Processo nº 0201319-45.2024.8.06.0160
ID: 341332621
Tribunal: TJCE
Órgão: 2ª Vara Cível da Comarca de Santa Quitéria
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0201319-45.2024.8.06.0160
Data de Disponibilização:
04/08/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOAO AFONSO PARENTE NETO
OAB/CE XXXXXX
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DANIEL FARIAS TAVARES
OAB/CE XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁ COMARCA DE SANTA QUITÉRIA 2ª VARA CÍVEL Nº DO PROC: 0201319-45.2024.8.06.0160 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) ASSUNTO: [Indenização por Dano Moral, Indenizaç…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁ COMARCA DE SANTA QUITÉRIA 2ª VARA CÍVEL Nº DO PROC: 0201319-45.2024.8.06.0160 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) ASSUNTO: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material] AUTOR: AUCI DE SOUSA SOARES ADV AUTOR: Advogado(s) do reclamante: DANIEL FARIAS TAVARES, JOAO AFONSO PARENTE NETO REU: BANCO BRADESCO S.A. ADV REU: Advogado(s) do reclamado: FRANCISCO SAMPAIO DE MENEZES JUNIOR REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO FRANCISCO SAMPAIO DE MENEZES JUNIOR Vistos. Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito c/c repetição de indébito e danos morais que move AUCI DE SOUSA SOARES, em face de BANCO BRADESCO S.A., ambos devidamente qualificados. Narra o promovente que é titular de benefício de aposentadoria junto ao INSS e percebeu que estava ocorrendo a diminuição do valor recebido. Assim, constatou a contratação de tarifas bancárias junto ao banco promovido que, até o ajuizamento da ação, somavam o valor de R$ 931,53 (novecentos e trinta e um reais e cinquenta e três centavos). Assevera que jamais realizou o contrato e, por ser a parte autora pessoa analfabeta e de idade avançada, somente poderia efetuar o referido contrato com a observância de algumas formalidades. No mérito, a requerente pleiteia a declaração de nulidade do contrato, bem como reparação por danos morais e repetição do indébito. Decisão - id 110756328, recebendo a inicial, deferindo a gratuidade, bem como determinando a citação. O requerido apresentou contestação - id 115545088, alegando preliminares, bem como requerendo a improcedência dos pedidos. Réplica acostada - id 137925529. Decisão de anunciando o julgamento antecipado da lide (id 150888924), em face da qual nada foi apresentado ou requerido. É o relatório. Decido. Inicialmente, é de se encerrar a fase de instrução probatória e, com isso, passar ao julgamento da lide, já tendo as partes apresentado as provas que entendem necessárias ou mesmo oportunizadas a tanto. Passo a análise das preliminares suscitadas. Com relação a impugnação a gratuidade, a nossa Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXXIV, assevera: "O estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". Para a concessão da assistência judiciária gratuita é suficiente, em princípio, a simples afirmação do postulante sobre a impossibilidade de arcar com as custas processuais e os honorários advocatícios, sem prejuízo de seu próprio sustento ou de sua família, a teor do disposto no art. 4º da Lei nº 1.060/50. A presunção, todavia, é juris tantum, ou seja, admite prova em contrário. Assim, deferido o benefício, incumbe ao requerido/impugnante a demonstração da desnecessidade da autora/impugnada de litigar sob o manto da assistência judiciária gratuita, conforme inteligência do art. 7º da Lei nº 1.060/50, verbis: "A parte contrária poderá, em qualquer fase da lide, requerer a revogação dos benefícios de assistência, desde que prove a inexistência ou o desaparecimento dos requisitos essenciais à sua concessão". Ademais, o artigo 373, do Código de Processo Civil, estabelece que a prova incumbe a quem alega. Na espécie, verifico que se afiguram inconsistentes os argumentos apresentados pela impugnante no intento de ensejar a revogação do benefício concedido à impugnada, pois não logrou êxito em trazer aos autos elementos novos hábeis a ensejar a revogação do decisum que concedeu a assistência judiciária gratuita. Portanto, mantenho incólume o deferimento dos benefícios da assistência judiciária gratuita. Prescrição de ofício: Apesar de a pretensão declaratória da nulidade contratual ser imprescritível, por ser a relação jurídica existente entre as partes regida pelo Código de Defesa do Consumidor (Súmula 297 do STJ), os efeitos pecuniários se sujeitam à prescrição quinquenal, nos termos do artigo 27 do CDC - e não trienal. Além disso, por se tratar de uma obrigação de trato sucessivo, a prescrição se renova a cada desconto considerado indevido, de modo que o correto é contar o início do prazo prescricional do fundo do direito somente com o encerramento dos descontos. Nesse sentido, vejamos a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: Nas obrigações de trato sucessivo, o prazo prescricional quinquenal não incide sobre o fundo de direito, mas atinge tão somente as parcelas anteriores aos 5 (cinco) anos de propositura da ação" (STJ - AgInt no REsp: 1963986 SP 2017/0268145-9, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 21/03/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/03/2022). RECURSO ESPECIAL Nº 1935941 - RJ (2021/0131045-6) EMENTA RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO C.C. REPETIÇÃO DE INDÉBTO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 6º, III A V, 39 E 52, IV, DO CDC. PREQUESTIONAMENTO. AUSENTE. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N.º 282/STF. VÍCIO DO CONSENTIMENTO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE ANULAR O CONTRATO. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL. SÚMULA 284/STF. OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. PRESCRIÇÃO. FUNDO DE DIREITO. NÃO ALCANCE. PARCIAL CONHECIMENTO. PROVIMENTO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. 1. [...] 3. Consoante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, tratando-se de obrigação de trato sucessivo, a prescrição atinge apenas as parcelas vencidas no quinquênio que precede o ajuizamento da ação, não alcançando o próprio fundo de direito. 4. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA NESSA EXTENSÃO, PROVIDO, COM DETERMINAÇÃO DE RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. DECISÃO Vistos etc. Trata-se de recurso especial interposto por VERA MARIA BRAUNA PINHEIRO em face de acórdão do TJRJ que deu provimento à apelação interposta por BANCO PAN S.A. para, acolhendo as preliminares de mérito, reconhecer a decadência do direito de anular o contrato e a prescrição das pretensões indenizatória e restitutória, reformando a sentença de parcial procedência dos pedidos de ação anulatória de contrato de empréstimo consignado vinculado a cartão de crédito, indenizatória de danos morais e restitutória dos indébitos [...] É o relatório. Passo a decidir. [...] Na parte em que pode ser conhecido, o recurso especial merece ser provido. Consoante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, tratando-se de obrigação de trato sucessivo, a prescrição atinge apenas as parcelas vencidas no quinquênio que precede o ajuizamento da ação, não alcançando o próprio fundo de direito. A propósito: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PREVIDÊCIA PRIVADA. 1. DECADÊNCIA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE VIOLAÇÃO AOS DISPOSITIVOS LEGAIS. ENUNCIADO N. 284 DA SÚMULA DO STF. 2. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL NÃO ALCANÇA O FUNDO DO DIREITO. ABRANGE SOMENTE AS PARCELAS ANTECEDENTES AOS 5 (CINCO) ANOS ANTERIORES AO AJUIZAMENTO DA DEMANDA. ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. 3. HORAS- EXTRAS RECONHECIDAS EM RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. INTEGRAÇÃO NO CÁLCULO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO COMPLEMENTAR. POSSIBILIDADE DESDE QUE OBSERVADO O EQUILÍBRIO ATUARIAL E A FONTE DE CUSTEIO. TESES FIXADAS EM RECURSO REPETITIVO. 4. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O recurso especial possui natureza vinculada, exigindo, para o seu cabimento, a imprescindível demonstração da recorrente, de forma clara e precisa, dos dispositivos apontados como malferidos pela decisão recorrida juntamente com argumentos suficientes à exata compreensão da controvérsia estabelecida, sob pena de inadmissão pela incidência da Súmula 284/STF. 2. Tratando-se de obrigação de trato sucessivo, é predominante na jurisprudência desta Corte Superior, que a prescrição atinge apenas as parcelas vencidas no quinquênio que precede o ajuizamento da ação, não alcançando o próprio fundo de direito, nos termos das Súmulas 291 e 427, ambas do STJ. 3. Conforme a tese fixada no Tema 955/STJ: "A concessão do benefício de previdência complementar tem como pressuposto a prévia formação de reserva matemática, de forma a evitar o desequilíbrio atuarial dos planos. Em tais condições, quando já concedido o benefício de complementação de aposentadoria por entidade fechada de previdência privada, é inviável a inclusão dos reflexos das verbas remuneratórias (horas extras) reconhecidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria." 3.1. De outro lado, no Tema 1.021/STJ houve a modulação dos efeitos nos seguinte termos: "nas demandas ajuizadas na Justiça comum até 8/8/2018 (data do julgamento do REsp n. 1.312.736/RS - Tema repetitivo n. 955/STJ) - se ainda for útil ao participante ou assistido, conforme as peculiaridades da causa -, admite-se a inclusão dos reflexos de verbas remuneratórias, reconhecidas pela Justiça do Trabalho, nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria, condicionada à previsão regulamentar de que as parcelas de natureza remuneratória devam compor a base de cálculo das contribuições a serem recolhidas e servir de parâmetro para o cômputo da renda mensal inicial do benefício, e à recomposição prévia e integral das reservas matemáticas com o aporte, a ser vertido pelo participante, de valor a ser apurado por estudo técnico atuarial em cada caso." 4. Agravo interno desprovido. ( AgInt no REsp n. 1.608.719/RS, relator MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/3/2022, DJe de 24/3/2022.) RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C COBRANÇA. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. BENEFÍCIO PAGO PELA PREVI. COMPETÊNCIA. QUESTÃO JÁ DECIDIDA PELO STF NESTE PROCESSO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ART. 1.030, II, CPC/2015. ADEQUAÇÃO AO TEMA 190 DO STF. PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL. PRETENSÃO RELATIVA AO FUNDO DE DIREITO. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 85/STJ. DATA DA CIÊNCIA DA SUPRESSÃO DO DIREITO À COMPLEMENTAÇÃO DA APOSENTADORIA. NÃO OCORRÊNCIA DA NOVAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. 1. Ação declaratória c/c cobrança na qual se pretende o recebimento da complementação de aposentadoria, sem prejuízo do benefício pago pela PREVI, acrescida dos atrasados referentes ao quinquênio prescricional. 2. Conquanto, em hipóteses assemelhadas, a Terceira e Quarta Turmas tenham realizado o distinguishing e mantido a remessa dos autos para a Justiça do Trabalho, a hipótese dos autos apresenta a relevante peculiaridade de a questão relativa à competência já ter sido definitivamente decidida pelo STF neste processo, razão pela qual, no exercício do juízo de retratação, há de ser reformado o acórdão da Terceira Turma - que declarou, de ofício, a competência da Justiça do Trabalho -, a fim de adequá-lo à tese firmada no RE 586.453/SE (tema 190), em respeito à autoridade da decisão do STF, transitada em julgado, que havia determinado o julgamento pela Justiça Comum. 3. O propósito recursal consiste em decidir sobre o termo inicial do prazo prescricional para o exercício da pretensão de cobrança de complementação de aposentadoria privada de ex-funcionários do Banco do Brasil S/A, bem como sobre o direito ao recebimento da referida verba, nos termos da Portaria 966, de 06/05/1947, sem prejuízo do benefício pago pela Previ. 4. Quando a pretensão diz respeito ao próprio direito material à complementação de aposentadoria e não apenas aos seus efeitos pecuniários, a prescrição atinge o fundo de direito, e, por isso, a contagem do prazo se inicia a partir da sua efetiva violação, não se aplicando, pois, a súmula 85/STJ. 5. Para alterar as conclusões do acórdão recorrido quanto à novação e ao termo inicial do prazo prescricional - data da ciência, pelos recorrentes, da supressão do direito à complementação da aposentadoria - seria necessário o reexame do conjunto fático-probatório, vedado nesta instância nos termos da súmula 7/STJ. 6. Acórdão da Terceira Turma reformado, em juízo de retratação previsto no art. 1.030, II, do CPC/2015. Recurso especial conhecido e não provido. ( REsp n. 1.668.676/DF, relator ministro moura ribeiro, relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 8/2/2022, DJe de 18/3/2022.) Ante o exposto, com arrimo na Súmula 568/STJ, CONHEÇO PARCIALMENTE e, nessa extensão, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que, superada a prescrição, examine as pretensões relacionadas à repetição do indébito e à indenização do dano moral. Advirta-se para o disposto nos arts. 1.021, § 4º, e 1.022, § 2º, do CPC/2015. Intimem-se. Brasília, 30 de agosto de 2022. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO Relator. (STJ - REsp: 1935941 RJ 2021/0131045-6, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Publicação: DJ 01/09/2022). (Grifei). No caso dos autos, tendo sido a ação ajuizada em 22/08/2024, prescritas estão as parcelas descontadas no período anterior a 22/08/2019. Os extratos indicam descontos a partir de junho/2019. Assim, verifico que não decorreu período de tempo superior a cinco anos desde o último desconto até o ajuizamento da ação, não havendo, portanto, o que se falar em prescrição do fundo do direito, contudo, reconheço a prescrição das parcelas descontadas anteriormente aos cinco anos do ajuizamento da demanda, ou seja, anteriores a 22/08/2019. Passo ao exame do mérito. Trata-se de ação em que a parte autora objetiva a declaração da inexistência dos débitos atrelados ao seu benefício previdenciário, alegando que não contratou com a parte requerida referidas tarifas bancárias, além de aduzir acerca da nulidade contratual. De início, verifico que a relação estabelecida entre as partes, no plano do direito material, encontra-se sob a incidência das disposições do Código de Defesa do Consumidor, figurando o promovente como consumidor e o promovido como fornecedor, tendo a relação como objeto a prestação de serviço de natureza bancária. No entanto, ao analisar o contrato supostamente entabulado entre as partes, acostado aos autos pelo requerido (id 115545090), verifico que o mesmo esta eivado de vício formal. Explico: Para que possa valer a contratação feita com pessoa que não sabe ler ou escrever, é despicienda a exigência de representante outorgado por procuração pública, sendo imprescindível atentar para a regra contida no art. 595 do Código Civil, que assevera que "quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas". Consoante se extrai dos autos, o extrato bancário da reclamante colacionado nos autos (id 110756338) comprovou a contento os descontos decorrentes do contrato questionado na presente lide em seu benefício previdenciário. Por sua vez, in casu, embora o banco tenha apresentado cópia do contrato firmado entre as partes com a oposição da digital da autora e assinatura de duas testemunhas, bem como cópia dos documentos pessoais da parte requerente e documentos pessoais das testemunhas no momento da suposta contratação, observa-se a inexistência da assinatura a rogo pelo consumidor no instrumento contratual. Sabe-se que para validade da contratação por pessoa analfabeta se faz necessária a colheita de sua impressão digital, como forma da exteriorização de sua vontade, devendo outra pessoa que a representa, de sua confiança, assinar o documento, na presença de testemunhas. O que não ocorreu no caso em tela, pois não se verifica a assinatura da representante no instrumento contratual. Dessa forma, a parte autora comprovou a realização dos descontos. Contudo, afirma não ter contratado os serviços/produtos cobrados, não possuindo subsídios para provar o que não aconteceu, tratando-se assim de um fato negativo. Deste modo, na medida em que o requerente não poderia fazer prova negativa, isto é, demonstrar que não contratou, competiria ao réu demonstrar eficazmente a regular contratação, o que não o fez. Neste sentido, já se posicionou o Tribunal Alencarino. Vejamos: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXISTÊNCIA CONTRATUAL C/C PEDIDO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PRETENSÃO DE REFORMA. DESCONTOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA. CONTRATO FIRMADO COM ANALFABETA APENAS COM A ASSINATURA DE DUAS TESTEMUNHAS. AUSÊNCIA DE ASSINATURA A ROGO. INOBSERVÂNCIA AO ART. 595 DO CÓDIGO CIVIL. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DESCONTO INDEVIDO. DEVOLUÇÃO NA FORMA EM DOBRO. DANO MORAL IN RE IPSA CONFIGURADO. APELO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA DE PISO REFORMADA. 1. Cinge-se a controvérsia na declaração de nulidade/inexistência de contrato de empréstimo consignado, cumulada com pedido de indenização por danos morais. Na origem, a ação foi julgada improcedente, desta feita a promovente interpôs o presente Recurso de Apelação, no qual pretende a procedência dos pedidos inaugurais. 2. Para que possa valer a contratação feita com pessoa que não sabe ler ou escrever, é despicienda a exigência de representante outorgado por procuração pública, contudo, é imprescindível atentar para a regra do art. 595 do CC, in verbis: ¿No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas¿. Portanto, somente se atendida a imposição legal poderá se cogitar da validade do contrato com pessoa não alfabetizada, o que ocorreu na espécie. (TJCE - Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas ¿ IRDR nº 0630366-67.2019.8.06.0000, julgado em 21/09/2020, a Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará). 3. In casu, o extrato de empréstimo consignado do INSS da reclamante colacionado nos autos comprovou a contento os descontos decorrentes do contrato questionado na presente lide em seu benefício previdenciário. 4. Por sua vez, in casu, embora o banco tenha apresentado cópia do contrato firmado entre as partes com a oposição da digital da autora e assinatura de duas testemunhas (fls. 117-133), bem como cópia dos documentos pessoais da requerente, quais sejam, RG, CPF e cartão de conta bancária, e documentos pessoais das testemunhas no momento da suposta contratação (fls. 122-128), observa-se a inexistência da assinatura a rogo pela consumidora no instrumento contratual. 5. Ademais, vislumbra-se que o ente bancário embora tenha apresentado o comprovante de transferência do crédito supostamente contratado, não se desincumbiu de demonstrar a legitimidade da contratação discutida, diante da inobservância da formalidade legal do Art. 595 do CC/02 e tese firmada no IRDR nº 0630366-67.2019.8.06.0000, conforme já explanado. Sendo assim, em razão da falha na prestação do serviço, o agente financeiro assumiu o risco e o dever de indenizar, decorrente da responsabilidade objetiva do fornecedor, respaldada no art. 14 do CDC e arts. 186 e 927 do Código Civil Brasileiro. 6. A devolução dos valores indevidamente descontados da requerente é mera consequência da declaração de inexistência dos contratos, tendo em vista a responsabilidade objetiva da instituição financeira. Diante da ofensa à boa-fé pelo ente financeiro, a restituição do indébito deve ser em dobro. Em que pese o STJ tenha fixado entendimento em recuso repetitivo paradigma (EAREsp 676608/RS) de que a restituição em dobro independe da natureza volitiva do fornecedor, impende destacar que o entendimento supra foi publicado com modulação dos efeitos. Na decisão paradigma, o Tribunal da Cidadania entendeu que para demandas que não decorram da prestação de serviços públicos, o acórdão terá eficácia apenas prospectiva, ou seja, a tese fixada somente será aplicável a valores pagos após sua publicação, o que ocorre no presente caso, uma vez que os descontos findaram em tempo posterior à publicação do referido Acórdão. 7. Resta caracterizado o dano moral in re ipsa, ou seja, presumido, decorrente da própria existência do ato, diante da ausência de contrato válido que justifiquem descontos realizados diretamente nos proventos de aposentadoria do consumidor. 8. Sopesando os danos suportados pela suplicante, como a realização de empréstimo indevido em seu benefício previdenciário, e a conduta da instituição financeira, considerando, ainda, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, entendo como acurado o montante indenizatório de R$ 3.000,00 (cinco mil reais). 9. Recurso de Apelação conhecido e provido. Sentença reformada. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em conhecer do Recurso de Apelação interposto, para DAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto da Relatora. (Apelação Cível - 0200915-98.2022.8.06.0051, Rel. Desembargador(a) MARIA DE FÁTIMA DE MELO LOUREIRO, 2ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 28/06/2023, data da publicação: 28/06/2023). A jurisprudência pátria não diverge desse posicionamento: INDENIZATÓRIA E CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PROCEDÊNCIA. APELAÇÃO DO AUTOR E DO RÉU. CONSUMIDORA ANALFABETA QUE FOI VÍTIMA DE FRAUDE. ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO BANCÁRIO. RESTITUIÇÃO DOS VALORES INDEVIDAMENTE DESCONTADOS NA FORMA SIMPLES. AUSÊNCIA DE PROVA DE MÁ-FÉ. DANO MORAL CONFIGURADO. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. JUROS DE MORA A PARTIR DO EVENTO DANOSO. REFORMA DA SENTENÇA APENAS NESTE ÚLTIMO PONTO. DESPROVIMENTO DO APELO DO RÉU E PROVIMENTO PARCIAL DO APELO DO AUTORA. Para a validade de contrato firmado por pessoa analfabeta, é necessária a aposição da impressão digital da contratante, a assinatura a rogo e a assinatura de duas testemunha, nos termos do art. 595 do Código Civil. 2. A jurisprudência pátria vem firmando forte entendimento no sentido de que, nesses casos, deve a assinatura a rogo estar acompanhada de instrumento público de mandato, conferindo a terceiro poderes para formalizar a subscrição em seu lugar, cabendo, diante de tal irregularidade, a anulação do contrato, a devolução das parcelas pagas de forma simples, além de indenização por dano moral. Precedente do TJPB. 3. In casu, o banco sequer apresentou o contrato, alegando que ele foi realizado através de caixa eletrônico, com cartão e senha, o que não poderia ocorrer, por se tratar de consumidor hipervulnerável, idoso e analfabeto, o que exige requisitos específicos para a validade do negócio jurídico. 4. Ante a não observância das formalidades legais, não há outro caminho a não ser declarar a nulidade do negócio jurídico, e, consequente, a restituição dos valores descontados no benefício da autora/apelante. 5. Além disso, há matéria jornalística nos autos mencionando que uma mulher, que trabalhava como caixa correspondente do banco demandado, foi presa na região em que a autora reside por fazer empréstimo em nome de idosos mediante fraude, tendo feito centenas de vítimas, comprovando a tese da autora. (Apelações cíveis nº 0802785-20.2018.8.15.0181. Sala de Sessões da Segunda Câmara Especializada Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, João Pessoa, 27 de agosto de 2020. DESEMBARGADOR José Aurélio da Cruz RELATOR). (Grifei). EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO REALIZADO POR ANALFABETO EM TERMINAL DE AUTOATENDIMENTO - INOBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES LEGAIS EXIGIDAS - CONTRATO NULO - RESTITUIÇÃO SIMPLES DOS VALORES INDEVIDAMENTE DESCONTADOS - DIREITO RECONHECIDO - REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO - AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ - NÃO CABIMENTO - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - INDENIZAÇÃO - FIXAÇÃO EM VALOR RAZOÁVEL - MULTA DIÁRIA - FIXAÇÃO ADEQUADA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - CONDENAÇÃO FINAL INEXPRESSIVA - FIXAÇÃO CONFORME CRITÉRIOS TRAÇADOS PELO ART. 85, § 4?, III DO CPC/2015. Nos termos do entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, tratando-se a parte contratante de pessoa analfabeta, a validade do negócio jurídico firmado com instituição financeira depende da externalização da vontade via aposição da impressão digital no instrumento escrito, com a participação obrigatória de terceiro da sua confiança, apto a assinar a rogo, assim como da assinatura de duas testemunhas. Inobservadas tais formalidades e não havendo provas concretas da efetiva participação do contratante, afigura-se inválida a contratação do empréstimo consignado por analfabeto. Em tal conjuntura, inegável o direito do consumidor autor de obter a restituição dos valores que foram indevidamente descontados de seu benefício previdenciário, mas não sendo possível reconhecer-lhe o direito à repetição em dobro de tal indébito, quando não comprovada a atuação mediante má-fé por parte da instituição financeira. Inexistindo provas de que o evento descrito nos autos tenha atingido a esfera extrapatrimonial da parte autora, não há como reconhecer a caracterização do dano moral alegado, a autorizar a fixação de indenização a tal título em seu favor. Cabível a fixação de multa diária, em valor razoável, para a hipótese de não cumprimento da obrigação de fazer estabelecida em 1º Grau, cujo escopo é imprimir efetivi dade à ordem judicial. Sendo inexpressivo o valor da condenação final arbitrada, deverão os honorários advocatícios de sucumbência ser fixados sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 4?,III do CPC/2015. (TJ-MG - AC: 50012389120218130487, Relator: Des.(a) Arnaldo Maciel, Data de Julgamento: 28/03/2023, 18ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 29/03/2023). (Grifei). Nesse sentido, as instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados decorrentes da falha na prestação do serviço, com respaldo no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor e arts. 186 e 927 do Código Civil Brasileiro. Logo, a devolução dos valores indevidamente descontados da requerente é mera consequência da declaração de inexistência/nulidade dos contratos, tendo em vista a responsabilidade objetiva da instituição financeira. Quanto à forma de se proceder a repetição do indébito, o Superior Tribunal de Justiça possuía entendimento no sentido de somente ser devida a repetição em dobro do indébito quando provada e demonstrada a má-fé da parte demandada ante a cobrança, em caso contrário, deveria a restituição ocorrer na forma simples. No entanto, em 2021, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento conjunto dos embargos de divergência no EAREsps 676.608/RS, 664.888/RS, 600.663/RS, 622.897/RS e EREsp 1.413.542/RS, firmou a seguinte tese, na forma do art. 927, V, do CPC, nos autos do EREsp 1.413.542/RS, relator para o acórdão Min. HERMAN BENJAMIM, litteris: TESE FINAL 28. Com essas considerações, conhece-se dos Embargos de Divergência para, no mérito, fixar-se a seguinte tese: A REPETIÇÃO EM DOBRO, PREVISTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC, É CABÍVEL QUANDO A COBRANÇA INDEVIDA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA, OU SEJA, DEVE OCORRER INDEPENDENTEMENTE DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS 29. Impõe-se MODULAR OS EFEITOS da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público - se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão. Desse modo, observa-se que a Corte Cidadã definiu que, para a restituição em dobro do indébito a parte consumidora não precisa comprovar que o fornecedor do serviço agiu com má-fé, cabendo a restituição em dobro para os casos de indébito ocorridos a partir da publicação do acórdão, ou seja, a partir de 30/03/2021. Portanto, a repetição do indébito deve se dar de maneira simples em relação aos descontos ocorridos até 30/03/2021 - RSTJ vol. 261, se houver, e de modo dobrado em relação aos descontos ocorridos a partir de 31/03/2021. O dano moral, como cediço, é lesão que atinge os bens extrapatrimoniais e direitos personalíssimos do ofendido, de modo a causar abalo em sua dignidade e integridade psíquica. No caso sub oculi, o autor foi vítima de fraude que causou prejuízo, portanto, no que se refere ao pedido de condenação em danos morais, entendo que merece prosperar a pretensão do requerente. No tocante ao valor da indenização, é sabido que inexiste, atualmente, tarifação legal em vigor, devendo a indenização ser arbitrada equitativamente pelo magistrado, à luz do princípio da razoabilidade (STJ, REsp 959780/ES, Terceira Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgamento 26/04/2011, Dje 06/05/2011), e de forma proporcional à extensão dos danos (art. 944 do CC/2002). Assim, no presente caso, considerando o caráter compensatório, sancionatório e pedagógico da reparação extrapatrimonial, bem como as circunstâncias concretas da espécie, arbitro a indenização em R$ 2.000,00 (dois mil reais). Isto posto, JULGO PROCEDENTE a demanda, nos termos do art. 487, I do Código de Processo Civil, para: 1) Declarar a nulidade do contrato de tarifa bancária, o qual possui a rubrica no extrato de "CESTA B. EXPRESSO4", no valor total de R$ 912,13(novecentos e doze reais e treze centavos), já considerando a prescrição das parcelas anteriores a 22/08/2019; 2) Condenar a parte promovida a restituir os valores indevidamente descontados da parte autora em razão do contrato ora declarado inexistente, de forma simples em relação aos descontos ocorridos até 30/03/2021 - RSTJ vol. 261, se houver, e de modo dobrado em relação aos descontos ocorridos a partir de 31/03/2021, até a efetiva suspensão ou extinção dos contratos em apreço. 3) Condenar o promovido a pagar, a título de danos morais, indenização no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) em favor da parte autora. Quanto à atualização dos valores, o dano material deverá ser acrescido de correção monetária e juros de mora unicamente pela taxa SELIC (REsp 1795982), a partir do efetivo desembolso de cada parcela (Súmulas 43 e 54 do STJ). A partir da produção de efeitos da nova redação dos artigos 389 e 406 do Código Civil, dada pela Lei n° 14.905/24 (30/08/2024), deverá ser aplicada a sistemática lá apontada, substituindo-se a SELIC pelos índices legais, ou seja, corrigindo-se monetariamente o débito pelo IPCA-IBGE e com juros pela taxa legal (diferença da SELIC e do IPCA, pela fórmula estabelecida pela RESOLUÇÃO CMN Nº 5.171, de 29 de agosto de 2024, por força do § 2º do artigo 406 do Código Civil, desconsiderando-se eventuais juros negativos). O valor do dano moral, por sua vez, deverá ser atualizado com juros de mora de 1% ao mês, desde o evento danoso (Súmula 54 STJ), até a data de início da produção de efeitos da nova redação do artigo 406 do Código Civil dada pela Lei n° 14.905/24 (30/08/2024), quando então deverá ser aplicada a taxa legal. Também deverá ser acrescido de correção monetária pelo IPCA-IBGE (CPC, art. 389), contada da data desta sentença (súmula 362, STJ). Condeno o requerido em custas e honorários advocatícios de sucumbência no montante de 10% sobre o valor da condenação. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Não havendo pagamento voluntário das custas processuais, proceda a Secretaria de Vara à apuração e atualização das custas finais ou pendentes de recolhimento, total ou parcial, conforme metodologia indicada no anexo XIV do Provimento nº 02/2021/CGJCE (Código de Normas Judiciais). Em seguida, intime-se a promovida para efetuar o pagamento. Decorrido o prazo de 15 (quinze) dias, sem quitação do débito judicial, comunique-se à Procuradoria-Geral do Estado do Ceará para a devida inscrição na dívida ativa e regular cobrança. Após o trânsito em julgado e não havendo outras providências, arquivem-se os autos, observadas as cautelas legais. Santa Quitéria-CE, data da assinatura eletrônica. JOAO LUIZ CHAVES JUNIOR Juiz de Direito em respondência
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