Processo nº 5984298-87.2024.8.09.0051
ID: 334556586
Tribunal: TJGO
Órgão: Goiânia - 4ª UPJ Varas Cíveis e Ambientais: 13ª, 14ª, 15ª e 16ª
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5984298-87.2024.8.09.0051
Data de Disponibilização:
25/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DORIVAL BARSANULFO MOCO
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE GOIÂNIA
14ª VARA CÍVEL E AMBIENTAL
Processo nº.: 5984298-87.2024.8.09.0051
Natureza: PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento ->…
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE GOIÂNIA
14ª VARA CÍVEL E AMBIENTAL
Processo nº.: 5984298-87.2024.8.09.0051
Natureza: PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento -> Procedimento de Conhecimento -> Procedimento Comum Cível
Requerente: K&k Modas Ltda
Requerido: Sicoob Centro-oeste Br
SENTENÇA
Trata-se de Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais proposta por K&K MODAS LTDA em desfavor de SICOOB CENTRO-OESTE BR e BANCO BRADESCO S/A, partes devidamente qualificadas nos autos.
Narra a petição inicial que a autora, correntista do Sicoob Centro-Oeste Br (conta-corrente nº 13.682-4, agência nº 3300-6), foi vítima de fraude via PIX em 23/09/2024. Relata que, após adquirir uma máquina de lavar louças no Mercado Livre por R$ 2.998,00 em 21/08/2024 e não receber o produto, buscou solução junto ao Mercado Pago. Afirma que, durante contato telefônico, foi orientada por suposto atendente a realizar novo depósito PIX via QR Code no valor de R$ 2.998,00 para restituição em dobro, sob alegação de que o pagamento original não constava nos registros internos da plataforma.
Aduz que, de boa-fé e acreditando tratar-se de procedimento legítimo, a autora procedeu ao pagamento via QR Code, mas verificou posteriormente que o valor transferido foi de R$ 78.228,04 (todo o saldo de sua conta-corrente), e não os R$ 2.998,00 informados. Menciona que o valor foi transferido para conta-corrente nº 386.466-9, agência nº 3944, do BANCO BRADESCO S/A, de titularidade de Aline Maria Firmino (CPF nº 362.053.318-02). Esclarece que a autora tomou todas as providências cabíveis, incluindo abertura de procedimento MED junto ao banco, registro de boletim de ocorrência e solicitações de bloqueio, obtendo devolução de apenas R$ 0,04.
Fundamenta sua pretensão na responsabilidade objetiva das instituições financeiras por falha na prestação de serviços, destacando que a transação desrespeitou seu perfil de movimentação (historicamente de pequenos valores, inferiores a R$ 1.000,00), configurando operação inusual que deveria ter sido bloqueada.
Diante de tal narrativa, pleiteou condenação solidária dos réus ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 78.228,00, danos morais de R$ 15.000,00, custas processuais e honorários advocatícios de 20% sobre o valor da condenação, além da inversão do ônus da prova.
A inicial veio acompanhada de documentos (evento 01).
Por força da decisão proferida no evento 11, os benefícios da gratuidade da justiça foram deferidos à parte autora, bem como foi invertido o ônus da prova e determinada a citação da parte ré.
A parte requerida Banco Bradesco S/A foi citada e apresentou contestação (evento 21), em que arguiu preliminares de impugnação à gratuidade da justiça e carência de ação. No mérito, confirma o recebimento do valor de R$ 78.228,04 via PIX em 23/09/2024 na conta de ALINE MARIA FIRMINO, mas alega tratar-se de caso de golpe, não havendo obrigatoriedade legal de responsabilização por ato relacionado à Segurança Pública. Sustenta que a conta digital foi aberta regularmente conforme normas do Banco Central, com validação de documentos e dados pessoais, não sendo encontradas irregularidades pela Segurança Corporativa, embora a conta tenha sido posteriormente encerrada por desinteresse comercial. Argumenta que o PIX é de responsabilidade exclusiva do cliente remetente, que foi acionado o Mecanismo Especial de Devolução (MED) resultando na devolução parcial de R$ 0,04, e invoca a excludente de culpa exclusiva da vítima por não ter zelado adequadamente pela guarda de suas senhas pessoais. Requereu a total improcedência dos pleitos autorais, sustentando inexistência de ato ilícito da instituição financeira e ausência de danos morais indenizáveis.
Em seguida, a ré Cooperativa de Crédito de Livre Admissão do Estado de Goiás – Sicoob Centro-Oeste Br apresentou contestação (evento 23), na qual arguiu preliminar de impugnação à gratuidade da justiça. No mérito, que aponta contradições entre a petição inicial e o boletim de ocorrência, destacando que a própria autora confessou ter procedido espontaneamente com o pagamento, digitando sua senha para confirmar a transferência. Sustenta que o QR Code foi enviado por empresa terceira (Mercado Pago/Mercado Livre) não incluída no polo passivo, e que não há qualquer envolvimento da Cooperativa no ocorrido. Alega culpa exclusiva da vítima com base no art. 14º, §3º, II do CDC, argumentando que a autora não teve o devido cuidado de verificar o valor antes de confirmar o PIX. Por fim, requereu a improcedência de todos os pleitos contidos na exordial e a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor.
Impugnação às contestações apresentadas nos eventos 24 e 28.
No evento 25, foram intimadas as partes para indicarem as provas que pretendiam produzir, especificando-as e justificando-as.
A requerida Cooperativa de Crédito de Livre Admissão do Estado de Goiás – Sicoob Centro-Oeste Br pleiteou o julgamento antecipado da lide (evento 30), tendo os demais sujeitos processuais permanecido inertes.
Por fim, a audiência de conciliação designada por este juízo restou frustrada (evento 53).
Os autos vieram-se conclusos.
É o relatório.
Decido.
Observa-se que os pressupostos processuais de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo fazem-se presentes.
As partes estão devidamente representadas, não restando irregularidades ou vícios capazes de invalidar a presente demanda.
Ademais, o feito comporta julgamento no estado em que se encontra, porquanto não é necessária maior dilação probatória, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, uma vez que a pretensão autoral pode ser demonstrada unicamente por meio documental, que já foi realizada nos autos.
Dito isto, assevero que não merece acolhimento a preliminar de carência de ação, suscitada pela instituição bancária Banco Bradesco S/A em sua peça contestatória (evento 21).
Isso porque o interesse de agir é identificado pelo trinômio necessidade/utilidade/adequação, ou seja, necessidade concreta do processo e adequação do provimento e do procedimento para a solução útil do litígio.
A respeito da preliminar de ausência de interesse de agir, entendo que, em decorrência do princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, não há que se falar em exclusão da apreciação do Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito alegado pela parte.
Ademais, havendo irresignação sobre o mérito, torna-se presente a resistência à pretensão, e se há necessidade de vir ao Poder Judiciário, a fim de alcançar a tutela pretendida, cabe ao Juízo oferecer a prestação jurisdicional, não podendo ser desconstituída de plano, pois se o fato de a requerente ter ou não o direito pretendido traduz matéria de mérito, e não falta de interesse de agir.
No caso dos autos, restou demonstrado o trinômio adequação, utilidade e necessidade, uma vez que a ação é o meio adequado a satisfação do interesse perseguido pela autora. A demanda é útil, pois apenas por meio dela é possível o recebimento do direito que pleiteia.
Nestes termos, rejeito a preliminar de ausência de interesse de agir.
Da mesma forma, tenho que razão não assiste às promovidas ao pugnarem pela revogação do benefício da gratuidade da justiça concedido à demandante. Isso porque, para que haja a revogação do beneplácito, é imperiosa a apresentação, pelo impugnante, de prova documental de que o favorecido não necessita da justiça gratuita, o que não restou demonstrado no caso em julgamento.
Com efeito, as requeridas não trouxeram aos autos elementos aptos a comprovar a insubsistência da necessidade da parte autora, permanecendo suas argumentações no campo de meras alegações, motivo pelo qual a manutenção da assistência judiciária é medida imperiosa.
A propósito, tem-se a jurisprudência do Egrégio TJGO – Tribunal de Justiça do Estado de Goiás:
“EMENTA: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA CONCEDIDA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE ALTERAÇÃO NA SITUAÇÃO FINANCEIRA DA RECORRENTE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONTRATAÇÃO COMPROVADA. 1. Não merece acolhida a preliminar de impugnação à gratuidade de justiça concedida à parte autora quando o pedido foi devidamente apreciado pelo juiz primevo. No caso em comento, o benefício da justiça gratuita deve ser mantido por não haver nos autos provas concretas aptas a ensejar seu afastamento, mostrando-se inócuas meras alegações desacompanhadas de evidência probatória. 2. Inequívoca a má-fé da parte que tenta utilizar-se do Poder Judiciário deduzindo pretensão contra fato incontroverso e pretendendo, com isso, obter em juízo declaração de inexistência de débito e reparação pecuniária por suposto dano moral, em decorrência de contrato de telefonia e internet por ela contratado e devidamente comprovado nos autos. 3. Desprovido o recurso, majoram-se os honorários em desfavor do apelante, suspenso com base no art. 98, § 3°, do CPC. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDO E NÃO PROVIDO.” (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5533535-55.2021.8.09.0051, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR ANDERSON MÁXIMO DE HOLANDA, 10ª Câmara Cível, julgado em 02/10/2023, DJe de 02/10/2023) – Grifei.
Sendo assim, afasto a pretensão impugnatória arguida.
Pois bem.
No mérito, é importante ressaltar que a relação jurídica entre as partes é regida pela Lei 8.078/90, vez que presente na espécie as figuras do prestador de serviços e do consumidor, conforme arts. 2º e 3º do compêndio consumerista.
Senão, vejamos:
“Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”
É cediço que, nas relações de consumo, a responsabilidade do fornecedor de serviços tem natureza objetiva, cabendo ao consumidor demonstrar apenas a ocorrência do defeito em sua prestação, o dano sofrido e o nexo de causalidade, nos termos do que preceitua o art. 14 do CDC, in verbis:
“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”
Entretanto, a responsabilidade do fornecedor de serviços poderá ser afastada quando provar a inexistência do defeito ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 14, § 3º, incisos I e II, CDC).
Em proêmio, o Código de Defesa do Consumidor ( CDC)é aplicável às instituições financeiras (Súmula n. 297/STJ), as quais devem prestar serviços de qualidade no mercado de consumo. Nesse contexto, respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias, restando, portanto, configurada a sua legitimidade para figurar no polo passivo da demanda.
Esse foi o entendimento do Tema Repetitivo 466/STJ, que contribuiu para a edição da Súmula 479/STJ, no sentido de que as instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno (REsp 1.197.929/PR, Segunda Seção, julgado em 24/8/2011, DJe 12/9/2011).
Em relação aos chamados golpes de engenharia social , os criminosos costumam conhecer os dados pessoais das vítimas e, com base neles, usam técnicas psicológicas de persuasão - a exemplo da simulação de um atendimento bancário verdadeiro - como forma de atingir seu objetivo ilícito.
Assim, para imputar a responsabilidade às instituições financeiras, em relação ao vazamento de dados pessoais que culminaram na facilitação de estelionato, deve-se garantir que a origem do indevido tratamento seja o sistema bancário. Os nexos de causalidade e imputação, portanto, dependem da hipótese concretamente analisada. (Resp. 2.077.278 - STJ).
No caso dos autos, a parte autora alega ter sido vítima de fraude mediante engenharia social, onde golpistas se fizeram passar por funcionários do Mercado Pago e a induziram a realizar transferência PIX no valor de R$ 78.228,04, quando pretendia transferir apenas R$ 2.998,00. Sustenta que a operação destoou completamente de seu perfil de movimentação financeira, que historicamente era de valores inferiores a R$ 1.000,00. Argumenta que houve falha na prestação de serviços bancários por parte dos réus, que não implementaram mecanismos adequados de segurança para identificar e impedir operações suspeitas.
Por sua vez, os réus argumentam pela ausência de responsabilidade, invocando a excludente de culpa exclusiva da vítima. O Banco Bradesco sustenta que se trata de caso típico de golpe praticado por terceiros, sendo a instituição também vítima da fraude, tendo a conta receptora sido aberta regularmente e posteriormente encerrada. Alega que o sistema PIX funcionou corretamente, sendo acionado o Mecanismo Especial de Devolução (MED) que resultou na restituição parcial de R$ 0,04.
O SICOOB Centro-Oeste BR aponta contradições entre a petição inicial e o boletim de ocorrência, destacando que a própria autora confessou ter digitado voluntariamente sua senha para confirmar a operação, não tendo observado o valor correto antes da confirmação.
Neste cenário, vê-se que o cerne da questão debatida nos presentes autos gravita em torno da análise da responsabilidade das instituições financeiras em caso de fraude via PIX decorrente de engenharia social, especificamente se a transferência de valor significativamente superior ao perfil histórico da correntista configura falha na prestação de serviços bancários passível de indenização, ou se caracteriza culpa exclusiva da vítima que não conferiu adequadamente os dados da transação antes de sua confirmação mediante uso de senha pessoal.
É evidente que a parte autora foi vítima de golpe, fato inclusive reconhecido pelas próprias instituições financeiras requeridas em suas contestações. Trata-se do denominado "golpe do PIX", no qual criminosos obtiveram êxito em ludibriar o sistema de segurança bancário para realizar transação fraudulenta.
Os fatos demonstram que a autora, acreditando que realmente estava falando com um preposto da plataforma Mercado Pago, abriu o QR Code enviado, conferiu que o valor era de R$ 2.998,00 e procedeu ao pagamento. Entretanto, tamanha foi sua surpresa quando emitiu o comprovante e verificou que o valor do PIX enviado era de R$ 78.228,04, exatamente todo o saldo de sua conta-corrente.
Os criminosos conseguiram ludibriar o sistema de segurança da instituição financeira para providenciar a retirada do exato valor que a parte autora possuía em sua conta bancária, configurando manifesta falha do sistema de segurança, que deveria ter detectado que a transação se mostrava suspeita, notadamente pelos valores bastante elevados para os padrões históricos da correntista.
Através dos extratos acostados ao evento 01, é possível verificar que a conta bancária da autora não possuía grandes movimentações, sendo que aproximadamente 90% de suas transações via PIX eram de valores muito inferiores a R$ 1.000,00.
Nesse contexto, por óbvio o setor de fraudes deveria ter detectado e impedido a transação, por ser excessiva e atípica em relação ao perfil da cliente.
É incumbência da instituição financeira a checagem, em tempo real, da regularidade das transações. O sistema de detecção de fraude deve ser acionado de maneira automática para impedir que operações fraudulentas se concretizem. A instituição financeira deveria tomar as cautelas necessárias para a constatação da irregularidade de aludidas transações, o que não ocorreu, motivo pelo qual deve responder pelos danos causados.
Na hipótese submetida a apreciação, além de ser evidente a hipossuficiência da demandante, verifica-se que a verossimilhança de suas alegações também se configura. Com efeito, as transações impugnadas não foram realizadas de forma intencional pela autora, que foi vítima de fraudadores que conseguiram, por meio do "golpe do PIX", realizar transferência bancária no valor de R$ 78.228,04.
As arguições genéricas invocadas pelas instituições requeridas não são suficientes, portanto, para contrapor os documentos acostados aos autos, os quais confirmam a realização de transações por terceiros golpistas, configurando falha na prestação de serviço bancário.
Nesse sentido, vejamos o entendimento jurisprudencial:
“EMENTA: Ação declaratória de inexigibilidade de débito, cumulada com restituição de valores e pedido de tutela de urgência – Transações bancárias fraudulentas – Sentença de procedência – Fraude praticada por terceiros – Golpe conhecido como "Golpe do QR Code" – Movimentações financeiras de alto valor e que destoam do perfil do cliente – Falha na prestação dos serviços do banco configurada – Aplicabilidade, no caso, do Código de Defesa do Consumidor – Súmula n. 297 do E. Superior Tribunal de Justiça – Ônus probatório que impunha ao réu demonstrar a ausência de falha na prestação de seus serviços, do qual não se desincumbiu – Ressarcimento do dano material que se mostra cabível – Inexistência de condenação do réu ao pagamento de reparação por danos morais – Pedido que sequer foi formulado na inicial da ação – Não conhecimento do tema – Sentença mantida – Recurso do réu improvido, na parte conhecida.” (TJSP, Apelação Cível: 1007369-10 .2023.8.26.0006 São Paulo, Relator.: Thiago de Siqueira, Data de Julgamento: 05/06/2024, 14ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 05/06/2024) – Grifei.
Especialmente sobre o PIX, a Resolução nº 01/2020 do Banco Central do Brasil estabelece no artigo 32 que os participantes do PIX (instituição financeira, instituição de pagamento ou ente governamental que adere ao Regulamento do PIX e oferece a ferramenta aos seus clientes) devem responsabilizar-se por fraudes no âmbito do PIX decorrentes de falhas nos seus mecanismos de gerenciamento de riscos, compreendendo a inobservância de medidas de gestão de risco definidas neste Regulamento e em dispositivos normativos complementares.
Na medida em que a tecnologia avança, fraudadores aperfeiçoam as técnicas ilícitas para aplicação de golpes, ficando o consumidor vulnerável a inúmeros tipos de artimanhas praticadas. Logo, cabe ao fornecedor, instituição financeira, antecipar-se desses artifícios criando mecanismos que barrem transações suspeitas.
O presente caso trata-se de fortuito interno, pois o banco deve prezar pela segurança dos seus clientes, impondo mecanismos de fiscalização de transações suspeitas.
Deste modo, a requerida Sicoob Centro-Oeste BR, instituição financeira responsável pela conta bancária da autora, deve ressarcir os prejuízos suportados em razão da falha de seu sistema de segurança. A cooperativa deveria ter detectado e bloqueado a operação atípica, considerando o perfil histórico da correntista e o valor exorbitante da transação.
A propósito
“EMENTA: CONSUMIDOR. ATIVIDADE BANCÁRIA. TRANSFERÊNCIAS DE ELEVADO VALOR NA CONTA BANCÁRIA. MOVIMENTAÇÃO DE VALORES POR TERCEIROS . GOLPE DE ENGENHARIA SOCIAL. DEVER DE SEGURANÇA. CONFIGURADA FALHA NOS SERVIÇOS BANCÁRIOS. 1 . Recurso em face de sentença de improcedência que desacolheu pretensão de indenização por dano material e moral em razão de transferências de valores em conta bancária. 2. Conforme entendimento do STJ, incumbe à instituição financeira adotar mecanismos que obstem operações atípicas em relação ao padrão de consumo do cliente, sob pena de responsabilização. Especialmente sobre o PIX, a Resolução nº 01/2020, do Banco Central do Brasil, estabelece no art . 32 que os participantes do Pix (instituições financeiras) devem responsabilizar-se por fraudes no âmbito do Pix decorrentes de falhas nos seus mecanismos de gerenciamento de riscos. 3. No caso dos autos, o autor foi vítima de golpe de engenharia social, instalando aplicativo ANYDESK, permitindo o acesso remoto do dispositivo móvel habilitado na conta poupança. Considerando que o aplicativo do banco estava aberto, foi realizada transferência PIX que esvaziou o saldo positivo existente na conta poupança . 4. Responsabilidade da CEF (instituição financeira mantenedora da conta do usuário pagador) fundada no fato de validar a transferência PIX em descompasso ao perfil e histórico bancário do autor. (…).” (TRF-3, RecInoCiv: 50051438620224036144, Relator.: JUÍZA FEDERAL FERNANDA SOUZA HUTZLER, Data de Julgamento: 24/01/2025, 14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: 30/01/2025) – Grifei.
Quanto ao Banco Bradesco S/A, instituição responsável pelo recebimento dos valores fraudulentos, também há responsabilidade por não ter zelado adequadamente pela criação da conta bancária que serviu de receptáculo para os valores ilícitos.
Conforme demonstrado, a conta em nome de Aline Maria Firmino foi utilizada pelos fraudadores e posteriormente encerrada por “desinteresse comercial”, evidenciando a participação da conta em atividades suspeitas. O banco deveria ter implementado controles mais rigorosos na abertura da conta e no monitoramento de suas movimentações, conforme determinam as normativas do Banco Central.
Importante ressaltar que, se o Banco Bradesco tivesse sido mais rigoroso com os procedimentos de abertura de conta, implementando verificações mais criteriosas dos dados e documentos apresentados, bem como adotando mecanismos eficazes de validação da identidade do titular, poderia ter evitado que a conta fosse utilizada como instrumento para a consumação da fraude.
A facilitação da abertura de contas que posteriormente se revelam destinadas a atividades ilícitas constitui falha na prestação de serviços que contribui diretamente para o sucesso dos golpes aplicados contra consumidores, tornando a instituição financeira corresponsável pelos danos causados.
Nesse sentido:
“EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDA. CONSUMIDOR. FRAUDE. GOLPE DO WHATSAPP. SOLICITAÇÃO DE REMESSA DE DINHEIRO. FRAUDADOR QUE SE PASSOU PELA IRMÃ DA CONSUMIDORA. FALHA DO BANCO DESTINATÁRIO. ABERTURA DE CONTA CORRENTE SEM CAUTELA E COM VIOLAÇÃO ÀS NORMAS DO BACEN. FALHA DO BANCO PAGADOR. DESCUMPRIMENTO DAS REGRAS DO PIX. NEXO CAUSAL RECONHECIDO. Ação de indenização. Sentença de improcedência. Recurso da autora. Primeiro, reconhece-se a responsabilidade da instituição financeira corré Original. Fato do serviço. Golpe do whatsapp com remessa de pix. Serviço bancário defeituoso e que serviu de nexo causal para sucesso da fraude com efetivação do prejuízo. Instituição financeira que permitiu a abertura de conta por terceiros estelionatários sem as devidas cautelas. Violação dos artigos 2º e 4º da Resolução nº 4.753/2019 do BACEN. Segundo, reconhece-se a responsabilidade da instituição financeira corré Bradesco. A transferência efetivada via PIX trouxe para as instituições financeiras obrigações ainda maiores e mais relevantes, no campo da segurança. Esse mecanismo imediato de transferência de fundos exigiu dos bancos sujeição aos riscos das operações, inclusive no campo das fraudes originadas em seus mecanismos internos. Violação, ainda, do regulamento do PIX (art. 39,39-B, 88 e 89) na parte das cautelas e riscos das operações via PIX . Resolução BCB nº 181 de 25/01/2022 e Resolução BCB nº 147, de 28 de setembro de 2021. Ausência de demonstração de que o fraudador teria apresentado documentos de identificação para aferição da autenticidade. (…). SENTENÇA REFORMADA. RECURSO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO.” (TJSP, Apelação Cível: 1011543-29.2023.8.26.0405 Osasco, Relator.: Alexandre David Malfatti, Data de Julgamento: 06/03/2024, 12ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 06/03/2024) – Grifei.
Deste modo, resta impositiva a condenação das partes requeridas na reparação dos prejuízos suportados pela parte autora (R$ 78.228,04), ante a evidente falha na prestação dos serviços.
Ultrapassadas tais questões, passa-se à análise da ocorrência dos alegados danos morais.
A parte autora foi submetida a situação vexatória e constrangedora ao ter todo o saldo de sua conta-corrente transferido indevidamente por fraudadores, ficando com o saldo zerado e impossibilitada de honrar seus compromissos financeiros.
A angústia, o desespero e a sensação de impotência experimentados pela vítima ao perceber que havia sido ludibriada e perdido todo seu patrimônio financeiro configuram dano moral indenizável, que transcende o mero aborrecimento cotidiano. O abalo psicológico decorrente da violação da segurança e confiança depositada no sistema bancário, aliado à frustração de não conseguir a imediata solução do problema pelas vias administrativas, caracteriza lesão à dignidade da pessoa humana.
No presente caso, a expressividade do valor subtraído fraudulentamente e o fato de ter representado a integralidade dos recursos financeiros da autora tornam ainda mais evidente a ocorrência do dano extrapatrimonial, que deve ser reparado de forma justa e proporcional, observando-se os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como o caráter pedagógico-punitivo da indenização.
A propósito:
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DANO DECORRENTE DE FRAUDE EM TRANSFERÊNCIAS BANCÁRIAS VIA APLICATIVO DO NUBANK . GOLPE PERPETRADO POR TERCEIRO. ASSUNÇÃO DE RISCO DO PRESTADOR DE SERVIÇO BANCÁRIO. VAZAMENTO DE DADOS DO CORRENTISTA. VULNERABILIDADE DO SISTEMA BANCÁRIO . FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS EVIDENCIADA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. FORTUITO INTERNO. SÚMULA Nº 479 DO STJ . DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. DEVER DE RESTITUIR VALORES E INDENIZAR MORALMENTE O AUTOR. SENTENÇA MANTIDA. 1 . É evidente a ocorrência de falha na prestação de serviços por parte da instituição financeira requerida decorrente de falha em sua segurança, em razão do vazamento de dados e informações a respeito da existência de conta bancária do autor e seus dados pessoais, e, também, por falta de segurança e vulnerabilidade do seu sistema bancário, pelo fato de um terceiro ter sido capaz de se passar pelo autor e conseguir movimentar sua conta bancária e, ainda assim, não ter conseguido detectar e impedir a movimentação fraudulenta na conta bancária do consumidor. (…). 4 . Os danos morais causados ao autor, que precisou se socorrer ao Poder Judiciário para fazer valer o seu direito é assente, diante da falha na prestação de serviço do banco requerido, estando presentes o ato ilícito, decorrente da falha na prestação do serviço e o nexo causal. 5. Haja vista o caráter pedagógico da reparação do dano extrapatrimonial e sopesados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, não vejo motivos para alterar ou afastar a condenação em danos morais, fixada na sentença. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA.” (TJGO, 55111158520238090051, Relator.: RICARDO SILVEIRA DOURADO - (DESEMBARGADOR), 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 16/09/2024) – Grifei.
Com relação ao quantum da indenização pelo dano moral, é cediço que a lei não prevê disposição expressa que possa estabelecer parâmetros ou dados específicos para o respectivo arbitramento, uma vez que o dano moral não é quantificável, devendo cada caso ser analisado segundo suas peculiaridades.
Considera-se também o padrão econômico das partes envolvidas, pois a condenação tem objetivos pedagógico – educativo e de punição exemplar para que o fato não se repita. Para tanto, essa condenação não deve ser tão grande que se converta em fonte de enriquecimento nem tão pequena que a torne inexpressiva, ao ponto de incentivar o ofensor a repetir o ato ilícito.
Assim, entendo que a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais) para cada autor é adequada e suficiente para reparar os danos morais causados aos demandantes pela falha na prestação do serviço por parte das empresas requeridas.
Nesse sentido, tem-se a jurisprudência do Egrégio TJGO – Tribunal de Justiça do Estado de Goiás:
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANO MORAL. VALOR DA INDENIZAÇÃO. OBSERVAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE PROPORCIONALIDADE, RAZOABILIDADE E PEDAGÓGICO. MAJORAÇÃO. A fixação do quantum indenizatório deve observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, de modo que o valor não seja tão baixo que não baste para compensar o prejuízo moral experimentado, e nem tão alto que venha a implicar em enriquecimento sem justa causa, além de atender a sua função pedagógica, desestimulando a reiteração de atos, motivo pelo qual o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) bastam para os fins colimados. Apelação cível conhecida e provida.” (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível nº. 5200831-67.2018.8.09.0051, Relator Des. Itamar de Lima, 3ª Câmara Cível, julgado em 26/04/2021, DJe de 26/04/2021) – Grifei.
Diante do exposto, com fulcro no art. 487, inciso I, do CPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais para:
a) CONDENAR as partes requeridas solidariamente a pagarem o valor de R$ 78.228,04 (setenta e oito mil, duzentos e vinte e oito reais e quatro centavos) a parte autora, acrescidos da Taxa Selic de forma integral (art. 406, §1º, CC), a qual já engloba a correção monetária e os juros moratórios devidos a partir da data da realização da transferência bancária;
b) CONDENAR as partes requeridas solidariamente a pagarem a autora o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), acrescido da Taxa Selic de forma integral, a qual já engloba os juros de mora e a correção monetária devida a contar do arbitramento (Súmula 362 do STJ).
Condeno as partes requeridas, sucumbentes, ao pagamento das custas e honorários, este no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, com as cautelas devidas e baixas de praxe.
No caso de oposição de embargos de declaração, havendo possibilidade de serem aplicados efeitos infringentes, deverá a parte contrária ser intimada para manifestação no prazo legal.
Interposto recurso de apelação, intime-se a parte recorrida para apresentar contrarrazões, no prazo legal de 15 (quinze) dias, conforme preconiza o art. 1.010, § 1º, do Código de Processo Civil.
Se apresentada apelação adesiva pela parte recorrida, na forma do art. 997 do Código de Processo Civil, intime-se a parte contrária para contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, de acordo com o art. 1.010, § 2º, do Código de Processo Civil.
Caso as contrarrazões do recurso principal ou do adesivo ventilem matérias elencadas no art. 1.009, § 1º, do Código de Processo Civil, intime-se a parte recorrente para se manifestar, no prazo de 15 (quinze) dias, conforme o artigo 1.009, § 2º, do Código de Processo Civil.
Após, encaminhem-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, com as homenagens de estilo, ressaltando-se que o juízo de admissibilidade do recurso será efetuado direta e integralmente pela Corte, segundo o teor do artigo 932 do Código de Processo Civil.
Cumpra-se.
Goiânia, datado e assinado digitalmente.
(assinado digitalmente)
Tatianne Marcella Mendes Rosa Borges Mustafa
Juíza de Direito
04
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