Processo nº 5004188-76.2024.4.02.5121
ID: 331003559
Tribunal: TRF2
Órgão: 5ª Turma Recursal do Rio de Janeiro
Classe: RECURSO INOMINADO CíVEL
Nº Processo: 5004188-76.2024.4.02.5121
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ALESSANDRA VASCONCELLOS DE SOUZA DIAS
OAB/RJ XXXXXX
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RECURSO CÍVEL Nº 5004188-76.2024.4.02.5121/RJ
RECORRENTE
: AGATHA CHRISTIE FERREIRA MAIA (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: ALESSANDRA VASCONCELLOS DE SOUZA DIAS (OAB RJ172937)
DESPACHO/DECISÃO
DECISÃO MONOCRÁTI…
RECURSO CÍVEL Nº 5004188-76.2024.4.02.5121/RJ
RECORRENTE
: AGATHA CHRISTIE FERREIRA MAIA (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: ALESSANDRA VASCONCELLOS DE SOUZA DIAS (OAB RJ172937)
DESPACHO/DECISÃO
DECISÃO MONOCRÁTICA
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. A SENTENÇA JULGOU O PEDIDO IMPROCEDENTE. DIANTE DE MOLÉSTIA
CUJO GRAU DE DEFICIÊNCIA DEMANDE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR E CUIDADOS CONTÍNUOS, TEM-SE QUE O PARÂMETRO LEGAL DE RENDA
PER CAPITA
INFERIOR A ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO PODE SER FLEXIBILIZADO. É O CASO DO PRESENTE FEITO.
RECURSO INTERPOSTO PELA PARTE AUTORA PROVIDO PARA CONDENAR O INSS A IMPLANTAR O BPC ASSISTENCIAL.
1. Trata-se de recurso interposto contra a seguinte sentença (
evento 49, SENT1
):
9. De acordo com o laudo pericial, existem impedimentos de longo prazo e definitivos (§ 10 do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 12.470/2011) "de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas" (artigo 20, § 2º, da lei supracitada).
10. O laudo pericial não foi objeto de impugnação, está idoneamente fundamentado e pode legitimamente embasar a convicção do julgador, não havendo elementos nos autos que permitam infirmar as conclusões nele contidas. O quadro clínico devidamente fundamentado pelo perito evidencia que a parte autora preenche o requisito deficiência, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada.
11. Para que seja reconhecido o direito ao benefício, além do requisito deficiência, faz-se necessária a comprovação da hipossuficiência econômica.
12. Durante a diligência de verificação das condições socioeconômicas (evento 26), foi informado que a autora reside com sua mãe e seu pai, em imóvel próprio, simples, com mobiliário em bom estado de conservação, conforme fotos anexadas.
13. Foram informados gastos com remédios (R$280,00), com transporte do autor para a escola (R$ 220,00) e com plano de saúde (R$ 252,00). É relatado, ainda, que o genitor possui salário de R$ 2.100,00, mas paga alimentos no valor de R$ 580,00 para filho de relacionamento anterior.
14. Da análise do extrato previdenciário, juntado no evento 44, o pai da autora recebeu, em fevereiro de 2024 (data do requerimento administrativo), remuneração de R$ 2.652,50, e, em julho de 2024 (última remuneração cadastrada), remuneração de R$ 2.390,17. Ao considerarmos a renda familiar, mesmo subtraída a pensão alimentícia informada, dividida pelo número de pessoas que compõem o núcleo familiar, isto é, três, resultaria em renda
per capta
de R$ 690,66, valor bem superior a 1/4 do salário mínimo (R$ 353).
15. Diante do exposto, concluo que os elementos probatórios indicam que a parte autora não experimenta situação de miserabilidade econômica. Há evidência de que o genitor consegue suprir as necessidades básicas da autora, com alimentação, tratamentos de saúde com plano particular, transporte escolar privado e outros gastos. A situação de moradia da família é bastante razoável e não foi demonstrada a aquisição de medicamentos que não poderiam ser obtidos gratuitamente no Sistema Único de Saúde. Assim, não houve a indicação de elemento objetivo que indicasse a insuficiência de meios ou que a renda auferida pelo pai da autora seja insuficiente para arcar com as despesas da família.
16. Portanto, em razão do caráter subsidiário das prestações estatais de assistência social, concluo que a autora não atende ao requisito econômico legal para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada, motivo por que os pedidos devem ser julgados improcedentes. Diante da ausência de ato ilícito, deve ser julgado improcedente o pedido de condenação do réu ao pagamento de danos morais.
17. Posto isso, resolvo o mérito e julgo improcedente o pedido, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil.
A parte autora, em recurso (
evento 54, RECLNO1
), alega que atende ao requisito de miserabilidade.
2. OS CRITÉRIOS PARA O DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA DEVEM SER AQUELES PREVISTOS EM LEI.
O art. 203, V, da CRFB/1988 estabelece o direito a benefício assistencial de prestação continuada, nos termos da lei.
Cabe ao Poder Legislativo quantificar os recursos financeiros disponíveis e, no exercício de opção política, escolher quais necessidades sociais serão priorizadas, mediante critérios uniformes para racionalizar a distribuição de renda.
O critério do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 para a aferição de miserabilidade para fins de recebimento do benefício assistencial de prestação continuada – renda
per capita
inferior a um quarto do salário mínimo – foi reafirmado sucessivamente pelas Leis 9.720/1998, 10.741/2003, 12.435/2011 e 12.470/2011. As Leis 13.982/2020 e 14.176/2021 promoveram sutil alteração, para admitir renda
per capita
inferior OU IGUAL a um quarto do salário mínimo.
Registre-se que a Lei 13.981/2020, publicada em 24/03/2020, pretendeu alterar o critério para renda
per capita
inferior a 1/2 salário mínimo. Ocorre que
(i)
o Ministro Gilmar Mendes do STF, em 03/04/2020, deferiu liminar na ADPF 662, para suspender a eficácia dessa alteração
"enquanto não sobrevier a implementação de todas as condições previstas no art. 195, § 5°, da CF, art. 113 do ADCT, bem como nos arts. 17 e 24 da LRF e ainda do art. 114 da LDO"
e
(ii)
a Lei 13.982/2020, publicada em 02/04/2020, resgatou, pelo menos até 31/12/2020, o parâmetro de renda
per capita
inferior ou igual a 1/4 do salário mínimo.
Em 22/04/2020, o Senado aprovou o PL 873/2020, que alteraria novamente o § 3º do art. 20 da LOAS para adotar o parâmetro de renda
per capita
inferior ou igual a 1/2 salário mínimo. Todavia, ao sancionar a Lei 13.998/2020, esse dispositivo recebeu veto do Presidente da República, com as seguintes razões:
"A propositura legislativa, ao manter de forma objetiva o valor do critério para a percepção do Benefício de Prestação Continuada (BPC) no valor de 1/2 salário mínimo, a partir de 1º de janeiro de 2021, extrapola a decisão liminar exarada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 6357 e institui obrigação ao Poder Executivo, além de criar despesa obrigatória ao Poder Público, sem que se tenha indicado a respectiva fonte de custeio, ausente ainda o demonstrativo do respectivo impacto orçamentário e financeiro no exercício corrente e nos dois subsequentes, violando assim, as regras do art. 113 do ADCT, bem como do arts. 16 e 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal e ainda do art. 116 da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2020 (Lei 13.898, de 2019). Ademais, o dispositivo contraria o interesse público ao não se permitir a determinação de critérios para a adequada focalização do benefício."
A MP 1.023, de 31/12/2000, convertida na Lei 14.176/2021, ratificou o parâmetro de 1/4 do salário mínimo no § 3º do art. 20 da Lei 9.742/1993 e inseriu nova regra no § 11-A, segundo o qual
"O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei."
3. O CRITÉRIO PREVISTO NO ART. 20, § 3º, DA LEI 8.742/1993 (RENDA
PER CAPITA
IGUAL OU INFERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO) É ADEQUADO, COMO NORMA GERAL E ABSTRATA, PARA A PROTEÇÃO DAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE MISERABILIDADE.
O parâmetro legal de miserabilidade não é um valor fixo em reais, e sim um percentual do salário mínimo (25%).
Como na última década o valor do salário mínimo tem sido majorado anualmente em patamar igual ou superior aos índices oficiais de inflação, o programa assistencial se torna progressivamente mais abrangente e inclusivo sempre que o reajuste do SM excede a inflação. Em 2006, o SM atingiu US$ 160.00 e nunca caiu aquém desse patamar; desde 2009, equivale a no mínimo US$ 200.00 (de 2016 a 2019, equivaleu a US$ 250.00).
O objetivo do benefício assistencial de prestação continuada é amparar pessoas em situação de miserabilidade (menos de US$ 1.25 por dia – US$ 37.50 por mês) e de pobreza extrema (menos de US$ 2.00 por dia – US$ 60.00 por mês), dando-lhes condições mínimas de alimentação e moradia, e não propiciar acréscimo de recursos financeiros a pessoas em situação de pobreza moderada ou classe média baixa.
Como o salário mínimo manteve-se igual ou acima de US$ 200.00 na última década, o critério legal de miserabilidade (1/4 do SM) tem assegurado pelo menos US$ 50.00 mensais por pessoa. Logo, dentro da realidade orçamentária brasileira, é uma parâmetro adequado para a finalidade específica de abarcar as pessoas em situação social e financeira extrema; as demais pessoas carentes são destinatárias de outros programas assistenciais.
4. A IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO SUFICIENTE AOS DESTINATÁRIOS DA NORMA DO ART. 203, V, DA CRFB/1988 AUTORIZA OS MAGISTRADOS, EM SITUAÇÕES DE FATO EXCEPCIONAIS, AFERIDAS EM LAUDO DE CONSTATAÇÃO DE CONDIÇÕES SÓCIO-ECONÔMICAS, A SE DISTANCIAREM UM POUCO DO CRITÉRIO LEGAL (STF, RE 567.985 E RE 580.963). ART. 20, §§ 11 E 11-A C/C ART. 20-B
DA LEI 8.742/1993.
O STF, no julgamento do RE 567.985, declarou a inconstitucionalidade da redação do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 sem nulidade da norma, por considerar que o uso isolado do critério “renda” é imperfeito e, em algumas situações específicas, a serem aferidas caso a caso, acarreta proteção insuficiente a alguns dos destinatários da norma do art. 203, V, da CRFB/1988. Consequentemente, o STF permitiu que, por outros critérios (que não exclusivamente a renda), os magistrados possam aferir se existe a alegada imprescindibilidade do benefício assistencial para a sobrevivência da parte que o requereu. Essa interpretação do STF foi incluída pela Lei 13.146/2015 no § 11 do art. 20 da Lei 8.742/1993:
“Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento”
(o regulamento ainda não foi editado).
O mesmo fundamento de proibição de proteção insuficiente levou o STF, ao julgar o RE 580.963, a declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, sem nulidade da norma, de modo a permitir a sua interpretação extensiva para abranger também os idosos que recebem aposentadoria ou pensão por morte, reservando-lhe um salário mínimo (a parte do benefício que exceder esse montante pode ser considerada renda dos demais familiares). O STJ, ao julgar, em março de 2015, o REsp 1.355.052, definiu, em interpretação extensiva do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, que, para fins de recebimento de benefício assistencial de prestação continuada, deve ser excluído do cálculo da renda da família o benefício de um salário mínimo que tenha sido concedido a idoso ou a pessoa com deficiência. Essa interpretação judicial foi incluída pela Lei 13.982/2020 no § 14 do art. 20 da Lei 8.742/1993:
"O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo."
Regulamentando essa decisão, a Lei 14.176/2021, conversão da MP 1.023/2020, mediante introdução do §11-A no art. 20 da Lei 8.742/1993 (
"O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei."
) estabeleceu um "teto" para a flexibilização, segundo o caso concreto, do critério legal de aferição da miserabilidade: a renda igual ou superior a 1/2 salário mínimo necessariamente conduz à inexistência de direito ao benefício assistencial de prestação continuada. A flexibilização do critério de renda inferior ou igual a 1/4 do salário mínimo, por sua vez, deverá observar os critérios postos no art. 20-B da Lei 8.742/1993.
5. OS CRITÉRIOS DE DELIMITAÇÃO DOS BENEFICIÁRIOS DE OUTROS PROGRAMAS ASSISTENCIAIS NÃO PODEM SER EMPREGADOS EM SUBSTITUIÇÃO AO ART. 20, § 3º, DA LEI 8.742/1993.
Como cada benefício assistencial tem um foco específico, os critérios de delimitação dos beneficiários em função da renda familiar variam de um para outro.
O critério de renda
per capita
inferior a meio salário mínimo é próprio do Bolsa-Família (Lei 10.836/2004) e não pode, em hipótese alguma, ser estendido para o benefício de prestação continuada; tanto é assim que a Lei 12.435/2011, posterior à Lei do Bolsa-Família e ao Estatuto do Idoso, expressamente reafirmou o critério de renda
per capita
inferior a um quarto do salário mínimo.
É importante registrar que, no julgamento dos RE 567.985 e 580.963, nenhum dos Ministros do STF admitiu que o critério legal – renda
per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo – cedesse vez ao critério de 1/2 salário mínimo; pelo contrário, a Corte Constitucional autorizou os juízes a flexibilizarem o critério legal (sem dele se distanciar significativamente) apenas como medida pontual, excepcional, à luz de elementos de fato que, no caso concreto, denunciem a miserabilidade (laudo detalhado que aponte moradia em condições sub-humanas, despesas extraordinárias e necessidades específicas), justamente porque renda não é um critério plenamente adequado. Como esclareceu o Ministro MARCO AURÉLIO, os juízes não estão autorizados a substituir o critério legal por outro parâmetro genérico baseado em renda (como, por exemplo, 1/2 salário mínimo): se a razão de decidir é a impossibilidade de aferir a miserabilidade única e exclusivamente a partir do critério de “renda”, a flexibilização da regra do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 depende de situação de fato alegada e comprovada pela parte autora.
6. DESPESAS ORDINÁRIAS DA FAMÍLIA NÃO ASSUMEM, EM REGRA, RELEVÂNCIA NA APURAÇÃO DA SUA SITUAÇÃO SOCIAL-ECONÔMICA. APENAS DESPESAS COM TRATAMENTOS DE SAÚDE, REMÉDIOS, FRALDAS, ALIMENTOS ESPECIAIS E SERVIÇOS NÃO FORNECIDOS PELO PODER PÚBLICO PODEM SER DEDUZIDAS DA RENDA FAMILIAR (ART. 20-B DA LEI 8.742/1993).
As despesas ordinárias (água, luz, gás, telefone, vestuário, alimentação e remédios fornecidos pelo SUS – que podem ser demandados judicialmente, em caso de omissão estatal), em regra, não podem ser descontadas para a apuração da renda familiar
per capita,
seja porque a lei não alude a “renda líquida”, seja porque o objetivo do tratamento assistencial aos idosos e pessoas com deficiência é justamente assegurar-lhes recursos financeiros para fazer frente a tais gastos.
Em casos excepcionais, despesas excessivas e justificáveis podem ser consideradas para a configuração da miserabilidade, como, por exemplo, quando a longa distância ou dificuldades geográficas impedem o acesso regular dos interessados a posto de saúde, ou quando o tratamento necessário não é sequer oferecido e integralmente custeado pela rede pública. O art. 20-B da Lei 8.742/1993, introduzido pela Lei 14.176/2021, conversão da MP 1.023/2020, admite a dedução, da renda familiar, de despesas com tratamentos de saúde, remédios, fraldas e alimentos especiais desde que não fornecidos pelo SUS ou com serviços não prestados pelo SUAS - o que reafirma que outras despesas não podem ser deduzidas.
7. O CRITÉRIO DE DELIMITAÇÃO DO NÚCLEO FAMILIAR PARA APURAÇÃO DA RENDA PREVISTO NO ART. 20, § 1º, DA LEI 8.742/1993 É CONSTITUCIONAL, COMO NORMA GERAL E ABSTRATA; ENTRETANTO, NÃO É APLICÁVEL AOS CASOS EM QUE HOUVER PARENTES COM RENDA SIGNIFICATIVA, MESMO QUE CASADOS E/OU RESIDINDO SOB OUTRO TETO, SITUAÇÃO NA QUAL PREVALECE O DEVER DE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS ENTRE PARENTES.
A redação atual do art. 20, § 1º, da Lei 8.742/1993 (dada pela Lei 12.435/2011) delimita o núcleo familiar, para apuração da renda
per capita
, como o
“requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto"
.
Não há mais limite de idade para os filhos (e enteados) e irmãos, passando a ser relevante que sejam solteiros, e houve inclusão da madrasta e do padrasto. Não devem ser computados, para nenhum fim (nem para computar a renda nem para divisão da renda
per capita
), os tios, os irmãos casados (que já eram excluídos, por parte da jurisprudência, por constituírem núcleo familiar diverso) e os agregados.
Os irmãos, filhos e enteados que vivem em união estável não são solteiros e, ademais, constituíram núcleo familiar diverso (ainda que sob o mesmo teto).
A LOAS mitigou o princípio da atuação subsidiária do Estado e o dever de ajuda recíproca entre familiares, com a finalidade de excluir do cômputo de renda os parentes que constituíram novo núcleo familiar (parentes que vivem sob outro teto, filhos casados
etc
), pois, em regra, vinculá-los ao sustento do núcleo originário acarretaria ciclo de perpetuação da pobreza, subtraindo da nova célula os recursos financeiros imprescindíveis a garantir oportunidade de ascensão social das gerações futuras. Contudo, nos casos específicos em que houver um parente de renda significativa, mesmo que casado e sem residir sob o mesmo teto, a interpretação do art. 20, § 1º, da Lei 8.742/1993 conforme os arts. 226 a 230 da CRFB/1988 não autoriza a proteção excessiva, cedendo espaço ao dever de alimentos a que aludem os arts. 1.695 a 1.697 do Código Civil.
8.1. A RENDA FAMILIAR
PER CAPITA
IGUAL OU INFERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO GERA PRESUNÇÃO RELATIVA DE QUE A FAMÍLIA É MISERÁVEL, EXTREMAMENTE POBRE OU EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL. SE O LAUDO SÓCIO-ECONÔMICO APONTAR EM SENTIDO CONTRÁRIO, O BPC NÃO SERÁ DEVIDO, POIS O ART. 203, V, DA CRFB/1988 NÃO AUTORIZA PROTEÇÃO EXCESSIVA QUE TRANSFIGURE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL EM PROGRAMA DE RENDA MÍNIMA.
Os precedentes do STF e o § 11 do art. 20 da Lei 8.742/1993 deixam claro que os requisitos para o deferimento do benefício assistencial de prestação continuada à família do requerente idoso ou com deficiência são a miserabilidade ou pobreza extrema e a vulnerabilidade. A renda seria mero meio de prova do implemento desses requisitos.
Entretanto, assim como o meio de prova “renda familiar” não pode ser tomado de forma absoluta para evitar situações de proteção insuficiente (isto é, pode haver situações em que, mesmo com renda
per capita
superior a 1/4 do salário mínimo, estariam preenchidos os requisitos da miserabilidade e da vulnerabilidade), a renda
per capita
igual ou inferior a 1/4 do salário mínimo resulta em presunção
relativa
do implemento desse requisito para gozo do BPC:
PEDIDO NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. MISERABILIDADE. O CRITÉRIO OBJETIVO DE RENDA INFERIOR A ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO NÃO EXCLUI A UTILIZAÇÃO DE OUTROS ELEMENTOS DE PROVA PARA AFERIÇÃO DA CONDIÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA DO REQUERENTE E DE SUA FAMÍLIA. INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE MISERABILIDADE, NOS TERMOS DA MAIS RECENTE JURISPRUDÊNCIA DESTA TNU. APLICAÇÃO DA QUESTÃO DE ORDEM N.º 020 DESTE COLEGIADO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. INCIDÊNCIA DO NOVO MANUAL DE CÁLCULOS DA JUSTIÇA FEDERAL. INCIDENTE FORMULADO PELO INSS CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (art. 17, incisos I e II, do RITNU).
(TNU, PEDILEF 5000493-92.2014.4.04.7002, Relator Juiz Daniel Machado da Rocha, julgado em 14/04/2016)
Chega-se a este resultado mediante interpretação constitucionalmente adequada (a regra geral e abstrata é constitucional, mas, no caso concreto, incorre em inconstitucionalidade por desconformidade à finalidade do art. 203, V, da CRFB/1988), para evitar que a aplicação do texto literal da regra desnature o papel subsidiário e excepcional da Assistência Social e converta o BPC em programa de renda mínima para pessoas que, apesar de pobres, não são miseráveis, extremamente pobres nem especialmente vulneráveis.
8.2. QUANDO A RENDA FAMILIAR PER CAPITA É IGUAL OU INFERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO POR APLICAÇÃO DO ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DO ESTATUTO DO IDOSO OU DO ART. 20, § 14, DA LEI 8.742/1993, HÁ FORTE PRESUNÇÃO (RELATIVA) DE DIREITO À PROTEÇÃO ASSISTENCIAL, QUE SÓ PODE SER ELIDIDA POR PROVA (LAUDO DE AVALIAÇÃO ECONÔMICO-SOCIAL, TESTEMUNHAS, REGISTRO DE BENS IMÓVEIS OU MÓVEIS
ETC
) QUE ATESTE PADRÃO DE VIDA MANIFESTAMENTE INCOMPATÍVEL COM A RENDA FAMILIAR DECLARADA.
O CÁLCULO DO ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 10.741/2003 (ATUAL ART. 20, § 14, DA LEI 8.742/1993) DETERMINA QUE SE TOME A RENDA FAMILIAR TOTAL (DEDUZIDA A RENDA DE CADA IDOSO, ATÉ O LIMITE DE UM SALÁRIO MÍNIMO POR IDOSO), DIVIDIDA PELO NÚMERO DE INTEGRANTES NÃO IDOSOS. A PARTE DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO PERCEBIDO POR IDOSO QUE EXCEDER UM SALÁRIO MÍNIMO SERÁ COMPUTADA NA RENDA FAMILIAR.
O texto do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) estabelece que
"O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas."
O STF, por proibição de proteção insuficiente, no julgamento do RE 580.963, declarou a inconstitucionalidade sem nulidade da norma, de modo a permitir a sua interpretação extensiva para abranger também os idosos que recebem aposentadoria ou pensão por morte, reservando-lhe um salário mínimo.
A TRU da 2ª Região, por ocasião do julgamento em 24/05/2018 do Pedido de Uniformização nº 0152075-11.2014.4.02.5151/01, relator juiz Iorio Siqueira D’Alessandri Forti, ponderou:
- Em média, idosos e pessoas com deficiência têm maiores despesas (principalmente com tratamento de saúde). Considerações sobre o aumento da expectativa de vida e sobre a qualidade de vida e das condições laborativas das pessoas idosas não devem ser feitas pelo Judiciário, e sim pelo Legislativo, no sentido de avaliar a conveniência de diminuir a abrangência da regra do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 para as pessoas com 70 anos ou mais.
- O Estatuto do Idoso se afastou da questão da simples aferição de miserabilidade, para incentivar que as famílias acolham os seus idosos, para que para que a renda do idoso não impeça o deferimento de BPC a outro integrante idoso ou com deficiência (já que o custo social de amparar os idosos rejeitados por suas famílias seria muito mais elevado).
- A interpretação restritiva da regra do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003, visando à redução da sua abrangência para evitar “proteção assistencial excessiva a famílias não miseráveis” caracterizaria controle de constitucionalidade à luz do art. 203, V, da Lei 10.741/2003 e a interferência do controle do Judiciário sobre a discricionariedade do legislador deve ser maior quando se destina a assegurar a “proteção adequada” (proteção não insuficiente) e mais restritiva quando se destina a evitar a “proteção assistencial excessiva”.
- A regra do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 concretiza de forma adequada e não excessiva o mandamento do art. 203, V, da CRFB/1988. Os filhos têm o dever de sustentar os pais (art. 229 da CRFB/1988) e, na falta destes, os idosos devem ser sustentados pelo Estado. Não cabe aos idosos de baixa renda o dever de sustentar a família (art. 203, V, da CRFB/1988).
Diante destas considerações, a TRU da 2ª Região firmou a seguinte tese:
“Para o deferimento do benefício assistencial de prestação continuada, o cálculo para a aferição do preenchimento do requisito de renda deve ser feito mediante conjugação necessária do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 com o art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003: toma-se a renda familiar total (deduzida a renda de cada idoso, até o limite de um salário mínimo por idoso), – dividida pelo número de integrantes não idosos. A parte do benefício previdenciário percebido por idoso que exceder um salário mínimo será considerada na renda familiar.”
Na mesma ocasião, a TRU concluiu que, nos casos em que incide a regra do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 (ou do art. 20, § 14, da LOAS), a renda
per capita
só é inferior a 1/4 do salário mínimo por uma ficção jurídica estabelecida pelo legislador (porque o salário mínimo inteiro do idoso não é computado). Logo, seria um contrassenso se a regra permitisse subtrair o salário mínimo do cálculo da renda
per capita
e, em seguida, o juiz pudesse julgar improcedente o pedido de BPC assistencial porque a moradia e as posses da família foram adquiridas com uma renda familiar que é integrada de fato por esse salário mínimo. Nesses casos, portanto, há forte presunção (ainda que continue a ser relativa) de direito à proteção assistencial, que só pode ser elidida por prova (laudo de avaliação econômico-social, testemunhas, registro de bens imóveis ou móveis
etc
) que ateste padrão de vida manifestamente incompatível com a renda familiar declarada.
Diante disto, convém frisar que ao juiz impõe-se um papel ativo para aferir não só a renda da família como também todos os demais elementos que possam confirmar ou infirmar a alegada miserabilidade/vulnerabilidade, o que leva à adoção do entendimento consagrado pela Súmula 80/TNU:
“Nas ações em que se postula benefício assistencial, é necessária a comprovação das condições socioeconômicas do autor por laudo de assistente social, por auto de constatação lavrado por oficial de justiça ou, sendo inviabilizados os referidos meios, por prova testemunhal.”
A determinação de elaboração do laudo de verificação econômico-social (análise da dimensão o patrimônio, inclusive do próprio imóvel onde a família reside, das condições de conservação da moradia e da disponibilidade ou não de rede de água, esgoto, eletricidade e coleta de lixo, da existência ou não de parentes com renda significativa, mesmo que em outra residência, despesas fixas com tratamento de saúde não oferecido pelo SUS
etc
) é obrigatória, sempre que possível.
9. DA IMPRESCINDIBILIDADE DA INSCRIÇÃO NO CADÚNICO A PARTIR DA MP 871/2019
Desde 1998, o § 8º do art. 20 da Lei 8.742/1993 prevê que "
A renda familiar mensal a que se refere o § 3º deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido
".
Não obstante o Decreto 8.805/2016 condicionar o deferimento do benefício de prestação continuada à inscrição e atualização do Cadastro Único, a TNU considerou essa prova prescindível (PEDILEF 0503639-05.2017.4.05.8404).
A MP 871/2019 e a Lei 13.846/2019 incluíram a exigência de inscrição no cadastro no § 12 do art. 20 da Lei 8.742/1993, razão pela qual, daí em diante, a regularidade cadastral passou a ser requisito da essência do benefício.
O art. 7º do Decreto 6.135/2007, estabelece que “
as informações constantes do CadÚnico terão validade de dois anos, contados a partir da data da última atualização, sendo necessária, após este período, a sua atualização ou revalidação, na forma disciplinada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
”.
10. O CASO CONCRETO.
10.1. O art. 20, § 2º, da Lei 8.742/1993, com redação dada pela Lei 13.146/2015 (que não é significativamente divergente da redação que já constava desde a Lei 12.470/2011), considera
“pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”
. O § 10 do mesmo artigo dispõe que “
Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2º deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos”
.
Basta um único fator de impedimento de longo prazo que – somado aos fatores idade, grau de instrução, local de residência – constitua óbice significativo à vida independente ou à inserção no mercado de trabalho, em comparação a outras pessoas da mesma localidade, mesma faixa etária, e com o mesmo grau de instrução. Não se exige, portanto, invalidez (incapacidade total e permanente), bastando que haja restrição significativa da capacidade por longo prazo.
10.1.1 A parte autora tem, conforme o laudo pericial (
evento 23, LAUDPERI1
), distúrbios da atividade e da atenção, condição existente desde o seu nascimento e que gera comprometimento cognitivo. Além disso, o perito afirmou que há impedimentos de longo prazo de natureza intelectual e mental, situação que preenche o requisito do art. 20, § 2º, da Lei 8.742/1993.
10.1.2 Em acórdão de 01/03/2021, no julgamento do recurso 5004551-48.2019.4.02.5118/RJ, e em acórdão de 27/04/2021, no recurso 5002168-12.2019.4.02.5114/RJ (ementas transcritas abaixo), ambos também da relatoria do juiz João Marcelo Oliveira Rocha, a 5ª TR-RJ firmou a premissa de que, em casos de autismo moderado ou grave, não só tem-se caracterizada a deficiência como também o tratamento necessário à superação das limitações não oferecido pela rede pública – tratamentos multidisciplinares de auxílio ao desenvolvimento intelectual (terapia ocupacional, psicólogo, psiquiatra, psicomotrista, fonoaudiólogo) – pode ser invocado para a flexibilização do parâmetro legal de renda
per capita
inferior a ¼ do salário mínimo.
DIREITO ASSISTENCIAL. A autora nasceu em 24/06/2009 e tem, portanto, 11 anos de idade atualmente. O requerimento administrativo do benefício assistencial em prol da pessoa com deficiência é de 24/05/2018 e foi indeferido por não constatação de deficiência que justificasse o benefício. sentença de procedência. recurso do INSS. controvérsia sobre a condição socioeconômica.
O núcleo familiar é composto por quatro pessoas: a autora, um irmão também menor e os pais. Ao tempo do requerimento (DER em 24/05/2018), o pai da autora, o arrimo da família, não tinha emprego (Evento 79, CNIS1, Página 1). O INSS considerou a renda por ele declarada no Cadúnico, de R$ 500,00 (Evento 61, PROCADM1, Páginas 18/19) e, na ocasião, entendeu cumprido o requisito socioeconômico (Evento 61, PROCADM1, Página 26).
Após o indeferimento (ocorrido em 21/03/2019), o pai da autora empregou-se de 24/04/2019 e 05/06/2019 e de 09/09/2019 a 20/06/2020. Este último vínculo deu-se durante o curso da ação. Em verdade, a constatação social (Evento 29) foi realizada justamente em 09/09/2019, data do início desse último vínculo empregatício, fato que foi noticiado na constatação, quando a família declarou que a remuneração do pai da autora no novo vínculo empregatício era estimada em R$ 1.500,00. Afirmou-se ainda que a da mãe da autora tinha renda (por serviços esporádicos de costura) de R$ 100,00, o que conduzia ao total de R$ 1.600,00.
O recurso do INSS cuida da situação socioeconômica da época da constatação social e faz alusão a essa renda total de R$ 1.600,00. A nosso ver, o recurso do INSS, por não se referir ao período de 24/04/2019 e 05/06/2019 - época do primeiro vínculo empregatício do pai da autora após a DER - não devolveu à Turma esse tema. Por outro lado, o recurso, ao fazer referência ao que foi apurado ao tempo da constatação social e à renda familiar, devolve-nos plenamente a questão o que nos dá a possibilidade de exame e debate a respeito dos elementos dos autos acerca desse período.
O CNIS (Evento 79, CNIS2, Páginas 4/5; presente nos autos ao tempo da sentença) aponta as remunerações do pai da autora no vínculo empregatício de 09/09/2019 a 20/06/2020. Portanto, impõe-se examinar o caso à luz das reais remunerações, e não à luz do que foi declarado na constatação social. Bem assim, deve-se levar em conta a renda que a mãe da autora declarou com suas atividades de costureira, de R$ 100,00 (as fotos da constatação social dão conta de que ela possui uma máquina de costura em casa).
O laudo médico judicial (Evento 43) aponta que a autora porta "
forma grave de autismo
" e que tem necessidade de "
equipe de saúde multidisciplinar. Psicólogo, terapeuta ocupacional, educação especial, fonoaudiólogo, médico
".
Os elementos dos autos dão conta de que o acompanhamento médico vem sendo realizado na rede pública municipal. Bem assim, que a terapia ocupacional foi oferecida pela rede pública (Evento 1, EXMMED6, Páginas 7/8), uma vez por semana. O relatório escolar do Evento 1, EXMMED6, Páginas 5/6, indica que a autora tem sido assistida no Atendimento Educacional Especializado - Sala de Recursos, duas vezes por semana, no contra turno do seu horário escolar normal. Na constatação social, a família narrou que a autora "
estuda e na sala de aula é acompanhada por uma mediadora
" (Evento 29, CERT1, Página 2).
Quanto à assistência psicológica, há nos autos o documento médico de 14/08/2018, que encaminha a autora ao setor de psicologia da rede pública. No entanto, não há nos autos qualquer notícia de que o serviço esteja sendo disponibilizado. Na constatação social, a família narrou que a autora recebeu "
encaminhamento para psicólogo, contudo, não consegue o tratamento pela rede pública, por isso, hoje está sem nenhum tratamento
".
A autora é uma criança portadora de deficiência e precisa que o atendimento seja imediato, a fim de lhe proporcionar o melhor desenvolvimento possível e de que ela venha a ser uma adulta também com a maior autonomia que for possível. Não se pode cogitar de protrair essa assistência. A parte autora não juntou nos autos qualquer elemento de indicação sobre qual seria frequência necessária ao psicólogo. Desse modo e tendo em vista a frequência da terapia ocupacional, considero aqui a necessidade uma consulta semanal. A parte autora também não trouxe aos autos uma estimativa de custo dessa assistência psicológica. Na página do Conselho Regional de Psicologia nos Estado (http://www.crprj.org.br/site/cfp-e-fenapsi-publicam-novas-tabelas-de-referencia-de-honorarios-da-psicologia/), encontra-se uma tabela, de 2016, que aponta os valores normalmente praticados pelo mercado. O valor mínimo é R$ 88,38; o médio, R$ 121,65; e o máximo R$ 154,91. Pela ausência de critério mais seguro, tomo o valor médio ali lançado para a estimativa do caso, o que conduz a um custo mensal médio estimado de R$ 486,60 com assistência psicológica.
Esse custo estimado é necessário e, portanto, tomo-o como despesa extraordinária dedutível. Bem assim, aplico aqui o critério legal vigente em que o limite normativo da renda é de 1/4 do salário mínimo, e não 1/2, como fez a sentença. Desse modo, em relação ao período em que o pai da autora manteve-se empregado pela última vez (tema trazido pelo recurso do INSS), temos quadro de renda familiar em que o direito ao benefício só existe em relação às competências de 05 e 06/2020 (a remuneração do pai da autora, em 11/2019, chegou a R$ 2.532,51), conforme demonstrativo constante no voto.
Ou seja, nas competências de 09/2019 a 04/2020, ainda que se considerasse a dedução da despesa necessária com o tratamento psicológico, a renda familiar individual fica acima do limite legal. Desse modo, impõe-se concluir que o benefício não é devido nesse período. Desde 07/2020, o pai da autora não mais tem rendimentos de vínculo empregatício, de modo que deve ser considerada a renda que havia sido declarada no Cadúnico, de R$ 500,00, decorrente do trabalho informal. O benefício é devido apenas no período de 24/05/2018 (DER) a 31/08/2019 e de 01/05/2020 em diante.
Recurso do INSS provido em parte. sentença de procedência reformada em parte.
(5ª TR-RJ, recurso 5004551-48.2019.4.02.5118/RJ, relator JF João Marcelo Oliveira Rocha, j. em 01/03/2021)
DIREITO ASSISTENCIAL. O autor tem 11 anos atualmente. Postulação de benefício assistencial em prol da pessoa com deficiência. O requerimento administrativo é de 01/10/2015 e foi indeferido em razão da renda familiar (Evento 1, ANEXO5, Página 5). Na ocasião, a deficiência de longo prazo foi reconhecida pelo INSS (Evento 29, OFIC1, Página 2).
O procedimento administrativo não foi juntado aos autos, mas pelos elementos presente, é possível concluir que o INSS considerou a família composta por três pessoas (o autor e os pais) e a remuneração do pai do autor, empregado, de R$ 953,47 em 10/2015 (Evento 93, OUT2, Página 6; o salário mínimo era R$ 788,00). A sentença deferiu o benefício a partir de 30/08/2019, data do ajuizamento da ação e também da citação do INSS, pois houve alteração do grupo familiar após o indeferimento.
recurso de ambas as partes a respeito do início do cumprimento do requisito socioeconômico. O autor defende que o requisito foi cumprido desde a DER. O INSS sustenta que deveria teria havido novo requerimento administrativo após a alteração do núcleo e postula que o início do benefício seja fixado na data da sentença.
1) Do requisito socioeconômico no período de 01/10/2015 (DER) a 30/08/2019 (ajuizamento da ação). O Juízo de origem denegou o benefício durante esse intervalo. Dessa forma, a matéria foi devolvida a esta Turma, que não fica vinculada às premissas adotadas pela sentença.
Sobre a composição familiar, o autor declarou em sede administrativa que o seu pai integrava o núcleo (Evento 1, ANEXO5, Página 9).
A ação foi ajuizada apenas em 30/08/2019 e, pela narrativa da inicial, o pai já não morava com a família e pagava ao autor a pensão alimentícia de R$ 200,00. No entanto, a inicial não ofereceu qualquer articulação a respeito da dinâmica dos fatos desde a DER. Nesse ponto, penso que se deve admitir com verdadeira a afirmação do autor a respeito da composição do núcleo em 30/08/2019, pois há afirmação conteporânea sobre o fato, o que foi corroborado pela constatação social realizada em 05/11/2019 (Evento 44, sem fotos).
A alegação de que a modificação do núcleo ocorrera em maio de 2017 só veio aos autos em 15/06/2020 (Evento 79), ou seja, mais de três anos após o fato e sem qualquer mínima comprovação sobre ele ou requerimento de prova adicional que pudesse comprovar a época alegada.
Logo, fixo a premissa de que o núcleo familiar deve ser considerado no período em debate - de 01/10/2015 a 30/08/2019 - formado também pelo pai do autor, bem assim a sua renda. De outro lado, no período, não se deve considerar a renda da mãe da autora (por trabalhos esporádicos como faxineira), pois tudo está a indicar que essa atividade iniciou-se a partir da separação. Em sede administrativa, a renda declarada para a mãe do autor foi zero (Evento 1, ANEXO5, Página 9).
Ainda na apuração do período, não se pode abater o custo do medicamento Neuleptil
®
(periciazina), pois, embora realmente não conste no Rename, não há nos autos elementos que indiquem o uso desse medicamento no período em estudo. A receita do Evento 1, ANEXO6, Página 9, não tem data e a receita do Evento 30, COMP2, Página 3, é de 06/11/2019.
Examinadas as remunerações do pai do autor no período (Evento 93, OUT2, Páginas 6/7), verifica-se que elas foram, em média, de 1,22 do salário mínimo, durante o período em apreço.
Partindo-se do limite normativo de 1/4 do salário mínimo e considerando o núcleo de três pessoas, calculamos mês a mês o valor da remuneração do pai do autor que excedia os 3/4 do salário mínimo, que é o valor que ultrapassa o limite legal. Na média, esse excesso foi de R$ 439,61 por mês. Nos cinco últimos meses, de 04 a 08/2019, esse excesso foi de R$ 489,61.
Examino, então, o problema dos tratamentos multidisciplinares de que o autor necessitava (e necessita). Esta 5ª Turma tem feito esse tipo de análise em casos como o presente, em que se cuida de criança que precisa ter acesso às terapias auxiliares no seu desenvolvimento intelectual, a fim de que tenha chances de ser um adulto mais independente possível. Ou seja, não se trata de deficiência estabilizada cujo tratamento é apenas de controle medicamentoso. Cuida-se, no presente caso, de deficiência (autismo) que demanda tratamento mutidisciplinar de estímulo ao desencolvimento.
De relevante nesse estudo, tem-se os seguintes documentos médicos:
(i) Evento 1, ANEXO5, Página 15 - parecer médico do SUS de Guapimirim de
15/04/2015
, que dá conta do diagnóstico de
autismo
atípico, com grave comprometimento do comportamento e das funções cognitivas, requerendo vigilância constante
". O documento dá conta de que o autor vinha sendo assistido por
psiquiatra
e
psicólogo
desde 2011;
(ii) Evento 1, ANEXO6, Página 6 - documento médico do SUS, de
18/05/2015
, com encaminhamento do autor para
fonoaudiólogo
;
(iii) Evento 1, ANEXO6, Página 5 - documento médico do SUS, também de
18/05/2015
, com encaminhamento do autor para
psicoterapia
;
(iv) Evento 1, ANEXO6, Página 7 - documento médico do SUS, de
11/05/2016
, com encaminhamento do autor para
equoterapia
;
(v) Evento 1, ANEXO5, Página 13 - documento médico do SUS, de
20/05/2017
, que dá conta de que o autor tem indicação de tratamento multidisciplinar de natureza: "
fonoaudiológica, psicoterápica, psicomotricista, terapia ocupacional
, além de outras terapias complementares
"; e
(vi) Evento 1, ANEXO6, Página 1 - documento médico do SUS, de
17/07/2019
, que indica tratamento multidisciplinar em "
fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicoterapia
".
Pelos elementos dos autos, o autor vinha sendo assistido por psicólogo do SUS e, portanto, não é possível compreender porque deixou de ter sido, como é mencionado na constatação social.
De todo modo, o autor precisava e precisa de tratamentos em
fonoaudiologia, terapia ocupacional e equoterapia
, que não vem sendo oferecidos pelo SUS ou SUAS de Guapimirim. Essa necessidade existe desde pelo menos 15/04/2015, data do documento mais antigo e que aponta o diagnóstico de
autismo
em forma grave.
Em consulta a enquete realizado pelo Crefono da 1ª Região (http://crefono1.gov.br/arquivo-de-enquetes/), verifica-se que o custo cobrado pela consulta com
fonoaudiólogo
tem mediana entorno de R$ 80,00.
Ainda que se considere apenas uma sessão por semana, o custo mensal é em torno de
R$ 240,00
.
De acordo com o Coffito (https://www.coffito.gov.br/nsite/wp-content/uploads/2019/02/CHTO2019.pdf), as consultas com
terapeuta ocupacional
, em 2019, custavam em torno de R$ 90,00. Ainda que se considere apenas uma sessão por semana, o custo mensal é em torno de
R$ 360,00
.
A
equoterapia
tem custo aproximado de
R$ 400,00
mensais (https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2018/11/30/interna_cidadesdf,722432/associacao-nacional-de-equoterapia-ajuda-pessoas-com-deficiencia.shtml).
Portanto, o custo estimado das terapias auxiliares no tratamento é de R$ 1.000,00, bem acima do excedente de renda familiar de R$ 489,61 em 2019. A mesma proporção deve ser admitida em relação ao período anterior, desde 2015. Logo, realmente impõe-se concluir que, mesmo no arranjo familiar do período em apreço, a família não tinha como sustentar o autor, considerados os seus necessários tratamentos.
Enfim, tem-se que o requisito socioeconômico estava preenchido desde a DER. Portanto, acolhem-se os argumentos do recurso do autor e rejeitam-se os do recurso do INSS.
2) Do início da deficiência. Como o recurso da autora postula o benefício desde a DER (01/10/2015) e a sentença reconheceu a deficiência desde 02/12/2015, dada da perícia administrativa (que já havia reconhecido a deficiência), impõe-se enfrentar o tema.
A nosso ver, a deficiência está comprovada desde 15/04/2015, pelo documento médico do Evento 1, ANEXO5, Página 15, que já dava conta do diagnóstico de
autismo
atípico, com grave comprometimento do comportamento e das funções cognitivas, requerendo vigilância constante
".
Logo, o benefício é realmente devido desde a DER.
Recurso do INSS não provido. Recurso do autor provido. sentença, de procedência em parte, reformada em parte.
(5ª TR-RJ, recurso 5002168-12.2019.4.02.5114/RJ, relator JF João Marcelo Oliveira Rocha, j. em 27/04/2021)
Dessa forma, apesar de tratar de hipótese de autismo, extrai-se do julgado que, diante de moléstia
cujo grau de deficiência demande tratamento multidisciplinar e cuidados contínuos, o parâmetro legal de renda
per capita
inferior a 1/4 do salário-mínimo pode ser flexibilizado até 1/2 salário-mínimo. É o caso do presente feito.
A autora apresentou laudo médico (
evento 1, ANEXO14
) que indica a necessidade de acompanhamento multidisciplinar. Além disso, apresentou declarações que comprovam que a autora realiza terapia ocupacional e sessões de psicomotricidade, psicopedagogia e fonoaudiologia:
10.2 Consta da verificação social (
evento 26, VERIF2
) que a família é integrada pela autora (9 anos, sem renda), sua mãe (43 anos, renda de R$ 650,00, decorrente do Bolsa Família) e seu pai (51 anos, R$ 2.652,50 na DER).
A família reside em imóvel próprio e não paga aluguel, a casa e a mobília são simples e estão em razoável estado de conservação. Ainda, foi informado que o pai da autora paga pensão alimentícia para seu outro filho, no valor de R$ 580,00 e que a autora possui plano de saúde, no valor de R$ 252,00.
Em consulta ao SAT/EXTERNO/INSS, verifica-se que a renda do pai da autora, CLAUDIO MAIA DO ROSARIO, na DER era de R$ 2.652,50.
Como fundamentado no item 6, apenas o desconto a título de pensão alimentícia (R$ 580,00) tem a natureza de despesa extraordinária, razão pela qual deve ser desconsiderado no cômputo da renda
per capita
.
Descontando o valor pago a título de pensão alimentícia, a renda do grupo familiar seria de R$ 2.072,00, aproximadamente, com renda
per capita
de R$ 690,66, superior ao parâmetro legal (1/4 do salário-mínimo) e superior mesmo a 1/3 do salário-mínimo, mas inferior a 1/2 salário-mínimo.
Ocorre, que, como foi dito acima, em razão das moléstias que porta, tem-se inegavelmente que a parte autora demanda de tratamentos complementares e cuidados contínuos, motivo pelo qual devem ser consideradas quando da avaliação da miserabilidade.
Justifica-se, então, a flexibilização do parâmetro legal quanto à renda
per capita
.
Considerando que a renda
per capita
familiar é inferior a 1/2 salário mínimo, justifica-se a procedência para assegurar à família recursos financeiros para oferecer à menor o tratamento multidisciplinar necessário à superação dos obstáculos que lhe são impostos pelas suas moléstias.
Ainda, cumpre salientar que, até 24/06/2025, o valor proveniente do Bolsa Família não era considerado no cômputo da renda familiar. Em 25/06/2025, o Decreto 12.534/2025 alterou o Regulamento do Benefício de Prestação Continuada, disposto no anexo ao Decreto 6.214, de 26 de setembro de 2007, de modo que, a partir de 26/06/2025 (data de publicação do decreto), a aferição da renda familiar para fins de percepção do BPC deve considerar os valores oriundos de programas sociais de transferência de renda, inclusive o Bolsa Família.
Com o cômputo da renda proveniente do Bolsa família, a partir de 26/06/2025, a renda
per capita
passou a ser de R$ 907,33, superior a ½ salário-mínimo. No entanto, a parte autora pode renunciar aos valores recebidos pelo programa de transferência de renda para fins de percepção do BPC.
11. Decido DAR PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA PARTE AUTORA para condenar o INSS a implantar o BPC assistencial em favor dela no prazo de vinte dias úteis (deferindo-se, para tanto, tutela antecipada) e a pagar, após o trânsito em julgado, os atrasados devidos desde a DER, com correção monetária pelo IPCA-e (RE 870.947) e juros de mora, desde a citação, na forma do art. 1º-F da Lei 9.494/1997. Sem condenação em honorários, porque provido o recurso (art. 55 da Lei 9.099/1995).
Intimem-se as partes. Após o trânsito em julgado para o INSS, intime-se a União para tomar ciência desta decisão judicial e para que possa avaliar, na via administrativa, se o Bolsa Família continua sendo devido à família da parte autora de 26/06/2025 em diante. Após, remetam-se os autos ao juízo de origem.
TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB
Cumprimento
Implantar Benefício
NB
Espécie
Benefício Assistencial Pessoa com Deficiência
DIB
19/02/2024
DIP
Primeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício
DCB
RMI
1.412,00
Segurado Especial
Não
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