-41 (ADVOGADO), JOSE HUMBERTO DAMASCENA - CPF: 079.222.641-00 (APELADO), VALDRIANGELO SAMUEL FONSECA - CPF: 655.659.751-15 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DEU PROVIMENTO AO RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL CELEBRADO COM INVENTARIANTE. BOA-FÉ POSSESSÓRIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ESBULHO. SENTENÇA REFORMADA. RECONHECIMENTO DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO INVENTÁRIO PARA DECIDIR SOBRE A DESTINAÇÃO DO BEM. RECURSO PROVIDO, COM RECONHECIMENTO DE SITUAÇÃO SUPERVENIENTE. I. Caso em exame Apelação cível interposta contra sentença que julgou procedente a ação de reintegração de posse proposta por José Humberto Damascena, determinando a retomada do imóvel rural denominado Sítio Estância J7, situado no Assentamento PA Tira Sentido, Lote 91, Município de Alto Paraguai/MT, com revogação da posse de Vilmar Opolski. II. Questão em discussão 2. A controvérsia envolve a verificação dos requisitos previstos no art. 561 do CPC para a reintegração de posse, especialmente: (i) saber se o autor comprovou exercício anterior da posse; (ii) saber se houve esbulho praticado pelo réu; (iii) saber se a data e a perda da posse foram devidamente demonstradas; (iv) saber se a posse exercida pelo réu é legítima, à luz do contrato de arrendamento celebrado com inventariante. III. Razões de decidir 3. Os documentos apresentados pelo autor não comprovaram a posse direta, contínua e pacífica, sendo precária a individualização da área e insuficientes os indícios de exercício efetivo da posse. 4. O contrato de arrendamento firmado entre o apelante e o inventariante do espólio de Herivelto Damascena, embora não tenha anuência dos demais herdeiros ou autorização judicial, conferia aparência de legitimidade à posse, não se constatando má-fé por parte do arrendatário. 5. A jurisprudência do STJ admite a validade da posse em contratos celebrados por coproprietário ou inventariante, desde que não haja resistência dos demais e inexista dolo ou clandestinidade. 6. A ausência de esbulho e a posse mansa e pública do apelante afastam o direito possessório invocado pelo autor. 7. O contrato de arrendamento, embora expirado, demanda deliberação pelo juízo do inventário, competente para decidir sobre a continuidade da posse e futura destinação do imóvel. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso de apelação provido para reformar a sentença e julgar improcedente a ação de reintegração de posse. Revogada a liminar anteriormente concedida. Determinada a remessa da controvérsia residual ao juízo do inventário competente. Tese de julgamento: "1. A ausência de autorização judicial e de anuência dos herdeiros não invalida, por si só, a posse exercida de boa-fé pelo arrendatário que firma contrato com inventariante do espólio." "2. Para a procedência da ação possessória, exige-se a demonstração robusta da posse anterior, do esbulho e da perda da posse, conforme art. 561 do CPC." "3. O juízo do inventário é o competente para deliberar sobre a continuidade da posse de imóvel indiviso pertencente ao espólio." R E L A T Ó R I O Recurso de apelação cível interposto por WILMAR OPOLSKI contra sentença proferida nos autos da Ação de Reintegração de Posse ajuizada por JOSÉ HUMBERTO DAMASCENA que julgou procedente a ação, determinando a reintegração de posse e deferiu o pedido liminar de reintegração de posse, determinando a expedição de mandado liminar de reintegração, a ser cumprido com as diligências de praxe. A parte ré/apelante ainda foi condenada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% sobre o valor da causa. Explica a apelante que fora realizada audiência de instrução, na qual somente foi ouvido o irmão do autor, na qualidade de informante, Sr. Gilmar Lima Damascena. Em contrapartida, assevera que três testemunhas devidamente compromissadas foram ouvidas, por indicação sua e confirmaram que o apelado nunca teve posse, que era exercida por Herivelto Damascena e posteriormente por seus herdeiros, até arrendarem para a apelante. Nesse cenário defende ausência de provas da posse do apelado; que foram apresentadas provas frágeis: “(i) Certidão n.º 573/2018 emitida em 17.12.2018 pelo INCRA, em nome de Herivelto Lima Damascena; (ii) Memorial Descritivo em nome do Espólio de Herivelto Lima Damascena, confeccionado pelo Agrimensor João José Gomes; (iii) Boletim de Ocorrência comunicando suposto esbulho; (iv) Certificado de Cadastro do INCRA em nome de terceiro alheio à lide (Id. 73539292); (v) Comunicação de vacina ao INDEA, emitido na cidade de Juscimeira/MT.”, sendo que dois deles, o B.O. e a Comunicação ao INDEA são totalmente unilaterais. Também quanto a Escritura Pública de Compra e Venda, assevera que a área objeto da referida escritura não pode ser individualizada e não há provas mínimas de que possa se tratar da área em questão. Já com relação ao apelante, explica que detinha posse por força de contrato de arrendamento, firmado com espólio de Herivelto Lima Damascena, representado pelo inventariante Ulisses Lemes de Pinha Damascena. Aponta que a fundamentação do juízo quanto a nulidade do arrendamento, não pode prevalecer, eis que não agiu de má-fé e vigorou por três anos e nunca houve qualquer contrariedade por qualquer dos herdeiros. Complementa: “Ainda que no caso em tela houvesse a discordância de quaisquer dos herdeiros acerca do contrato de arrendamento, a não ser por motivo relevante, não teria qualquer óbice ao direito do arrendatário, logo, denota-se que a sua posse é plenamente legal e de boa-fé, sendo que o Juízo a quo agiu de forma equivocada ao entender que o contrato era nulo. Sobre o referido tema, este E. Tribunal já teve a oportunidade de se manifestar, cito o Recurso de Agravo de Instrumento n.º 1002951-98.2022.8.11.0000, de relatoria da Desa. Marilsen Andrade Addario”. Reafirma que os documentos comprovam que desde 1.990 era o Sr. Herivelto quem exercia a posse do imóvel até o seu falecimento em 2.015. Aponta ainda que na audiência foram ouvidas três testemunhas, todas elas compromissadas e sem quaisquer parentescos com nenhuma das partes litigantes, o que não aconteceu com o informante do Juízo, que declarou ser irmão do Autor, ora Apelado. Defende a ausência de esbulho, eis que adentrou a área de forma, mansa e pacífica em 20 de dezembro de 2.021, junto aos herdeiros, em razão do contrato de arrendamento rural. Requer a concessão do efeito suspensivo. Requer: “o total provimento do presente recurso, a fim de reformar totalmente a sentença proferida pelo Juízo a quo, julgando improcedente a Ação de Reintegração de Posse ajuizada pelo ora Apelado, ante a não observância do disposto nos artigos 373, I, e 561, ambos do Código de Processo Civil, por não ter ele comprovado a sua posse, a ocorrência de esbulho, a data do suposto esbulho e a perda da alegada posse, visto que o ora Apelante, em sede de primeiro grau, produziu, nos termos do art. 373, II, e 567, ambos do Código de Processo Civil, provas robustas, documentais e testemunhais, que impedem o direito pleiteado pelo Autor, e que consequentemente seja acolhido o pedido contraposto formulado, com o fito de: (i) conceder o mandado proibitório, determinando-se a imediata abstenção de ofensa à posse do requerido; (ii) proibir o Autor/Apelado de frequentar a área arrendada pelo Apelante, em razão de que a sua posse é legítima, desde 20.11.2021, por força do “Contrato de Arrendamento Rural” firmado com o Inventariante, responsável pelo Espólio de Herivelto Damascena;”. Foi concedido efeito suspensivo. Contrarrazões com pedido de reconhecimento da nulidade do contrato de arrendamento apresentado pelo apelante, por ausência de autorização judicial e anuência dos herdeiros; e, no mérito, desprovimento do recurso com a majoração dos honorários. Foi indeferida a justiça gratuita e foi regularizado o preparo recursal. É o relatório. V O T O R E L A T O R Cuida-se de recurso de apelação interposto por Vilmar Opolski contra sentença que julgou procedente a ação de reintegração de posse ajuizada por José Humberto Damascena, determinando sua imediata reintegração na posse do imóvel rural denominado Sítio Estância J7, localizado no Assentamento PA Tira Sentido, Lote 91, no Município de Alto Paraguai/MT. O juízo de origem entendeu pela procedência da pretensão possessória, amparando-se na documentação apresentada pelo autor e deferindo, inclusive, liminar para reintegração de posse, posteriormente confirmada na sentença. A controvérsia posta restringe-se, em essência, à verificação da presença dos requisitos legais previstos no artigo 561 do Código de Processo Civil, a saber: (i) posse anterior do autor; (ii) esbulho praticado pelo réu; (iii) data do esbulho; e (iv) perda da posse. Pois bem. Consoante consta dos autos, o autor sustentou ser possuidor da área desde 1998, tendo, inclusive, cedido parte da gleba a seu irmão Herivelto Lima Damascena. Contudo, aduziu que em dezembro de 2021, quando ausente da propriedade, teve sua posse violentamente subtraída por Vilmar Opolski, com apoio de terceiros, que, segundo a narrativa, arrebentaram a porteira e passaram a impedir seu ingresso no imóvel. Para comprovar suas alegações, o autor juntou escritura pública de cessão de direitos possessórios, memorial descritivo, certidão do INCRA, boletim de ocorrência e outros documentos administrativos. Todavia, a documentação acostada revela-se precária para comprovar o exercício contínuo, manso e pacífico da posse. A escritura referida não individualiza com clareza a área em disputa, tampouco demonstra que o autor efetivamente exercia poderes sobre o bem de forma direta e ostensiva até o suposto esbulho. O boletim de ocorrência, por sua vez, constitui ato unilateral e, embora descreva os fatos narrados, não confere presunção de veracidade. Por outro lado, o apelante apresentou contrato de arrendamento rural firmado com o inventariante do espólio de Herivelto Damascena, a quem, segundo a narrativa de ambos, teria sido transmitida parte da área pelo próprio autor. Apresentou também farta documentação complementar, como declarações de vizinhos e fichas cadastrais no INCRA, corroborando o exercício efetivo da posse por Herivelto e seus herdeiros. Ressalte-se que a sentença de origem desconsiderou o contrato de arrendamento sob fundamento de ausência de anuência de todos os herdeiros e autorização judicial, nos seguintes termos: “Noutro pórtico, o direito reivindicado pela parte reclamada é nulo, pois o contrato de arrendamento firmado com o inventariante Ulisses não possui autorização judicial, tampouco foi informado nos autos do inventário n. 0002229-13.2015.8.11.0005, em tramitação neste Juízo, e não teve a concordância dos demais herdeiros, ao passo que o espólio do Sr. Herivelto sequer ingressou nos autos como terceiro interessado, não houve litisconsórcio passivo, denunciação da lide ou chamamento ao processo. Esses fatos demonstram que o contrato permanece oculto aos olhos do Juízo, o que confere à posse da parte reclamada um caráter de ilegalidade. Além disso, os testemunhos da parte reclamada não corroboraram a alegação de posse mansa, pacífica e sem oposição por parte do réu, Vilmar Opolski. Assim, o reclamado esbulhou a posse do autor com base em um título injusto (contrato de arrendamento) em 20/12/2021. As testemunhas não comprovaram a posse antiga do réu, limitando-se a atestar a posse do falecido Herivelto. Não houve participação do espólio representado pelo inventariante Ulisses, nem foi informada nos autos do inventário a existência do contrato, nem obtida a anuência dos demais herdeiros e do Ministério Público, que atua em defesa dos interesses de um menor de idade.”. Ocorre que, a ausência desses requisitos formais não conduz, por si só, à nulidade automática do contrato, máxime quando não demonstrada a má-fé do arrendatário, e diante da posse exercida com aquiescência e por período considerável. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou sobre a questão, destacando que a ausência de consentimento dos demais coproprietários não acarreta, por si só, a nulidade do contrato de locação. No julgamento do REsp 1.861.062/SP, a Terceira Turma do STJ decidiu que, embora o Código Civil exija a anuência da maioria absoluta dos coproprietários para dar posse de imóvel a terceiros, a falta desse consentimento não invalida o contrato de locação, desde que não estejam presentes vícios que ensejem a nulidade do negócio jurídico. O relator, ministro Villas Bôas Cueva, ressaltou que a legislação não impõe a obrigatoriedade da presença de todos os proprietários no instrumento locatício, e que a ausência de consentimento dos demais coproprietários não configura, por si só, causa de nulidade do contrato. Não desconheço a existência de entendimento jurisprudencial diverso, no sentido de que o arrendamento de bem indiviso, sem a anuência dos demais herdeiros, pode ser considerado inválido sob a ótica do juízo sucessório. Todavia, no plano possessório, a análise exige outro enfoque. No caso dos autos, não se constata qualquer indício de má-fé por parte do apelante, que permaneceu na posse do imóvel com base em contrato de arrendamento firmado com o inventariante do espólio, em nome do falecido Herivelto Damascena. A ausência de autorização judicial ou de consenso entre os herdeiros pode, eventualmente, comprometer a validade do ato no bojo do inventário, mas não tem o condão de macular, de plano, a posse exercida de forma pública, contínua e com aparência de legitimidade. Não há notícias de contestação formal ao arrendamento ou de insurgência dos demais herdeiros durante o período em que a posse foi exercida, tampouco se demonstrou qualquer conduta violenta ou clandestina por parte do arrendatário. Dessa forma, não se pode reputar esbulhadora a conduta do apelante, sob pena de se punir o possuidor de boa-fé que, amparado em título jurídico com aparência de validade, ocupou o imóvel com anuência do então inventariante e sem resistência conhecida dos demais herdeiros (até então). Assim, não restando demonstrado esbulho ou má-fé, e ante a ausência de prova robusta da posse anterior do autor, é de rigor a reforma da sentença para o fim de se reconhecer a legitimidade da posse exercida pelo apelante. Nesse cenário, inexiste nos autos qualquer ação anulatória ajuizada pelos demais herdeiros visando à desconstituição do referido contrato. A simples ausência de formalidades sucessórias não tem o condão de infirmar, no plano possessório, a boa-fé do apelante, especialmente em demandas que não se confundem com ações de petição de herança ou de nulidade contratual. Veja-se ainda que o contrato de arrendamento firmado entre o apelante e Ulisses Lemes Pinho Damascena, dá “ar” de regularidade junto ao processo de inventário; vejamos: “O ARRENDADOR, na qualidade de herdeiro e inventariante no processo de Inventário de Herivelto Lima Damascena, em trâmite regular perante o Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca da Cidade de Diamantino -MT, processo de Inventário nº. 2229-13.2015.811.0005, código 101484, arrenda o imóvel rural constante na partilha denominada de Fazenda Malboro, lote 91, com aproximadamente 150 (cento e cinquenta) hectares, localizada nas imediações do Córrego do Ararinha, Distrito de Tira Sentido, Zona Rural do Município de Alto Paraguai-MT, atualmente em nome de Herivelto Lima Damasceno, conforme planta do INCRA anexa.” Em audiência de instrução, foram ouvidas três testemunhas do réu, devidamente compromissadas, que confirmaram a posse de Herivelto e seus sucessores sobre o imóvel, em contraposição à oitiva de um único informante, irmão do autor. A prova oral, nesse ponto, é convergente com os documentos apresentados pela defesa. Contudo, há uma questão a ser enfrentada. O contrato de arrendamento rural firmado entre o apelante e o espólio de Herivelto Damascena foi celebrado em 20 de novembro de 2021, com prazo de vigência de três anos. Portanto, à data deste julgamento, já expirado. Essa circunstância superveniente impõe uma reavaliação quanto à continuidade da posse pelo apelante. Se, por um lado, não se pode reconhecer o esbulho à época da propositura da ação, dada a existência de posse exercida de boa-fé com respaldo contratual, por outro, o término do arrendamento projeta efeitos jurídicos que transcendem a competência desta instância recursal. Diante da ausência de autorização judicial no âmbito do inventário e da inexistência de consenso entre os herdeiros quanto à destinação do imóvel rural objeto da lide, impõe-se o reconhecimento da competência do juízo do inventário para deliberar sobre a destinação da área, bem como sobre eventual renovação ou formalização de novos instrumentos jurídicos. Por conseguinte, remanesce ao juízo sucessório a atribuição para dirimir a controvérsia atual sobre a posse e a utilização do bem por parte dos herdeiros ou terceiros, observando-se o princípio da indivisibilidade do acervo hereditário até a partilha. Nesse cenário, ao tempo da propositura da presente ação não se verificava o esbulho alegado, motivo pelo qual a demanda possessória deve ser julgada improcedente. Quanto à continuidade da posse, seu exame demanda a prévia deliberação do juízo do inventário, a quem compete zelar pela correta administração e partilha do acervo hereditário. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO POR VILMAR OPOLSKI, para reformar integralmente a sentença de primeiro grau, julgando improcedente a ação de reintegração de posse, ajuizada por José Humberto Damascena, por ausência de comprovação do esbulho possessório à época da propositura da ação, diante da posse exercida de boa-fé pelo apelante, com base em contrato de arrendamento rural firmado com o inventariante do espólio de Herivelto Damascena. Reconheço, contudo, que o contrato de arrendamento referido teve vigência de três anos, com termo final já expirado, conforme consta dos autos. Diante disso, determino a remessa da controvérsia remanescente relativa à posse e à destinação da área objeto do arrendamento ao juízo do inventário competente, a quem cabe deliberar sobre a continuidade da posse, administração e eventual renovação contratual, nos termos do artigo 612 do Código de Processo Civil. Revogo, por consequência, a liminar de reintegração anteriormente concedida e determino que seja preservada PROVISIORIAMENTE a posse exercida pelo apelante até a deliberação do juízo competente (se ainda não tiver). Condeno o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do CPC, observada, se for o caso, a gratuidade da justiça. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/04/2025

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 1000018-40.2022.8.11.0005

ID: 258598441

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1000018-40.2022.8.11.0005

Data de Disponibilização: 21/04/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

JOSE HUMBERTO DAMASCENA

Acórdão

Advogados:

VALDRIANGELO SAMUEL FONSECA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000018-40.2022.8.11.0005 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Posse, Esbulho / Turbação / Ameaça, Efeitos] R… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000018-40.2022.8.11.0005 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Posse, Esbulho / Turbação / Ameaça, Efeitos] Relator: Des(a). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES] Parte(s): [VILMAR OPOLSKI - CPF: 476.473.889-91 (APELANTE), PERSIO OLIVEIRA LANDIM - CPF: 710.893.811-15 (ADVOGADO), JOAO MARCELO BARROS MASSAROLO - CPF: 054.031.681-41 (ADVOGADO), JOSE HUMBERTO DAMASCENA - CPF: 079.222.641-00 (APELADO), VALDRIANGELO SAMUEL FONSECA - CPF: 655.659.751-15 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DEU PROVIMENTO AO RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL CELEBRADO COM INVENTARIANTE. BOA-FÉ POSSESSÓRIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ESBULHO. SENTENÇA REFORMADA. RECONHECIMENTO DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO INVENTÁRIO PARA DECIDIR SOBRE A DESTINAÇÃO DO BEM. RECURSO PROVIDO, COM RECONHECIMENTO DE SITUAÇÃO SUPERVENIENTE. I. Caso em exame Apelação cível interposta contra sentença que julgou procedente a ação de reintegração de posse proposta por José Humberto Damascena, determinando a retomada do imóvel rural denominado Sítio Estância J7, situado no Assentamento PA Tira Sentido, Lote 91, Município de Alto Paraguai/MT, com revogação da posse de Vilmar Opolski. II. Questão em discussão 2. A controvérsia envolve a verificação dos requisitos previstos no art. 561 do CPC para a reintegração de posse, especialmente: (i) saber se o autor comprovou exercício anterior da posse; (ii) saber se houve esbulho praticado pelo réu; (iii) saber se a data e a perda da posse foram devidamente demonstradas; (iv) saber se a posse exercida pelo réu é legítima, à luz do contrato de arrendamento celebrado com inventariante. III. Razões de decidir 3. Os documentos apresentados pelo autor não comprovaram a posse direta, contínua e pacífica, sendo precária a individualização da área e insuficientes os indícios de exercício efetivo da posse. 4. O contrato de arrendamento firmado entre o apelante e o inventariante do espólio de Herivelto Damascena, embora não tenha anuência dos demais herdeiros ou autorização judicial, conferia aparência de legitimidade à posse, não se constatando má-fé por parte do arrendatário. 5. A jurisprudência do STJ admite a validade da posse em contratos celebrados por coproprietário ou inventariante, desde que não haja resistência dos demais e inexista dolo ou clandestinidade. 6. A ausência de esbulho e a posse mansa e pública do apelante afastam o direito possessório invocado pelo autor. 7. O contrato de arrendamento, embora expirado, demanda deliberação pelo juízo do inventário, competente para decidir sobre a continuidade da posse e futura destinação do imóvel. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso de apelação provido para reformar a sentença e julgar improcedente a ação de reintegração de posse. Revogada a liminar anteriormente concedida. Determinada a remessa da controvérsia residual ao juízo do inventário competente. Tese de julgamento: "1. A ausência de autorização judicial e de anuência dos herdeiros não invalida, por si só, a posse exercida de boa-fé pelo arrendatário que firma contrato com inventariante do espólio." "2. Para a procedência da ação possessória, exige-se a demonstração robusta da posse anterior, do esbulho e da perda da posse, conforme art. 561 do CPC." "3. O juízo do inventário é o competente para deliberar sobre a continuidade da posse de imóvel indiviso pertencente ao espólio." R E L A T Ó R I O Recurso de apelação cível interposto por WILMAR OPOLSKI contra sentença proferida nos autos da Ação de Reintegração de Posse ajuizada por JOSÉ HUMBERTO DAMASCENA que julgou procedente a ação, determinando a reintegração de posse e deferiu o pedido liminar de reintegração de posse, determinando a expedição de mandado liminar de reintegração, a ser cumprido com as diligências de praxe. A parte ré/apelante ainda foi condenada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% sobre o valor da causa. Explica a apelante que fora realizada audiência de instrução, na qual somente foi ouvido o irmão do autor, na qualidade de informante, Sr. Gilmar Lima Damascena. Em contrapartida, assevera que três testemunhas devidamente compromissadas foram ouvidas, por indicação sua e confirmaram que o apelado nunca teve posse, que era exercida por Herivelto Damascena e posteriormente por seus herdeiros, até arrendarem para a apelante. Nesse cenário defende ausência de provas da posse do apelado; que foram apresentadas provas frágeis: “(i) Certidão n.º 573/2018 emitida em 17.12.2018 pelo INCRA, em nome de Herivelto Lima Damascena; (ii) Memorial Descritivo em nome do Espólio de Herivelto Lima Damascena, confeccionado pelo Agrimensor João José Gomes; (iii) Boletim de Ocorrência comunicando suposto esbulho; (iv) Certificado de Cadastro do INCRA em nome de terceiro alheio à lide (Id. 73539292); (v) Comunicação de vacina ao INDEA, emitido na cidade de Juscimeira/MT.”, sendo que dois deles, o B.O. e a Comunicação ao INDEA são totalmente unilaterais. Também quanto a Escritura Pública de Compra e Venda, assevera que a área objeto da referida escritura não pode ser individualizada e não há provas mínimas de que possa se tratar da área em questão. Já com relação ao apelante, explica que detinha posse por força de contrato de arrendamento, firmado com espólio de Herivelto Lima Damascena, representado pelo inventariante Ulisses Lemes de Pinha Damascena. Aponta que a fundamentação do juízo quanto a nulidade do arrendamento, não pode prevalecer, eis que não agiu de má-fé e vigorou por três anos e nunca houve qualquer contrariedade por qualquer dos herdeiros. Complementa: “Ainda que no caso em tela houvesse a discordância de quaisquer dos herdeiros acerca do contrato de arrendamento, a não ser por motivo relevante, não teria qualquer óbice ao direito do arrendatário, logo, denota-se que a sua posse é plenamente legal e de boa-fé, sendo que o Juízo a quo agiu de forma equivocada ao entender que o contrato era nulo. Sobre o referido tema, este E. Tribunal já teve a oportunidade de se manifestar, cito o Recurso de Agravo de Instrumento n.º 1002951-98.2022.8.11.0000, de relatoria da Desa. Marilsen Andrade Addario”. Reafirma que os documentos comprovam que desde 1.990 era o Sr. Herivelto quem exercia a posse do imóvel até o seu falecimento em 2.015. Aponta ainda que na audiência foram ouvidas três testemunhas, todas elas compromissadas e sem quaisquer parentescos com nenhuma das partes litigantes, o que não aconteceu com o informante do Juízo, que declarou ser irmão do Autor, ora Apelado. Defende a ausência de esbulho, eis que adentrou a área de forma, mansa e pacífica em 20 de dezembro de 2.021, junto aos herdeiros, em razão do contrato de arrendamento rural. Requer a concessão do efeito suspensivo. Requer: “o total provimento do presente recurso, a fim de reformar totalmente a sentença proferida pelo Juízo a quo, julgando improcedente a Ação de Reintegração de Posse ajuizada pelo ora Apelado, ante a não observância do disposto nos artigos 373, I, e 561, ambos do Código de Processo Civil, por não ter ele comprovado a sua posse, a ocorrência de esbulho, a data do suposto esbulho e a perda da alegada posse, visto que o ora Apelante, em sede de primeiro grau, produziu, nos termos do art. 373, II, e 567, ambos do Código de Processo Civil, provas robustas, documentais e testemunhais, que impedem o direito pleiteado pelo Autor, e que consequentemente seja acolhido o pedido contraposto formulado, com o fito de: (i) conceder o mandado proibitório, determinando-se a imediata abstenção de ofensa à posse do requerido; (ii) proibir o Autor/Apelado de frequentar a área arrendada pelo Apelante, em razão de que a sua posse é legítima, desde 20.11.2021, por força do “Contrato de Arrendamento Rural” firmado com o Inventariante, responsável pelo Espólio de Herivelto Damascena;”. Foi concedido efeito suspensivo. Contrarrazões com pedido de reconhecimento da nulidade do contrato de arrendamento apresentado pelo apelante, por ausência de autorização judicial e anuência dos herdeiros; e, no mérito, desprovimento do recurso com a majoração dos honorários. Foi indeferida a justiça gratuita e foi regularizado o preparo recursal. É o relatório. V O T O R E L A T O R Cuida-se de recurso de apelação interposto por Vilmar Opolski contra sentença que julgou procedente a ação de reintegração de posse ajuizada por José Humberto Damascena, determinando sua imediata reintegração na posse do imóvel rural denominado Sítio Estância J7, localizado no Assentamento PA Tira Sentido, Lote 91, no Município de Alto Paraguai/MT. O juízo de origem entendeu pela procedência da pretensão possessória, amparando-se na documentação apresentada pelo autor e deferindo, inclusive, liminar para reintegração de posse, posteriormente confirmada na sentença. A controvérsia posta restringe-se, em essência, à verificação da presença dos requisitos legais previstos no artigo 561 do Código de Processo Civil, a saber: (i) posse anterior do autor; (ii) esbulho praticado pelo réu; (iii) data do esbulho; e (iv) perda da posse. Pois bem. Consoante consta dos autos, o autor sustentou ser possuidor da área desde 1998, tendo, inclusive, cedido parte da gleba a seu irmão Herivelto Lima Damascena. Contudo, aduziu que em dezembro de 2021, quando ausente da propriedade, teve sua posse violentamente subtraída por Vilmar Opolski, com apoio de terceiros, que, segundo a narrativa, arrebentaram a porteira e passaram a impedir seu ingresso no imóvel. Para comprovar suas alegações, o autor juntou escritura pública de cessão de direitos possessórios, memorial descritivo, certidão do INCRA, boletim de ocorrência e outros documentos administrativos. Todavia, a documentação acostada revela-se precária para comprovar o exercício contínuo, manso e pacífico da posse. A escritura referida não individualiza com clareza a área em disputa, tampouco demonstra que o autor efetivamente exercia poderes sobre o bem de forma direta e ostensiva até o suposto esbulho. O boletim de ocorrência, por sua vez, constitui ato unilateral e, embora descreva os fatos narrados, não confere presunção de veracidade. Por outro lado, o apelante apresentou contrato de arrendamento rural firmado com o inventariante do espólio de Herivelto Damascena, a quem, segundo a narrativa de ambos, teria sido transmitida parte da área pelo próprio autor. Apresentou também farta documentação complementar, como declarações de vizinhos e fichas cadastrais no INCRA, corroborando o exercício efetivo da posse por Herivelto e seus herdeiros. Ressalte-se que a sentença de origem desconsiderou o contrato de arrendamento sob fundamento de ausência de anuência de todos os herdeiros e autorização judicial, nos seguintes termos: “Noutro pórtico, o direito reivindicado pela parte reclamada é nulo, pois o contrato de arrendamento firmado com o inventariante Ulisses não possui autorização judicial, tampouco foi informado nos autos do inventário n. 0002229-13.2015.8.11.0005, em tramitação neste Juízo, e não teve a concordância dos demais herdeiros, ao passo que o espólio do Sr. Herivelto sequer ingressou nos autos como terceiro interessado, não houve litisconsórcio passivo, denunciação da lide ou chamamento ao processo. Esses fatos demonstram que o contrato permanece oculto aos olhos do Juízo, o que confere à posse da parte reclamada um caráter de ilegalidade. Além disso, os testemunhos da parte reclamada não corroboraram a alegação de posse mansa, pacífica e sem oposição por parte do réu, Vilmar Opolski. Assim, o reclamado esbulhou a posse do autor com base em um título injusto (contrato de arrendamento) em 20/12/2021. As testemunhas não comprovaram a posse antiga do réu, limitando-se a atestar a posse do falecido Herivelto. Não houve participação do espólio representado pelo inventariante Ulisses, nem foi informada nos autos do inventário a existência do contrato, nem obtida a anuência dos demais herdeiros e do Ministério Público, que atua em defesa dos interesses de um menor de idade.”. Ocorre que, a ausência desses requisitos formais não conduz, por si só, à nulidade automática do contrato, máxime quando não demonstrada a má-fé do arrendatário, e diante da posse exercida com aquiescência e por período considerável. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou sobre a questão, destacando que a ausência de consentimento dos demais coproprietários não acarreta, por si só, a nulidade do contrato de locação. No julgamento do REsp 1.861.062/SP, a Terceira Turma do STJ decidiu que, embora o Código Civil exija a anuência da maioria absoluta dos coproprietários para dar posse de imóvel a terceiros, a falta desse consentimento não invalida o contrato de locação, desde que não estejam presentes vícios que ensejem a nulidade do negócio jurídico. O relator, ministro Villas Bôas Cueva, ressaltou que a legislação não impõe a obrigatoriedade da presença de todos os proprietários no instrumento locatício, e que a ausência de consentimento dos demais coproprietários não configura, por si só, causa de nulidade do contrato. Não desconheço a existência de entendimento jurisprudencial diverso, no sentido de que o arrendamento de bem indiviso, sem a anuência dos demais herdeiros, pode ser considerado inválido sob a ótica do juízo sucessório. Todavia, no plano possessório, a análise exige outro enfoque. No caso dos autos, não se constata qualquer indício de má-fé por parte do apelante, que permaneceu na posse do imóvel com base em contrato de arrendamento firmado com o inventariante do espólio, em nome do falecido Herivelto Damascena. A ausência de autorização judicial ou de consenso entre os herdeiros pode, eventualmente, comprometer a validade do ato no bojo do inventário, mas não tem o condão de macular, de plano, a posse exercida de forma pública, contínua e com aparência de legitimidade. Não há notícias de contestação formal ao arrendamento ou de insurgência dos demais herdeiros durante o período em que a posse foi exercida, tampouco se demonstrou qualquer conduta violenta ou clandestina por parte do arrendatário. Dessa forma, não se pode reputar esbulhadora a conduta do apelante, sob pena de se punir o possuidor de boa-fé que, amparado em título jurídico com aparência de validade, ocupou o imóvel com anuência do então inventariante e sem resistência conhecida dos demais herdeiros (até então). Assim, não restando demonstrado esbulho ou má-fé, e ante a ausência de prova robusta da posse anterior do autor, é de rigor a reforma da sentença para o fim de se reconhecer a legitimidade da posse exercida pelo apelante. Nesse cenário, inexiste nos autos qualquer ação anulatória ajuizada pelos demais herdeiros visando à desconstituição do referido contrato. A simples ausência de formalidades sucessórias não tem o condão de infirmar, no plano possessório, a boa-fé do apelante, especialmente em demandas que não se confundem com ações de petição de herança ou de nulidade contratual. Veja-se ainda que o contrato de arrendamento firmado entre o apelante e Ulisses Lemes Pinho Damascena, dá “ar” de regularidade junto ao processo de inventário; vejamos: “O ARRENDADOR, na qualidade de herdeiro e inventariante no processo de Inventário de Herivelto Lima Damascena, em trâmite regular perante o Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca da Cidade de Diamantino -MT, processo de Inventário nº. 2229-13.2015.811.0005, código 101484, arrenda o imóvel rural constante na partilha denominada de Fazenda Malboro, lote 91, com aproximadamente 150 (cento e cinquenta) hectares, localizada nas imediações do Córrego do Ararinha, Distrito de Tira Sentido, Zona Rural do Município de Alto Paraguai-MT, atualmente em nome de Herivelto Lima Damasceno, conforme planta do INCRA anexa.” Em audiência de instrução, foram ouvidas três testemunhas do réu, devidamente compromissadas, que confirmaram a posse de Herivelto e seus sucessores sobre o imóvel, em contraposição à oitiva de um único informante, irmão do autor. A prova oral, nesse ponto, é convergente com os documentos apresentados pela defesa. Contudo, há uma questão a ser enfrentada. O contrato de arrendamento rural firmado entre o apelante e o espólio de Herivelto Damascena foi celebrado em 20 de novembro de 2021, com prazo de vigência de três anos. Portanto, à data deste julgamento, já expirado. Essa circunstância superveniente impõe uma reavaliação quanto à continuidade da posse pelo apelante. Se, por um lado, não se pode reconhecer o esbulho à época da propositura da ação, dada a existência de posse exercida de boa-fé com respaldo contratual, por outro, o término do arrendamento projeta efeitos jurídicos que transcendem a competência desta instância recursal. Diante da ausência de autorização judicial no âmbito do inventário e da inexistência de consenso entre os herdeiros quanto à destinação do imóvel rural objeto da lide, impõe-se o reconhecimento da competência do juízo do inventário para deliberar sobre a destinação da área, bem como sobre eventual renovação ou formalização de novos instrumentos jurídicos. Por conseguinte, remanesce ao juízo sucessório a atribuição para dirimir a controvérsia atual sobre a posse e a utilização do bem por parte dos herdeiros ou terceiros, observando-se o princípio da indivisibilidade do acervo hereditário até a partilha. Nesse cenário, ao tempo da propositura da presente ação não se verificava o esbulho alegado, motivo pelo qual a demanda possessória deve ser julgada improcedente. Quanto à continuidade da posse, seu exame demanda a prévia deliberação do juízo do inventário, a quem compete zelar pela correta administração e partilha do acervo hereditário. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO POR VILMAR OPOLSKI, para reformar integralmente a sentença de primeiro grau, julgando improcedente a ação de reintegração de posse, ajuizada por José Humberto Damascena, por ausência de comprovação do esbulho possessório à época da propositura da ação, diante da posse exercida de boa-fé pelo apelante, com base em contrato de arrendamento rural firmado com o inventariante do espólio de Herivelto Damascena. Reconheço, contudo, que o contrato de arrendamento referido teve vigência de três anos, com termo final já expirado, conforme consta dos autos. Diante disso, determino a remessa da controvérsia remanescente relativa à posse e à destinação da área objeto do arrendamento ao juízo do inventário competente, a quem cabe deliberar sobre a continuidade da posse, administração e eventual renovação contratual, nos termos do artigo 612 do Código de Processo Civil. Revogo, por consequência, a liminar de reintegração anteriormente concedida e determino que seja preservada PROVISIORIAMENTE a posse exercida pelo apelante até a deliberação do juízo competente (se ainda não tiver). Condeno o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do CPC, observada, se for o caso, a gratuidade da justiça. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/04/2025

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Encontrou o que procurava? Faça login para ver mais resultados e detalhes completos.

Fazer Login para Ver Mais

Rbf Importacao E Comercio De Sistemas Eletricos E Eletronicos Ltda - Epp x Cma Cgm Do Brasil Agencia Maritima Ltda e outros

ID: 301278593

Tribunal: TJBA Órgão: 9ª V CÍVEL E COMERCIAL DE SALVADOR Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 8045829-15.2021.8.05.0001

Data de Disponibilização: 17/06/2025

Polo Ativo:

RBF IMPORTACAO E COMERCIO DE SISTEMAS ELETRICOS E ELETRONICOS LTDA - EPP

Polo Passivo:

CMA CGM DO BRASIL AGENCIA MARITIMA LTDA INTERMARITIMA PORTOS E LOGISTICA S/A

Sentença

Advogados:

GABRIEL SEIJO LEAL DE FIGUEIREDO

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

ROBERTA GUIMARAES PEREIRA

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

STELLA REGINA OLIVEIRA SAMMARCO

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

MARCELO DE LUCENA SAMMARCO

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

ANDRE SIGILIANO PARADELA

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

SERGIO CELSO NUNES SANTOS

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

MARCELO FARIAS KRUSCHEWSKY FILHO

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 9ª V CÍVEL E COMERCIAL DE SALVADOR Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 8045829-15.2021.8.05.0001 Órgão Julgador: 9ª V CÍVEL E COME… PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 9ª V CÍVEL E COMERCIAL DE SALVADOR Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 8045829-15.2021.8.05.0001 Órgão Julgador: 9ª V CÍVEL E COMERCIAL DE SALVADOR AUTOR: RBF IMPORTACAO E COMERCIO DE SISTEMAS ELETRICOS E ELETRONICOS LTDA - EPP Advogado(s): MARCELO FARIAS KRUSCHEWSKY FILHO (OAB:BA24003), SERGIO CELSO NUNES SANTOS (OAB:BA18667), ANDRE SIGILIANO PARADELA (OAB:BA22179) REU: INTERMARITIMA PORTOS E LOGISTICA S/A e outros Advogado(s): MARCELO DE LUCENA SAMMARCO (OAB:SP221253), STELLA REGINA OLIVEIRA SAMMARCO (OAB:SP200516), ROBERTA GUIMARAES PEREIRA (OAB:BA71438), GABRIEL SEIJO LEAL DE FIGUEIREDO registrado(a) civilmente como GABRIEL SEIJO LEAL DE FIGUEIREDO (OAB:BA15533) SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de Ação Comum que veicula pedido de tutela de urgência fundada em Obrigação de Fazer, movida por RBF IMPORTAÇÃO E COMÉRCIO DE SISTEMAS ELÉTRICOS E ELETRÔNICOS LTDA (LEDAX), em face de INTERMARITIMA PORTOS E LOGISTICA S/A e CMA CGM DO BRASIL AGÊNCIA MARÍTIMA LTDA, todas devidamente qualificadas nestes autos. Em apertada síntese, a parte Autora afirmou que é empresa atuante na comercialização/instalação de produtos relacionados à Iluminação. Que promoveu a importação de uma série de produtos, os quais encontram-se especificados na Nota Fiscal que acompanha inicial. Que por conta da greve dos carreteiros ocorrida em 23/03/21, não conseguiu retirar seus produtos e devolver o contêiner no período do free-time, ou seja, 31/03/21. Que a primeira a Acionada (Intermarítima) somente promoveu a retirada e entrega dos produtos à Autora em 06/04/2021, sem fazer quaisquer ressalvas quanto ao atraso ou indicar qualquer fato novo. Que em 16/04/2021, a parte Autora foi surpreendida com um e-mail da Operadora Ré (Intermarítima), aduzindo dificuldade de proceder a devolução do contêiner, visto que a CMA estava cobrando um demuurrage (sobrestadia) e condicionando a devolução do item após o pagamento desta cobrança. Que após o agendamento para a devolução do contêiner em 06/05/2021, a CMA emitiu uma fatura no valor de US$ 5.220, que nos índices de correção por eles apontados representaria o montante de R$ 27.927,00 (vinte e sete mil, novecentos e vinte e sete reais), quantia esta que não dispõe a Autora. Que até o presente momento não foi possível proceder a devolução do contêiner, razão pela qual imenso prejuízo gravita em torno da parte Autora, mesmo sem esta ter dado causa ao atraso, à greve ou sequer ter tratado com a CMA quanto à devolução do item em questão. Em sede de tutela de urgência, a parte Autora então requereu: I - fosse compelida a 2ª Acionada (CMA) a aceitar a devolução do Contêiner DFSU665998/2, amparado pelo BL NBXG917086, mediante agendamento prévio e sem qualquer custo, postergando as cobranças ao deslinde do feito ou, caso este não seja do entendimento do Juízo, compelir a Acionada ao recebimento do referido Contêiner, imputando os custos de sobrestadia à 1ª Acionada (Intermarítima), sem manifestação prévia da parte Ré; II - Interromper a mora das cobranças dos custos de sobrestadia, até o deslinde do feito e eventual imputação de responsabilidade. Em definitivo, pugnou pelo reconhecimento da hipótese de caso fortuito e força maior, declarando a inexistência de débitos de sobrestadia referentes ao período de 31/03/2021 à 06/04/2021; imputação de eventuais débitos à 1ª acionada, Operadora Intermarítima; suspensão da cobrança de sobrestadia, porquanto perdurar a discussão a respeito da responsabilidade pelos débitos em comento. Decisão interlocutória concessiva do pedido liminar consta do ID 103789507. Contestação da segunda Ré, a CMA CGM DO BRASIL AGÊNCIA MARÍTIMA LTDA, resta acostada sob o ID 124604057. Restou noticiado na contestação que contra a decisão liminar fora interposto agravo de instrumento, todavia, o recurso teve negado o seu provimento. Aduziu, ainda, a segunda Ré que no Termo de Condições Gerais e de Uso de Conteiner resta fixada a competência da Comarca de Santos, Estado de São Paulo, devendo, portanto, ser reconhecida a incompetência territorial em razão da cláusula de eleição de foro. Que a Ré é agente marítima (representante) e não a transportadora, sendo parte ilegítima para responder pelos atos desta. No mérito, pontuou a Ré que a greve não configura caso fortuito ou força maior, perfazendo risco do negócio ao player que realiza importação e que a responsabilidade contratual de entrega do contêiner e pagamento da demurrage perante a contestante é da consignatária no BL NBXG917086, ou seja, a RBF IMP E COM DE SISTEMAS ELÉTRICOS E ELETRÔNICOS LTDA. Que a cobrança apontada na exordial é lícita, com guarida do artigo 331 do Código Civil, com previsão contratual e notória publicidade. Que a Autora é muito clara à inicial ao afirmar que realizou o procedimento contratado e, no dia 06/05/2021 agendou a devolução do contêiner e requereu a emissão de fatura, todavia, não dispunha de quantia para pagamento do valor devido. Quer não é crível a pretensão da Autora em apenas entregar o equipamento cumprindo parcialmente a obrigação, sem o pagamento à vista da demurrage. Que a pretensão autoral é que a contestante seja obrigada a conceder o crédito para sobrestadia de contêiner ficando tolhida a realizar cobrança à vista legalmente permitida; que a demurrage não é imposição do armador e só ocorre se não cumprido o free time. Em sede de Reconvenção, a Ré/Reconvinte pugnou seja a Reconvinda condenada ao pagamento da sobrestadia pela indisponibilidade do equipamento (demurrage) no total de USD 15.515,00 (quinze mil quinhentos e quinze dólares americanos) que nesta data equivale em moeda nacional a R$ 80.634,55 (oitenta mil seiscentos e trinta e quatro reais e cinquenta e cinco centavos). Réplica à defesa da segunda Acionada resta acostada no ID 181443436. Sobre a alegação de incompetência do juízo por eleição de foro, a Autora aduziu que no documento anexado à contestação não consta assinatura ou qualquer registro alusivo à Autora, não restando minimamente demonstrada a anuência da mesma à tal pactuação. Que o caso é de aplicação do art. 53, III, "d", do CPC. Quanto à alegação de ilegitimidade, aduziu que se trata de observância da Teoria da Aparência, devendo ser afastado o argumento da Ré. Impugnou, ainda, a tese de que a greve se encaixaria naquilo que se compreende como caso fortuito ou força maior. No despacho de ID 196433462, restou determinada a citação da primeira Ré. A Contestação da primeira Ré, INTERMARÍTIMA PORTOS E LOGÍSTICA S.A. ("Intermarítima"), consta do ID 403994541. Informou, então, que a Intermarítima foi contratada pela RBF para realizar o serviço de armazenagem alfandegada, bem como o transporte rodoviário de carga e que, após a descarga dos produtos, a Intermarítima também seria responsável pela devolução do contêiner para a CMA. Que a greve dos caminhoneiros acarretou um acúmulo de carga no Porto em 7 dias. Que após o descarregamento do contêiner e entrega da mercadoria à RBF, ainda no dia 06.04.2021, foi realizado o agendamento para devolução do contêiner já vazio à CMA, contudo, a Intermarítima verificou que, ao realizar a solicitação de devolução, constava no sistema da CMA que o contêiner se encontrava em demurrage. Que após essa constatação, o contêiner ficou armazenado no CDEX da Intermarítima por 10 (dez) dias, aguardando uma resolução do impasse entre RBF e CMA. Que a demurrage ocorre quando o importador, durante o processo de importação, utiliza um contêiner por um período superior ao que foi contratado junto à armadora. Que após a decisão prolatada nestes autos a Intermarítima procedeu à devolução do contêiner. Prosseguiu a primeira Ré alegando que não é parte legítima para integrar o polo passivo da presente ação, pois o objeto de discussão é o pagamento de demurrage, indenização contratual pactuada pela RBF e CMA. Réplica à contestação da primeira Ré consta do ID 431365397. Na oportunidade, aduziu a parte Autora que a Acionada promoveu a retirada e entrega dos produtos à Autora em 06.04.2021, sem ter dado a devida informação quanto ao atraso ou indicar quaisquer irregularidades ou dificuldades de devolução do contêiner. Que em 16.04.2021 (seis dias após a entrega dos produtos), foi surpreendida com a informação de que a Intermarítima não estava conseguindo devolver o contêiner, em razão da cobrança do demurrage realizada pela CMA, condicionando a devolução do item ao pagamento da referida cobrança. Ou seja, a empresa em questão faltou com dever de informação ao não cientificar a Contratante o que estava acontecendo, deixando transcorrer seis dias de mora, aumentando ainda mais o valor da sobre-estadia. Que não há fundamento, portanto, para acolhimento da tese de ilegitimidade. Decisão saneadora de ID 446451905, resolveu por bem postergar o exame das preliminares, visto que estas se confundiam com o mérito da causa. Instadas as partes para manifestação quanto à existência de outras provas a produzir. Em resposta, na petição de ID 450317854, a parte Autora informou não haver outras provas a serem produzidas. As Acionadas, por sua vez, apresentaram suas alegações finais, motivo pelo qual fora anunciado o julgamento da lide. É o que havia a relatar. DECIDO. DAS PRELIMINARES Da Incompetência Territorial Alegada pela Segunda Ré - A segunda Ré alegou incompetência territorial com base em cláusula de eleição de foro constante do "Termo de Condições Gerais e de Uso de Contêiner", que estabeleceria a competência da Comarca de Santos/SP para a solução de eventuais conflitos decorrentes do negócio entabulado entre as partes. Contudo, conforme observado pela Autora na réplica (ID 181443436), no documento anexado à contestação não consta assinatura ou qualquer registro alusivo à Autora, não restando demonstrada sua anuência à referida pactuação. Entendo, portanto, que a regra aplicável à espécie é aquela constante do art. 53, III, "d", do Código de Processo Civil, que preconiza ser competente o foro do lugar onde a obrigação deva ser satisfeita, para a ação em que se lhe exigir o cumprimento. Tratando-se de obrigação de fazer consistente na devolução de contêiner, a competência territorial deve ser fixada no local onde a obrigação deveria ser cumprida, ou seja, a Comarca de Salvador. Assim, REJEITO a preliminar de incompetência territorial. Da Ilegitimidade Passiva - Ambas as Rés alegaram ilegitimidade passiva ad causam. A segunda Ré (CMA) sustentou ser apenas agente marítima (representante) e não transportadora. A primeira Ré (Intermarítima) alegou que o objeto da discussão seria o pagamento de demurrage, indenização contratual pactuada diretamente entre RBF e CMA. Todavia, tais preliminares também não merecem acolhimento. Quanto à segunda Ré, a CMA apresentou-se como credora da demurrage e condicionou a devolução do contêiner ao pagamento da referida cobrança, participando ativamente da relação jurídica controvertida nesta demanda. A primeira Ré, por sua vez, foi contratada pela Autora para realizar não apenas o transporte e armazenagem, mas também a devolução do contêiner à CMA, conforme narrado em sua própria contestação (ID 403994541). Logo, ambas foram colocadas como partícipes na relação jurídica base aqui deduzida, possuindo legitimidade para responder pelos atos praticados no cumprimento do contrato. Assim, AFASTO ambas as preliminares de ilegitimidade passiva suscitadas pelas demandadas. Passo, então, à análise do mérito da ação. DO MÉRITO Os principais pontos controvertidos da demanda cingem-se aos seguintes pontos: a) se a greve dos caminhoneiros ocorrida em março/2021 configura caso fortuito ou força maior; b) se há responsabilidade da Autora pelo pagamento da demurrage; c) se há responsabilidade das Rés pelo atraso na devolução do contêiner. Conforme construção doutrinária e jurisprudencial, a demurrage não possui natureza de cláusula penal, mas sim de indenização pré-fixada em favor do armador pelos prejuízos decorrentes do atraso na devolução de contêineres. No transporte de contêineres, a demurrage funciona como compensação ao proprietário pelos eventuais prejuízos sofridos em razão da retenção indevida por prazo superior ao contratado (free time), dispensando prova de culpa do atraso, bastando sua mera ocorrência. Noutra banda, para a caracterização de caso fortuito ou força maior, faz-se necessária a demonstração da imprevisibilidade ou inevitabilidade do evento, o que não se amolda a movimentos paredistas. Especificamente quanto à greve dos caminhoneiros ocorrida no Brasil no ano de 2018, a jurisprudência majoritária fixou entendimento no sentido de que greves não configuram caso fortuito ou força maior no âmbito do transporte marítimo e importação, constituindo risco inerente à atividade empresarial. Neste sentido: APELAÇÃO - TRANSPORTE MARÍTIMO DE CARGAS - COBRANÇA - "DEMURRAGE" (SOBRESTADIA) - Pretensão de reforma da r.sentença de procedência - Descabimento - Hipótese em que a natureza jurídica da "demurrage" é a de indenização pré-fixada em favor do armador pelos prejuízos decorrentes do atraso na devolução de seus contêineres - Sobrestadia que não tem natureza de cláusula penal, sendo inaplicável ao caso o disposto nos arts. 412 e 413 do Código Civil - Greve de caminhoneiros e autoridades portuárias e fiscais, bem como eventuais imbróglios burocráticos junto à administração portuária, que não configuram força maior, caso fortuito ou culpa exclusiva de terceiro, sendo fatos inerentes ao risco da atividade e inoponíveis ao locador do contêiner - Resolução Normativa nº 18/2017, da ANTAQ, vigente à época dos fatos, que não se aplica à espécie - Pretensão de cobrança da "demurrage" que é legítima, não havendo que se falar em violação à boa-fé objetiva - Sentença de procedência mantida - RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP - AC: 10150030920218260562 SP 1015003-09 .2021.8.26.0562, Relator.: Ana de Lourdes Coutinho Silva da Fonseca, Data de Julgamento: 23/11/2022, 13ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/11/2022) - grifo nosso TRANSPORTE MARÍTIMO - Ação de cobrança de sobre estadia (demurrage) de contêiner - Sentença de procedência - Preliminar cerceamento de defesa, rejeitada - Entendimento dominante de que a sobre estadia (demurrage) não é cláusula penal, mas indenização pré-fixada pelo descumprimento contratual quanto à devolução de contêineres, pois a finalidade é a de compensar o proprietário de eventuais prejuízos sofridos em razão da retenção indevida por prazo superior ao contratado (free time), dispensando prova de culpa do atraso, bastando sua mera ocorrência - Termo de compromisso e responsabilidade com expressa previsão sobre as regras da devolução de contêiner contendo os prazos e valores da sobre estadia por dias corridos - Ausência de contratação de tempo livre - Burocracia alfandegária é fato corriqueiro e previsível, obstando caracterização de força maior - Greve dos caminhoneiros não configura caso fortuito ou força maior a excluir a obrigação - Precedentes - Sentença mantida - Recurso desprovido, e majorados os honorários advocatícios ( NCPC, art. 85, § 11). (TJ-SP - AC: 10015934920198260562 SP 1001593-49.2019 .8.26.0562, Relator.: José Wagner de Oliveira Melatto Peixoto, Data de Julgamento: 19/10/2020, 37ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/10/2020) - grifo nosso AÇÃO DECLARATÓRIA - TRANSPORTE MARÍTIMO - COBRANÇA DE DEMURRAGE - NÃO DEVOLUÇÃO DOS CONTÊINERES NO PRAZO CONVENCIONADO (FREE TIME) EM RAZÃO DA GREVE DOS CAMINHONEIROS - EVENTO QUE, EMBORA DE GRANDE PROPORÇÃO, NÃO SE CARACTERIZA COMO SENDO CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR A ISENTAR A RESPONSABILIDADE DA IMPORTADORA - RISCO INERENTE À ATIVIDADE EMPRESARIAL DESENVOLVIDA PELA RECORRIDA - APELO PROVIDO Inserido na categoria de fato corriqueiro e inerente à atividade desenvolvida pela importadora, a greve dos caminhoneiros não se enquadra nos conceitos de caso fortuito ou de força maior que seriam capazes de isentar a responsabilidade da importadora pelo adimplemento da sobreestadia decorrente da não devolução dos contêineres no período convencionado como free time. Para a caracterização dessa excludente de responsabilidade, há a necessidade de demonstrar-se a imprevisibilidade ou a inevitabilidade do evento, o que não se amolda a movimentos paredistas, que consistem em fato previsível (neste sentido: TJSP - Apelação Cível nº 1002951-49.2019.8 .26.0562, de Santos, 18ª Câmara de Direito Privado, unânime, rel. Des. Israel Goés dos Anjos, j . em 13.11.2019). (TJSC, Apelação n . 0310143-03.2018.8.24 .0033, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Roberto Lepper, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 27-04-2023). - grifo nosso Conforme se extrai dos autos, a Autora figura como consignatária no BL NBXG917086, sendo, portanto, a responsável contratual pela devolução do contêiner e pagamento da demurrage. A relação contratual estabelecida entre a Autora e a armadora (representada pela CMA) é regida pelas Condições Gerais do Conhecimento de Embarque, que preveem expressamente a responsabilidade do consignatário pelo pagamento da demurrage em caso de atraso na devolução do contêiner. A Autora pretende imputar às Rés a responsabilidade pelo atraso na devolução do contêiner e, consequentemente, pelo pagamento da demurrage. No entanto, quanto à primeira Ré (Intermarítima), verifica-se que a empresa cumpriu adequadamente o contrato, procedendo ao descarregamento da mercadoria e entregando-a à Autora em 06/04/2021. O fato de ter agendado a devolução do contêiner para data posterior não configura descumprimento contratual, mas sim consequência da greve dos caminhoneiros. Já a alegação de que a Intermarítima faltou com o dever de informação não procede, pois a empresa comunicou as dificuldades de devolução tão logo tomou conhecimento da cobrança da demurrage. Quanto à segunda Ré (CMA), sua conduta limitou-se ao exercício regular de seu direito contratual, cobrando a demurrage devida em razão do atraso na devolução do contêiner, pois, como dito, a ocorrência da greve não pode ser utilizada como impedimento para a cobrança da dívida decorrente da retenção do container no período excedente ao acordado como "free time". DA RECONVENÇÃO A Ré/Reconvinte CMA pugnou pela condenação da Reconvinda ao pagamento da demurrage no valor de USD 15.515,00, equivalente a R$ 80.634,55. A cobrança encontra respaldo no artigo 331 do Código Civil e nas condições contratuais pactuadas, sendo devida a indenização pré-fixada em razão da retenção do container por período superior ao "free time". É forçoso, portanto, o reconhecimento do pedido formulado na reconvenção. DA MANUTENÇÃO PARCIAL DA DECISÃO QUE CONCEDEU A LIMINAR Conquanto o julgamento de improcedência da demanda induza à revogação da antecipação de tutela concedida ainda em caráter liminar, entendo que ao menos um dos aspectos da decisão de ID 103789507 deverá ser confirmado nesta sentença, qual seja, o prazo determinado para a devolução do container. Note-se que tal medida visava evitar a perpetuação do prejuízo com a retenção indefinida do contêiner, enquanto a discussão do caso ocorria na via judicial. Assim, a um só tempo, beneficiou ambas as partes envolvidas nesta ação, pois a CMA pôde receber o container de volta e manteve o seu direito à indenização, enquanto a parte Autora teve um limite estabelecido para o fim do cômputo da dívida. Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, e demais consectários legais atinentes, JULGO: 1) REJEITADAS as preliminares de incompetência territorial e de ilegitimidade passiva; 2) IMPROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial, por não restarem demonstrados os requisitos ensejadores da responsabilização das Rés; 3) PROCEDENTE a reconvenção, para CONDENAR a Autora/Reconvinda RBF IMPORTAÇÃO E COMÉRCIO DE SISTEMAS ELÉTRICOS E ELETRÔNICOS LTDA ao pagamento da quantia de USD 15.515,00 (quinze mil, quinhentos e quinze dólares americanos), a título de demurrage, que deverá ser convertida em moeda nacional pela cotação do dólar americano na data do efetivo pagamento, acrescida de correção monetária e juros de mora na forma contratada. Acaso inexistentes tais parâmetros no contrato, deverão ser obedecidas as regras dos artigos 389 e 406 do Código Civil. 4) REVOGO PARCIALMENTE a tutela de urgência concedida no ID 103789507, mantendo-a válida tão somente a disposição quanto à fixação de prazo para devolução do contêiner. Em razão da sucumbência, CONDENO a Autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil. P.I.C. Salvador-BA, 27 de maio de 2025. GEORGE ALVES DE ASSIS JUIZ DE DIREITO

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Fabio Aparecido Ferreira x Associacao Dos Sem Teto De Ariquemes

ID: 280127060

Tribunal: TJRO Órgão: Ariquemes - 3ª Vara Cível Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 7018081-43.2024.8.22.0002

Data de Disponibilização: 27/05/2025

Polo Ativo:

FABIO APARECIDO FERREIRA

Polo Passivo:

ASSOCIACAO DOS SEM TETO DE ARIQUEMES

Sentença

Advogados:

PAULO PEDRO DE CARLI

OAB/RO XXXXXX Desbloquear

CAMILLA DELLA VECCHIA MARQUES

OAB/RO XXXXXX Desbloquear

MICHAEL ROBSON SOUZA PERES

OAB/RO XXXXXX Desbloquear

3ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE ARIQUEMES Sala Virtual (Gabinete): https://meet.google.com/ojr-oeeq-psq E-mail: aqs3civel@tjro.jus.br, Telefone: (69) 3309-8123 - Localização: Fórum Juiz Edelçon Inocêncio… 3ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE ARIQUEMES Sala Virtual (Gabinete): https://meet.google.com/ojr-oeeq-psq E-mail: aqs3civel@tjro.jus.br, Telefone: (69) 3309-8123 - Localização: Fórum Juiz Edelçon Inocêncio, na Av. Juscelino Kubitschek, n. 2365, Bairro Setor Institucional, CEP 76872-853, Ariquemes/RO Processo n.: 7018081-43.2024.8.22.0002 Classe: Procedimento Comum Cível Valor da Causa:R$ 70.000,00 Última distribuição:21/10/2024 AUTOR: FABIO APARECIDO FERREIRA, RUA SAMAMBAIA 2232, - ATÉ 2123/2124 JARDIM PRIMAVERA - 76875-716 - ARIQUEMES - RONDÔNIA Advogado do(a) AUTOR: MICHAEL ROBSON SOUZA PERES, OAB nº RO8983, CAMILLA DELLA VECCHIA MARQUES, OAB nº RO14715 RÉU: ASSOCIACAO DOS SEM TETO DE ARIQUEMES, RUA PRESIDENTE VENCESLAU BRÁS 1819, - DE 1946/1947 A 2069/2070 NOVA UNIÃO 03 - 76871-398 - ARIQUEMES - RONDÔNIA Advogado do(a) RÉU: PAULO PEDRO DE CARLI, OAB nº RO6628 SENTENÇA Vistos. FABIO APARECIDO FERREIRA ajuizou a presente AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA em desfavor de ABEUR - ASSOCIAÇÃO HABITACIONAL E EXPANSÃO URBANA DE RONDÔNIA (antiga ASTA – ASSOCIAÇÃO DOS SEM TETOS DE ARIQUEMES), todos qualificados nos autos, pretendendo a outorga de escritura definitiva do imóvel que discrimina. Narra, a parte autora, em síntese, que em 10/10/2024 adquiriu de JEFFERSON WON MILLER, por intermédio de contrato particular de compra e venda firmado, o imóvel denominado “LOTE 10, Quadra 02, Bloco 'B', situado na rua Presidente Prudente de Moraes, 1889, bairro Nova União III, Município de ARIQUEMES/RO”, registrado no CRI da comarca, em nome da ré. Refere que "em 26 de janeiro de 2022 houve alteração do Estatuto da ASTA, modificando sua denominação para ASSOCIAÇÃO HABITACIONAL E EXPANSÃO URBANA DE RONDÔNIA (ABEUR), continuando com o mesmo CNPJ 02.718.191/0001-57", situação que supostamente ensejou a ilegitimidade da ASBEUR para outorgar o título do imóvel ao requerente, aduzindo que não lhe restou outra alternativa, senão ajuizar a presente demanda. Requer a procedência de seus pedidos, a fim de que lhe seja outorgada a escritura pública do imóvel discriminado. A inicial está instruída de documentos. Determinado ao autor o recolhimento das custas iniciais, a liminar, em juízo de cognição sumária, foi deferida (ID 112832926), vindo aos autos a informação da serventia registral de que a determinação encontrava óbice no princípio da continuidade, disposto no art. 195 da Lei n. 6.015/73 (LRP). Instado, o autor coligiu a CERTIDÃO DE REGISTRO de ID 118171182, defendendo que o imóvel estava regularmente registrado. Devidamente citada (ID 118604813), a parte ré apresenta contestação (ID 119518049). Na oportunidade, preliminarmente, pugnou pela concessão da AJG. No mérito, defende que o autor não comprovou a válidade o negócio jurídico alegado, por intermédio do qual teria efetuado a noticiada aquisição. Pontua que inexiste prova do pagamento ou da recusa do vendedor. Ao final, pugna pela improcedência dos pedidos autorais. Junta documentos. Houve réplica (ID 120332208). Intimadas para indicar as provas que pretendiam produzir, as partes nada requereram. Vieram-me os autos conclusos. É, em essência, o relatório. Fundamento e DECIDO. Da gratuidade postulada: Inicialmente, indefiro os benefícios da gratuidade de justiça postulados pela parte ré, porquanto, embora seja possível a concessão da benesse às pessoas jurídicas, a elas não se aplica a presunção de hipossuficiência. À vista disso, a simples afirmação de fragilidade econômica não autoriza o deferimento da gratuidade à pessoa jurídica, ante a necessidade de prova desta condição. No caso, o acervo apresentado não revela qualquer dificuldade financeira supostamente enfrentada pela ré, a qual poderia ter sido comprovada, por exemplo, através das últimas declarações de imposto de renda, análises contábeis e balanços patrimoniais atualizados, bem como extratos recentes da movimentação bancária. Assim, não tendo desempenhado a contento o ônus probatório, é inviável o deferimento dos benefícios em comento. Do julgamento antecipado: O processo em questão comporta o julgamento antecipado, nos termos do artigo 355, inciso I do Código de Processo Civil, haja vista que a questão controvertida nos autos é meramente de direito, mostrando-se, por outro lado, suficiente a prova documental produzida, para dirimir as questões de fato suscitadas, de modo que desnecessário se faz designar audiência de instrução e julgamento ou outras diligências para a produção de novas provas. Ademais, o Excelso Supremo Tribunal Federal já de há muito se posicionou no sentido de que a necessidade de produção de prova em audiência há de ficar evidenciada para que o julgamento antecipado da lide implique em cerceamento de defesa. A antecipação é legítima se os aspectos decisivos da causa estão suficientemente líquidos para embasar o convencimento do magistrado [(RTJ 115/789) (STF- RESP- 101171 - Relator : Ministro Francisco Rezek)]. A esse respeito, confira-se: “O propósito de produção de provas não obsta ao julgamento antecipado da lide, se os aspectos decisivos da causa se mostram suficientes para embasar o convencimento do magistrado” (Supremo Tribunal Federal RE96725 RS - Relator: Ministro Rafael Mayer) As provas produzidas nos autos não necessitam de outras para o justo deslinde da questão, nem deixam margem de dúvida. Por outro lado, “o julgamento antecipado da lide, por si só, não caracteriza cerceamento de defesa, já que cabe ao magistrado apreciar livremente as provas dos autos, indeferindo aquelas que considere inúteis ou meramente protelatórias” (STJ.- 3ª Turma, Resp 251.038/SP, j. 18.02.2003, Rel. Min. Castro Filho). Sobre o tema, já se manifestou inúmeras vezes o Colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no exercício de sua competência constitucional de Corte uniformizadora da interpretação de lei federal: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESOLUÇÃO DE CONTRATO. INEXECUÇÃO NÃO DEMONSTRADA. PROVA NÃO PRODUZIDA. DESNECESSIDADE. LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ. CERCEAMENTO DE DEFESA. SÚMULA 07/STJ. 1. Não configura o cerceamento de defesa o julgamento da causa sem a produção de prova testemunhal ou pericial requerida. Hão de ser levados em consideração o princípio da livre admissibilidade da prova e do livre convencimento do juiz, que, nos termos do art. 130 do Código de Processo Civil, permitem ao julgador determinar as provas que entende necessárias à instrução do processo, bem como o indeferimento daquelas que considerar inúteis ou protelatórias. Revisão vedada pela Súmula 7 do STJ. 2. Tendo a Corte de origem firmado a compreensão no sentido de que existiriam nos autos provas suficientes para o deslinde da controvérsia, rever tal posicionamento demandaria o reexame do conjunto probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental não provido.” (AgRg no Ag 1350955/DF, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 18/10/2011, DJe 04/11/2011). “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS Á EXECUÇÃO DE TÍTULO CAMBIAL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. INDEFERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVA CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO. I - Para que se tenha por caracterizado o cerceamento de defesa, em decorrência do indeferimento de pedido de produção de prova, faz-se necessário que, confrontada a prova requerida com os demais elementos de convicção carreados aos autos, essa não só apresente capacidade potencial de demonstrar o fato alegado, como também o conhecimento desse fato se mostre indispensável à solução da controvérsia, sem o que fica legitimado o julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 330, I, do Código de Processo Civil.” (STJ-SP- 3 a Turma, Resp 251.038 – Edcl no AgRg, Rel. Min. Castro Filho) Consoante os Julgados acima expostos, nos quais espelho meu convencimento da desnecessidade da produção de prova diante da suficiência de todas aquelas acostadas aos autos, passo ao julgamento da causa. A petição inicial preenche adequadamente os requisitos dos artigos 319 e 320, ambos do Código de Processo Civil, e os documentos utilizados para instruí-la são suficientes para conhecer os fatos narrados e o pedido realizado. As condições da ação devem ser aferidas in status assertionis, sendo que, no presente caso, restaram devidamente demonstradas. As partes são legítimas e estão bem representadas. Outrossim, o interesse de agir restou comprovado, sendo a tutela jurisdicional necessária e a via escolhida adequada. Assim, presentes os pressupostos de constituição e desenvolvimento válidos do processo, inexistindo questões preliminares, passo ao exame do mérito. Do mérito: Compulsando a exordial, verifica-se que, alegando a celebração de contrato de compra e venda de unidade mobiliária e o pagamento integral da obrigação, requereu a parte autora a adjudicação compulsória do bem discriminado. Ocorre que, inexistindo individualização registral do imóvel e por estar o lote inserido em uma área maior afigura-se inviável conceder a adjudicação postulada. Com efeito, a via processual eleita tem como escopo substituir a manifestação de vontade não emitida, para, no caso de compra e venda de imóvel, possibilitar o registro do negócio jurídico na respectiva matrícula. A utilidade do provimento jurisdicional não dispensa a presença de todos os requisitos para tanto, em atenção à Lei de Registros Públicos, às normas de parcelamento do solo e outras, eventualmente, aplicáveis à espécie, a fim de preservar os princípios de Direito Imobiliário. No caso sub judice, como não há desmembramento da matrícula (consoante CERTIDÃO DE REGISTRO de ID 118171182 - "[...] está registrado juntamente com a área total do loteamento, sob o nº 4-3.853 [...]"), eventual sentença substitutiva de declaração de vontade do alegado proprietário não poderia ser transcrita no registro de imóveis. Isso porque, a ausência de matrícula individualizada inviabiliza o pedido de adjudicação compulsória, porquanto trata-se de requisito essencial para garantir segurança jurídica e viabilizar o registro do título adjudicado. Deveras, pode o promitente comprador demandar a adjudicação contra o promitente vendedor ainda que não registrado o compromisso de compra e venda na matrícula do imóvel (Súmula 239, STJ), mas a individualização da unidade imobiliária no Registro de Imóvel é indispensável ao registro. Não há como o judiciário, substituindo a vontade do compromitente vendedor, constituir um título para a transcrição no registro imobiliário, sabendo não ser ele, ao menos em princípio, registrável. Noutras palavras, a individualização da unidade imóvel deve preceder à formação do título advindo da adjudicação compulsória. Não é possível a transcrição do título no Registro de Imóvel sem a necessária e prévia delimitação do imóvel a ele correspondente no registro. A adjudicação, nesse caso, seria inócua. A individualização prévia, portanto, é condição necessária e indispensável à adjudicação compulsória, à luz do que prevê o art. 16, § 2º, do Decreto-Lei n. 58/1937 e a jurisprudência Superior, transcrita acima. Art. 16. Recusando-se os compromitentes a outorgar a escritura definitiva no caso do artigo 15, o compromissário poderá propor, para o cumprimento da obrigação, ação de adjudicação compulsória, que tomará o rito sumaríssimo. (Redação dada pela Lei nº 6.014, de 1973) § 1 º A ação não será acolhida se a parte, que a intentou, não cumprir a sua prestação nem a oferecer nos casos e formas legais. (Redação dada pela Lei nº 6.014, de 1973) § 2 º Julgada procedente a ação a sentença, uma vez transitada em julgado, adjudicará o imóvel ao compromissário, valendo como título para a transcrição. (Redação dada pela Lei nº 6.014, de 1973) Assim, diante da impossibilidade jurídica do pedido de registro, resta ausente uma das condições específicas da ação de adjudicação compulsória, na forma do art. 16, § 2º, do Decreto-Lei n. 57/1937. Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência: "APELAÇÃO AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. Sentença de extinção sem resolução de mérito - Inadequação da via eleita Matrícula do imóvel não individualizada. Óbice relativo à utilidade ao reconhecimento da adequação da via eleita. Sentença mantida. Recurso desprovido." (TJSP; Apelação Cível 1002951-48.2018.8.26.0606; Relator (a): Costa Netto; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Suzano - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/09/2021; Data de Registro: 30/09/2021). "ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. Bem imóvel não individualizado. Necessidade de abertura de matrícula. Outorga de escritura pública. Impossibilidade. A ação de adjudicação compulsória não é a via adequada para se requerer a abertura de matrícula de imóvel não registrado em cartório, tampouco para suprir eventuais irregularidades no registro, sendo impossível outorgar escritura pública ao promissário comprador se o imóvel não possui matrícula individualizada. Sentença mantida. Recurso desprovido." (TJSP; Apelação Cível 1014028-71.2015.8.26.0020; Relator (a): Márcio Boscaro; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XII - Nossa Senhora do Ó - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/08/2021; Data de Registro: 16/08/2021). Outrossim, desse entendimento não discrepa o Colendo STJ, in verbis: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE PARCELA DE GLEBA RURAL NÃO DESMEMBRADA. AUSÊNCIA DE MATRÍCULA INDIVIDUALIZADA. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO REGISTRO DO TÍTULO. CARÊNCIA DE AÇÃO DECLARADA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Na ação de adjudicação compulsória, o ato jurisdicional, para ser exequível, deve reunir todas as exigências previstas na Lei de Registros Públicos, e nas demais ordenadoras do parcelamento do solo, a fim de facultar o registro do título no cartório respectivo. 2. Detectada, no caso concreto, a impossibilidade jurídica do pedido de registro, haja vista a falta de prévia averbação do desmembramento de gleba rural originária, e posteriores aberturas de matrículas individualizadas das glebas desvinculadas e prometidas à venda pelo réu. Ausente, portanto, de uma das condições específicas da ação de adjudicação compulsória, na dicção do art. 16, § 2º, do Decreto-lei n. 58/1937 - existência de imóvel registrável. 3. Recurso especial a que se nega provimento. (STJ - REsp 1297784/DF, Relatora Ministra MARIA ISABEL, julgado em 16/09/2014). Ainda que assim não fosse, observo que, de fato, a pretensão de regularização do registro, nesta via, vai de encontro ao princípio da continuidade. Dos contratos amealhados, verifico que: a requerida ASTA alienou em 19/11/2002 para a pessoa de ELSON, pelo valor de R$1.200,00 (ID 112693343), o qual, por sua vez, vendeu o bem a JEFERSON, na data de 06/07/2024, pelo montante de R$70.000,00 (ID 112693344), passando este, por fim, ao requerente, no dia 10/10/2024, pelo mesmo valor de R$70.000,00 (ID 112693345). Ressalte-se que a presente demanda foi ajuizada apenas contra a empresa ABEUR - ASSOCIAÇÃO HABITACIONAL E EXPANSÃO URBANA DE RONDÔNIA (antiga ASTA – ASSOCIAÇÃO DOS SEM TETOS DE ARIQUEMES), não tendo sido incluídos os demais proprietários registrais do imóvel, no polo passivo, a impossibilitar sequer a mitigação ao princípio da continuidade, pelo qual não se pode haver quebra do elo de continuidade entre o titular registral e aquele que pretende, com a regularização/mutação registral, se tornar o atual proprietário. Saliente-se que a Lei de Registro Público (Lei n º 6.015/1973), consagra o princípio do trato sucessivo ou continuidade de seus atos, de modo que cada bem imóvel recebe uma matrícula e, daí por diante, cada ato que importe em transferência ou garantia real, é registrado em série e, outros, de naturezas diversas, são averbados, também em ordem de sequência. Decerto, conquanto o art. 1.418 do Código Civil, de fato, estabeleça que o instituto da adjudicação compulsória decorre do direito do promitente comprador em obter a outorga da escritura definitiva do imóvel, em virtude da recusa do promitente vendedor em assim proceder, o tema central da referida ação judicial é saber se restou demonstrada a correta sucessão dominial do bem para que seja possível o registro em nome da parte requerente, em atendimento ao princípio da continuidade do registro público. "Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel". A propósito disso, já se decidiu: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA – COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – REQUISITOS – PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO REGISTRO PÚBLICO – NÃO COMPROVAÇÃO – SENTENÇA MANTIDA. 1. A ação para a adjudicação compulsória objetiva suprir a manifestação de vontade do proprietário que se recusa ou se mantém inerte para outorgar a escritura do imóvel negociado entre as partes. 2. Não tendo sido comprovada a cadeia dominial do imóvel que se pretende o registro, é impossível a regularização pretendida, por força do princípio da continuidade do registro público. 3. Recurso desprovido. (TJMG. 9ª Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0000.15.066767-3/002 , Comarca de Belo Horizonte, Relator Des. Fausto Bawden de Castro Silva, julgada em 30/07/2024 e publicada em 02/08/2024) Por derradeiro, mas não menos importante, anoto da cadeia dominial que, embora a alienação primitiva autorizasse, pelo valor (R$1.2000,00 - no ano de 2002), fosse dispensada a forma pública da escritura, o mesmo não ocorreu para as posteriores transações (R$70.000,00 - em 2024), tendo em vista que o valor comercializado superou o limite de 30 salários mínimos estabelecido pelo art. 108 do CC (49,57% do salário mínimo então vigente). Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. Dessarte, por todos os ângulos que se observa, a improcedência é medida e rigor. Esclareço, ainda, que é entendimento assente de nossa jurisprudência que o órgão judicial, para expressar a sua convicção, não precisa aduzir comentário sobre todos os argumentos levantados pelas partes. Sua fundamentação pode ser sucinta, pronunciando-se acerca do motivo que, por si só, achou suficiente para a composição do litígio, cumprindo-se os termos do artigo 489 do CPC, não infringindo o disposto no §1º, inciso IV, do aludido artigo. No mesmo sentido: “O juiz não está obrigado a responder todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundamentar a decisão, nem se obriga a ater-se aos fundamentos indicados por elas e tampouco a responder um a um todos os seus argumentos” (STJ - 1ª Turma, AI 169.073 SPAgRg, Rel. Min. José Delgado, j. 4.6.98, negaram provimento, v. u., DJU 17.8.98, p. 44). O Código de Processo Civil previu que o julgador deve exercer o convencimento motivado e fundamentado, mantendo o entendimento de que nem todas as questões suscitadas pelas partes precisam ser enfrentadas, salvo se estiverem aptas para infirmar a conclusão do julgado. Prejudicadas ou irrelevantes as demais questões dos autos. ANTE O EXPOSTO, e considerando tudo que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial formulado, resolvendo o mérito nos termos do art. 487, inciso I do Código de Processo Civil. Revogo a liminar deferida (ID 112832926). Custas na forma da lei, pela parte autora. Pelo princípio da causalidade, condeno a parte autora, ainda, ao pagamento das despesas processuais e honorários de advogado, os quais fixo em 10% do valor da causa, com fulcro no artigo 85, § 2º, do CPC. Nos termos do artigo 40 do CPP, oficie-se ao Ministério Público, por intermédio da Curadoria do Meio Ambiente, encaminhando-lhe cópia integral dos autos, a fim de que seja apurada eventual infração às disposições da lei de parcelamento de solo urbano (Lei 6.766/79). Por fim, de modo a evitar o ajuizamento de embargos de declaração, registre-se que, ficam preteridas as demais alegações, por incompatíveis com a linha de raciocínio adotada, observando que o pedido foi apreciado e rejeitado nos limites em que foi formulado. Por consectário lógico, ficam as partes advertidas, desde logo, que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais e/ou com postulação meramente infringente lhes sujeitará a imposição da multa prevista pelo artigo 1026, § 2º, do Código de Processo Civil. Na hipótese de interposição de apelação, tendo em vista a nova sistemática estabelecida pelo CPC que extinguiu o juízo de admissibilidade a ser exercido pelo Juízo “a quo” (CPC, art. 1.010), sem nova conclusão, intime-se a parte contrária para que ofereça resposta no prazo de 15 (quinze) dias. Havendo recurso adesivo, também deve ser intimada a parte contrária para oferecer contrarrazões. Caso nada seja requerido, após o trânsito em julgado desta, observadas as formalidades legais, dê-se baixa e arquivem-se os autos com as anotações de estilo. Sentença registrada. Publique-se. Intimem-se. SERVIRÁ A PRESENTE SENTENÇA COMO OFÍCIO/ MANDADO DE INTIMAÇÃO/NOTIFICAÇÃO E/OU CARTA PRECATÓRIA. Ariquemes, 26 de maio de 2025 Marcus Vinicius dos Santos Oliveira Juiz de Direito

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Encontrou 464 resultados. Faça login para ver detalhes completos e mais informações.

Fazer Login para Ver Detalhes