Processo nº 1028954-98.2021.8.11.0041
ID: 329399268
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1028954-98.2021.8.11.0041
Data de Disponibilização:
18/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1028954-98.2021.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Interpretação / Revisão de Contrato, Indenizaçã…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1028954-98.2021.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Interpretação / Revisão de Contrato, Indenização por Dano Moral, Planos de saúde] Relator: Des(a). MARILSEN ANDRADE ADDARIO Turma Julgadora: [DES(A). MARILSEN ANDRADE ADDARIO, DES(A). MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, DES(A). TATIANE COLOMBO] Parte(s): [UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO - CNPJ: 03.533.726/0001-88 (APELANTE), JOSE EDUARDO POLISEL GONCALVES - CPF: 000.140.911-51 (ADVOGADO), JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY - CPF: 794.524.851-91 (ADVOGADO), FRANCIELE VERONEZ DE ALENCAR - CPF: 002.398.881-97 (APELADO), J. F. A. D. A. - CPF: 101.142.551-30 (APELADO), FRANCIELE VERONEZ DE ALENCAR - CPF: 002.398.881-97 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. UNANIME. E M E N T A RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 1028954-98.2021.8.11.0041 – COMARCA DE CUIABÁ - MT APELANTE: UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO APELADO: J.F.A.D.A., representado pela genitora FRANCIELE VERONES DE ALENCAR E M E N T A RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO – PARCIAL PROCEDÊNCIA - PLANO DE SAÚDE – NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO PERIÓDICA DE RELATÓRIOS MÉDICOS – PRELIMINAR ACOLHIDA - BENEFICIÁRIO PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – PRESCRIÇÃO DE TERAPIAS MULTIDISCIPLINARES - EQUOTERAPIA – COBERTURA DEVIDA – DANOS MORAIS - NÃO CONFIGURAÇÃO - MERA DIVERGÊNCIA CONTRATUAL - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Tratando-se de tratamento contínuo, necessária a fixação de apresentação periódica de relatórios médicos, conforme o Enunciado nº 2 da Jornada de Direito da Saúde do CNJ, a fim de avaliar a efetividade do tratamento e a adesão do paciente. 2. A equoterapia mostra-se como método eficiente de reabilitação da pessoa com deficiência, logo, é de cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde para os beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, dentre eles o transtorno do espectro autista. 3. A negativa de cobertura fundada em interpretação razoável do contrato e da legislação aplicável não configura, por si só, dano moral indenizável, constituindo mero descumprimento contratual, conforme entendimento do STJ. 4. Recurso parcialmente provido.- R E L A T Ó R I O R E L A T Ó R I O EXMO. SRA. DESA. MARILSEN ANDRADE ADDARIO Egrégia Câmara: Trata-se de Recurso de Apelação interposto por UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO contra a sentença proferida na Ação Declaratória de Inexistência de Débito nº 1028954-98.2021.8.11.0041 proposta por J.F.A.D.A., representado pela genitora FRANCIELE VERONES DE ALENCAR, que julgou parcialmente procedente os pedidos formulados para confirmar a tutela de urgência que determinou a ré arcar na integralidade com o tratamento multidisciplinar, conforme orientação médica, que deverá ser desempenhado por profissionais habilitados e credenciados junto à requerida, ressalvado que na hipótese de indisponibilidade, os tratamentos deverão ser realizados fora da rede credenciada, bem como determinou que a cobertura seja mantida enquanto se fizer necessário o tratamento, consoante prescrição médica. Sendo devida as cobranças, referente à coparticipação, nos termos contratados. Condenou a parte requerida, a título de indenização por danos morais, ao pagamento de R$ 8.000,00 (oito mil reais), com correção monetária pelo INPC a partir do arbitramento (Súmula 362 do STJ), acrescido de juros de 1% ao mês desde a citação (art. 405 do CC). Condenou ainda, a requerida ao pagamento integral das custas processuais, bem como honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º, do CPC/15. Em suas razões recursais, a apelante suscita, preliminarmente, a impossibilidade de condenação pro futuro, de modo genérico e ad aeternum, defendendo a necessidade de apresentação periódica de relatórios médicos para comprovação da efetividade do tratamento, conforme o Enunciado nº 2 da Jornada de Direito da Saúde do CNJ. No mérito, sustenta a legalidade da não cobertura do tratamento de equoterapia, ante a ausência de previsão no rol da ANS; que a legislação aplicável é a Lei nº 9.656/98 que prevalece sobre o CDC em razão do princípio da especialidade; que o Parecer Técnico nº 25/GCITS/GGRAS/DIPRO/2022 da ANS expressamente exclui a equoterapia da cobertura obrigatória. Aduz a inexistência de danos morais ante a ausência de ato ilícito, pois a negativa estava fundamentada na legislação vigente à época. Alternativamente, requer a redução do quantum indenizatório. Ao final, postula pelo provimento do recurso para julgar improcedente a demanda. Contrarrazões apresentadas pugnando pelo desprovimento do recurso (ID 278809942). É o relatório.- V O T O R E L A T O R V O T O – PRELIMINAR - IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO PRO FUTURO, AD ETERNUM, DE MODO GENÉRICO – RENOVAÇÃO PERIÓDICA DO LAUDO E RELATÓRIO MÉDICO Egrégia Câmara: A parte apelante suscita a preliminar de impossibilidade de condenação pro futuro, ad eternum e de modo genérico, pleiteando pela necessidade de renovação periódica do laudo e do relatório médico. De fato, a decisão de primeira instância confirmou a tutela de urgência determinando que a requerida arcasse "na integralidade com o tratamento multidisciplinar conforme orientação médica (...) enquanto se fizer necessário o tratamento, consoante prescrição médica", estabelecendo uma obrigação por tempo indeterminado. Salienta-se que o Enunciado nº 2 da Jornada de Direito da Saúde do CNJ, atualizado em 15/06/2023, assim dispõe: "Concedidas medidas judiciais de prestação continuativa, em tutela provisória ou definitiva, é necessária a renovação periódica do relatório, com definição de metas terapêuticas a fim de avaliar a efetividade do tratamento e adesão do paciente e prescrição médicas, a serem apresentados preferencialmente ao executor da medida, no prazo legal ou naquele fixado pelo julgador como razoável, considerada a natureza da enfermidade, de acordo com a legislação sanitária (Portaria SVS/MS nº 344/98), sob pena de perda de eficácia da medida." Além disso, a jurisprudência dos Tribunais pátrios, inclusive deste Tribunal de Justiça, tem determinado a apresentação periódica de laudo médico atualizado para garantir o acompanhamento e a continuidade do tratamento: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR A CRIANÇA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. POSSIBILIDADE DE DIRECIONAMENTO DO CUMPRIMENTO. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo de Instrumento interposto contra decisão proferida pelo juízo da 1ª Vara Especializada da Infância e Juventude da Comarca de Cuiabá, que, nos autos da Ação Ordinária de Obrigação de Fazer n. 1002900-56.2025.8.11.0041, ajuizada por menor representado por sua genitora, deferiu tutela de urgência para determinar o fornecimento de tratamento multidisciplinar a criança diagnosticada com Transtorno do Funcionamento Social. O Estado alegou ausência de urgência, inexistência de demonstração técnica da superioridade da terapia indicada e indevida responsabilização, pleiteando reforma da decisão e redirecionamento da obrigação ao Município. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) definir se há direito subjetivo da criança ao tratamento multidisciplinar pleiteado com fundamento no direito à saúde; (ii) determinar se é possível o redirecionamento da obrigação ao Município de Cuiabá, diante da organização federativa do SUS. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O direito à saúde é dever do Estado e garantia fundamental do cidadão, nos termos dos arts. 6º e 196 da Constituição Federal, sendo dever dos entes públicos assegurar, de forma gratuita, o acesso a tratamentos necessários à preservação da vida e da dignidade humana. 4. O tratamento multidisciplinar requerido, consistente em acompanhamento com psicólogo, fonoaudiólogo, neurologista e psiquiatra pediátricos, encontra respaldo em diagnóstico clínico e demonstra necessidade específica de atendimento individualizado, não atendido integralmente pelas normas do SUS. 5. A ausência de consulta prévia ao NAT-Jus não invalida a urgência reconhecida pelo juízo a quo, tampouco impede a concessão da medida, quando presentes elementos probatórios suficientes que evidenciem a necessidade imediata do tratamento. 6. Nos termos da jurisprudência do STF (Tema 793), os entes da Federação possuem responsabilidade solidária nas demandas prestacionais de saúde, competindo ao Judiciário, conforme a organização do SUS, direcionar o cumprimento da obrigação. 7. A responsabilidade solidária permite que qualquer ente federado figure no polo passivo, mas, no caso concreto, não se justifica o redirecionamento exclusivo ao Município, pois o tipo de tratamento requerido não se insere no atendimento básico da competência municipal. 8. A apresentação periódica de laudo médico atualizado a cada três meses é medida adequada para garantir o acompanhamento e a continuidade racional do tratamento. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso provido em parte. Tese de julgamento: [...]. 3. É legítima a exigência de renovação periódica da prescrição médica para manutenção de tratamento prolongado. (N.U 1005888-76.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARCIO VIDAL, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 20/06/2025, Publicado no DJE 20/06/2025) Portanto, acolho parcialmente a preliminar para determinar que a continuidade do tratamento esteja condicionada à apresentação de relatório médico atualizado a cada 6 (seis) meses, contendo a evolução do quadro clínico do autor e a indicação precisa da necessidade de manutenção das terapias, com definição de metas terapêuticas. V O T O EXMO. SRA. DESA. MARILSEN ANDRADE ADDARIO Egrégia Câmara: Extrai-se da petição inicial que o autor, ora apelado, é beneficiário da requerida/apelante por meio do plano de saúde UNIMED FÁCIL INDIDUAL/FAMILIAR, registrado sob o número 471.619/14-1, tendo aderido ao referido contrato em março/2020. Consta que o requerente foi diagnosticado com “Transtorno do Espectro Autista” (CID 10 – F84.0), sendo recomendado pela médica responsável, Dra. Viviane C. Quixabeira, CRM-MT 6491, as seguintes terapias: psicóloga pelo método ABA, terapia ocupacional com ênfase em integração sensorial, fonoaudióloga com ênfase em terapia de linguagem 2; equoterapia e musicoterapia (ID 278808473). Alegou que a requerida negou os tratamentos, sob a alegação de ausência de cobertura contratual por não estarem inseridos no rol da ANS, motivo pelo qual ajuizou a demanda e requereu a concessão da tutela de urgência para que seja determinado que a requerida, custeie e disponibilize o tratamento multidisciplinar prescrito pelos médicos que assistem o requerente, bem como seja condenada ao pagamento de danos morais. Na contestação, a requerida afirmou que não cabe à operadora de saúde fornecer tratamento fora do rol de cobertura mínima obrigatória estipulada pela ANS. Defendeu a inexistência de dano moral, e ao final, a improcedência do pedido inicial. As partes foram intimadas para especificarem as provas que pretendiam produzir, sendo que ambas pugnaram pelo julgamento antecipado da lide. Ao decidir, a magistrada Dra. Marina Carlos Franca, julgou parcialmente procedente a ação, nos termos relatados. Pois bem. Inicialmente, a despeito do argumento de prevalência da Lei nº 9.656/98, convém destacar que as operadoras de planos de saúde estão enquadradas no conceito de fornecedor, previsto no artigo 3º do CDC, sendo seus conveniados considerados consumidores, para todos os fins de direito. Desta feita, não há falar-se em prevalência da Lei nº 9.656/98 em detrimento da legislação consumerista. Cuida-se inclusive de matéria sumulada: “aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde” - Súmula 469 do STJ. Assim, conquanto seja lícito à empresa prestadora de assistência à saúde estabelecer limites em suas avenças, tratando-se de relação de consumo, as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor e de modo a não comprometer a natureza e finalidade do contrato. Observa-se que o autor foi diagnosticado com “transtorno do espectro autista”, conforme laudo de ID 278808473, indicando a necessidade de submeter-se a tratamento multidisciplinar com “terapia psicológica pela técnica ABA na carga horária de 20 horas semanais; fonoaudióloga com ênfase em terapia de linguagem - 2 sessões por semana (1 hora por sessão); terapeuta ocupacional com ênfase em integração sensorial - 2 sessões por semana (1hora por sessão); equoterapia - 1 sessão por semana e musicoterapia - 1 sessão por semana”. Acerca da matéria, a Segunda Seção do STJ sufragou o entendimento segundo o qual, em regra, o Rol da ANS é taxativo, desobrigando, assim, as operadoras e seguradoras de saúde ao custeio de tratamentos, procedimentos, terapias, medicamentos, lá não previstos expressamente, e o tratamento pretendido pelo agravado não constava do referido rol. Ocorre que logo após a decisão da colenda Corte, a Agência Nacional de Saúde aprovou a Resolução nº 539 de 23/06/2022, com vigência a partir de 01/07/2022, ampliando o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde previstos na RN 465/2021, para incluir o tratamento multidisciplinar para portadores de Transtornos do Espectro Autista - CID F-84 e para tratamento de Transtornos Globais do Desenvolvimento, conforme abaixo se transcreve: “Art. 1º A presente Resolução altera a Resolução Normativa - RN nº 465, de 24 de novembro de 2021, que dispõe sobre o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde no âmbito da saúde suplementar, para alterar a diretriz de utilização do procedimento sessão com fonoaudiólogo, para o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtorno do espectro autista e transtornos globais do desenvolvimento. Art. 2º O item SESSÃO COM FONOAUDIÓLOGO, do Anexo II da Resolução Normativa - RN nº 465, de 24 de fevereiro de 2021, passam a vigorar conforme o disposto no Anexo I desta Resolução. Art. 3º O art. 6º, da RN nº 465, de 2021, passa a vigorar acrescido do § 4º, com a seguinte redação: "Art. 6º (...) § 4º Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente." Art. 4º Esta RN, bem como seu Anexo estará disponível para consulta e cópia no sítio institucional da ANS na Internet (www.gov.br/ans). Art. 5º Esta Resolução entra em vigor no dia 1º de julho de 2022.” (g.n.) Observa-se que o art. 6º, § 4º, dispõe que para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento dos portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente. Assim, a operadora de plano de saúde deve custear o tratamento multidisciplinar do autor/agravado com profissionais aptos a executar o método ou técnica indicados pelo médico que trata o paciente, que no caso importa em fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia pelo método ABA, equoterapia e musicoterapia. Em relação à equoterapia, a Terceira Turma do STJ, consolidou o entendimento de que, “sendo a equoterapia e a musicoterapia métodos eficientes de reabilitação da pessoa com deficiência, hão de ser tidas como de cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde para os beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, dentre eles o transtorno do espectro autista” (REsp 2064964 - SP (2023/0123582-0), julgado em 24/02/2024). Além disso, conforme o Enunciado 97, III, da Jornada de Direito da Saúde, não há violação ao princípio da legalidade e tampouco ao pacta sunt servanda, sendo irrelevante se o tratamento está ou não incluído no rol da ANS, uma vez que esse tem caráter exemplificativo e não taxativo, portanto, não cabe ao plano de saúde indicar o que seria ou não mais indicado ao paciente, o que compete ao médico responsável pelo tratamento, inclusive quanto ao número de sessões. Nesse sentido: OBRIGAÇÃO DE FAZER – PLANO DE SAÚDE – CRIANÇA PORTADORA DE AUTISMO – INDICAÇÃO DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR - NEGATIVA DE COBERTURA – RECOMENDAÇÃO MÉDICA – PROTEÇÃO A BEM MAIOR – RELEVÂNCIA – DIREITO FUNDAMENTAL – DEVER DE PRESTAÇAO DE ASSISTÊNCIA - RECURSO DESPROVIDO. O Superior Tribunal de Justiça entendeu que o rol de procedimentos estabelecido é meramente exemplificativo, não sendo lícito à operadora de plano de saúde negar cobertura a tratamento prescrito pelo médico, quando a doença é coberta pelo contrato. O tratamento a que deve ser submetido o menor, diagnosticado com autismo infantil, não depende de juízo a ser exercido pelo plano de saúde, mas sim pelo profissional de saúde responsável por seu atendimento, que é capaz de indicar os tipos de terapias e a quantidade de sessões necessárias para seu desenvolvimento. Recurso desprovido. (TJ-MT 10201610220218110000 MT, Relator: CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Data de Julgamento: 09/02/2022, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/02/2022) RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – PARCIAL PROCEDÊNCIA – PLANO DE SAÚDE – INDICAÇÃO MÉDICA PARA A OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE CUSTEAR TRATAMENTOS PARA O AUTISMO – FONAUDIOLOGIA, PSICOTERAPIA, EQUOTERAPIA, FISIOTERAPIA E TERAPIA OCUPACIONAL - NEGATIVA DA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE SOB ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL DE PROCEDIMENTOS DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR (ANS) – ROL EXEMPLIFICATIVO - COBERTURA DEVIDA DOS PROCEDIMENTOS PREVISTOS NO CONTRATO – DANO MORAL – NÃO CONFIGURAÇÃO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA – DIVISÃO EM IGUAL PROPORÇÃO ENTRE AS PARTES – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I- O entendimento do STJ é assente no sentido de que a lista da ANS não é taxativa, e a falta de previsão deste ou daquele tratamento não pode restringir o acesso do consumidor quando comprovadamente indispensável à manutenção e higidez de sua saúde. II- Há abusividade na cláusula contratual ou em ato da operadora de plano de saúde que importe em interrupção de tratamento de terapia por esgotamento do número de sessões anuais asseguradas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, visto que se revela incompatível com a equidade e a boa-fé, colocando o usuário (consumidor) em situação de desvantagem exagerada (art. 51, IV, da Lei 8.078/1990). III- É incontroverso nos autos que a menor fora diagnosticado com Transtorno Espectro Autista (TEA)”, do tipo regressivo, apresentando dificuldade de desenvolvimento da fala e da linguagem, com limitações graves na comunicação e interação e a não concessão do tratamento médico indicado, implica no risco de prejudicar os avanços em sua saúde. IV- A operadora de plano de saúde não pratica ato ilícito gerador de dano moral, por si só, ao negar a cobertura de determinado procedimento, baseada em cláusula, segundo sua interpretação contratual. Precedentes do STJ (AgInt no REsp 1270321/RS; AgInt no REsp 1790810/SP e AgInt no REsp 1812237/SP). V- Quanto aos honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor da condenação, cabível sua alteração, diante da sucumbência recíproca das partes, na proporção de 50% para cada uma. (N.U 1001721-22.2020.8.11.0087, CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS DE DIREITO PRIVADO, NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 24/05/2022, Publicado no DJE 26/05/2022) Por fim, quanto aos danos morais, razão assiste à apelante. Embora desgastante a situação, a pare apelada não produziu prova concreta a respeito, além do alegado descumprimento contratual. Ademais, não se nega o transtorno decorrente da negativa de cobertura, mas a operadora do plano de saúde, de certa forma, calcava-se em razoável justificativa para a negativa. Diante dessa peculiaridade, embora o transtorno, evidente que a negativa de cobertura teve suporte justificável, afastando o reconhecimento do ato ilícito ensejador do dever de indenizar. Sobre o dano moral, a lição de Sergio Cavalieri Filho: “Com efeito, a par dos direitos patrimoniais, que se traduzem em uma expressão econômica, o homem é ainda titular de relações jurídicas que, embora despidas de expressão pecuniária intrínseca, representam para o seu titular um valor maior; por serem atinentes à própria natureza humana. São os direitos da personalidade, que ocupam posição supraestatal, dos quais são titulares todos os seres humanos a partir do nascimento com vida (Código Civil, arts. 1º e 2º). São direitos inatos, reconhecidos pela ordem jurídica e não outorgados, atributos inerentes à personalidade, tais como o direito à vida, à liberdade, à saúde, à honra, ao nome, à imagem, à intimidade, à privacidade, enfim, à própria dignidade da pessoa humana. Pois bem, logo no seu primeiro artigo, inciso III, a Constituição Federal consagrou a dignidade humana como um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito. Temos hoje o que pode ser chamado de direito subjetivo constitucional à dignidade. Ao assim fazer, a Constituição deu ao dano moral uma nova feição e maior dimensão, porque a dignidade humana nada mais é do que a base de todos os valores morais, a essência de todos os direitos personalíssimos. Os direitos à honra, ao nome, à intimidade, à privacidade e à liberdade estão englobados no direito à dignidade, verdadeiro fundamento e essência de cada preceito constitucional relativo aos direitos da pessoa humana." (CAVALIERI FILHO, Sergio, Programa de Responsabilidade Civil, 9ª ed., ver. e amp. SP, Atlas, 2010, pg 82) A situação vivenciada pela parte autora, no caso, em relação à negativa de cobertura, não caracteriza lesão moral indenizável, mas sim a ocorrência de um mero dissabor, eis que não violados os direitos de personalidade, tais como sua honra, dignidade, intimidade e vida. O entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça tem sido no sentido de que o descumprimento contratual sem que tenha havido um dano efetivo, não implica em dano moral indenizável: "AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. RAZÕES QUE NÃO ENFRENTAM O FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. AUSÊNCIA DE DANOS MORAIS. MERO DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. PRECEDENTES. REEXAME. SÚMULA N. 7/STJ. HONORÁRIOS. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ART. 20, § 4°, DO CPC/73. SÚM. 83/STJ. 1. As razões do agravo interno não enfrentam adequadamente o fundamento da decisão agravada. 2. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula 7/STJ). 3. O mero descumprimento de cláusula contratual controvertida não enseja a condenação por dano moral. Precedentes. 4. "A ação que objetiva o cumprimento de obrigação de fazer não se confunde com a demanda relativa à obrigação de pagar quantia, devendo os honorários, naquela hipótese, ser fixados de acordo com o § 4º do art. 20 do CPC (AgRg no AREsp 120.936/RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 12/2/2015, DJe 19/2/2015). 5. Agravo interno a que se nega provimento." (AgInt no REsp 1270321/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 05/11/2019, DJe 18/11/2019) (g.n.) "AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. MERO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o mero inadimplemento contratual não enseja condenação por danos morais. 2. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ). 3. A necessidade do reexame da matéria fática inviabiliza o recurso especial também pela alínea "c" do inciso III do art. 105 da Constituição Federal, ficando, portanto, prejudicado o exame da divergência jurisprudencial. 4. Agravo interno a que se nega provimento." (AgInt no REsp 1790810/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 29/10/2019, DJe 19/11/2019) g.n. "AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO APELO EXTREMO. INSURGÊNCIA DO DEMANDANTE. 1. A recusa da cobertura de tratamento por operadora de plano de saúde, por si só, não configura dano moral. Súmula 83/STJ. 1.1. No caso, tendo a Corte de origem concluído pela inexistência da situação a justificar o pleito indenizatório, o acolhimento da pretensão recursal encontra óbice na Súmula 7/STJ. 2. Agravo interno desprovido." (AgInt no REsp 1812237/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 21/10/2019, DJe 23/10/2019) "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. PERÍODO DE CARÊNCIA. SITUAÇÃO DE URGÊNCIA. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. 1. O contrato de prestação de serviços é bem claro ao definir que o prazo de carência para os casos de urgência/emergência é de 24h, não havendo respaldo contratual, portanto, para a negativa de internação hospitalar. 2. Dano moral não configurado, circunscrevendo-se a situação em mero inadimplemento contratual. Apelo da ré provido e recurso adesivo da parte autora desprovido, por maioria." (TJ/RS, Apelação Cível Nº 70052046869, Sexta Câmara Cível, Relator: Elisa Carpim Corrêa, Julgado em 26/06/2014) Logo, deve ser afastada a condenação da apelante ao pagamento de danos morais. Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso para: a) Determinar a apresentação periódica de relatório médico atualizado a cada 6 (seis) meses, contendo a evolução do quadro clínico do autor e a indicação precisa da necessidade de manutenção das terapias, com definição de metas terapêuticas; b) Afastar a condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Em razão da sucumbência recursal recíproca, determinar o rateio dos honorários advocatícios em igual proporção, no montante fixado na sentença. É como voto.- Data da sessão: Cuiabá-MT, 09/07/2025
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