Processo nº 1002946-08.2024.8.11.0000
ID: 283535576
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara de Direito Privado
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 1002946-08.2024.8.11.0000
Data de Disponibilização:
29/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GEORGE OTTAVIO BRASILINO OLEGARIO
OAB/PB XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1002946-08.2024.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Fornecimento de Energia Elétrica, Prátic…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1002946-08.2024.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Fornecimento de Energia Elétrica, Práticas Abusivas, Liminar] Relator: Des(a). TATIANE COLOMBO Turma Julgadora: [DES(A). TATIANE COLOMBO, DES(A). MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, DES(A). MARILSEN ANDRADE ADDARIO] Parte(s): [KARYNE EMANNUELLE BRAGA PAPA - CPF: 091.777.806-55 (ADVOGADO), TW TELECOM JACIARA EIRELI - CNPJ: 12.220.742/0001-01 (EMBARGANTE), ENERGISA MATO GROSSO DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A - CNPJ: 03.467.321/0001-99 (EMBARGADO), GUSTAVO DE MELO FRANCO TORRES E GONCALVES - CPF: 071.275.866-67 (ADVOGADO), DONATO JUNIOR & CIA LTDA - ME (TERCEIRO INTERESSADO), GEORGE OTTAVIO BRASILINO OLEGARIO - CPF: 058.141.644-92 (ADVOGADO), ENERGISA MATO GROSSO DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A - CNPJ: 03.467.321/0001-99 (EMBARGANTE), GEORGE OTTAVIO BRASILINO OLEGARIO - CPF: 058.141.644-92 (ADVOGADO), TW TELECOM JACIARA EIRELI - CNPJ: 12.220.742/0001-01 (EMBARGADO), KARYNE EMANNUELLE BRAGA PAPA - CPF: 091.777.806-55 (ADVOGADO), GUSTAVO DE MELO FRANCO TORRES E GONCALVES - CPF: 071.275.866-67 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: À UNANIMIDADE, RECURSO PROVIDO, NOS TERMOS DO VOTO DA RELATORA. E M E N T A RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO E AGRAVO INTERNO. DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL. COMPARTILHAMENTO DE INFRAESTRUTURA. POSTES DE ENERGIA ELÉTRICA. PREÇO DE REFERÊNCIA DA RESOLUÇÃO CONJUNTA ANEEL/ANATEL Nº 004/2014. CONDUTA DISCRIMINATÓRIA E ANTICONCORRENCIAL. TUTELA DE URGÊNCIA. RECURSOS PROVIDOS. I. CASO EM EXAME 1. Agravo Interno interposto por TW Telecom Jaciara EIRELI contra decisão monocrática que indeferiu liminar de efeito ativo em agravo de instrumento, em face de decisão da 5ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá/MT que, nos autos da Ação Ordinária nº 1048734-53.2023.8.11.0041, indeferiu pedido de tutela de urgência para manutenção da relação jurídica de compartilhamento de postes com a Energisa Mato Grosso Distribuidora de Energia S.A., aplicação de preço de referência atualizado, depósito judicial de valor incontroverso e suspensão de cobranças. O agravo interno foi inicialmente provido, decisão posteriormente anulada por ausência de intimação para contrarrazões, sendo reanalisado com a apresentação de defesa pela agravada. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) definir se é cabível a aplicação do preço de referência da Resolução Conjunta ANEEL/ANATEL nº 004/2014, atualizado pelo IPCA, ao contrato de compartilhamento de infraestrutura; (ii) estabelecer se o tratamento desigual conferido pela concessionária configura prática anticoncorrencial e discriminatória; e (iii) determinar se estão presentes os requisitos para concessão da tutela de urgência. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A Lei nº 9.472/1997 assegura às prestadoras de serviços de telecomunicações o direito ao uso de infraestrutura compartilhada em condições justas, razoáveis e não discriminatórias, princípio também consagrado nas Resoluções Conjuntas nº 001/1999 e nº 004/2014 da ANEEL/ANATEL. 4. A Resolução Conjunta nº 004/2014 fixa o preço de R$ 3,19 como referência para o ponto de fixação, podendo ser utilizado em situações de conflito, atualizado pelo IPCA, visando assegurar a livre concorrência e impedir práticas anticoncorrenciais. 5. Comprovada nos autos prática discriminatória pela agravada, ao adotar preços inferiores para concorrentes diretas (como Oi e Claro) em comparação ao valor cobrado da agravante, evidenciando afronta ao art. 73 da LGT e estímulo à concentração de mercado. 6. A interpretação contratual deve observar os princípios da boa-fé objetiva, função social do contrato e equilíbrio das obrigações, admitindo relativização do pacta sunt servanda quando demonstrada prática abusiva. 7. Estão presentes os requisitos do art. 300 do CPC/2015 para concessão da tutela de urgência: probabilidade do direito, risco de dano irreparável à atividade empresarial da agravante e reversibilidade da medida. IV. DISPOSITIVO E TESE Recursos providos. Tese de julgamento: 1. A aplicação do preço de referência previsto na Resolução Conjunta ANEEL/ANATEL nº 004/2014, atualizado pelo IPCA, é cabível para preservar o equilíbrio contratual em contratos de compartilhamento de infraestrutura. 2. A adoção de preços discriminatórios entre empresas do mesmo setor configura prática anticoncorrencial vedada pelo art. 73 da LGT e pelo art. 4º da Resolução Conjunta nº 001/1999 da ANEEL/ANATEL/ANP. 3. Estando demonstrados a probabilidade do direito e o perigo de dano, é legítima a concessão de tutela de urgência para aplicar preço de referência e suspender cobranças em valor superior ao incontroverso. R E L A T Ó R I O Egrégia Câmara. Trata-se de Agravo Interno interposto por TW TELECOM JACIARA EIRELI, em face da decisão desta relatoria, que indeferiu liminar de efeito ativo pleiteada no seu Recurso de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, contra a decisão proferida pelo Juízo da 5ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá/MT, nos autos da Ação Ordinária nº. 1048734-53.2023.8.11.0041, onde figura como parte contrária ENERGISA MATO GROSSO DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A., que indeferiu o pedido de tutela de urgência. A parte agravante requereu em seu Recurso de agravo de Instrumento (ID. 201931220) a manutenção da relação jurídica com a agravada para evitar o corte dos cabos de fibra ótica; a aplicação do preço de referência, atualizado pelo IPCA, no contrato de compartilhamento de infraestrutura; alternativamente, a atualização pelo IGP-M; o depósito judicial do valor incontroverso de R$ 136.730,49, com suspensão da cobrança de valores e retirada de eventual negativação; a continuidade da relação comercial, com direito de apresentar projetos de expansão; e a fixação de multa diária mínima de R$ 10.000,00 para caso de descumprimento. A liminar foi indeferida (ID. 203100687). Interposto Recurso de Agravo Interno (ID. 207477684), requerendo provimento, com a consequente reforma da decisão agravada, para arbitrar como valor do ponto de fixação para o compartilhamento de infraestrutura de postes o preço de referência estipulado pela Resolução Conjunta nº 004/2014 da ANEEL/ANATEL, correspondente a R$ 3,19 (três reais e dezenove centavos), devidamente atualizado. O recurso foi submetido à apreciação do colegiado (ID 229908675), ocasião em que foi provido, por decisão unânime, nos termos do acórdão proferido no julgamento conjunto do Agravo de Instrumento e do Agravo Interno. O acórdão anteriormente proferido no julgamento conjunto do Agravo de Instrumento e do Agravo Interno foi anulado em sede de embargos de declaração (ID 270592914), em razão da ausência de intimação da concessionária recorrida para apresentação de contrarrazões ao Agravo Interno. Contrarrazões apresentada sob ID. 276521365, em que sustenta a ausência de urgência, dado o cumprimento do contrato por mais de quatro anos sem impugnações; a inexistência de probabilidade do direito, pois o ajuste foi firmado livremente e sem vícios; e a legalidade do uso do IGP-M como índice de reajuste. Destaca que a Resolução Conjunta ANEEL/ANATEL nº 004/2014 apenas sugere preço de referência, sem imposição obrigatória. Afirma também inexistir perigo de dano, ante a ausência de risco de prejuízo irreparável após longa execução contratual. Ao final, requer o desprovimento do agravo de instrumento, a manutenção da decisão que indeferiu a tutela de urgência, além de que todas as intimações e publicações sejam feitas exclusivamente em nome do advogado George Ottávio Brasilino Olegário, OAB/PB nº 15.013. É o relatório. V O T O R E L A T O R Na origem trata-se de trata-se de Ação Ordinária proposta TW TELECOM JACIARA EIRELI (DONATO JUNIOR & CIA LTDA - ME) em desfavor de ENERGISA MATO GROSSO - DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A., em que a autora narra que é prestadora de serviços de telecomunicações e internet e, em maio de 2017, celebrou com a ré o Contrato de Compartilhamento de Infraestrutura n. EMT-CCPO-12-2016, bem como os Termos Aditivos ao Contrato de Compartilhamento de Infraestrutura, em maio de 2018 e janeiro de 2019, tendo como objeto a possibilidade de utilização e ocupação, por parte da autora, dos pontos de fixação disponíveis nos postes públicos, administrados pela ré. Afirma que atualmente a concessionária ré impõe o preço de R$ 6,85 (seis e oitenta e cinco) pela utilização. No entanto, o preço de referência atualizado pelo IPCA, previsto pela Resolução Conjunta n. 004/2014 (ANATEL/ANEEL), perfaz a quantia de R$ 5,33 (cinco reais e trinta e três centavos). Aduz que está ocorrendo supressão do potencial competitivo, uma vez que a ré aplica preços inferiores ao preço de referência para diversas outras empresas que competem com a autora. Assim, além da imposição de um contrato de adesão e da não aplicação do preço de referência (Resolução Conjunta n. 004/2014), existe uma política discriminatória de preços que afeta a competição no mercado de telecomunicações, eis que se torna praticamente impossível a Autora concorrer com a “Oi”, “Claro” e outras que possuem preços de compartilhamento menores. Diante disso, ajuizou a demanda originária, requerendo a concessão de tutela de urgência para que seja determinada: “a) a manutenção da relação jurídica entre as partes, assegurando à autora a continuidade na prestação dos serviços de telecomunicações por fibra ótica a seus clientes, vedada qualquer desmobilização ou corte de cabos por parte da ré em razão de valores controvertidos; b) a imediata aplicação do preço de referência previsto na Resolução Conjunta n. 004/2014 ao contrato de compartilhamento de infraestrutura n. EMT-CCPO-12-2016 e aditivos, no valor de R$ 5,33 por ponto de fixação, atualizado pelo IPCA, aplicável a todas as faturas emitidas após a distribuição da ação, até decisão final; c) a autorização para depósito do valor incontroverso de R$ 136.730,49, correspondente à aplicação do preço de referência atualizado pelo número de pontos utilizados entre outubro e dezembro de 2023, com a consequente suspensão da exigibilidade de valores discutidos, vedada qualquer cobrança, protesto ou negativação pela ré; d) a garantia de manutenção da relação comercial com a ré, assegurando-se à autora o direito de apresentar projetos de expansão de rede e novos pontos de fixação, os quais deverão ser processados e respondidos formalmente nos prazos regulamentares, sendo vedada qualquer retaliação por parte da ENERGISA, sob pena de multa.” Ao analisar o pleito, o Magistrado de 1º Grau entendeu pela ausência dos requisitos do art. 300, do CPC, e indeferiu a tutela antecipada de urgência. Irresignada interpôs agravo de instrumento, requerendo a manutenção da relação jurídica com a agravada para evitar o corte dos cabos de fibra ótica; a aplicação do preço de referência, atualizado pelo IPCA, no contrato de compartilhamento de infraestrutura; alternativamente, a atualização pelo IGP-M; o depósito judicial do valor incontroverso de R$ 136.730,49, com suspensão da cobrança de valores e retirada de eventual negativação; a continuidade da relação comercial, com direito de apresentar projetos de expansão; e a fixação de multa diária mínima de R$ 10.000,00 para caso de descumprimento. O mérito recursal cinge-se à análise da presença dos requisitos autorizadores para a concessão da tutela de urgência, nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil, em favor da autora, ora agravante. A concessão dessa modalidade de tutela pressupõe que o autor, ao alegar a titularidade de um direito subjetivo em contexto controvertido, apresente elementos probatórios que evidenciem a plausibilidade do direito invocado e indiquem a probabilidade de êxito da pretensão deduzida. Em outras palavras, os pressupostos essenciais para o deferimento da tutela de urgência consistem: na demonstração da verossimilhança das alegações mediante prova inequívoca; no risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, ou ainda no abuso do direito de defesa pela parte contrária; e, por fim, na reversibilidade dos efeitos da medida concedida. A parte autora/agravante pleiteou o deferimento da tutela de urgência para determinar a manutenção da relação jurídica; aplicação do preço de referência ao contrato e autorizar depósito do valor incontroverso. No caso em análise, a relação jurídica entre as partes tem origem no Contrato de Compartilhamento de Infraestrutura n. EMT-CCPO-12-2016 e em seus respectivos Termos Aditivos, celebrados em maio de 2018 e janeiro de 2019. O objeto contratual consiste na autorização para que a autora utilize e ocupe os pontos de fixação disponíveis nos postes públicos sob a administração da ré. É possível a relativização do princípio pacta sunt servanda quando a obrigação assumida revelar-se, diante das circunstâncias do caso concreto, incompatível com os princípios da razoabilidade e da equidade, comprometendo a função social do contrato e a observância da boa-fé objetiva. Tais fundamentos, assegurados pela legislação civil e pela Constituição Federal, justificam a intervenção judicial para afastar eventuais cláusulas abusivas ou ilegais, com vistas à preservação do equilíbrio contratual. Ocorre que a Lei n. 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações), que disciplina a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e o funcionamento do órgão regulador, entre outros aspectos institucionais, estabelece, a obrigatoriedade da adoção de preços justos e razoáveis para o compartilhamento de infraestrutura com empresas do setor, em observância à continuidade e ao objetivo de universalização dos serviços considerados essenciais. Dessa forma: “Art. 73. As prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo terão direito à utilização de postes, dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadora de serviços de telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis. (Vide Lei nº 11.934, de 2009)”. Por sua vez, o parágrafo único do referido dispositivo legal atribui aos órgãos reguladores do setor de telecomunicações a competência para estabelecer as condições necessárias à efetivação desse direito, o que foi devidamente regulamentado pela Resolução Conjunta n. 004/2014, editada pela ANATEL e pela ANEEL, a qual, entre outras disposições, definiu: “Art. 1º Estabelecer o valor de R$ 3,19 (três reais e dezenove centavos) como preço de referência do Ponto de Fixação para o compartilhamento de postes entre distribuidoras de energia elétrica e prestadoras de serviços de telecomunicações, a ser utilizado nos processos de resolução de conflitos, referenciado à data de publicação desta Resolução. [...] § 2º O preço de referência mencionado no caput pode ser utilizado pela Comissão de Resolução de Conflitos, inclusive nos casos de adoção de medidas acautelatórias, quando esgotada a via negocial entre as partes.” Nesse contexto, cumpre destacar a Resolução Conjunta n. 001/1999, editada pela ANEEL, ANATEL e ANP, que aprovou o Regulamento Conjunto para o Compartilhamento de Infraestrutura entre os setores de Energia Elétrica, Telecomunicações e Petróleo: “Art. 21. Os preços a serem cobrados e demais condições comerciais, de que trata o inciso IV do artigo 20, podem ser negociados livremente pelos agentes, observados os princípios da isonomia e da livre competição. [...] Parágrafo único. Os preços pactuados devem assegurar a remuneração do custo alocado à infra-estrutura compartilhada e demais custos percebidos pelo Detentor, além de compatíveis com as obrigações previstas no contrato de compartilhamento.” Embora o supracitado dispositivo privilegie a livre negociação de preços entre as partes, tal prerrogativa deve ser exercida em conformidade com os princípios da isonomia e da livre concorrência, igualmente resguardados pelo referido dispositivo. A propósito, o artigo 4º da citada Resolução Conjunta (n. 1/1999 da ANEEL, ANATEL e ANP) preceitua: “Art. 4º O agente que explora serviços públicos de energia elétrica, serviços de telecomunicações de interesse coletivo ou serviços de transporte dutoviário de petróleo, seus derivados e gás natural, tem direito a compartilhar infra-estrutura de outro agente de qualquer destes setores, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis, na forma deste Regulamento.” (g.n). Nessa perspectiva, é imprescindível reconhecer que, mais do que uma simples convenção entre particulares, o programa nacional de compartilhamento da infraestrutura física em análise possui finalidade social relevante, devendo ser interpretado também sob a ótica do interesse público. Tal afirmação se comprova em observância ao brocardo legal consubstanciado pela Lei n. 9.472/97: “Art. 7º As normas gerais de proteção à ordem econômica são aplicáveis ao setor de telecomunicações. [...] § 3º Praticará infração da ordem econômica a prestadora de serviço de telecomunicações que, na celebração de contratos de fornecimento de bens e serviços, adotar práticas que possam limitar, falsear ou, de qualquer forma, prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa.” (g.n). No caso em análise, conforme se depreende do instrumento contratual de ID 137470992, constante dos autos de origem, firmado entre a concessionária de energia, ora recorrida, e a empresa de telecomunicações OI S/A, em 12/05/2021, foi pactuado, além do reajuste anual pelo IPCA (Cláusula 8ª, §2º), o valor de R$ 3,26 por ponto compartilhado para o ano de 2023, conforme disposto na alínea “d” do §1º da referida Cláusula 8ª. Ressalta-se que tal valor é inferior à metade daquele pago pela agravante no mesmo exercício de 2023, correspondente a R$ 6,85. No instrumento contratual juntado sob o ID. 137469290, constante dos autos de origem, firmado entre a agravada e a empresa de telecomunicações CLARO S/A, em 04/01/2021, as partes convencionaram que o reajuste anual do preço de compartilhamento seria efetuado com base no IPCA (Cláusula 8ª, §1º, alínea "e"), e não no IGP-M. Ademais, restou estipulado, no §2º da referida Cláusula 8ª, o valor de R$ 4,95 para o compartilhamento de cada poste. Ressalte-se que, caso essa prática se mantenha, além de configurar indesejável discriminação sem respaldo em fundamento razoável e proporcional, a conduta da concessionária de energia agravada adquire contornos de verdadeiro movimento anticoncorrencial, contribuindo, sobretudo, para a insalubre concentração do mercado. Esse tratamento desigual, além de prejudicar a agravante, também repercute negativamente sobre o consumidor desse tipo de serviço, que poderá dispor de menos opções no mercado. O art. 421-A do Código Civil de 2002, incluído pela Reforma da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), estabelece que nos contratos típicos entre particulares (isto é, fora de relações de consumo, de trabalho, etc.), presume-se que as partes contrataram em condições de igualdade e equilíbrio (paridade e simetria). Essas presunções, contudo, não são absolutas: podem ser afastadas se houver provas concretas de que uma das partes estava em situação de vulnerabilidade ou inferioridade no momento da contratação. Além disso, o caput ressalva que leis especiais (como o Código de Defesa do Consumidor) podem prever um tratamento diferente, independentemente dessa presunção de paridade. Apesar da presunção de paridade, o Código Civil exige que a interpretação dos contratos siga critérios específicos de justiça e razoabilidade. O Código Civil ainda dispõe: “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. § 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que: [...] IV - for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019). V - corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019).” Assim, a presunção de simetria do art. 421-A não impede que, na interpretação concreta, se proteja uma parte, se as cláusulas forem obscuras ou se a negociação racional indicar outro sentido. Dessa forma: “RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO ORDINÁRIA – TUTELA DE URGÊNCIA INDEFERIDA - PRETENDIDA MANUTENÇÃO DO CONTRATO - PAGAMENTO À CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA PROPRIETÁRIA DA REDE DO VALOR DO COMPARTILHAMENTO DE POSTES, VENCIDOS E VINCENDOS SEGUNDO O “PREÇO DE REFERÊNCIA” – ALEGADO TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO ENTRE A AGRAVANTE (PRESTADORA DE SERVIÇOS DE INTERNET POR FIBRA ÓPTICA) E OUTRAS GIGANTES DO SETOR – AFRONTA AO ART. 73 DA LEI N. 9.472/97 (LGT) E AO ART.4º, DA RESOLUÇÃO CONJUNTA N. 001/99, DA ANEEL, ANATEL E ANP –CONSTATAÇÃO - CONDUTA ANTI-CONCORRENCIAL E ESTIMULADORA DE CONCENTRAÇÃO DE MERCADO – APLICABILIDADE PROVISÓRIA DO “PREÇO DE REFERÊNCIA” PREVISTA NO ART.1º DA RESOLUÇÃO CONJUNTA N. 004/2014 ATUALIZADO PELO IPCA – RECURSO PROVIDO. A Lei n. 9.472/97 garantiu às prestadoras de serviços de telecomunicações o direito de fazer uso compartilhado da infraestrutura utilizada pela Energisa no fornecimento de energia elétrica, compensando financeiramente a concessionária por preço estabelecido mediante livre negociação entre as partes, não podendo tal contraprestação, contudo, à luz do art.73 da citada lei – também replicada no art.4º, da Resolução Conjunta n. 001/99, da ANEEL, ANATEL e ANP – imprimir caráter discriminatório, injusto, desarrazoado e anti-concorrencial. Considerando a existência de significativa dissonância entre o valor cobrado da agravante (prestadora de serviços de internet por fibra óptica) por compartilhamento de postes de energia e o cobrado de outras gigantes do mesmo setor que com ela concorrem, é de ser deferida a tutela de urgência para que remuneração da concessionária titular da rede física seja provisoriamente calculada a partir do chamado “preço de referência” previsto no art.1º da Resolução Conjunta n. 004/2014, corrigido ano a ano pelo IPCA, tal como garantido às demais concorrentes, sob pena de se perpetuar uma indevida conduta anti-concorrencial e estimuladora de inconveniente concentração de mercado.” (TJ-MT, RAI nº. 1002877-73.2024.8.11.0000, Relatora: DESA. MARILSEN ANDRADE ADDARIO, SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 03/07/2024). “AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO ORDINÁRIA - TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA - CONTRATO DE COMPARTILHAMENTO DE INFRAESTRUTURA (POSTES) - PREÇO DE REFERÊNCIA - RESOLUÇÃO CONJUNTA N. 004/2014 - ART. 300, DO CPC - PRESENÇA DOS REQUISITOS – DECISÃO. MANTIDA. - A Lei n. 9.472/97 garantiu às prestadoras de serviços de telecomunicações o direito de fazer uso compartilhado da infraestrutura utilizada pela Cemig no fornecimento de energia elétrica, compensando financeiramente a concessionária por preço estabelecido mediante livre negociação entre as partes, não podendo tal contraprestação, contudo, ostentar caráter discriminatório, injusto ou irrazoável. - A exigência de preço abusivo para o compartilhamento de postes evidencia a probabilidade do direito invocado em favor do requerente. - Presente o periculum in mora em favor do recorrido, consubstanciado no prejuízo econômico a ele imposto ao arcar com preço mensal que ultrapassa o dobro do preço de referência contido no art. 1º da Resolução Conjunta n. 004/2014. - Presentes a demonstração, ao menos por ora, do fumus boni iuris e do periculum in mora invocado pelo autor, impõe-se a manutenção da decisão proferida pelo Juízo a quo. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.24.173992-9/001, Relator(a): Des.(a) Maurício Soares, 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/05/2024, publicação da súmula em 16/05/2024) “AGRAVO DE INSTRUMENTO - COMPARTILHAMENTO DE INFRAESTRUTURA (POSTES) ENTRE CONCESSIONÁRIAS DE ENERGIA ELÉTRICA E PRESTADORAS DE SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÕES - PREÇO POR PONTO DE COMPARTILHAMENTO - ABUSIVIDADE - REDUÇÃO DO PREÇO ESTIPULADO CONTRATUALMENTE - RESOLUÇÃO Nº 04/2014 DA ANEEL/ANATEL - PREÇO DE REFERÊNCIA. 1 - A Resolução Conjunta nº 04/2014 da ANEEL/ANATEL estabeleceu o valor de R$3,19 (três reais e dezenove centavos) como preço de referência do ponto de fixação para o compartilhamento de postes entre distribuidoras de energia elétrica e prestadoras de serviços de telecomunicações. 2 - Imperiosa a aplicação do preço de referência estabelecido na Resolução Conjunta nº 004/2014 da ANATEL/ANEEL quando verificada a abusividade do preço estabelecido contratualmente.” (TJ-MG, Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.24.193676-4/001, Relator(a): Des.(a) Jair Varão, 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/05/2024, publicação em 10/05/2024) Portanto, revela-se conveniente a manutenção da higidez do contrato celebrado entre as partes, condicionada à continuidade do pagamento, pela agravante, dos valores previstos no contrato de compartilhamento de rede, atualizados monetariamente pelo IPCA, tomando-se como base o denominado “preço de referência”, fixado no valor original de R$ 3,19, nos termos do art. 1º da Resolução Conjunta nº 004/2014 da ANATEL e da ANEEL. Com efeito, considerando a disparidade no tratamento conferido pela concessionária ré às empresas concorrentes no mesmo mercado, por meio de práticas notoriamente discriminatórias, com inequívoco potencial de fomentar uma indesejável concentração econômica em favor de determinados agentes, impõe-se o provimento do presente recurso. Ante o exposto, realizo o julgamento simultâneo do mérito do AGRAVO DE INSTRUMENTO e AGRAVO INTERNO nos termos do art. 932, inciso I, do CPC, aplicando-lhe os mesmos fundamentos expendidos na presente decisão, para DAR PROVIMENTO a ambos para: Deferir a aplicação do “preço de referência” estabelecido no art. 1º da Resolução Conjunta nº 004/2014 da ANATEL e da ANEEL, devidamente atualizado, ano a ano, pelo índice IPCA, montante que, conforme informado pela agravante, corresponde atualmente ao valor de R$ 5,33 (cinco reais e trinta e três centavos) por cada ponto de fixação. Autorizar o depósito do valor total incontroverso de R$ 136.730,49 (cento e trinta e seis mil setecentos e trinta reais e quarenta e nove centavos), determinando, por conseguinte, a suspensão da exigibilidade dos créditos em discussão. Determinar a abstenção da ré em efetuar a cobrança da parte autora por eventuais valores alegadamente devidos, ficando vedados, ainda, o protesto, a inscrição em cadastros de inadimplentes e a prática de quaisquer atos constritivos relacionados ao débito em voga. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 28/05/2025
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