Banco Pan S.A. e outros x Banco Pan S.A. e outros
ID: 323682370
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1025044-58.2024.8.11.0041
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARYKELLER DE MELLO
OAB/SP XXXXXX
Desbloquear
ROBERTA BEATRIZ DO NASCIMENTO
OAB/MT XXXXXX
Desbloquear
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1025044-58.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Contratos Bancários, Interpretação / Revisão de …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1025044-58.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Contratos Bancários, Interpretação / Revisão de Contrato, Efeitos] Relator: Des(a). MARCOS REGENOLD FERNANDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [PATRICK MARTINS ELIZIARIO - CPF: 064.815.471-80 (APELANTE), MARYKELLER DE MELLO - CPF: 269.997.838-88 (ADVOGADO), BANCO PAN S.A. - CNPJ: 59.285.411/0001-13 (APELADO), ROBERTA BEATRIZ DO NASCIMENTO - CPF: 261.067.088-51 (ADVOGADO), PATRICK MARTINS ELIZIARIO - CPF: 064.815.471-80 (APELADO), MARYKELLER DE MELLO - CPF: 269.997.838-88 (ADVOGADO), BANCO PAN S.A. - CNPJ: 59.285.411/0001-13 (APELANTE), ROBERTA BEATRIZ DO NASCIMENTO - CPF: 261.067.088-51 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO DO BANCO PAN S.A. E PROVEU PARCIALEMTNE O APELO DE PATRICK MARTINS ELIZIÁRIO. E M E N T A DIREITO DO CONSUMIDOR E BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. TARIFA DE CADASTRO. TARIFA DE REGISTRO. TARIFA DE AVALIAÇÃO DO BEM. SEGURO PRESTAMISTA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO CONSUMIDOR. RECURSO DO BANCO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta em ação revisional de contrato bancário visando à revisão de cláusulas contratuais de financiamento de veículo, alegada abusividade de juros remuneratórios e encargos acessórios, com pedido de limitação da taxa de juros, afastamento de capitalização mensal, declaração de nulidade de tarifas e de seguro prestamista, e repetição em dobro dos valores pagos a maior. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há quatro questões em discussão: (i) definir se os juros remuneratórios pactuados superam a taxa média de mercado a justificar revisão; (ii) estabelecer se é válida a capitalização mensal pactuada no contrato; (iii) determinar a validade das cobranças de tarifa de cadastro, registro e avaliação do bem; (iv) verificar a legalidade da cobrança de seguro prestamista e a forma de restituição de valores pagos indevidamente. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A taxa de juros remuneratórios pactuada (2,26% a.m.) não supera significativamente a taxa média de mercado divulgada pelo BACEN, sendo insuficiente para caracterizar abusividade, conforme entendimento consolidado no STJ. 4. A capitalização mensal de juros é válida por estar expressamente pactuada e a taxa anual contratada (30,74%) superar o duodécuplo da taxa mensal, conforme entendimento do STJ no REsp 973.827/RS. 5. A tarifa de cadastro e a tarifa de registro são válidas, pois previstas contratualmente, prestado o serviço e os valores cobrados não se mostram excessivos. 6. A tarifa de avaliação do bem é abusiva, pois não comprovada a efetiva prestação do serviço pela instituição financeira, devendo ser restituída. 7. A cobrança do seguro prestamista caracteriza venda casada, sendo abusiva pela limitação à escolha do consumidor, devendo ser restituída. 8. A restituição dos valores pagos a título de tarifa de avaliação e seguro prestamista deve ocorrer em dobro, com base no art. 42, parágrafo único, do CDC, aplicando-se o Tema 929/STJ, visto que os pagamentos ocorreram após 30/03/2021 e não comprovada boa-fé pela instituição financeira. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso provido parcialmente em favor do consumidor e recurso do banco desprovido. Tese de julgamento: 1. A taxa de juros remuneratórios pactuada inferior a uma vez e meia a taxa média de mercado não configura abusividade a justificar revisão judicial. 2. A capitalização mensal de juros é válida quando expressamente pactuada e a taxa anual contratada for superior ao duodécuplo da taxa mensal. 3. São válidas as cobranças de tarifa de cadastro e tarifa de registro quando previstas contratualmente, comprovada a prestação do serviço e ausência de onerosidade excessiva. 4. A tarifa de avaliação do bem é abusiva se não comprovada a efetiva prestação do serviço, devendo ser restituída ao consumidor. 5. A cobrança de seguro prestamista de forma vinculada à operação de crédito configura venda casada e deve ser restituída ao consumidor. 6. A restituição dos valores pagos indevidamente em decorrência de venda casada e cobrança de tarifas sem comprovação deve ocorrer em dobro, conforme art. 42, parágrafo único, do CDC e Tema 929/STJ, para pagamentos realizados após 30/03/2021. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CDC, arts. 6º, III, 39, I, 42, parágrafo único, e 51, § 1º; CC, arts. 389, 406; CPC, arts. 85 e 86. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.061.530/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção; STJ, REsp 973.827/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção; STJ, Tema 929 (EREsp 1413542/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Corte Especial); STJ, Tema 972 (REsp 1639259/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção); STJ, AgInt no AREsp 2.386.005/SC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES [RELATOR] Egrégia Câmara: Trata-se de recursos de apelação interpostos por PATRICK MARTINS ELIZIÁRIO e BANCO PAN S.A contra a sentença (Id. 294134855) proferida pelo Juiz de Direito Leonardo de Campos Costa e Silva Pitaluga da 4ª Vara Especializada em Direito bancário de Cuiabá-MT, em ação revisional de contrato bancário n. 1025044-58.2024.8.11.0041 proposta por si contra o BANCO PAN S.A., que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, reconhecendo a abusividade apenas quanto à tarifa de avaliação do bem e parte do valor cobrado a título de seguro, determinando a restituição simples dos valores pagos a maior, com atualização pelo IPCA e juros SELIC, e determinando a revisão integral do contrato em sede de liquidação, para dedução dos valores restituídos do CET (Custo Efetivo Total). Em suas razões recursais (Id. 294134857), PATRICK MARTINS ELIZIÁRIO alega que o contrato firmado possui cláusulas abusivas e que não foram prestadas informações claras sobre os encargos cobrados, violando os princípios da boa-fé objetiva e da transparência, previstos no Código de Defesa do Consumidor, além do dever de informação previsto nos artigos 6, III e 46 do CDC. Sustenta que houve abusividade nas taxas de juros, taxas administrativas e seguros, as quais foram incluídas no contrato sem prévia anuência e esclarecimento, alegando que os juros remuneratórios são superiores à média de mercado, o que caracteriza onerosidade excessiva. Argumenta que a sentença deixou de acolher integralmente a demanda, limitando-se a determinar a devolução de parte das tarifas, sem reconhecer a total abusividade das cláusulas contratuais, e sem a devolução em dobro, conforme o art. 42, parágrafo único, do CDC, sendo devida diante da má-fé da instituição financeira. Por fim, requer que o recurso seja provido para declarar a abusividade das cláusulas de encargos ilegais, determinando a revisão integral do contrato com limitação de juros à média do mercado e a devolução em dobro dos valores pagos a maior, afastando a condenação ao pagamento das custas e honorários, diante da gratuidade concedida. Por sua vez, BANCO PAN S.A. (Id. 294134859) alega que a sentença incorreu em error in judicando ao determinar a devolução de valores relativos a tarifas e taxas, pois não restou demonstrada abusividade, sendo estas devidas e contratadas, inexistindo violação ao Código de Defesa do Consumidor. Afirma que houve regularidade contratual, que os encargos foram transparentes, estando prevista a cobrança de tarifa de avaliação e seguro, o que estaria em consonância com a Súmula 539 e 541 do STJ. Alega violação ao princípio pacta sunt servanda e ausência de vícios que justificassem a revisão contratual, sustentando que os encargos foram devidamente esclarecidos, afastando alegação de falta de informação ou de cláusulas abusivas. Requer a reforma integral da sentença para julgar improcedentes os pedidos iniciais, afastando a condenação de devolução dos valores, bem como o reconhecimento de qualquer abusividade contratual, e condenando o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do apelante. Contrarrazões de PATRICK MARTINS ELIZIÁRIO (Id. 294134864), pelo desprovimento do recurso. É o relatório. Inclua-se em pauta. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES [RELATOR] Colenda Câmara: Cuida-se, na origem, de ação revisional de contrato bancário com pedido de tutela antecipada proposta por PATRICK MARTINS ELIZIÁRIO, com objetivo de revisão do contrato de empréstimo nº 108009508 (Id. 294134376), realizado em 29/02/2024, no valor de R$ 39.525,33 (trinta e nove mil, quinhentos e vinte e cinco reais e trinta e três centavos), com parcelas de R$ 1.357,30 (mil, trezentos e cinquenta e sete reais e trinta centavos – Id. 294134376 – fls. 4), com taxa de juros pela operação de 2.26% ao mês, e 30,74% ao ano. Alega, em síntese, que por se tratar de relação de consumo e considerando sua hipossuficiência técnica e financeira, é de rigor a revisão do contrato de financiamento para aquisição de veículo automotor, noticiando a cobrança de juros remuneratórios em patamar superior à média de mercado, a capitalização diária sem previsão expressa, a imposição de seguro prestamista sem opção de contratação e a restituição em dobro dos valores supostamente pagos a maior, afirmando a violação ao Código de Defesa do Consumidor e a necessidade de equilíbrio contratual. O juízo de origem julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, afastando a cobrança da Tarifa de Avaliação e do Seguro Prestamista, mantendo, contudo, os juros pactuados e a capitalização, motivo pelo qual ambas as partes interpuseram recurso, requerendo a análise integral das matérias ventiladas. Eis o teor da sentença objurgada, no que pertine: “[...] Com relação à tarifa de cadastro, ao enfrentar a matéria por ocasião do julgamento do REsp nº 1255573/RS, o STJ sedimentou sua jurisprudência e editou a Súmula 566 assim redigida: “Nos contratos bancários posteriores ao início da vigência da Resolução-CMN n. 3.518/2007, em 30/4/2008, pode ser cobrada a tarifa de cadastro no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira.” Ademais, desde que expressamente prevista no contrato celebrado entre as partes, é lícita a exigência da referida obrigação. [...] No caso em apreço, o valor cobrado pelo banco demandado, expressamente previsto no contrato então celebrado, está em sintonia com aqueles praticados pelo mercado, não sendo o caso, portanto, de se reconhecer a sua abusividade tal como pretendido na presente ação. [...] Quanto à referida tarifa, sabe-se que o STJ, ao julgar o REsp 1578553/SP, firmou tese no sentido de ser abusiva a cobrança de tarifa de avaliação do bem sem a comprovação do serviço prestado. Ademais, eventual abuso decorrente de valor excessivo também pode ser revisto judicialmente. [...] Assim, tendo em vista que o banco demandado não comprovou a efetiva prestação do serviço por meio do documento hábil, é o caso de restituição do valor indevidamente cobrado. [...] Neste cenário, verifica-se que o banco demandado não comprovou ter permitido que o autor celebrasse, ou não, o contrato de seguro com outra empresa que não aquela por ele indicada, notadamente a celebração da avença mediante propostas de contratação e de adesão e os bilhetes de seguro deverão ser documentos próprios, distintos e apartados do instrumento de contratação da obrigação a que o seguro está vinculado, tal como previsto no art. 7º da Resolução 365/2018 do CNSP (Conselho Nacional de Seguros Privados, vinculado ao Ministério da Fazenda) tratando-se, portanto, de venda casada proibida em nosso ordenamento jurídico.[...] Nessa perspectiva, não havendo comprovação de que fora oportunizado ao consumidor escolher a contratação do seguro prestamista com seguradora diversa daquela indicada pelo banco demandado, é o caso de restituição do valor indevidamente cobrado. [...] DO REGISTRO DO CONTRATO No que concerne a esta obrigação, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n 1578553/SP, Tema 958, julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos, reconheceu sua validade, desde que o serviço tenha sido efetivamente prestado pela instituição financeira e o valor não seja excessivamente oneroso. [...] No caso, além da expressa pactuação e da comprovada prestação do serviço (id. 164763284), verifica-se que o valor exigido não diverge daqueles comumente cobrados em casos semelhantes, não há que se falar abusividade contratual a ser pronunciada nos autos.[...] No caso dos autos, verifica-se do contrato anexado aos autos, que que a capitalização está expressada por meio da taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal. Mas ainda assim a parte autora alega diferença entre a taxa contratada e aquela efetivamente aplicada na composição do débito, requerendo, em razão disso, a readequação contratual. Todavia, conforme já mencionado, há capitalização dos juros superior ao duodécuplo mensal a resultar, portanto, em taxa diversa daquela apresentada no contrato em razão da diferença havida entre a taxa nominal e a taxa efetiva, uma vez que a capitalização composta com periodicidade mensal não é o resultado da mera multiplicação por 12 da taxa mensal. [...] Assim, havendo inequívoca capitalização, não há que se falar em readequação da taxa de juros tal como pretendido pela parte autora, pois a taxa efetiva está em concordância com aquilo que fora pactuado e apontado no contrato a título de taxa anual (2,26% a.m. e 30,74% a.a.).[...] Assim, não obstante ao comportamento abusivo do banco demandado e do prejuízo experimentado pela parte autora, entendo que a situação não caracteriza, necessariamente, violação aos direitos da sua personalidade ou mesmo ofensa à honra subjetiva, permanecendo, portanto, a situação, na esfera do mero aborrecimento a afastar, portanto, a possibilidade de reparação, mesmo porque, sob a ótica do demandado, apenas estava cumprindo o que fora pactuado. [...] Aplica-se ao caso o disposto na Súmula 159 do STF no sentido de que: “Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil”, de maneira que, não havendo provas mínimas de má-fé por parte do banco demandado, a restituição deverá se dar na forma simples, e não em dobro tal como requerido pela parte autora. [...] Diante de todo o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, com fundamento no art. 487, inciso I, do CPC, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, nos seguintes termos: 1 – determino a devolução dos valores referentes à tarifa de avaliação do bem e do restante da taxa de seguro; 2 – a restituição do indébito deverá se dar na forma simples, aplicando-se a correção monetária pelo IPCA, a partir do pagamento, e juros de mora pela SELIC, a ser computado desde a citação, devendo ser observado, por ocasião da elaboração do cálculo, o disposto nos artigos 389, par. único, e 406, § 1º, ambos do Código Civil (alterados pela Lei 14.905/24) e a Resolução CMN nº 5.171/2024 do Banco Central do Brasil. 3 – O(s) contrato(s) deverá(ão) ser integralmente revisado(s), em sede de liquidação de sentença, descontando-se do CET (custo efetivo total) o(s) valor(es) apontado(s) no item 1 do dispositivo da presente sentença, compensando-se e/ou restituindo-se o que for cabível. Tendo em vista que o banco demandado decaiu de parte mínima do pedido, e tendo em vista que a condenação se deu em valor irrisório, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais, e honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 850,00, cuja exigibilidade fica suspensa por força da gratuidade da justiça concedida nos autos. Sem custas finais. [...]” (Id. 294134855 – fls. 14). Inicialmente, mister se faz constar que é entendimento cediço que os contratos de natureza bancária estão inseridos no rol dos contratos de adesão, sendo imperiosa a aplicação do CDC no caso vertente, mormente por constar a atividade bancária expressamente elencada no artigo 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor. Esse entendimento vem sendo corroborado pela melhor doutrina e jurisprudência pátria, cumprindo destacar o entendimento esposado por Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, in verbis: “Contratos bancários. Todas as operações e contratos bancários se encontram sob o regime jurídico do CDC. Não só os serviços bancários, expressamente previstos no CDC, 3º, § 2º, mas qualquer outra atividade, dado que o banco é sociedade anônima, reconhecida sua atividade como sendo de comércio, por expressa determinação do Ccom. 119. Assim, as atividades bancárias são de comércio e o comerciante é fornecedor conforme prevê o caput do CDC, 3º. Por ser comerciante o banco é sempre fornecedor de produtos e serviços.” (Código de Processo Civil Comentado, 4ª edição, ed. RT, p. 1832, nota 12) Dessa forma, é pacífica a aplicação do Código de Defesa do Consumidor na espécie. A controvérsia gravita em torno da legalidade dos juros remuneratórios aplicados em contrato de financiamento de veículo, da legalidade da cobrança de Tarifa de Cadastro, Registro e Avaliação, capitalização diária, cobrança do seguro prestamista, e da forma de devolução de valores pagos a maior, tudo à luz do Código de Defesa do Consumidor. Em relação aos juros remuneratórios do contrato, a possibilidade de sua revisão foi firmada pelo Superior Tribunal de Justiça nos Temas Repetitivos nº 27 e 234, in verbis: “É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, §1 º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto”. (STJ, Segunda Seção, REsp 1061530/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Dje 1/12/2009). “Nos contratos de mútuo em que a disponibilização do capital é imediata, o montante dos juros remuneratórios praticados deve ser consignado no respectivo instrumento. Ausente a fixação da taxa no contrato o juiz deve limitar os juros à média de mercado nas operações da espécie, divulgada pelo Bacen, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o cliente. Em qualquer hipótese, é possível a correção para a taxa média se for verificada abusividade nos juros remuneratórios praticados”. (STJ, Segunda Seção, REsp 1112879/PR, relatora Desembargadora Nancy Andrighi, Dje 19/5/2010). Nessa intelecção, o modo de auferir acerca da abusividade ou não da taxa de juros remuneratórios tem sido a taxa média de mercado divulgada no site do Banco Central do Brasil para cada tipo de operação bancária, observada as suas especificidades como o custo da captação dos recursos, análise do perfil de risco de crédito do tomador e o spread da operação. Nesse sentido: “É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que o abuso fique cabalmente demonstrado. A jurisprudência tem considerado abusivas taxas superiores a uma vez e meia; ao dobro ou ao triplo da média - o que não ocorreu no caso em análise." (STJ, Terceira Turma, AgInt no AREsp n. 2.386.005/SC, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe de 22/11/2023.) "Eventual redução da taxa de juros, somente pelo fato de estar acima da média de mercado, sem que seja mencionada circunstância relacionada ao custo da captação dos recursos, à análise do perfil de risco de crédito do tomador e ao spread da operação, apenas cotejando, de um lado, a taxa contratada e, de outro, o limite aprioristicamente adotado pelo julgador em relação à taxa média divulgada pelo Bacen - está em confronto com a orientação firmada na Segunda Seção desta Corte nos autos do REsp 1.061.530/RS" (STJ, Quarta Turma, AgInt no AREsp 1.772.563/RS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Dje 24/06/2021) No presente caso, consta no contrato realizado em 29/2/2024 que a taxa de juros estabelecida é de 2,26% a.m., e 30,74% a.a. (Id. 294134376), e na consulta à taxa média de mercado para operações de crédito pessoal (aquisição de veículo) não consignado na mesma época, conforme BACEN (https://calculojuridico.com.br/juros-bacen/), verifica-se que a taxa média aplicada era de 1,88% a.m. (25,41% a.a.). Conforme disposto no recurso repetitivo REsp 1.061.530/RS, admite-se a revisão de juros remuneratórios apenas em situações excepcionais, quando comprovada a onerosidade excessiva ou a ausência de transparência na contratação, o que não se verifica no presente caso. Na espécie, o entendimento do magistrado de origem está de acordo com o que vem decidindo o STJ em diversos precedentes ao afastar o parâmetro de limitação de juros, admitindo que se tome a média do mercado financeiro divulgada pelo Banco Central, considerando abusivas taxas superiores a uma vez e meia, ao dobro (Resp 1.036.818, 3ª Turma, DJ 20/06/2008), ou até mesmo ao triplo daquela média, conforme restou decidido pela Segunda Seção do STJ no julgamento do Recurso Repetitivo REsp n. 1.061.530/RS, que culminou na edição dos Temas 24 a 36. A propósito, reafirmando a própria jurisprudência: “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONCLUSÃO PELA EXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE NA TAXA DE JUROS PACTUADA. REQUISITOS PARA CONFIGURAÇÃO DA ABUSIVIDADE NÃO PREENCHIDOS. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO ÀS SÚMULAS 5 E 7/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que o abuso fique cabalmente demonstrado. A jurisprudência tem considerado abusivas taxas superiores a uma vez e meia; ao dobro ou ao triplo da média - o que não ocorreu no caso em análise. [...]” (STJ. AgInt no AREsp n. 2.386.005/SC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. 20/11/2023, DJe 22/11/2023) Fixada a premissa de que, salvo situações excepcionais, os juros remuneratórios podem ser livremente pactuados em contratos de empréstimo no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, questiona-se a possibilidade de o Poder Judiciário exercer o controle da liberdade de convenção de taxa de juros naquelas situações que são evidentemente abusivas. Nesse cenário, após detida análise do caso, não vislumbro a demonstração da abusividade propalada pela apelante, uma vez que a taxa contratada de 2,26% a.m., é inferior a uma vez e meia a taxa da média de mercado para a operação no período (1,88% a.m.), que alcançaria 2,82% a.m. Logo, não há discrepância significativa com a média praticada no mercado financeiro para a modalidade de financiamento de veículo, o que, conforme os critérios estabelecidos pelo STJ acima mencionados, não configura abusividade. Nesse sentido: “Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ‘os juros remuneratórios devem ser limitados à taxa média de mercado quando comprovada, no caso concreto, a significativa discrepância entre a taxa pactuada e a taxa de mercado para operações similares’ (AgInt no REsp 1.930.618/RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 25/4/2022, DJe 27/4/2022)” (STJ. AgInt no AREsp n. 2.518.721/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. 29/4/2024, DJe 02/05/2024) (g.n.) Portanto, não há que se falar em revisão dos juros remuneratórios pactuados. No que se refere à capitalização de juros, sua cobrança é legítima, pois expressamente pactuada no contrato, atendendo ao entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 973.827/RS, in verbis: “É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada. A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada” (STJ, Segunda Seção, REsp: 973827/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Dje 08/08/2012) In casu, o contrato foi celebrado após 31/03/2000, há pactuação expressa e a taxa anual (30,74%) é superior ao duodécuplo da mensal (2,26% x 12: 27,12% a.a.), cumprindo, portanto, todos os requisitos para sua validade. Quanto à cobrança da Tarifa de Cadastro (R$ 850,00: oitocentos e cinquenta reais), Tarifa de avaliação (R$ 650,00: seiscentos e cinquenta reais), e Tarifa de Registro (R$ 316,00: trezentos e dezesseis reais) (Id. 294134376), o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recursos repetitivos, já se manifestou acerca da validade da cobrança de tarifas bancárias, desde que haja previsão expressa e clara no contrato e a cobrança corresponda a serviços efetivamente prestados pela instituição financeira. “RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 972/STJ. DIREITO BANCÁRIO. DESPESA DE PRÉ-GRAVAME. VALIDADE NOS CONTRATOS CELEBRADOS ATÉ 25/02/2011. SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA. VENDA CASADA. OCORRÊNCIA. RESTRIÇÃO À ESCOLHA DA SEGURADORA. ANALOGIA COM O ENTENDIMENTO DA SÚMULA 473/STJ. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. NÃO OCORRÊNCIA. ENCARGOS ACESSÓRIOS. 1. DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA: Contratos bancários celebrados a partir de 30/04/2008, com instituições financeiras ou equiparadas, seja diretamente, seja por intermédio de correspondente bancário, no âmbito das relações de consumo. 2. TESES FIXADAS PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015: 2.1 - Abusividade da cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da despesa com o registro do pré-gravame, em contratos celebrados a partir de 25/02/2011, data de entrada em vigor da Res.-CMN 3.954/2011, sendo válida a cláusula pactuada no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da onerosidade excessiva . 2.2 - Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada. 2.3 - A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora. 3. CASO CONCRETO. 3.1. Aplicação da tese 2.1 para declarar válida a cláusula referente ao ressarcimento da despesa com o registro do pré-gravame, condenando-se porém a instituição financeira a restituir o indébito em virtude da ausência de comprovação da efetiva prestação do serviço. 3.2. Aplicação da tese 2.2 para declarar a ocorrência de venda casada no que tange ao seguro de proteção financeira. 3.3. Validade da cláusula de ressarcimento de despesa com registro do contrato, nos termos da tese firmada no julgamento do Tema 958/STJ, tendo havido comprovação da prestação do serviço. 3.4. Ausência de interesse recursal no que tange à despesa com serviços prestados por terceiro. 4. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.” (STJ, Segunda Seção, REsp 1639259/SP recurso repetitivo, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Dje 17/12/2018). “Permanece válida a tarifa de cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada do início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira”. (Tema 620 STJ, REsp 1251331/RS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Dje 10/2/2014). Assim, especificamente quanto à Tarifa de Cadastro, o STJ considera válida sua cobrança em contratos bancários firmados a partir de 30/04/2008, e também a Tarifa de Registro, desde que pactuada de forma clara e não seja excessiva e, no caso, a cobrança de R$ 850,00 (oitocentos e cinquenta reais) e R$ 316,00: trezentos e dezesseis reais, estão reguladas pela Resolução nº 3.919/2010 do Banco Central do Brasil, e previstas no contrato (Id. 294134376). Além disso, há prova do serviço efetivamente prestado consoante a Ficha Cadastral (Id. 294134393) e registro do gravame (Id. 294134377), tampouco se revelam excessivas, encontrando-se dentro dos padrões de mercado. Por outro lado, quanto à Tarifa de Avaliação (R$ 650,00: seiscentos e cinquenta reais), vale lembrar que, conforme entendimento consolidado pelo c. STJ, a referida cobrança deve corresponder a um serviço efetivamente prestado. No caso dos autos, observo que a instituição financeira não demonstrou a efetiva prestação do serviço, pois não há nos autos qualquer documento que comprove as providências para avaliação do veículo objeto do contrato, tampouco qualquer laudo de vistoria, não sendo possível concluir que o veículo tenha sido vistoriado, razão pela qual, em sintonia com o entendimento jurisprudencial, configura abusividade na cobrança. Quanto aos seguros de proteção financeira, não há vedação quanto à inclusão do seguro nas disposições dos contratos bancários. O que é vedado é que a instituição financeira condicione e limite a contratação, por parte do consumidor, a um seguro de determinada seguradora de sua escolha, excluindo a sua liberdade na hora da contratação. No caso em comento, é a imposição de contratação desse seguro de proteção financeira que está em debate. Após esmiuçar as provas produzidas nos autos, vejo que não prospera a alegação do Banco, pois restou evidenciado que o consumidor teve sua liberdade de escolha limitada, pois o contrato de financiamento condiciona a adesão ao seguro ofertado pela seguradora “TOO Seguros S.A”, conforme se verifica do documento juntado em Id. 294134376, fl. 4. Não obstante a afirmação do Banco de que há cláusula expressa sobre o caráter opcional da proposta de seguro (Cláusula 6.2), deixou de comprovar a existência de proposta do seguro apartada, sendo o contrato de seguro parte integrante do mesmo documento do contrato de financiamento, conforme Id. 294134376, o que sugere tratar-se de um único documento. Tal circunstância deixa claro que o consumidor foi compelido a aderir ao seguro prestamista apresentado no momento da contratação do empréstimo, configurando, assim, a venda casada. Nesse sentido: “[...] De acordo o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.639.320/SP (Tema 972) submetido ao rito do artigo 1.036 do Código de Processo Civil, consolidou o entendimento de que: “noscontratosbancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratarsegurocom a instituição financeira ou com a seguradora por ele indicada”, porque além de configurarvendacasada, é proibida pelo artigo 39, I, do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que retira do consumidor o direito de negociar um preço mais justo com outras seguradoras”. A cobrança deseguroprestamista que, não obstante previsão contratual, deve ser afastada, pois, não teve o correntista, ao optar pela contratação doseguro, a liberdade de escolher a respectiva seguradora. Restando constatado o pagamento de valores a maior pela parte, em sede de liquidação de sentença, cabível a repetição de indébito na forma simples, devidamente atualizado, tendo em vista o princípio que veda o enriquecimento sem causa do credor. A condenação da devolução dos valores cobrados indevidamente em dobro demanda a comprovada a má-fé, o abuso ou leviandade, como determinam os artigos 940 do CC e 42, parágrafo único do CDC, o que não ocorreu na espécie.” (TJ/MT, Primeira Câmara de Direito Privado, 1003807-95.2023.8.11.0010, relatora Desembargadora Nilza Maria Possas de Carvalho, Dje 05/06/2024). Dessa forma, sendo o seguro de proteção financeira contratado com seguradora indicada pela própria instituição financeira, sua cobrança se mostra ilegal, restando caracterizada a chamada “venda casada”. No tocante à repetição do indébito, a questão demanda maior exame. A sentença determinou a devolução na forma simples por ausência de comprovação de má-fé do Banco quanto a cobrança considerada abusiva, deixando de aplicar o disposto no artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor: “Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”. Entretanto, nos termos do Tema 929/STJ (EREsp 1413542/RS), publicado em 30/03/2021, a restituição em dobro pressupõe conduta contrária à boa-fé objetiva, independentemente de dolo ou culpa, in verbis: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. HERMENÊUTICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC. REQUISITO SUBJETIVO. DOLO/MÁ-FÉ OU CULPA. IRRELEVÂNCIA. PREVALÊNCIA DO CRITÉRIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. MODULAÇÃO DE EFEITOS PARCIALMENTE APLICADA. ART. 927, § 3º, DO CPC/2015. IDENTIFICAÇÃO DA CONTROVÉRSIA 1. Trata-se de Embargos de Divergência que apontam dissídio entre a Primeira e a Segunda Seções do STJ acerca da exegese do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor - CDC. A divergência refere-se especificamente à necessidade de elemento subjetivo para fins de caracterização do dever de restituição em dobro da quantia cobrada indevidamente. 2. Eis o dispositivo do CDC em questão: "O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável" (art. 42, parágrafo único, grifo acrescentado). [...] 28. Com essas considerações, conhece-se dos Embargos de Divergência para, no mérito, fixar-se a seguinte tese: A REPETIÇÃO EM DOBRO, PREVISTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC, É CABÍVEL QUANDO A COBRANÇA INDEVIDA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA, OU SEJA, DEVE OCORRER INDEPENDENTEMENTE DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS 29. Impõe-se MODULAR OS EFEITOS da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público - se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão. RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO 30. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido fixou como requisito a má-fé, para fins do parágrafo único do art. 42 do CDC, em indébito decorrente de contrato de prestação de serviço público de telefonia, o que está dissonante da compreensão aqui fixada. Impõe-se a devolução em dobro do indébito. CONCLUSÃO 31. Embargos de Divergência providos”. (STJ, Corte Especial, EREsp 1413542/RS, relator para acórdão Ministro Herman Benjamin, Dje 30/3/2021). Todavia, vê-se que a Corte Especial do STJ modulou os efeitos da decisão para que o entendimento prevalente se aplique apenas às cobranças realizadas após a data da publicação do acórdão paradigma. Para cobranças anteriores, mantém-se a exigência de demonstração de má-fé para a repetição em dobro. Tal orientação jurisprudencial vem sendo reiteradamente adotada pelo Superior Tribunal de Justiça e por este Tribunal, inclusive em julgados recentes que reafirmam a aplicação do entendimento firmado no Tema 929/STJ: “[...] A Corte Especial, afastando o requisito de comprovação de má-fé, fixou a tese de que a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo?. 3.3. Deve-se observar a modulação dos efeitos da referida decisão quanto aos indébitos não decorrentes de prestação de serviço público, para que o entendimento se aplique apenas às cobranças realizadas após 30/3/2021 (data de publicação do acórdão). 3.4. No particular, o acórdão recorrido fixou como requisito a comprovação de má-fé para o ressarcimento em dobro previsto no parágrafo único do art. 42 do CDC, o que contraria o entendimento fixado pela Corte Especial deste STJ, impondo-se a devolução em dobro do indébito para as cobranças realizadas após 30/3/2021. [...]”. (STJ, Terceira Turma, REsp 1947636/PE, relatora Ministra Nancy Andrighi, Dje 6/9/2024). “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – APELAÇÃO CÍVEL - PRESCRIÇÃO QUINQUENAL, JUROS DE MORA E COMPENSAÇÃO - AUSÊNCIA DOS VÍCIOS DESCRITOS NO ART. 1.022 DO CPC– MODULAÇÃO DOS EFEITOS NO EARESP 600.663/RS- CORTE ESPECIAL DO STJ - REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES ATÉ 30-03-2021 - APÓS EM DOBRO - OMISSÃO CONFIGURADA - EFEITOS INFRINGENTES ATRIBUIÍDOS - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Os Embargos de Declaração se destinam apenas ao saneamento de algum dos vícios elencados no artigo 1.022 do CPC. Deve-se observar a modulação dos efeitos da referida decisão quanto aos indébitos não decorrentes de prestação de serviço público, para que o entendimento se aplique apenas às cobranças realizadas após 30/3/2021 (data de publicação do acórdão). (AgInt nos EREsp n. 1.951.717/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, julgado em 25/6/2024, DJe de 1/7/2024.)”. (TJ/MT, Quarta Câmara de Direito Privado, embargos de declaração na apelação n. 1036975-97.2020.8.11.0041, relator Desembargador Rubens de Oliveira Santos Filho, Dje 11/11/2024). “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO NA ANÁLISE DA REGULARIDADE DO CONTRATO E DA NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ PARA DEVOLUÇÃO EM DOBRO. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO. INADMISSIBILIDADE DE REEXAME DA MATÉRIA. EMBARGOS REJEITADOS. [...] IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Embargos de Declaração rejeitados. Tese de julgamento: 1. Embargos de Declaração não se prestam ao reexame do mérito da decisão embargada, sendo cabíveis apenas para sanar omissão, contradição, obscuridade ou erro material. 2. A assinatura por selfie e a ausência de gravações das tratativas não são suficientes para comprovar a validade de contrato eletrônico, cabendo ao fornecedor demonstrar a autenticidade da contratação. 3. A repetição do indébito em dobro prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, independe de má-fé do fornecedor, bastando a violação da boa-fé objetiva. 4. A modulação dos efeitos determinada pelo STJ no EAREsp 676.608/RS restringe-se a valores pagos antes de 30/03/2021, sendo aplicável a repetição em dobro para cobranças posteriores a essa data. [...]”. (TJ/MT, Quinta Câmara de Direito Privado, apelação 1031135-58.2022.8.11.0002, relator Desembargador Márcio Vidal, Dje 14/02/2025) No caso concreto, consta dos autos que a realização do contrato com a cobrança da Tarifa de Avaliação, cujo serviço não foi comprovado nos autos, e o Seguro Prestamista, inserido no bojo do contrato de financiamento, configurando a venda casada do seguro, foi efetuado na data de 29/2/2024 (Id. 294134376). Desse modo, todos os descontos se efetivaram após 30/03/2021, razão pela qual o entendimento do Tema 929/STJ, com a inversão do ônus da demonstração do engano justificável, é integralmente aplicável. Logo, diante da ausência de qualquer justificativa ou demonstração de boa-fé por parte da instituição financeira, a devolução em dobro é de rigor, à luz do artigo 42, parágrafo único, do CDC. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso do BANCO PAN S.A. e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de PATRICK MARTINS ELIZIÁRIO, para: Declarar a abusividade da cobrança da Tarifa de Avaliação do Bem, determinando a restituição em dobro dos valores pagos a este título, com correção pelo IPCA desde o desembolso e juros de mora pela taxa SELIC a partir da citação, nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, em consonância com o Tema 929/STJ. Declarar a abusividade da cobrança do Seguro Prestamista, caracterizada a venda casada, determinando a restituição em dobro dos valores pagos a este título, com correção pelo IPCA desde o desembolso e juros de mora pela taxa SELIC a partir da citação, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC e Tema 929/STJ. Ratificar a validade da cobrança da Tarifa de Cadastro e Tarifa de Registro, por se encontrarem em conformidade com a regulamentação vigente, sendo lícitas as cobranças realizadas. Ratificar a validade da capitalização mensal dos juros remuneratórios, por expressamente pactuada, estando a taxa anual de 30,74% superior ao duodécuplo da mensal (2,26% a.m.), em conformidade com o REsp 973.827/RS (STJ). Rejeitar o pedido de limitação da taxa de juros remuneratórios à taxa média de mercado, por inexistirem nos autos elementos que demonstrem abusividade, nos termos do entendimento consolidado pelo STJ nos Temas 27 e 234, REsp 1.061.530/RS e precedentes correlatos, permanecendo a taxa pactuada de 2,26% a.m. e 30,74% a.a. válida. Determinar que, em sede de liquidação de sentença, proceda-se à revisão integral do contrato, para exclusão dos valores relativos à Tarifa de Avaliação do Bem e ao Seguro Prestamista, com restituição em dobro dos valores pagos a este título, compensando-se os valores apurados com eventual saldo devedor existente, observando-se os critérios de atualização e juros fixados. Em razão da sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento dos honorários advocatícios proporcionalmente, na forma do art. 86 do CPC, sendo 50% (cinquenta por cento) para cada parte, os quais fixo em 10% sobre o valor a ser apurado em liquidação de sentença, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, observado o disposto no artigo 98, § 3º, do CPC, acerca dos benefícios da justiça gratuita em favor de PATRICK MARTINS ELIZIÁRIO É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 08/07/2025
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear