Processo nº 5134621-66.2024.8.09.0134
ID: 330108911
Tribunal: TJGO
Órgão: 4ª Câmara Criminal
Classe: AçãO PENAL DE COMPETêNCIA DO JúRI
Nº Processo: 5134621-66.2024.8.09.0134
Data de Disponibilização:
21/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANDRESSA BERNARDES DE SENE
OAB/GO XXXXXX
Desbloquear
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
4ª Câmara Criminal
Gabinete Desembargador Wild Afonso Ogawa
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 5134621-66.2024.8.09.0134
COMARCA DE QUIRINÓPOLIS
RECORRENTE: L…
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
4ª Câmara Criminal
Gabinete Desembargador Wild Afonso Ogawa
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 5134621-66.2024.8.09.0134
COMARCA DE QUIRINÓPOLIS
RECORRENTE: LUAN VINICIUS DA SILVA ANDRADE
RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS
RELATOR: Sandra Regina Teixeira Campos – Juíza Substituta em Segundo Grau
RELATÓRIO E VOTO
O Ministério Público do Estado de Goiás ofereceu Denúncia em desfavor de LUAN VINICIUS DA SILVA ANDRADE, qualificado e nascido em 30/05/1994 (com 29 anos na data dos fatos), dando-o como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, inciso I (motivo torpe) e IV (recurso que dificultou a defesa da vítima) do Código Penal.
Narra a denúncia (mov. 42) que:
[…] Consta dos inclusos autos de inquérito policial que no dia 07 de dezembro de 2023, por volta de 05h15min, em via pública, na Rua Frei João Batista, Centro, nas proximidades da Rodoviária local, nesta cidade e comarca de Quirinópolis/GO, o denunciado LUAN VINICIUS DA SILVA ANDRADE, ciente da ilicitude e da reprovabilidade de sua conduta, com manifesto animus necandi, por motivo torpe e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, efetuou disparos de arma de fogo contra João Batista Cabral Júnior, ora vítima, provocando-lhe os ferimentos descritos no Laudo de Exame Cadavérico, os quais, por sua natureza e sede, foram a causa eficiente de sua morte.
Segundo apurado, LUAN VINICIUS e João Batista possuíam uma rixa, por motivo não suficientemente esclarecido nos autos, que perdurava desde meados de fevereiro do ano de 2023.
Consta ainda que, na noite do dia 07 de dezembro de 2023, João Batista estava acompanhado por Wender Lucas Araújo Rodrigues, Daniel, Geovana e Ana Lara. O grupo se encontrava no estabelecimento "Lanche Altas Horas", de propriedade de Roberto Rufael Oliveira Andrade, localizado na Rodoviária local.
Em dado momento, João Batista se levantou da mesa e dirigiu-se aos banheiros, instante em que encontrou LUAN VINICIUS no corredor. De acordo com o apurado, iniciou-se uma discussão entre o denunciado e a vítima, que logo escalonou para agressões mútuas.
Encerrado o entrevero, João Batista retornou a companhia de seus amigos, que notaram que ele estava com lesões no olho e com a mão inchada.
Posteriormente, Daniel e Ana Laura deixaram o local, enquanto João Batista e Wender decidiram ir ao "Bar do Nicola". Durante o trajeto, João Batista decidiu retornar ao "Lanche Altas Horas", alegando ter esquecido o carregador do celular.
Nesse momento, Wender resolveu passar para os bancos traseiros do veículo afirmando que tiraria um cochilo.
Em seguida, já na Rua Frei João Batista, a vítima parava seu veículo nas proximidades da rodoviária local, momento em que foi surpreendida por LUAN VINICIUS, que aproximou-se do carro de João Batista e efetuou diversos disparos de arma de fogo contra ele, que causaram instantaneamente a sua morte.
Em razão de ter sido alvejado, a vítima chegou a pisar no acelerador do veículo, que veio a colidir contra as portas do estabelecimento comercial "Restaurante River".
Além disso, extrai-se que Wender visualizou toda a ação delituosa, posto que percebeu a aproximação de LUAN VINICIUS, que usava uma camiseta azul e um capacete com viseira na cor preta, e, na condução da motocicleta, aproximou-se do carro da vítima, ficando lado a lado com o veículo, sacou uma arma de fogo e disparou contra João Batista.
A Denúncia foi recebida em 11/06/2024 (mov. 45).
Ao término da instrução processual, a juíza a quo, em decisão exarada em 18/09/2024 (mov. 163), pronunciou LUAN VINICIUS DA SILVA ANDRADE, pela imputação da conduta típica prevista nos artigos 121, § 2º, incisos I e IV do Código Penal, submetendo-o a julgamento perante o Tribunal do Júri.
Irresignado com a pronúncia, LUAN interpôs Recurso em Sentido Estrito (mov. 171), e em sessão de julgamento realizada 06/02/2025, esta Corte de Justiça julgou prejudicado a insurgência e, de ofício, declarou a nulidade da decisão de pronúncia por excesso de linguagem, determinando o retorno dos autos à instância originária para que outra decisão seja proferida (mov. 216).
A juíza de origem, em nova decisão exarada em 08/03/2025 (mov. 226), pronunciou LUAN VINICIUS DA SILVA ANDRADE, pela imputação da conduta típica prevista nos artigos 121, § 2º, incisos I e IV do Código Penal, submetendo-o a julgamento perante o Tribunal do Júri.
Irresignado, LUAN interpôs Recurso em Sentido Estrito (mov. 233) e, em suas razões, pede, em suma, (i) no mérito, a absolvição ou impronúncia, alegando ausência de prova da materialidade e de indícios suficientes de autoria; (ii) subsidiariamente, a exclusão da qualificadora do motivo fútil.
Em contrarrazões, o representante do Ministério Público na origem requer o conhecimento e desprovimento do recurso interposto (mov. 239).
A assistência à acusação também apresenta contrarrazões ao Recurso em Sentido Estrito, pedindo o conhecimento do recurso e o seu desprovimento (mov. 243).
Juízo de retratação negativo (mov. 245).
A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da Dra. Carla Fleury de Souza, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (mov. 256).
É o Relatório.
Passo ao voto.
Presentes os pressupostos processuais, conheço do recurso.
DO PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. IMPRONÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE PRESENTES. REMESSA AO TRIBUNAL DO JÚRI. DECISÃO MANTIDA.
Consoante o disposto no artigo 413 do Código de Processo Penal, o juiz, de forma fundamentada, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.
A motivação da decisão se restringe à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.
Qualquer digressão que aponte no sentido da culpabilidade do acusado ou da procedência das qualificadoras ou de causas de aumento é imprópria, constituindo indevida interferência na competência do Tribunal do Júri, competente para o julgamento.
Assim, reconhecida a existência de prova da materialidade do fato e indícios suficientes de autoria, o juiz sumariante se limita a aferir a sua plausibilidade, encaminhando-se o caso para efetivo julgamento para o Tribunal Popular.
Pois bem.
In casu, a materialidade e indícios suficientes de autoria estão demonstrados através do Auto de Exibição e Apreensão dos projéteis de arma de fogo (mov. 01, f. 15/16, do PDF), Relatório Policial de Análise de Câmeras (mov. 01, f. 55/67, do PDF), Laudo de Exame Cadavérico (mov. 01, f. 44/49, do PDF), Certidão de Óbito (mov. 39, f. 169 do PDF), Laudo de Perícia Criminal de Vistoria Veicular (mov. 01, f. 68/77, do PDF), as imagens dos circuitos de filmagens (mov. 05), bem como pelos depoimentos colhidos em juízo.
A testemunha Wender Lucas Araújo Rodrigues, que se encontrava no interior do veículo no momento dos fatos, relatou que estavam na rodoviária quando a vítima se dirigiu ao banheiro e retornou visivelmente alterada, pedindo para que se retirassem imediatamente, alegando ter se envolvido em uma confusão. O grupo foi embora, mas precisou retornar, uma vez que uma das mulheres havia esquecido seu celular no “lanchinho”. Ao voltarem, a amiga que havia esquecido o celular, acompanhada de outro amigo, desceram para procurá-lo. Foi nesse momento que a vítima pediu para que ele se abaixasse. Relatou ainda que viu um indivíduo em uma motocicleta, trajando blusa azul, sacando uma arma, ocasião em que se abaixou e, em seguida, ouviu os disparos. Ao levantar-se, constatou que a vítima havia sido alvejada e que o veículo havia colidido contra uma lanchonete:
[…] Que não sabe dizer sobre a briga de João Batista e Luan, pois não viu; que a discussão foi iniciada dentro do banheiro da rodoviária, e no local estavam somente os dois; que estavam no lanchinho, que já estava quase fechando, quando perceberam João chegar muito alterado e com raiva; que então perguntaram o que tinha acontecido e a vítima João Batista afirmou que Luan tinha batido em sua cara; que chamaram para ir embora, pois não queriam confusão, saíram do local, mas tiveram que retornar, pois uma amiga disse que havia esquecido o celular no lanchinho; que voltaram e o lanchinho já estava fechado; que nesse momento, desceu a amiga e outra pessoa do carro para procurarem o telefone, que talvez estivesse jogado na grama; que foi quando aconteceu o fato; que aduziu que quando João Batista relatou sobre a lesão no rosto, o depoente não identificou nenhuma lesão aparente; que depois que os dois amigos desceram para procurar o telefone, o depoente ficou no carro, no banco de trás, conversando com João Batista, por sua vez, João Batista parou de responder e o depoente olhou para o lado, momento em que assustou, pois viu o rapaz puxando a arma e neste momento se deitou entre os bancos; que o rapaz estava de moto e parou ao lado do motorista, não se lembra de o autor ter falado alguma coisa; que a vítima João Batista disse para o depoente se abaixar, logo que se abaixou, ouviu os disparos; que não identificou a pessoa que estava na moto, pois usava capacete preto fechado; que lembra de ter dito que o rapaz estava em uma moto 150 preta, com capacete fechado preto e camiseta azul, não viu se ele tinha tatuagens e outras características físicas; que depois dos disparos, sentiu o carro em movimento e pensou que era João saindo do local; que quando escutou o barulho e sentiu o atrito do carro batendo no restaurante, levantou a cabeça para ver como estava a situação e foi o momento em que visualizou a viatura virando a esquina, e então saiu do carro; que depois que saiu do carro, conversou com a polícia e depois foi para casa de mototáxi; que não ficou sabendo quem era a pessoa que estava na moto; que disse que viu a arma de fogo de relance e por não ter conhecimento sobre armas, não pode afirmar sobre as características específicas, mas se recorda de ser uma silhueta preta; que o autor estava com a arma na cintura, ao visualizar a arma, já se escondeu debaixo dos bancos; que não se recorda sobre tatuagem no braço direito do autor; que no período em que teve amizade próxima com João Batista, não soube sobre desavenças entre ele e Luan; que além disso, João Batista não comentou sobre a ex-namorada Lorena, ficou próximo da vítima em meados de 2023 e só ficou sabendo acerca de Lorena posteriormente, quando a mãe de João Batista contou; que declarou que não conhecia e nunca tinha visto Luan Vinicius; que ademais, João Batista não falou quem era a pessoa da desavença no banheiro, que João Batista apenas relatou que o cara estava tirando onda com sua cara; que não foi procurado pela família do réu para modificar o depoimento; que presenciou quando João Batista e Luan vieram discutindo; que se recorda do relato prestado perante a Autoridade Policial, em relação às lesões apresentadas no olho e mão de João Batista e se recorda de ter relatado sobre a tatuagem no braço do autor; que em relação à discussão, esclarece que estavam em um lanche e presenciaram um grito de discussão, e quando olharam, João Batista já estava voltando, mas não viu com quem ele brigou; que não se recorda de ter falado que a primeira discussão foi em razão de uma ex-namorada. […] (mídia mov. 154) (grifos meus).
A testemunha Roberto Oliveira Andrade, proprietário do estabelecimento onde a vítima e seus amigos se encontravam antes dos fatos, relatou que observou a vítima sair para ir ao banheiro na rodoviária. Ao retornar, a vítima se mostrava visivelmente nervosa, informando que um indivíduo havia lhe agredido no rosto. A testemunha afirmou que a briga não ocorreu em seu comércio, mas sim dentro das dependências da rodoviária. Após o ocorrido, relatou que procedeu ao fechamento da lanchonete e se retirou do local, retornando apenas posteriormente, após ser contatado por telefone, quando foi informado sobre os acontecimentos subsequentes:
“[…] Que é proprietário do Lanche Altas Horas, localizado na rodoviária; que João Batista chegou no seu estabelecimento comercial na madrugada do dia dos fatos, na companhia do outro depoente e mais três meninos; que no dia, havia uma formatura na escola São José, e eles chegaram e se sentaram, e o depoente já estava fechando, inclusive com as mesas recolhidas e eles queriam lanche, mas disse que já tinha parado; que os meninos ficaram na mesa na companhia de umas meninas e o João subiu para dentro da rodoviária falando que iria ao banheiro; que logo após, João voltou de dentro da rodoviária correndo e falou que tinha arrumado uma briga, acha que os meninos não viram a briga; que na época falou para a delegada que talvez as câmeras da Platina tivessem capturado a briga; que ninguém viu nada, e então fecharam o comércio e foram embora; que a briga não ocorreu no lanche, João saiu sentido ao banheiro, que fica longe do lanche; que escutou João chamando os meninos para irem embora, pois um cara tinha metido um "trem" na cara dele; que depois disso fechou o lanche e foi embora, e depois ligaram para o depoente contando o que tinha acontecido; que segundo o depoente, João disse que tinha brigado com o cara na rodoviária, mas não viu a pessoa com quem ele disse que tinha brigado; que não ouviu os disparos de arma de fogo e desceu para o local depois que ligaram para o depoente falando da situação; que quando chegou, os bombeiros estavam tirando o corpo; que não conhece Luan Vinicius, mas depois que divulgaram as fotos, percebeu que já tinha visto Luan Vinicius passando pelo local algumas vezes […]”. (mídia mov. 154) (grifos meus).
A testemunha Daniel Vasconcelos Queiroz, relatou que se encontrava na lanchonete com a vítima, Wender, Jeovana e Ana Laura, quando Joazinho se dirigiu ao banheiro. Ao retornar, Joazinho estava suado e visivelmente alterado, informando que havia se envolvido em uma briga com um indivíduo. A testemunha relatou ainda que, após o incidente, entrou no carro da vítima, e acabou colidindo com a motocicleta de um rapaz, embora acreditasse que o fato não tenha sido intencional. Em seguida, o grupo foi embora, mas precisaram retornar à rodoviária, uma vez que Ana Laura havia esquecido seu celular. Ao retornarem, o depoente e Ana Laura desceram do veículo, permanecendo a vítima e Wender no carro. Nesse momento, a testemunha afirmou ter ouvido os disparos e, ao olhar, viu Wender chorando e gritando que havia matado Joãozinho:
“[…] Que estava no lanche do Robertinho junto com João Batista; que tinham saído de uma festa e foram para o lanche beber mais uma cerveja, estavam o depoente, Joãozinho, Wender, Jeovana e Ana Laura. Joãozinho foi ao banheiro que ficava em outro compartimento e voltou todo molhado de suor, falando que tinha brigado com o rapaz; que depois disso, João entrou no carro e saiu do local, parece que ele bateu na moto do cara, na Avenida Brasil, não sabe quem é o rapaz, mas o pessoal que estava lá fala que é o Luan, tinha uma pessoa no local que falou que era Luan, mas não viu; que entraram no carro para ir embora e deixaram a Jeovana em casa, mas depois disso, Ana Laura tinha esquecido o celular e não sabia onde estava, então voltaram ao lanchinho, mas já estava fechado; que então foi com a Ana Laura dar uma volta para ver se localizavam o telefone e Wender ficou no carro com Joãozinho; que quando estavam no meio da rodoviária, próximo ao relógio verde, a mãe de Ana Laura já estava na esquina procurando por ela, pois estava quase amanhecendo o dia; que enquanto estavam conversando com a mãe de Ana Laura, escutaram os tiros e ao voltarem, já estava chegando ambulância e polícia; que Wender desceu do carro falando que tinham matado Joãozinho, ele estava muito embriagado e falando que tinham matado Joãozinho; que não viu a moto, apenas escutou os tiros e Wender desceu chorando falando que mataram o Joãozinho; que Wender não chegou a falar quem foi o autor dos disparos; que nunca tinha visto Luan e não conhece Lorena, depois dos fatos que ficou sabendo que João Batista e Lorena tiveram um relacionamento; que não se recorda bem, mas acha que falaram que o autor era Luan quando o corpo de Joãozinho estava chegando na casa dele; que na porta da casa de Joãozinho estavam comentando e mostrando foto sobre a autoria de Luan; que a vítima João fazia serviços para o escritório em que o depoente trabalhava e, por isso, conhecia ele há muito tempo, mas a amizade mesmo fazia pouco tempo; que nunca viu Lorena e não sabe quem é, e só viu Luan por foto; que viu dois rapazes na pamonharia, mas não sabe se era Luan e não tem certeza se parecia ou não, pois estava embriagado no dia e não se lembra do que falou na delegacia; que no dia do velório mostraram uma foto do Instagram do Luan de uma moto branca, e no dia do fato era uma moto branca que Joãozinho havia batido e quebrou o carro, acredita que João não bateu seu carro na moto propositalmente; que João estava gritando e olhando para o lado e então bateu na moto do menino. […]” (mídia mov. 154) (grifos meus).
A informante Lorena Oliveira da Silva, ex-companheira tanto da vítima quanto do recorrente, relatou que houve discussões anteriores entre os dois, incluindo um acidente de trânsito no qual o carro da vítima colidiu com a motocicleta de Luan. A informante narrou que, no dia dos fatos, Luan, que na ocasião era seu esposo, chegou em casa por volta das 5h30min, informando que havia se desentendido com a vítima. Relatou ainda que Luan lhe disse que a amava e, em seguida, saiu de casa, momento após o qual nunca mais teve contato com ele. Confira-se:
[…] Que na época do fato, era casada com Luan; que namorou João Batista em 2022 e uma vez, quando ainda era amiga de Luan, João "embaçou" com Luan lá no Jatobá; que em janeiro de 2023, teve uma festa no Jatobá e João Batista queria bater em Luan; que já estavam juntos, aconteceu um acidente perto da casa da declarante, onde Luan bateu no carro de João Batista sem querer, e eles tiveram uma leve discussão; que nesse dia, João Batista queria agredir Luan, o Luan entrou na via e os dois bateram de frente, Luan estava de moto e João estava de carro; que no dia 06/12, estava com Luan no Granada Bar e depois que saiu do Granada, foi para casa e dormiu, depois disso, não sabe o que Luan fez e acha que ele estava deitado; que no dia dos fatos, Luan chegou na residência às 05h30min e falou que tinha desentendido com João, e João havia batido na cara dele e passado com o carro em cima da moto, acha que tudo isso aconteceu na madrugada; que Luan só saiu de casa e não falou nada; que Luan chegou em casa depois, disse que João tinha batido na cara dele, que tinha que ir embora e que amava a declarante; que nunca mais viu Luan e agora mora no Mato Grosso e estão separados; que entregou a camiseta azul na delegacia e se não está enganada, era a roupa que Luan usava quando estavam no Granada; que Luan tem tatuagens no braço direito; que viveu um ano com Luan e na casa moravam os dois; que não tinha conhecimento de que Luan possuía arma e não sabe dizer onde ele conseguiu uma arma; que no dia, ficou com Luan até 00h00min e não viram João Batista; que Luan disse que brigou com João por volta das 05h e que João tinha batido em sua cara; que Luan não disse que matou João e Luan não trocou de roupa na frente da declarante, não lembra quando ele trocou; que Luan saiu sem nada, apenas ligou a moto e saiu. […] (mídia mov. 154) (grifos meus).
Sob o crivo do contraditório e ampla defesa a testemunha Marlos Henrique Almeida Haringl, declarou que, durante patrulhamento de rotina, ouviu disparos de arma de fogo e visualizou pessoas correndo em direção à saída da rodoviária. Ao se aproximar, constatou o veículo colidido e a vítima alvejada. Acrescentou que havia um indivíduo no banco do motorista, que relatou, inicialmente, um desentendimento de trânsito, mas, posteriormente, informou tratar-se de uma discussão relacionada a um ex-relacionamento, mencionando ainda uma briga ocorrida dentro da rodoviária:
[…] Que estavam em patrulhamento no dia dos fatos, por volta das 5h e pouco, e quando se aproximaram do semáforo da Av. Brasil, a equipe ouviu os disparos; que estavam próximos à rotatória quando ouviram os disparos e viram algumas pessoas saindo correndo de dentro da rodoviária; que desceram até a esquina e, já no semáforo, viram o veículo Corolla batido no restaurante, um rapaz desceu do banco traseiro e havia um indivíduo baleado no banco dianteiro; que diante disso, acionaram o Corpo de Bombeiros e pediram auxílio das outras viaturas; que o motorista aparentemente ainda estava com vida e o rapaz que estava no banco do passageiro informou sobre uma briga ocorrida mais cedo; que inicialmente ele falou sobre uma briga de trânsito e, depois, narrou uma situação de ex-relacionamento, além de relatar uma briga dentro da rodoviária, próximo aos guichês; que primeiro a testemunha narrou sobre uma situação de trânsito envolvendo um abalroamento com a motocicleta e, depois, falou da situação dentro da rodoviária; que essa testemunha estava junto com a vítima do homicídio; que na hora não conseguiram identificar quem seria o autor, mas após a coleta das informações com a testemunha, tudo foi repassado para a delegada; que as informações foram repassadas para a delegada pelo Tenente Sérgio e foram apreendidos dois projéteis perto do veículo […]”. (mídia mov. 155)
A testemunha Jeovana Gomes Cabral, que também se encontrava com a vítima no dia dos fatos, relatou que estavam na lanchonete da rodoviária quando a vítima se dirigiu ao banheiro. Ao retornar, estava sujo e molhado, informando que um rapaz havia se envolvido em uma briga com ele, motivada por uma ex-namorada, embora a vítima afirmasse que já não mantinha mais contato com ela. Nesse momento, Daniel saiu para tentar falar com o indivíduo, enquanto a vítima entrou no carro, parando em frente a Daniel. Após isso, Daniel entrou no veículo, e a vítima acabou derrubando a motocicleta do rapaz. O indivíduo levantou a moto e se afastou. Em seguida, a vítima e Daniel retornaram ao local para buscar os demais amigos, e o levaram até a casa da depoente. A testemunha relatou que, ao chegar em sua residência, foi dormir, acordando posteriormente com a notícia do falecimento de Joãozinho.
“[…] Que na madrugada do dia dos fatos, estava com João Batista, pois era a formatura da prima da depoente e, então, foi para a formatura com ela; que por volta de meia-noite, chamaram Daniel para a formatura, e como ele estava com João Batista, foram os dois; que na formatura, estavam a depoente, João Batista, Daniel, Wender e Ana Laura; que depois da festa, foram para a casa de um dos colegas de Ana Laura, mas não ficaram muito tempo; que Joãozinho disse que o local estava chato e convidou o pessoal para darem uma volta; que deram uma volta na cidade e depois pararam no Robertinho Lanches, lá na rodoviária; que todos tinham bebido na formatura e depois sentaram e pediram lanche e cerveja; que certo momento, Joãozinho se levantou e foi ao banheiro, e ficaram sentados na mesa do lanche a depoente, Daniel, Wender e Ana Laura; que depois, vieram duas moças e falaram que tinha gente brigando dentro do banheiro e que era amigo deles, indicando que eles não iriam fazer nada; que viu Joãozinho sair do banheiro sujo e molhado, perguntou o que tinha acontecido e Joãozinho apontou na direção de um indivíduo e disse: "aquele cara ali", não consegue falar as características dele, pois estava longe; que segundo Joãozinho, o cara foi brigar com ele em razão da ex-namorada, a qual não tinha contato com ela mais; que perguntou novamente quem era o cara e Joãozinho apontou; que Daniel foi atrás do rapaz para conversar, e a depoente foi atrás de Daniel, por medo de confusão; que ao chegar perto de Daniel, viu o rapaz respondendo com falta de educação, pelos gestos que ele fazia; que Joãozinho estava no lanchinho, de longe, observando, depois entrou no carro, deu a volta e parou em frente à rodoviária, então, Daniel entrou no carro e o rapaz foi em direção ao carro, ao perceber a aproximação do rapaz, Joãozinho acelerou o carro e passou por cima da moto do rapaz e seguiu, e o rapaz levantou a moto e foi embora; que o Joãozinho voltou e pegou a depoente, Wender e Ana Laura para levar para casa; que no carro,, ficaram na porta da casa da depoente por um tempo e Joãozinho disse Joãozinho estava nervoso que iria embora; que ficou em casa e acordou com a notícia depois; que Joãozinho relatou que a briga foi por ciúmes da atual do rapaz, que era ex de Joãozinho; que tinha ingerido bebida alcoólica, mas acha que a camisa do rapaz era verde água/azul, viu ele duas vezes, mas não pode dar certeza da cor da roupa, foi por volta de 04h40min; que os meninos ficaram cerca de 30min na porta da residência da depoente; que não se recorda se o indivíduo tinha tatuagem; que viu o momento do carro batendo na moto e o rapaz levantando-a, mas não se recorda da cor da moto; que o carro e a moto estavam na Avenida e a depoente estava próxima ao pergolado; que entrou no carro quando Joãozinho voltou para buscá-los; […] que chegou em casa e já estava amanhecendo o dia; que o rapaz levantou a moto e saiu, não viu o indivíduo voltar; que Joãozinho não comentou o que fez após derrubar a moto, mas ele ficou repetindo que o cara estava brigando com ele por conta de uma mulher com a qual ele não tinha mais contato; que na casa da depoente, Joãozinho disse que iria embora; que não perguntou o motivo de Joãozinho ter batido na moto do indivíduo […]”. (mídia mov. 155)
A testemunha Ana Laura Cabral Oliveira, corroborando os relatos de outras testemunhas, afirmou que estava na lanchonete da rodoviária quando a vítima chegou, informando que havia se envolvido em uma confusão. A vítima relatou que o rapaz com quem havia brigado estava discutindo com ele por conta de uma ex-namorada, embora tivesse afirmado que não mantinha mais contato com essa pessoa. Em seguida, a testemunha recordou que a vítima bateu na motocicleta do rapaz, e, após o incidente, o grupo foi embora.
Narrou que, ao deixar sua prima Jeovana em casa, a depoente percebeu que havia perdido seu celular e pediu para que os outros retornassem para procurar o objeto, mas tanto Joãozinho quanto Daniel demonstraram resistência. Contudo, decidiram voltar, e, ao descerem do carro para procurar o celular, a depoente avistou sua mãe chegando, visivelmente preocupada, pois já estava quase amanhecendo. Nesse momento, ouviram os disparos, e sua mãe, ao perceber o ocorrido, a colocou no carro e a levou embora. Veja-se:
“[…] Que no dia dos fatos estava com João Batista; que era sua formatura do São José, no espaço de festa Bee Happy; que convidou sua família e sua prima Jeovana e após sua família ir embora e ficarem só os jovens, ligou para seus amigos Daniel e Wender, sendo que João foi junto, eles chegaram na festa por volta de 00h/1h, ficaram bebendo e conversando com as outras pessoas da formatura, ficaram lá até umas 03h; que estava alcoolizada; que após saíram a depoente, Wender, Daniel, Jeovana e João, e foram para a casa de Luana, e a mãe de Luana mandou-os irem embora, assim, deram uma volta na cidade e foram para a rodoviária, sentaram no lanchinho da rodoviária; que Joãozinho chegou desorientado, falando que tinha arrumado confusão com um cara; que lembra de Joãozinho falar para eles entrarem no carro correndo e que a briga foi por motivos de uma ex-namorada, que nem lembrava mais da mulher, mas o rapaz estava procurando confusão; que pelo que se lembra foi o rapaz quem procurou a confusão; que lembra de Joãozinho bater na moto do cara, mas não se recorda do rosto do cara, lembra que o cara era magro e alto; que no começo estava no banco da frente, mas depois foi para trás; que primeiro deixaram Jeovana em casa, momento em que percebeu que seu celular tinha sumido e disse que tinham que voltar para buscar o celular, mas Daniel e Joãozinho não queriam voltar; que não percebeu o porquê de eles não quererem voltar; que então pediu um favor para que eles voltassem para buscar o celular e ficou insistindo; que voltaram para buscar o celular e Joãozinho estacionou o carro na rodoviária e a depoente desceu com Daniel, e neste momento, já estava claro; que estavam procurando o celular na grama, momento em que sua genitora chegou, sua mãe tinha ligado no celular e o proprietário do lanche atendeu, o rapaz do lanchinho falou que a depoente estava com Joãozinho e que ele só andava correndo, e então sua mãe foi procurá-la; que sua mãe chegou e a puxou, pois estava muito brava; que quando estava conversando com sua mãe, escutou uns três tiros; que seu tio indagou o que estava acontecendo e sua genitora disse que estavam atirando em um cara, depois foi embora para casa, não viu nada; que estava chorando, pois tinha esquecido que sua prima já estava em casa, e pensou que Jeovana estava dentro do carro; que não viu nada, pois depois dos tiros, sua mãe a colocou no carro e saíram do local; que quando Joãozinho falou que o cara estava brigando, a depoente estava no lanchinho; que só tem flashes de lembrança, pois estava alcoolizada […]”. (mídia mov. 155)
Em seu interrogatório Luan Vinicius da Silva Andrade, relatou que, no dia dos fatos, viu a vítima bater em sua moto na praça da rodoviária e, mais tarde, foi ameaçado por João Batista, que o confrontou com uma arma. Após o incidente, Luan foi para casa, arrumou sua moto e contou o ocorrido à esposa, decidindo então sair da cidade por medo das ameaças. Ele afirmou que a única discussão anterior com a vítima foi um acidente de trânsito ocorrido em 2023, mas negou qualquer relação com a briga por causa de Lorena. Luan também declarou que soubera da morte de João Batista somente depois do ocorrido, e que foi alvo de mensagens em grupos de WhatsApp, acusando-o pela morte, mas afirmou não saber os motivos dessas acusações:
“[…] Que viu a vítima, quando ela bateu na sua moto e estava sentado nos bancos da praça da rodoviária, sua moto estava estacionada perto da rotatória; que umas 4h30min viu o carro do João Batista vindo, acelerando, dando cavalinho de pau na rua, momento em que ele atropelou e bateu na sua moto; que a vítima deu a volta na rotatória, parou do outro lado da avenida, pôs uma arma no volante e o ameaçou, levantou sua moto, foi embora e subiu a avenida; que foi embora para sua casa, chegou e foi arrumar a moto, pois o guidão estava entortado; que depois contou o que tinha acontecido para sua esposa e falou que ia embora, pois João tinha o ameaçado e ficou com medo, saiu da cidade; que uma vez teve um acidente no ano de 2023 e acabou colidindo com o carro do João Batista e teve uma discussão com ele, mas pagou o conserto do veículo; nega que tenha tido confusão com o João Batista por causa da Lorena, sabia que ela já tinha tido um breve relacionamento anterior com ele; que no dia dos fatos, estava na praça da rodoviária, estava sozinho bebendo uma cerveja e João Batista bateu na sua moto; que a única discussão anterior que teve com a vítima foi essa do acidente que colidiu com ele, meses antes; que no dia não teve nenhuma discussão com a vítima, não discutiu com o João Batista no banheiro; que não sabe se a vítima bateu na moto dele para se vingar da vez que ele colidiu no seu carro; que relatou para Lorena que tinha que ir embora, porque o João Batista o ameaçou, não sabe o motivo da ameaça; que quando João Batista bateu na sua moto gritou para irem resolver, igual resolveu quando bateu no seu carro, mas quando viu a arma, foi embora; que ficou sabendo só depois que o João Batista tinha morrido, mas não sabe o motivo; que depois várias pessoas começaram a mandar mensagem falando que era ele o culpado pela morte; que tem tatuagem no braço; que no dia anterior, à noite, saiu com a sua esposa para tomar cerveja; acredita que a Lorena seja de confiança; que deixou a Lorena em casa e depois saiu de novo, saiu de casa umas 3h00min e foi para a praça da rodoviária; acredita que tenha voltado para sua casa umas 4h30min, depois que o João Batista bateu sua moto; que acordou a Lorena só depois que arrumou a moto; que trocou de roupa depois que voltou da rua, estava de roupa preta, não sabe o motivo de terem apreendido uma roupa azul; que depois, foi embora de manhã, de tarde ficou sabendo que a família da vítima estava achando que era o culpado, por isso sumiu; que não sabe o motivo de ter sido suspeito, a notícia estava circulando nos grupos de Whatsapp; que não disse que não ia aguentar mais nenhum desaforo do João Batista, não sabe o motivo da Lorena ter falado isso; que nunca teve arma; que não foi na Delegacia registrar as ameaças dos grupos; que não tem o celular que recebeu as mensagens […]”. (mídia mov. 155)
A partir da apuração dos elementos probatórios acima, evidencia-se a presença de materialidade e indícios suficientes sobre os fatos, aptos a autorizar a pronúncia do acusado, admitindo-se a remessa do feito ao Tribunal do Júri.
No caso em questão, debruçando-se sobre o material probatório colhido nos autos, percebe-se a existência do fato (materialidade), o que aferível por intermédio do Laudo de Exame Cadavérico, que descreve as seguintes lesões: “Ao exame físico observou-se: 4 perfurações de entrada e três de saída em ambos os antebraços direito e esquerdo região de ombo esquerdo: entrada em região deltoide e saída em região supra clavicular perfuração de entrada em região retroauricular esquerda sem orifício de saída. Morte por traumatismo crânio encefálico por ação pérfuro-contudente.”
Por sua vez, os indícios suficientes de autoria estão presentes, na medida em que os depoimentos colhidos em juízo atestam a dinâmica dos fatos, indicando que a discussão inicial pode ter sido motivada por uma ex-namorada da vítima, que, na época, estava em relacionamento com o recorrente. Essa situação pode ter culminado em uma briga, conforme relatado pelas testemunhas. Além disso, há indícios de que a vítima derrubou a moto do acusado após o desentendimento, além do fato de que o acusado já teria colidido com o carro da vítima anteriormente, sendo um fator relevante que contribui para a formação dos indícios de autoria do fato.
Ademais, os indícios foram devidamente expostos ao contraditório judicial, o que satisfaz a demanda do art. 5°, LV, da Constituição Federal e do art. 155, do Código de Processo Penal, tornando, portanto, a submissão da recorrente ao julgamento do mérito desta causa pelo Tribunal do Júri.
Em sendo assim, é cabível a decisão de pronúncia na presença de indícios juridicamente admissíveis, afastadas as meras conjecturas, presunções, informações unilaterais ou testemunhos indiretos isolados. Nesse sentido, julga o Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS INFORMATIVOS COLHIDOS NA FASE INQUISITORIAL. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PROVA MINIMA JUDICIALIZADA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. DECISÃO AGRAVADA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA, NA FORMA QUE DETERMINA O ART. 93, IX, DA CF. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. […] 6. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é clara ao afirmar que a decisão de pronúncia deve ter suporte em prova mínima judicializada, produzida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, sendo insuficientes elementos exclusivamente oriundos da fase policial ou depoimentos indiretos "de ouvir dizer". […] (STJ, AgRg no AgRg no REsp n. 1.994.123/TO, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 18/2/2025, DJEN de 25/2/2025)
É importante que dizer que, em respeito à garantia da soberania dos vereditos, prevista no art. 5º, XXXVIII, "c", da Constituição Federal, não cabe, neste momento, fazer afirmações enfáticas sobre o mérito da causa, mas tão somente verificar se existe probatório mínimo que permita o debate legítimo pelo Júri Popular.
Como existe lastro probatório mínimo e jurisdicionalizado apto a justificar o prosseguimento da ação penal, a manutenção da pronúncia é medida que se impõe, em relação à conduta típica descrita no art. 121, § 2º, incisos II e IV, do Código Penal.
DA EXCLUSÃO DO MOTIVO TORPE. IMPOSSIBILIDADE.
O recorrente postula a exclusão da qualificadora do "motivo fútil", contudo, a decisão de pronúncia fundamentou-se na qualificadora do "motivo torpe", prevista no art. 121, § 2º, inciso I, do Código Penal. Diante disso, impõe-se analisar o recurso como se houvesse sido deduzido pedido de exclusão da referida qualificadora legal, sob o argumento de que a acusação não teria descrito, de forma clara e suficiente, os elementos fáticos capazes de caracterizar a torpeza do motivo atribuído à conduta do acusado, o que, em tese, inviabilizaria o reconhecimento da qualificadora.
Sem razão, contudo.
Consoante o Tribunal Superior de Justiça, “Em respeito ao princípio do juiz natural, somente é cabível a exclusão das qualificadoras na sentença de pronúncia quando manifestamente improcedentes e descabidas, porquanto a decisão acerca da sua caracterização ou não deve ficar a cargo do Conselho de Sentença” (STJ, HC 247073/PB, Quinta Turma, rel. Ministro Jorge Mussi, julgado em 12/03/2013, publicado no DJ de 26/03/2013).
Na pronúncia (mov. 226), o reconhecimento da qualificadora do art. 121, § 2º, I, do Código Penal está fundamentado na plausibilidade da incidência da qualificadora no contexto fático narrado na denúncia e apurado em instrução. Segundo o juízo de origem:
[…] Alega a acusação, que o réu cometeu o fato por motivo torpe, em virtude de uma rixa/desavença anterior com a vítima, a qual perdurava desde meados de fevereiro do ano de 2023. (…) No caso em tela, na fase judicial, observo que foram colhidos elementos que podem indicar a ocorrência das referidas qualificadoras descritas na denúncia, e, seguindo o mesmo posicionamento, estas circunstâncias também deverão ser apreciadas pelo Tribunal do Júri.(palavra negritada modificado por mim para evitar o excesso de linguagem)
Ao analisar a decisão de pronúncia, entendo não ser cabível, nesta fase processual, a exclusão da qualificadora do motivo torpe. Com efeito, verifica-se a presença de suporte indiciário mínimo apto a justificar sua manutenção, considerando que os elementos constantes nos autos indicam a existência de uma desavença motivada por ciúmes relacionados a uma antiga namorada da vítima, que à época era esposa do acusado, somando-se a isso supostos atritos decorrentes de desavenças no trânsito.
Tais circunstâncias, ainda que não conclusivas, revelam indícios suficientes para autorizar o prosseguimento da persecução penal, viabilizando o regular e legítimo debate da matéria perante o juízo natural da causa, qual seja, o Tribunal do Júri.
Ressalte-se que, ao assim decidir, não se está afirmando a efetiva configuração da qualificadora, mas apenas a plausibilidade de sua discussão, a ser oportunamente submetida à apreciação dos jurados.
Diante do exposto, mantenho a qualificadora do motivo torpe (art. 121, § 2º, I, do Código Penal), porquanto amparada, ainda que minimamente, nos elementos probatórios constantes dos autos.
ADEQUAÇÃO DA DECISÃO DE PRONÚNCIA DE OFÍCIO. EXCLUSÃO TRECHOS COM EXCESSO DE LINGUAGEM:
Lado outro, a decisão da magistrada singular, embora assertiva, apresenta alguns termos ou trechos específicos que merecem ser suprimidos por conter excessos de linguagem.
Essa exclusão, contudo, não compromete a fundamentação da decisão nem exige a elaboração de um novo ato judicial, permitindo que o restante do conteúdo seja mantido. Dessa forma, o documento se mantém válido, sem necessidade de uma nova decisão.
Apoia-se tal possibilidade diante da aplicação da interpretação do artigo 78 e seus parágrafos do Código de Processo Civil (CPC), combinado com o artigo 3º do Código de Processo Penal (CPP), com as devidas adaptações. Destaque-se, por outro lado, que não se identifica qualquer expressão ofensiva, o que afasta a necessidade de interpretação nesse sentido. No entanto, sugere-se remover algumas expressões para evitar que possam ser lidas pelo corpo de jurados ao receber a cópia da decisão (art. 472, parágrafo único, CPP).
Com efeito, são os seguintes trechos negritados e sublinhados a serem suprimidos da Decisão de Pronúncia, evento 226:
– no parágrafo: “De mais a mais, a tese subsidiária de desclassificação do delito por ausência de animus necandi (intento de matar), ao menos neste momento processual, não restou devidamente comprovada. […]”
– no parágrafo: “Pois bem, a denúncia narra que os acusados teriam incorrido na prática do delito de homicídio, com as seguintes qualificadoras: motivo torpe e emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima.”
– no parágrafo: “Alega a acusação, que o réu cometeu o delito por motivo torpe, em virtude de uma rixa/desavença anterior com a vítima, a qual perdurava desde meados de fevereiro do ano de 2023.”.
– no parágrafo: “A materialidade do delito restou sobejamente demonstrada por meio dos elementos informativos coligidos […]”.
– no parágrafo: “Afirma ainda a exordial acusatória, que o réu praticou o delito mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, uma vez que surpreendeu o ofendido, aproximando-se do carro e efetuando diversos disparos de arma de fogo contra ele. ”
Reitero que a decisão de pronúncia é exemplar, exceto por esses pequenos detalhes, estando redigida de forma adequada, sem necessidade de uma revisão do conteúdo probatório, somente exclusão das partes referidas.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, acolho o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça para CONHECER do Recurso em Sentido Estrito e NEGAR-LHE PROVIMENTO.
Ademais, com fundamento no artigo 3º do Código de Processo Penal, c/c aplicação analógica do artigo 78 e parágrafos do Código de Processo Civil, DETERMINO, DE OFÍCIO, que sejam riscados os trechos previamente indicados da decisão de pronúncia (mov. 226), de modo a garantir sua completa ininteligibilidade.
Determino, ainda, que tanto a cópia da decisão de pronúncia quanto a deste voto sejam entregues ao Conselho de Sentença com os referidos trechos integralmente suprimidos (sem qualquer possibilidade de leitura), nos termos ora determinados.
É como voto.
Goiânia, 17 de julho de 2025.
SANDRA REGINA TEIXEIRA CAMPOS
Juíza Substituta em Segundo Grau
Relatora
Ementa: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DECISÃO DE PRONÚNCIA. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE. QUALIFICADORAS DO MOTIVO TORPE E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. PEDIDO DE IMPRONÚNCIA E EXCLUSÃO DE QUALIFICADORA. IMPROCEDÊNCIA. MANUTENÇÃO DA PRONÚNCIA COM RISCAMENTO DE TRECHOS EXCESSIVOS. RECURSO DESPROVIDO COM DETERMINAÇÃO DE OFÍCIO.
I. CASO EM EXAME
1. Recurso em Sentido Estrito interposto contra decisão que pronunciou o acusado como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, incisos I e IV, do Código Penal. A defesa pleiteia a impronúncia por ausência de indícios suficientes de autoria e de prova da materialidade ou, alternativamente, a exclusão da qualificadora do motivo torpe. O Tribunal também analisa, de ofício, a necessidade de riscamento de trechos com excesso de linguagem na decisão de pronúncia.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há três questões em discussão: (i) verificar se há prova da materialidade e indícios suficientes de autoria que justifiquem a manutenção da decisão de pronúncia; (ii) examinar se é cabível a exclusão da qualificadora do motivo torpe; (iii) avaliar a existência de excesso de linguagem na decisão de pronúncia, determinando-se o riscamento de trechos impróprios.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A materialidade do homicídio é demonstrada pelo Laudo de Exame Cadavérico, que evidencia múltiplas perfurações por projéteis de arma de fogo, sendo a causa eficiente da morte da vítima.
4. Indícios suficientes de autoria constam dos depoimentos colhidos em juízo, das imagens de câmeras de segurança, de laudos periciais e de declarações prestadas sob contraditório, apontando a existência de desavenças anteriores entre vítima e acusado, incluindo possível motivação passional e incidente de trânsito.
5. A decisão de pronúncia exige apenas juízo de admissibilidade da acusação, com base em prova da materialidade e indícios de autoria, sendo competência do Tribunal do Júri a análise definitiva de culpabilidade e das qualificadoras.
6. A exclusão da qualificadora do motivo torpe é incabível nesta fase, pois os elementos dos autos indicam plausibilidade fática que justifica sua submissão ao Conselho de Sentença.
7. A jurisprudência do STJ veda a antecipação de juízo condenatório na pronúncia e exige que a decisão se baseie em elementos colhidos sob o crivo do contraditório, o que foi atendido no caso.
8. Alguns trechos da decisão de pronúncia excedem os limites da linguagem permitida nesta fase processual, com afirmações indevidas sobre dolo, qualificadoras e valoração probatória, devendo ser riscados, de ofício, para garantir a imparcialidade do julgamento pelo Tribunal do Júri.
IV. DISPOSITIVO E TESE
9. Recurso desprovido. Determina-se, de ofício, o riscamento de trechos específicos da decisão de pronúncia, constantes do evento 226, por conterem excesso de linguagem, nos termos do art. 3º do CPP c/c art. 78 e §§ do CPC. Os trechos riscados devem permanecer absolutamente ilegíveis e não devem ser acessíveis ao Conselho de Sentença.
Tese de julgamento: “1. A presença de prova da materialidade e indícios suficientes de autoria justifica a pronúncia do acusado por homicídio qualificado. 2. A exclusão de qualificadora na decisão de pronúncia somente é admissível quando manifestamente descabida, cabendo ao Tribunal do Júri a apreciação final. 3. Trechos com excesso de linguagem em decisão de pronúncia devem ser riscados de ofício, de forma a impedir qualquer leitura pelo Conselho de Sentença, preservando a imparcialidade do julgamento.”
_______________________
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXVIII, "c" e LV; CPP, arts. 3º, 155, 413 e 472, parágrafo único; CPC, art. 78.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AgRg no REsp n. 1.994.123/TO, rel. Min. Daniela Teixeira, 5ª Turma, j. 18.02.2025; STJ, HC 247.073/PB, rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, j. 12.03.2013.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, por sua Quinta Turma Julgadora da Quarta Câmara Criminal, à unanimidade de votos, acolhendo o parecer ministerial de Cúpula, em conhecer do Recurso em Sentido Estrito e negar-lhe provimento. De ofício, determinou-se o riscamento de trechos previamente indicados, nos termos do voto da Relatora.
Votaram com a Relatora, o Dr. Desclieux Ferreira da Silva Júnior – Juiz Substituto em 2º Grau ao Des. Ivo Favaro e Desembargador Adegmar José Ferreira.
Presidiu a sessão de julgamento o Desembargador Linhares Camargo.
Esteve presente à sessão o Dr. Umberto Machado de Oliveira, representando a Procuradoria-Geral de Justiça.
SANDRA REGINA TEIXEIRA CAMPOS
Juíza substituta em 2º grau
Relatora
Ementa: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DECISÃO DE PRONÚNCIA. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE. QUALIFICADORAS DO MOTIVO TORPE E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. PEDIDO DE IMPRONÚNCIA E EXCLUSÃO DE QUALIFICADORA. IMPROCEDÊNCIA. MANUTENÇÃO DA PRONÚNCIA COM RISCAMENTO DE TRECHOS EXCESSIVOS. RECURSO DESPROVIDO COM DETERMINAÇÃO DE OFÍCIO.
I. CASO EM EXAME
1. Recurso em Sentido Estrito interposto contra decisão que pronunciou o acusado como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, incisos I e IV, do Código Penal. A defesa pleiteia a impronúncia por ausência de indícios suficientes de autoria e de prova da materialidade ou, alternativamente, a exclusão da qualificadora do motivo torpe. O Tribunal também analisa, de ofício, a necessidade de riscamento de trechos com excesso de linguagem na decisão de pronúncia.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há três questões em discussão: (i) verificar se há prova da materialidade e indícios suficientes de autoria que justifiquem a manutenção da decisão de pronúncia; (ii) examinar se é cabível a exclusão da qualificadora do motivo torpe; (iii) avaliar a existência de excesso de linguagem na decisão de pronúncia, determinando-se o riscamento de trechos impróprios.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A materialidade do homicídio é demonstrada pelo Laudo de Exame Cadavérico, que evidencia múltiplas perfurações por projéteis de arma de fogo, sendo a causa eficiente da morte da vítima.
4. Indícios suficientes de autoria constam dos depoimentos colhidos em juízo, das imagens de câmeras de segurança, de laudos periciais e de declarações prestadas sob contraditório, apontando a existência de desavenças anteriores entre vítima e acusado, incluindo possível motivação passional e incidente de trânsito.
5. A decisão de pronúncia exige apenas juízo de admissibilidade da acusação, com base em prova da materialidade e indícios de autoria, sendo competência do Tribunal do Júri a análise definitiva de culpabilidade e das qualificadoras.
6. A exclusão da qualificadora do motivo torpe é incabível nesta fase, pois os elementos dos autos indicam plausibilidade fática que justifica sua submissão ao Conselho de Sentença.
7. A jurisprudência do STJ veda a antecipação de juízo condenatório na pronúncia e exige que a decisão se baseie em elementos colhidos sob o crivo do contraditório, o que foi atendido no caso.
8. Alguns trechos da decisão de pronúncia excedem os limites da linguagem permitida nesta fase processual, com afirmações indevidas sobre dolo, qualificadoras e valoração probatória, devendo ser riscados, de ofício, para garantir a imparcialidade do julgamento pelo Tribunal do Júri.
IV. DISPOSITIVO E TESE
9. Recurso desprovido. Determina-se, de ofício, o riscamento de trechos específicos da decisão de pronúncia, constantes do evento 226, por conterem excesso de linguagem, nos termos do art. 3º do CPP c/c art. 78 e §§ do CPC. Os trechos riscados devem permanecer absolutamente ilegíveis e não devem ser acessíveis ao Conselho de Sentença.
Tese de julgamento: “1. A presença de prova da materialidade e indícios suficientes de autoria justifica a pronúncia do acusado por homicídio qualificado. 2. A exclusão de qualificadora na decisão de pronúncia somente é admissível quando manifestamente descabida, cabendo ao Tribunal do Júri a apreciação final. 3. Trechos com excesso de linguagem em decisão de pronúncia devem ser riscados de ofício, de forma a impedir qualquer leitura pelo Conselho de Sentença, preservando a imparcialidade do julgamento.”
_______________________
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXVIII, "c" e LV; CPP, arts. 3º, 155, 413 e 472, parágrafo único; CPC, art. 78.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AgRg no REsp n. 1.994.123/TO, rel. Min. Daniela Teixeira, 5ª Turma, j. 18.02.2025; STJ, HC 247.073/PB, rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, j. 12.03.2013.
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear