Processo nº 0801094-79.2025.8.14.0107
ID: 341385499
Tribunal: TJPA
Órgão: Vara Cível da Comarca de Dom Eliseu
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 0801094-79.2025.8.14.0107
Data de Disponibilização:
04/08/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANDRE LUIZ SILVA FRANKLIN DE QUEIROZ
OAB/BA XXXXXX
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Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado do Pará Vara Cível e Empresarial da Comarca de Dom Eliseu 0801094-79.2025.8.14.0107 [Empréstimo consignado, Cartão de Crédito] AUTOR: VALDETE BENIGNO DE…
Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado do Pará Vara Cível e Empresarial da Comarca de Dom Eliseu 0801094-79.2025.8.14.0107 [Empréstimo consignado, Cartão de Crédito] AUTOR: VALDETE BENIGNO DE OLIVEIRA Nome: VALDETE BENIGNO DE OLIVEIRA Endereço: RUA D., 12, VILA NOVA ITINGA, DOM ELISEU - PA - CEP: 68633-000 REU: BANCO DAYCOVAL S/A Nome: BANCO DAYCOVAL S/A Endereço: Avenida Paulista, 1793, Bela Vista, SãO PAULO - SP - CEP: 01311-200 SENTENÇA 1. RELATÓRIO Relatório dispensado, com fulcro no art. 38 da Lei n.º 9.099/95. Os autos vieram conclusos. Fundamento e decido. 2. FUNDAMENTAÇÃO Entendo que o feito em questão comporta o julgamento no estado em que se encontra, de forma antecipada, nos termos do artigo 355, I, do Código de Processo Civil, haja vista que a questão controvertida nos autos é meramente de direito, mostrando-se, por outro lado, suficiente a prova produzida para dirimir as questões de fato suscitadas, de modo que despiciendo se faz designar audiência de instrução e julgamento para a produção de novas provas. Trata-se de “ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (rmc) e inexistência de débito com pedido de tutela de urgência antecipada cumulada com restituição de valores em dobro e indenização por dano moral”, ajuizada por VALDETE BENIGNO DE OLIVEIRA em face de BANCO DAYCOVAL S.A., partes qualificadas nos autos. Em síntese, a parte autora alega que em junho de 2022, com a intenção de contratar um empréstimo consignado, foi induzida a erro pela instituição financeira ré, celebrando um contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), vinculado ao seu benefício de prestação continuada de n.º 539.625.155-3. Sustenta que jamais teve a intenção de adquirir tal modalidade de crédito, que nunca desbloqueou ou utilizou o referido cartão e que os descontos mensais em seu benefício, a título de pagamento mínimo da fatura, não amortizam o saldo devedor, tornando a dívida impagável. Afirma ter sofrido prejuízo material, com o pagamento de R$ 970,86, e abalo moral, por ver sua fonte de renda comprometida. Ao final, requereu a tutela de urgência para suspender os descontos, a declaração de nulidade do contrato, a inexistência do débito, a restituição em dobro dos valores pagos e a condenação do réu ao pagamento de uma indenização por danos morais. Por sua vez, o réu defendeu a legalidade e a regularidade da contratação do cartão de crédito consignado de nº 52-1036787/22, afirmando que a parte autora estava ciente dos termos pactuados e que o valor do saque foi devidamente creditado em sua conta. Impugnou a ocorrência de danos morais, por entender que agiu em exercício regular de direito, e rechaçou o pedido de repetição de indébito, por ausência de má-fé. Pugnou pela improcedência total dos pedidos. Deixo de apreciar eventuais preliminares suscitadas pela parte demandada, o que faço com fundamento no art. 488 do CPC e em consonância com o princípio da primazia do julgamento de mérito (artigo 4º do CPC). Passo ao exame do mérito. No caso dos autos, o(a) Demandante requer o reconhecimento da nulidade do contrato de cartão de crédito consignado firmado entre as partes, bem como, a condenação do(a) Requerido(a) ao pagamento de repetição de indébito, em dobro, e compensação por danos morais. O caso se submete ao regime jurídico previsto no Código de Defesa do Consumidor, haja vista que as partes se amoldam nos conceitos de consumidor e fornecedor previstos nos arts. 2º e 3º do CDC. Vale destacar o enunciado da Súmula n. 297 do STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Verifica-se que não há controvérsia quanto à existência de relação jurídica entre as partes decorrente de contrato de cartão de crédito consignado (“RMC”). A controvérsia se cinge em aferir a regularidade da contratação do negócio jurídico e o eventual dever de indenizar pelo(a) Demandado(a). Em relação à distribuição do ônus da prova, aplica-se ao caso o disposto no art. 6º, VIII, do CDC, por estarem configuradas a relação de consumo e a hipossuficiência técnica, financeira e jurídica da parte autora. Vale ressaltar, contudo, que tal situação não afasta o ônus do consumidor de apresentar as provas mínimas de suas alegações, em especial quanto à apresentação de prova documental cuja produção esteja a seu alcance, em atenção inclusive ao dever de colaboração com a Justiça (art. 6º, CPC). Outrossim, conforme dispõe o art. 104 do Código Civil, um contrato válido deve apresentar: (i) agente capaz; (ii) objeto lícito, possível, determinado ou determinável e (iii) forma prescrita ou não defesa em lei. Contudo, antes de adentrar ao plano da validade do contrato, é necessário analisar o plano da existência. Para que qualquer negócio jurídico exista, é necessário a presença de 04 (quatro) elementos: manifestação de vontade, agente, objeto e forma. Sílvio de Salvo Venosa nos ensina que: “declaração de vontade, que a doutrina mais tradicional denomina consentimento, é elemento essencial do negócio jurídico. É seu pressuposto. Quando não existir pelo menos aparência de declaração de vontade, não podemos sequer falar de negócio jurídico. A vontade, sua declaração, além de condição de validade, constitui elemento do próprio conceito e, portanto, da própria existência do negócio jurídico”. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil interpretado. 4ª ed. Atlas, São Paulo, 2019. p. 563). No caso, a parte autora não nega a celebração do contrato, mas alega ter sido firmado mediante vício de consentimento, pois pensava que se tratava de um contrato de empréstimo consignado. Todavia, não se desincumbiu do ônus mínimo probatório quanto a esse ponto (art. 373, I, do CPC). A parte requerida, por sua vez, sustenta que a parte autora celebrou o contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, tendo juntado os documentos ID 148387242 a ID 148387258, dentre os quais: (i) cópia do termo de adesão, contendo todos os termos e cláusulas do negócio jurídico pactuado, assinado eletronicamente; (ii) cópia do termo de consentimento esclarecido, também assinado eletronicamente; (iii) cópia da cédula de crédito bancário referente à solicitação de saque via cartão de crédito; (iv) coleta de biometria facial – “selfie” e foto do documento de identidade da autora, enviados na contratação; (v) as faturas contendo o histórico de transações e (vi) o comprovante de transferência do saque solicitado, desincumbindo-se do seu ônus probatório quanto à regularidade da contratação (art. 373, II, do CPC). De proêmio, cumpre-me destacar que o ponto central da controvérsia é a existência (ou não) de vício de consentimento, especificamente erro substancial sobre a natureza do negócio jurídico formalizado entre as partes. Portanto, a análise da validade do negócio jurídico não se esgota na formalidade da assinatura. O banco requerido, em sua contestação, juntou a cópia do contrato devidamente assinado pela parte autora. Rememore-se que, em sua inicial, a parte autora confirma que realizou a respectiva contratação, apenas esclarecendo que acreditava se tratar de um empréstimo consignado. Dessa forma, não cabe discutir nos autos a validade da assinatura digital e, mesmo que tal situação fosse incluída no mérito, importante destacar que a contratação eletrônica advém do avanço tecnológico, é plenamente válida e autorizada pela legislação, não sendo tal forma proibida (art. 104, III, e 107, do CC/02), e possui elementos de autenticação (nome, CPF, data e hora, “selfie”, geolocalização e IP do dispositivo utilizado) que são suficientes para indicar a autenticidade de sua autoria (art. 411, II, do CPC), sendo desnecessária a existência de um instrumento físico assinado. Nesse sentido entendem os Tribunais pátrios: Apelação cível. Ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c com anulatória de débito e danos morais. Tutela de urgência indeferida. Empréstimo consignado. Vício de consentimento na contratação. Não comprovado. Contrato existente. Relação jurídica demonstrada. Litigância de má-fé. Ausência de dolo processual. Recurso parcialmente provido para afastar a condenação em litigância de má-fé. Existindo prova da contratação do empréstimo consignado por meio eletrônico, fica demonstrada a relação jurídica e, por consequência, revela-se legítimo o desconto mensal no benefício previdenciário da autora. A penalidade por litigância de má-fé depende da efetiva comprovação do dolo processual. APELAÇÃO CÍVEL, Processo nº 7013316-25.2021.822.0005, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 2ª Câmara Cível, Relator (a) do Acórdão: Des. Kiyochi Mori, Data de julgamento: 03/11/2022. (TJ-RO - AC: 70133162520218220005, Relator: Des. Kiyochi Mori, Data de Julgamento: 03/11/2022) ___________________________________________________ AÇÃO DECLARATÓRIA C.C. INDENIZATÓRIA – Contrato de empréstimo consignado – Comprovação da existência do contratos, mediante juntada dele assinado eletronicamente, com utilização inclusive de biometria facial ("selfie") e geolocalização – Ocorrência – Pleito de declaração de inexigibilidade do débito e indenizatório por dano material e moral – Acolhimento – Impossibilidade: – É improcedente a ação na qual o autor alega não ter celebrado empréstimo consignado, comprovando-se a existência do contrato mediante juntada de contrato assinado eletronicamente, com utilização inclusive de biometria facial ("selfie") e geolocalização, sendo inviável a declaração de inexigibilidade do débito e indenização por dano material e moral. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ-SP - AC: 10002786920228260274 SP 1000278-69.2022.8.26.0274, Relator: Nelson Jorge Júnior, Data de Julgamento: 14/10/2022, 13ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/10/2022) ___________________________________________________ RECURSO INOMINADO. MATÉRIA BANCÁRIA. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. CONTRATO ELETRÔNICO. AUTENTICIDADE QUE PODE SER ATESTADA POR QUALQUER MEIO LEGAL DE CERTIFICAÇÃO, INCLUSIVE ELETRÔNICO. DICÇÃO DO ART. 411, II DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INSTRUMENTO QUE CONTEMPLA O REGISTRO DO ENDEREÇO DO IP, A GEOLOCALIZAÇÃO, NÚMERO DO TELEFONE CELULAR E CAPTURA DE SELFIE DO RECORRENTE. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. CONTRATAÇÃO VÁLIDA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1 – Contrato eletrônico de empréstimo bancário. 2 - Embora a parte Autora negue a contratação do empréstimo, certo é que a assinatura de forma física não é requisito essencial à validade da declaração de vontade relacionada aos contratos, vez que no caso, a existência da relação jurídica pôde ser evidenciada por outros meios de prova, por se tratar de contrato eletrônico. Art. 411. Considera-se autêntico o documento quando: II - a autoria estiver identificada por qualquer outro meio legal de certificação, inclusive eletrônico, nos termos da lei; 3 – Precedente desta Turma Recursal: “No âmbito da inovação tecnológica, a contratação eletrônica no direito bancário consiste na aquisição de produto financeiro por meio de internet ou caixa eletrônico, sem a necessidade de um funcionário da instituição financeira. Estas operações bancárias eletrônicas são concretizadas pela utilização de senha pessoal de uso exclusivo do correntista ou por meio de biometria, inexistindo contrato escrito e não gerando documentos físicos de adesão aos termos gerais da contratação. 2. O fato de não existir contrato escrito é irrelevante para a comprovação do vínculo obrigacional, visto que essa formalidade não é requisito essencial para a validade da declaração de vontade relacionada aos contratos eletrônicos, pois a existência da relação jurídica pode ser evidenciada por outros meios de prova, inclusive documentos eletrônicos (CPC, art. 441), como o extrato demonstrativo da operação”. (TJPR - 2ª Turma Recursal - 0002179-10.2017.8.16.0156 - São João do Ivaí - Rel.: Alvaro Rodrigues Junior - J. 17.10.2018). 4 - No caso, restou evidente a contratação regular do empréstimo, posto que feita de forma digital, cujo contrato contém a assinatura digital da parte Autora, inclusive com uma “selfie” da autora, a geolocalização, o aceite da política de biometria facial e política de privacidade, fatos estes sequer impugnados pela parte Autora. 5 - Inexistem, portanto, provas autorais capazes de afastar a verossimilhança do “rastro digital” da transação celebrada e ilidir os documentos apresentados na contestação. Com efeito, a geolocalização da contratação, o fato de a fotografia ser uma “selfie” e o aceite aos termos do empréstimo – ressalte-se, documentos não impugnados expressamente pela autora – indicam que a operação foi espontânea, e não induzida pela ré. 6 – Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJ-PR - RI: 00007787520218160110 Mangueirinha 0000778-75.2021.8.16.0110 (Acórdão), Relator: Irineu Stein Junior, Data de Julgamento: 08/07/2022, 2ª Turma Recursal, Data de Publicação: 11/07/2022) ___________________________________________________ EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. ALEGAÇÃO DE FRAUDE NA CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE PORTABILIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. ACERVO PROBATÓRIO QUE EVIDENCIA A EXISTÊNCIA DE VÍNCULO JURÍDICO ESTABELECIDO ENTRE AS PARTES. CONTRATO ASSINADO ELETRONICAMENTE POR BIOMETRIA FACIAL. VALIDADE. DOCUMENTOS TRAZIDOS PELA PARTE APELADA QUE ELIDEM A VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES AUTORAIS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. ACÓRDÃO Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator que integra este acórdão. (TJ-RN - AC: 08051626620218205112, Relator: RICARDO TINOCO DE GOES, Primeira Câmara Cível) Sendo assim, superada a formalidade da assinatura, devo reconhecer que a parte autora tinha pleno conhecimento da dinâmica da contratação e efetivamente utilizou os serviços postos à sua disposição, de forma que é legítima a contraprestação pecuniária ao banco demandado. Extrai-se do contrato juntado (ID 148387242) as seguintes informações: (i) o título do contrato, em destaque e negrito, consta como “Termo de Adesão as Condições Gerais de Emissão e Utilização do Cartão de Crédito Consignado”; (ii) as obrigações contratuais estampadas em redação clara e fonte adequada; (iii) ciência do(a) autor(a) quanto às condições do produto; e (iv) a autorização expressa para reserva de margem consignável, até o limite legal, para o pagamento do valor mínimo indicado na fatura mensal do cartão de crédito consignado. Faço o destaque do disposto na página 3 do contrato, ao lado de uma imagem ilustrativa do cartão de crédito que estava sendo contratado: “TENHO CIÊNCIA DE QUE ESTOU CONTRATANDO UM CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO NAS CONDIÇÕES ACIMA”. O(a) autor(a) anuiu, também, com o termo de consentimento esclarecido do cartão de crédito consignado (ID 148387243), que contém as seguintes disposições: Eu, VALDETE BENIGNO DE OLIVEIRA, inscrito no CPF sob o nº 66626293249, benefício nº 5396251553, residente e domiciliado em AVENIDA DOS EUCALIPTOS, 100 - PARQUE VERDE, BELEM - PA, 66633000, declaro, para os devidos fins e sob as penas da lei, estar de ciente e de acordo que: (i) Contratei um Cartão de Crédito Consignado; (ii) Fui informado que na realização de saque mediante a utilização do meu limite do Cartão de Crédito Consignado, ensejará a incidência de encargos e que o valor do saque, acrescido destes encargos, constará na minha próxima fatura do cartão; (iii) A diferença entre o valor pago mediante consignação (desconto realizado diretamente na remuneração/benefício) e o total da fatura, poderá ser paga por meio da minha fatura mensal, o que é recomendado pelo Banco Daycoval S.A, já que, caso a fatura não seja integralmente paga até data de vencimento, incidirão encargos sobre o valor devido, conforme previsto na fatura; (iv) Declaro saber que existem outras modalidades de crédito, a exemplo do empréstimo consignado, que possuem juros mensais em percentuais menores; (v) Estou ciente que a taxa de juros do cartão de crédito consignado é inferior à taxa de juros do cartão de crédito convencional; [...] Não bastasse o contrato e seus termos, os quais esclarecem suficientemente ao consumidor que se trata de um cartão de crédito consignado e não produto diverso, vê-se que a parte autora usou o cartão de crédito para saques. No documento ID 148387244 (“Solicitação e Autorização de Saque via Cartão de Crédito Consignado”), o autor solicita um saque no valor de R$ 1.160,00 e o banco juntou, ainda, o comprovante de transferência do valor solicitado (ID 148387248) diretamente para conta bancária da parte autora, no Banco Caixa Econômica Federal, ag.: 1119, conta: 869361224-5, creditado no dia 22/04/2022. Tal fato comprova que a parte autora se beneficiou financeiramente da avença. Não bastasse isso, a própria parte autora afirma, em sua inicial, que teria contratado empréstimo consignado com o réu, portanto, por óbvio, não há controvérsia que tenha recebido valores do Banco. É imperioso ressaltar, ainda, que a parte autora em momento algum comprova que tinha margem disponível para a realização de empréstimo consignado no momento da contratação do cartão de crédito consignado. Consigno, por fim, que o histórico de empréstimo consignado do INSS juntado à inicial demonstra que a parte autora era contumaz na realização de empréstimos consignados, não sendo crível acreditar que acreditasse ter celebrado contrato de empréstimo e não de “RMC”. Como é cediço, o cartão de crédito consignado pode ser utilizado tanto na modalidade saque, quanto na modalidade compras. No caso em tela, verifica-se que a requerente utilizou o serviço contratado para a realização saques, perfectibilizando a relação jurídica. Nesse sentido, vale destacar o disposto no art. 6º, §5º, da Lei nº 10.820/2003: Art. 6º, § 5º Para os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social, os descontos e as retenções referidos no caput deste artigo não poderão ultrapassar o limite de 45% (quarenta e cinco por cento) do valor dos benefícios, dos quais 35% (trinta e cinco por cento) destinados exclusivamente a empréstimos, a financiamentos e a arrendamentos mercantis, 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito consignado ou à utilização com a finalidade de saque por meio de cartão de crédito consignado e 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio de cartão consignado de benefício ou à utilização com a finalidade de saque por meio de cartão consignado de benefício. (Redação dada pela Lei nº 14.601, de 2023) Não se desconhece a vulnerabilidade agravada da parte autora, por se tratar de consumidora idosa perante a instituição financeira. Porém, tais fatos, por si só, não retiram a sua capacidade de contratar, nem fazem presumir que houve má-fé pela instituição financeira para a celebração do negócio jurídico, nos termos do art. 39, IV, do CDC. A parte autora não trouxe aos autos qualquer argumento ou documento capaz de infirmar o conteúdo da documentação juntada pela parte requerida, limitando-se, desde inicial, a tecer considerações genéricas e não assertivas sobre supostas condutas abusivas praticadas pela parte requerida, as quais não são corroboradas por qualquer documento. Frise-se, ainda, que a causa de pedir não pode ser alterada em réplica. No caso dos autos, a parte autora não nega em sua inicial que tenha contratado com o banco requerido, mas afirma que foi levada ao erro. No entanto, a par das evidências já mencionadas, entendo que ela possuía conhecimento sobre a dinâmica da contratação. Destarte, diante do conjunto probatório que está nos autos, não se verifica qualquer irregularidade na contratação, indício de fraude, violação ao dever de informação previsto no art. 6º, III, do CDC, violação aos atos normativos do INSS, tampouco a existência de vícios de consentimento, porquanto o comportamento da consumidora no decorrer de, pelo menos, 03 (três) anos, não deixam dúvidas de que ela tinha ciência da celebração do contrato de cartão de crédito consignado. Sobre o tema, cumpre trazer à colação entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em caso análogo: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO REVISIONAL CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL E CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO PELO VALOR MÍNIMO DA FATURA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. PREJUDICIAL DE DECADÊNCIA AFASTADA. PROVAS DOS AUTOS QUE DEMONSTRAM A CONCORDÂNCIA DO AUTOR COM OS TERMOS DO CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO, NA MODALIDADE CARTÃO DE CRÉDITO. CONTRATO FIRMADO EM 2009, COM UTILIZAÇÃO DO CARTÃO NA MODALIDADE CRÉDITO NAQUELE ANO. AÇÃO PROPOSTA EM 2017. NÃO É CRÍVEL A ALEGAÇÃO DE DESCONHECIMENTO A RESPEITO DA MODALIDADE DE EMPRÉSTIMO CONTRATADA. PRECEDENTES DESTA CÂMARA CÍVEL ESPECIALIZADA. PROVIMENTO DO RECURSO, PARA SE JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS. (TJ-RJ - APL: 00446622420178190204 202000147309, Relator: Des(a). MARCOS ANDRE CHUT, Data de Julgamento: 10/11/2020, VIGÉSIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 13/11/2020) É importante esclarecer que tal modalidade de contrato (“RMC” e “RCC”), assim como o empréstimo consignado, goza de previsão legal normativa (Lei nº 10.820/03, alterada pelas leis n.º 13.172/15 e n.º 14.431/22, bem como, Instrução Normativa PRES/INSS nº 138, de 10 de novembro de 2022) e é plenamente admitida, cabendo ao consumidor aferir as vantagens e desvantagens (valores, encargos moratórios, formas de pagamento etc) de cada tipo de negócio jurídico, antes da contratação. Não se vislumbra abusividade no desconto mínimo referente à margem consignável para fins de amortização parcial do saldo devedor conforme expressamente previsto no contrato assinado, pois ao consumidor é possível, a qualquer tempo, efetuar o pagamento do valor total da fatura gerada e liquidar antecipadamente o contrato. Como em tal modalidade, diferente do empréstimo consignado, a instituição financeira somente tem certeza quanto ao recebimento da parcela mínima, naturalmente os seus encargos são maiores. Nesse passo, não há que se falar em “eternização da dívida”. À propósito, como já mencionado, é possível perceber que não há eternização da dívida, pois o saldo devedor é reduzido mês a mês com a efetivação do desconto do valor mínimo da fatura em seu benefício previdenciário, desde que, é claro, não realize novos saques ou compras com o cartão até quitação total do saldo devedor. Em recentes decisões, a 1ª e a 2ª Turma de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, entenderam pela regularidade da contratação do cartão de crédito consignado, em acórdãos que restaram assim ementados: APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. FRAUDE EM CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM MARGEM CONSIGNÁVEL. NÃO VERIFICADA. EXISTÊNCIA DE CONTRATO PARA DEMONSTRAR A DEVIDA CONTRATAÇÃO. HÁ COMPROVAÇÃO QUE O VALOR DO EMPRÉSTIMO FOI DISPONIBILIZADO PARA A AUTORA/APELANTE. RECURSO CONHECIDO MAS DESPROVIDO. (TJPA, Processo nº 0806127-98.2022.8.14.0028, 2ª Turma de Direito Privado, Desa. Rel. GLEIDE PEREIRA DE MOURA, Julgado em 18/12/2023). ___________________________________________________ EMENTA. APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES E DANOS MORAIS – CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO RMC – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – IRRESIGNAÇÃO DO AUTOR REQUERENTE – VÍCIO DE CONSENTIMENTO NÃO EVIDENCIADO – CLARA CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO E NÃO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO TRADICIONAL – DEVER DE INFORMAÇÃO SUFICIENTEMENTE PRESTADO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJPA, Processo nº 0800524-08.2021.8.14.0116, 2ª Turma de Direito Privado, Rel. Des. Amilcar Roberto Bezerra Guimarães, Publicado em 31/07/2023) ___________________________________________________ DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE C/C REPETIÇÃO DE INBÉDITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. COMPROVAÇÃO DA REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA FÉ E DA TEORIA DO VERINE CONTRA FACTUM PROPIUM. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. DESPROVIMENTO DO RECURSO. INTELIGÊNCIA DO ART. 932, DO CPC C/C ART. 133, XI, “D”, DO REGIMENTO INTERNO DO TJPA. 1.Com a inversão do ônus da prova, foram desconstituídos os fatos alegados pela autora/apelante, por meio da apresentação do contrato devidamente assinado e a transferência do valor, comprovando a legitimidade da cobrança de empréstimo consignado. 2.Aplicação do princípio da boa-fé contratual e da proibição do venire contra factum proprium, para evitar o enriquecimento sem causa de quem recebeu e usufruiu do valor transferido para conta bancária, e depois pediu o cancelamento do empréstimo sob a alegação de irregularidade. Precedentes do STJ. 3.Comprovada a regularidade da contratação de empréstimo consignado e a transferência do crédito para a conta do consumidor, não há que se falar em dano moral, bem como configurada a litigância de má-fé. 4. Desprovimento do recurso, monocraticamente, com fulcro no art. 932, do CPC c/c art. 133, XI, “d”, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Pará. (TJPA, Processo nº 0812660-73.2022.8.14.0028, 1ª Turma de Direito Privado, Des. Rel. LEONARDO DE NORONHA TAVARES, Julgado em 02/01/2024). No mesmo sentido já havia entendido o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará e entendem os Tribunais pátrios pela legalidade da contratação e a inexistência de abusividade, em casos envolvendo a análise de “RMC”, in verbis: EMENTA APELAÇÃO CÍVEL –AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS–SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA – PRELIMINAR: LITISPENDÊNCIA, REJEITADA – MÉRITO - DESCONTOS NO BENEFÍCIO DO RECORRIDO – VALIDADE DA CONTRATAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO – JUNTADA DE CONTRATO DEVIDAMENTE ASSINADO E DO COMPROVANTE DA TRANSFERÊNCIA DOS VALORES CONTRATADOS – CUMPRIMENTO DO ÔNUS QUE COMPETIA AO BANCO DE DEMONSTRAR A REGULARIDADE DA COBRANÇA – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUALQUER VÍCIO – INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJ-PA - AC: 08000982620208140085, Relator: MARIA DE NAZARE SAAVEDRA GUIMARAES, Data de Julgamento: 19/10/2021, 2ª Turma de Direito Privado, Data de Publicação: 20/10/2021) ___________________________________________________ EMENTA: RECURSO INOMINADO. BANCÁRIO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). CONTRATO ELETRÔNICO FIRMADO POR MEIO DE BIOMETRIA FACIAL. DESNECESSIDADE DE DOCUMENTO FÍSICO. CONTRATAÇÃO COMPROVADA. LEGALIDADE DA CONTRATAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE. MANUTENÇÃO DO CONTRATO. AUSÊNCIA DO DEVER DE RESTITUIR E INDENIZAR. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJPR - 2ª Turma Recursal - 0005289-04.2021.8.16.0018 - Maringá - Rel.: JUÍZA DE DIREITO SUBSTITUTO FERNANDA BERNERT MICHIELIN - J. 29.04.2022) (TJ-PR - RI: 00052890420218160018 Maringá 0005289-04.2021.8.16.0018 (Acórdão), Relator: Fernanda Bernert Michielin, Data de Julgamento: 29/04/2022, 2ª Turma Recursal, Data de Publicação: 30/04/2022) ___________________________________________________ Ação declaratória de nulidade da reserva de margem consignável c.c. indenização por danos materiais e morais – Cartão de crédito consignado – Autora que admitiu haver realizado empréstimo consignado com o banco réu, mas não cartão de crédito consignado, não tendo autorizado a reserva de sua margem consignável para esse tipo de contratação - Tese ventilada pela autora que não se mostrou verossímil, ainda que a ação verse sobre consumo e seja ela hipossuficiente. Ação declaratória de nulidade da reserva de margem consignável c.c. indenização por danos materiais e morais – Cartão de crédito consignado – Banco réu que comprovou que a autora aderiu a "Cartão de Crédito Consignado Pan", com autorização para reserva de margem consignável em seu benefício previdenciário - Banco réu que demonstrou que a autora efetuou saque de R$ 1.045,00 em 5.5.2016, tendo o respectivo valor sido disponibilizado na conta corrente de sua titularidade - Clareza do contrato sobre o seu objeto, bem como sobre a autorização para o desconto, no benefício previdenciário da autora, do valor para pagamento parcial ou integral das faturas do cartão de crédito consignado até o limite legal. Ação declaratória de nulidade da reserva de margem consignável c.c. indenização por danos materiais e morais – Cartão de crédito consignado – Inocorrência de vício de consentimento – Descontos no benefício da autora que se iniciaram em maio de 2016, tendo ela os questionado apenas em 16.8.2017, quando do ajuizamento da ação – Autora, ademais, que fez diversos empréstimos consignados em seu benefício, a evidenciar que ela tinha conhecimento suficiente para distinguir se estava contratando empréstimo consignado ou cartão de crédito com reserva de margem consignável. Ação declaratória de nulidade da reserva de margem consignável c.c. indenização por danos materiais e morais – Cartão de crédito consignado - Instrução Normativa INSS/PRES. nº 28/2008 – Banco réu que comprovou a solicitação formal do empréstimo mediante a utilização do cartão de crédito, nos termos de seu art. 15, I - Sentença reformada - Ação improcedente – Apelo do banco réu provido. Ação declaratória de nulidade da reserva de margem consignável c.c. indenização por danos materiais e morais – Cartão de crédito consignado – Dano moral – Reconhecido que o banco réu não praticou ato ilícito, não se pode admitir a repetição de indébito ou que a sua conduta tenha acarretado danos morais à autora - Apelo da autora prejudicado. (TJ-SP - APL: 10023431020178260081 SP 1002343-10.2017.8.26.0081, Relator: José Marcos Marrone, Data de Julgamento: 27/11/2018, 23ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 27/11/2018) ___________________________________________________ EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR - AÇÃO ANULATÓRIA OU DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO E DE RESPONSABILIDADE CIVIL - CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO MEDIANTE DESCONTO DA FATURA MÍNIMA EM FOLHA - NÃO DEMONSTRAÇÃO DE ERRO SUBSTANCIAL OU QUALQUER OUTRA HIPÓTESE DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO CAPAZ DE AFETAR A VALIDADE DO PACTO. PEDIDOS IMPROCEDENTES. 1- Não provada a indução do consumidor a erro ou cometimento de outro vício de consentimento na contratação do uso e serviços de administração de cartão de crédito pago mediante desconto consignado da fatura mínima em folha, improcede o pedido da anulação ou declaração de nulidade do respectivo negócio jurídico. 2- O só fato de ser o consumidor do crédito idoso (a) e/ou aposentado (a) não tem qualquer potencial redutor da sua capacidade civil, ou mesmo da mitigação de sua aptidão para a valoração e julgamento dos fatos, excetuadas as hipóteses em que a senilidade lhe implica, comprovadamente, sequelas de ordem psíquica potencialmente disruptivas de sua higidez mental, o que deve ser arguido e objetivamente demonstrado, se for o caso. 3 - Nesse contexto, forçoso concluir-se que nenhuma nulidade, anulabilidade ou abusividade paira sobre a contratação ou sobre a forma de pagamento dos valores havidos em mútuo nos moldes descritos, menos ainda de responsabilidade civil por dano material ou moral associado (...) (TJ-MG - AC: 10000204428791001 MG, Relator: Luiz Artur Hilário, Data de Julgamento: 25/11/2020, Câmaras Cíveis / 9ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/12/2020) A parte autora não comprovou que efetuou o pagamento do saldo remanescente correspondente aos serviços oferecidos pela empresa ré. Desse modo, não comprovada a quitação integral do débito até o vencimento, mostra-se legítima a cobrança do valor mínimo da fatura na folha de pagamento da autora, a qual foi expressamente autorizada, não havendo qualquer ilegalidade. De passagem, vale refletir que o Poder Judiciário tem sido acionado excessivamente por vários contratantes de serviços bancários, os quais, muitas vezes, valendo-se do custo/risco zero para o ajuizamento da ação e se aproveitando da inversão do ônus probatório, legitimamente conferido aos consumidores, e de eventual deslize da defesa na juntada de provas, buscam indevidamente a anulação de negócios jurídicos e indenização por danos morais, mesmo tendo efetivamente contratado e recebido o valor correspondente à época. Não é incomum se observar na prática, por exemplo, nesses casos, a existência de ajuizamento em massa de ações por profissionais de escritórios com sede em outro município ou outro estado, a existência de teses genéricas e narrativa fática não assertiva, a ausência de comprovante de endereço em nome da parte autora, o desconhecimento do processo pela parte demandante, o pedido de dispensa de audiência de conciliação, a ausência da parte autora na audiência de conciliação, um grande lapso temporal decorrido entre a data da celebração do contrato/do desconto realizado e do ajuizamento da ação, ou até mesmo o abandono de processos e o não comparecimento do requerente à audiência UNA (quando sob o rito da Lei nº 9.099/95), mormente quando a parte requerida apresenta a contestação e a documentação correlata ao caso. É importante esclarecer que a litigância predatória não se configura apenas pelo número excessivo de processos distribuídos no mesmo período ou pela utilização de petições padronizadas, mas também pela distorção dos institutos processuais e do próprio acesso à Justiça, sobretudo quando possível vislumbrar o objetivo de potencialização de ganhos e o abuso no exercício do direito de ação (art. 5º, XXXV, do CF). Nas palavras de Felipe Albertini Nani Viaro, juiz do TJSP: “É importante observar, a litigância predatória não se estabelece apenas pelo número de processos, mas pela distorção de institutos processuais e a própria ideia de acesso à Justiça, valendo-se da massificação da conduta como forma de potencializar ganhos. Há uma aposta inerente no sentido de que, sendo vitorioso em alguns casos (o que pode se dar por inúmeras razões, inclusive pela incapacidade da parte contrária de defender-se de tantas demandas) a conduta já gerará ganhos, sendo irrelevante o número de casos em que for derrotado, já que institutos como a gratuidade isentam do custo de ingresso e responsabilidade pela sucumbência”. (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: o fenômeno das "fake lides". Disponível em: ). O Ministro Luis Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI nº 3.995/DF, assim destacou sobre o uso ilegítimo do Poder Judiciário: “O exercício abusivo do direito de deflagrar a jurisdição, a litigiosidade excessiva, a utilização do Judiciário como instrumento para a obtenção de acordos indevidos ou, ainda, para a procrastinação do cumprimento de obrigações implica o uso ilegítimo do Judiciário e a sensação difusa de que a Justiça não funciona. O volume desproporcional de processos compromete a celeridade, a coerência e a qualidade da prestação jurisdicional e importa em ônus desmedidos para a sociedade, à qual incumbe arcar com o custeio da máquina judiciária”. A Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 1.817.845/MS, assim se manifestou sobre o abuso do direito de ação: "(...) O ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo. O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde. Por esses motivos, é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo."(STJ, REsp: 1817845/MS 2016/0147826-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Julgamento: 10/10/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, DJe 17/10/2019). Esse contexto, sem dúvidas, afasta a verossimilhança das alegações da parte autora e desperta cuidados adicionais, a fim de evitar o uso lotérico do Sistema de Justiça e não interferir em transações legais, das quais todas as partes se beneficiaram oportunamente. Outrossim, o tempo decorrido da combatida contratação até o ajuizamento da demanda também não favorece a parte requerente, já que não é razoável que tenha aceitado passivamente, por tanto tempo, descontos supostamente indevidos em seu benefício previdenciário. Assim, a passividade da autora por extenso período constitui indício de que a contratação foi realmente legal, como alega e comprova suficientemente o banco réu, à luz do art. 422 do CC. Deste modo, considerando a documentação apresentada pela parte requerida, ausência de violação ao art. 6º, III, do CDC, a disponibilização do valor em favor da parte autora, a utilização do cartão para saques, o fato de que a impugnação do contrato apenas se deu 03 (três) anos após a obtenção do proveito econômico, a presença dos elementos do art. 104 do CC e a inexistência de vícios de vontade, entendo por inviável o acolhimento da pretensão inicial para a declaração da inexistência do negócio jurídico. Vale frisar que ninguém é obrigado a permanecer vinculado contratualmente, o que não impede que a parte autora solicite ao banco, a qualquer tempo, o cancelamento dos serviços que não tenha mais interesse, ou até mesmo opte pela contratação de outra instituição financeira, o que não a exonera das obrigações financeiras assumidas. Quanto aos pedidos de repetição de indébito em dobro e compensação por danos morais, constada a regularidade da contratação do negócio jurídico (existentes, válidos e eficazes) e dos descontos realizados, e inexistindo qualquer indicativo de fraude que possa configurar falha na prestação de serviços, não há que se falar em cobrança indevida ou em ato ilícito pela instituição financeira, em atenção ao disposto no art. 188, I, do CC, sendo inviável o acolhimento de tais pretensões. Portanto, a improcedência total dos pedidos da parte autora é medida que se impõe. 3. DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial e extingo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC. Não há custas e honorários nesta instância (art. 55 da Lei n.º 9.099/95). Na hipótese de interposição de recurso inominado, por não haver mais juízo de admissibilidade a ser exercido pelo Juízo “a quo” (art. 1.010, §3º, do CPC c/c art. 41 da Lei 9.099/95 c/c Enunciado n.º 474, do Fórum Permanente dos Processualistas Civis), sem nova conclusão, intime-se a parte contrária para oferecer resposta, no prazo de 10 (dez) dias. Em havendo recurso adesivo, também deve ser intimada a parte contrária para oferecer contrarrazões. Após, tudo devidamente certificado, remetam-se os autos à Turma Recursal, para apreciação do recurso inominado. Havendo o trânsito em julgado, inexistindo outras providências a serem tomadas, certifique-se e arquivem-se os autos. Determino, na forma do provimento n. 003/2009, da CJMB - TJE/PA, com redação dada pelo provimento n. 011/2009, que essa sentença sirva como mandado, ofício, notificação e carta precatória para as comunicações necessárias. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Dom Eliseu-PA, data registrada no sistema. PEDRO HENRIQUE FIALHO Juiz de Direito Núcleo de Justiça 4.0 do Empréstimo Consignado, Contrato Bancário, Saúde Pública, Violência Doméstica e Demandas sobre Energia Elétrica (Portaria n.º 1481/2025-GP, de 14 de março de 2025)
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