Processo nº 1003228-12.2025.8.11.0000
ID: 298167081
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 1003228-12.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
13/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ISABELA RIBEIRO DE FIGUEIREDO SALOMAO
OAB/SP XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1003228-12.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Administração judicial] Relator: Des(a)…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1003228-12.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Administração judicial] Relator: Des(a). MARCIO APARECIDO GUEDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES, DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). TATIANE COLOMBO] Parte(s): [ISABELA RIBEIRO DE FIGUEIREDO SALOMAO - CPF: 181.058.788-36 (ADVOGADO), CALCADOS MARINER LTDA - CNPJ: 54.588.140/0001-51 (AGRAVANTE), SPA EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS SPE LTDA. - CNPJ: 18.728.182/0001-87 (AGRAVADO), HAP PARTICIPACOES LTDA. - CNPJ: 15.916.680/0001-65 (AGRAVADO), A3M4P PARTICIPACOES LTDA. - CNPJ: 15.916.690/0001-09 (AGRAVADO), APJM PARTICIPACOES S.A. - CNPJ: 13.373.320/0001-39 (AGRAVADO), Q1 COMERCIAL DE ROUPAS S.A. - CNPJ: 09.044.235/0001-50 (AGRAVADO), Q1 SERVICO E RECEBIMENTO LTDA. - CNPJ: 09.218.787/0001-37 (AGRAVADO), Q1 COMERCIAL DE ROUPAS DA AMAZONIA LTDA - CNPJ: 10.999.792/0001-03 (AGRAVADO), ADM. COMERCIO DE ROUPAS LTDA. - CNPJ: 04.744.781/0001-80 (AGRAVADO), AMD - COMERCIO DE ROUPAS LTDA - CNPJ: 07.402.825/0001-81 (AGRAVADO), COLOMBO FRANCHISING EIRELI - EPP - CNPJ: 03.466.251/0001-54 (AGRAVADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), PEDRO HENRIQUE TORRES BIANCHI - CPF: 223.991.038-07 (ADVOGADO), VERONICA DE LIMA ARIAS NADALIN MEIRELES - CPF: 329.037.498-09 (ADVOGADO), FABIO LUIS CAPELLI - CPF: 455.478.518-17 (ADVOGADO), WALD ADMINISTRACAO DE FALENCIAS E EMPRESAS EM RECUPERACAO JUDICIAL LTDA - CNPJ: 35.814.140/0001-88 (TERCEIRO INTERESSADO), ROBERTO GOMES NOTARI - CPF: 330.808.188-14 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO. E M E N T A ementa. agravo de instrumento. direito empresarial e processual civil. homologação de plano pelo instituto do cram down. aprovação regular pelas classes de credores. ausência de ilegalidades. controle judicial restrito à legalidade. recurso desprovido. I. Caso em exame 1. Agravo de instrumento interposto por credora inconformada com decisão que homologou plano de recuperação judicial do Grupo Colombo, aprovado em Assembleia Geral de Credores sob o regime do cram down, com base no art. 58, § 1º, da L. nº 11.101/2005, afastando as exigências do art. 57 por inconstitucionalidade incidental. II. Questão em discussão 2. Há duas questões em discussão: (i) saber se é possível a homologação judicial de plano de recuperação judicial aprovado sob o regime do cram down, à luz de alegações de cláusulas abusivas e ilegais; (ii) saber se é válida a decisão judicial que conferiu proteção patrimonial aos bens reconhecidos como bem de família dos sócios das empresas recuperandas e garantidores. (iii) saber se é possível a concessão da recuperação judicial sem a apresentação das certidões de regularidade fiscal, com base em controle difuso de constitucionalidade do art. 57 da Lei nº 11.101/2005. III. Razões de decidir 3. O instituto do "cram down" permite a concessão judicial da recuperação mesmo em face da rejeição do plano por uma das classes de credores, desde que observados os requisitos do art. 58, § 1º da Lei 11.101/2005. 4. No caso, verifica-se que os requisitos legais foram preenchidos: (i) houve voto favorável de credores representando mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembleia (art. 58, § 1º, I); (ii) o plano foi aprovado por duas das três classes existentes (art. 58, § 1º, II); e (iii) na classe quirografária, onde houve rejeição, mais de 1/3 dos credores presentes votaram favoravelmente (art. 58, § 1º, III). 5. O suposto tratamento diferenciado alegado pelo agravante não encontra amparo na legislação, uma vez que a criação de formas distintas de pagamento dentro de uma mesma classe é admissível, desde que pautada em critérios objetivos e justificados, os quais não foram adequadamente refutados pelo recorrente. 6. A preservação da empresa e seus efeitos benéficos sobre a economia, conforme previsto no art. 47 da Lei 11.101/2005, justificam a adoção do "cram down", sobretudo diante da aprovação expressiva do plano por quantia e quantidade de credores. 7. A proteção conferida aos bens reconhecidamente de família dos sócios recuperandos observou a L. nº 8.009/1990, não havendo escudo generalizado de patrimônio, mas mera observância da regra de impenhorabilidade constitucionalmente fundada. 8. A exigência contida no art. 57 da Lei nº 11.101/2005 condiciona a concessão da recuperação judicial à apresentação de certidões fiscais, contudo, mesmo com os avanços normativos, permanece a ausência de regulamentação plena para adesão efetiva das empresas em crise aos parcelamentos fiscais. 9. O controle difuso de constitucionalidade do art. 57, da Lei nº 11.101/2005, foi legitimamente exercido pelo juízo de origem, diante da constatação de incompatibilidade da exigência com os princípios da preservação da empresa e da função social, garantindo a efetividade da recuperação judicial. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso desprovido. Tese de julgamento: “1. O instituto do "cram down" permite a homologação judicial do plano de recuperação desde que preenchidos os requisitos do art. 58, § 1º da Lei 11.101/2005. 2. As condições de pagamento aprovadas em Assembleia Geral de Credores integram a autonomia negocial das partes e não estão sujeitas à revisão judicial, salvo flagrante ilegalidade. 3. É possível a dispensa da apresentação de certidões de regularidade fiscal para homologação do plano de recuperação judicial, quando verificada a inexistência de mecanismos normativos eficazes para o cumprimento do art. 57 da Lei nº 11.101/2005. 4. O controle difuso de constitucionalidade pode ser legitimamente exercido para afastar norma que, embora formalmente vigente, inviabiliza o direito fundamental à preservação da empresa em recuperação. 5. A proteção legal conferida a bens de família dos sócios recuperandos não constitui blindagem patrimonial genérica, mas aplicação estrita da L. nº 8.009/1990.” ________ Dispositivos relevantes citados: Lei 11.101/2005, arts. 47, 50 e 58. Jurisprudência relevante citada: STJ – Quarta Turma - REsp 1.337.989/SP - Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO – Julg. 8/5/2018; STJ – Terceira Turma - REsp 1631762/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 19/06/2018, DJe 25/06/2018. R E L A T Ó R I O Cuida-se de Recurso de AGRAVO DE INSTRUMENTO interposto por CALÇADOS MARINER LTDA contra a r. decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito em Substituição Legal da 1ª Vara Especializada de Falência e Recuperação Judicial da Comarca de Cuiabá/MT, que nos autos da Recuperação Judicial nº 1004477-45.2020.8.11.0041, ajuizada por Q1 COMERCIAL DE ROUPAS S.A. e outras (Grupo Colombo) em face de seus credores, homologou o plano de recuperação judicial aprovado, sob a modalidade de cram down, durante a AGC, e, entre outras deliberações, deferiu “o pleito de reconhecimento da extensão de competência deste juízo universal para ordenar a suspensão de atos expropriatórios relativos às residências que sejam efetivamente bens de família do sócio representante da empresa e dos garantidores” (cf. Id. nº 178935022 dos autos de origem). A credora/agravante alega que o plano de recuperação judicial homologado descumpre e afronta o art. 53, I e II, da Lei nº 11.101/2005, tendo em vista que contém “apenas generalidades ao tratar das medidas para a recuperação das agravadas, sem detalhar quais ações efetivas serão adotadas para viabilizar a retomada empresarial. A descrição das estratégias de recuperação limita-se a breves afirmações genéricas, sem indicar concretamente como a crise será superada, os empregos preservados e os credores pagos”. Ressalta que o plano de recuperação judicial não especifica os valores que as recuperandas esperam obter ao longo do processo “o documento é vago quanto à destinação dos recursos futuros de cada empresa do Grupo Colombo, sem apresentar um plano claro de distribuição. Não há ações concretas para reverter a crise, nem indicação do impacto das medidas propostas no fluxo de caixa. (...). Não bastasse, o PRJ apresenta evidente iliquidez, uma vez que condiciona os pagamentos à geração incerta de um caixa mínimo”. Afirma que a proposta de pagamento oferecida aos credores quirografários afronta os princípios da razoabilidade e da boa-fé, pois, exceto no que se refere à opção “A”, cuja adesão só é “vantajosa aos credores com crédito entre R$ 1.000,00 a R$ 5.000,00”, o plano estabelece “condições de pagamento verdadeiramente abusivas, (...), a opção B consta a previsão de deságio de 99%, o que demonstra que a recuperação judicial é inviável, salvo diante do sacrifício patrimonial imputado aos credores”, afinal, a previsão de pagamento de 1% dos créditos, com parcelas anuais no período de vinte anos, além de cinco anos de carência, é o mesmo que perdão da dívida, em inegável abuso de direito. Alega que, de igual modo, a opção “C”, constrange os credores concursais “ao perdão da dívida, caso não queiram capitalizar seus respectivos créditos em ações do Grupo Colombo”, já a opção “D” também é ilegal, “porquanto vinculada a um evento futuro e incerto”. Diz que, “considerando a existência de legislação específica que prevê condições de pagamento especiais para empresas em Recuperação Judicial, a exigência da regularidade fiscal, como condição à concessão da recuperação judicial, é medida que se impõe”, sobretudo ao se ter em vista que o “passivo fiscal das agravadas é superior a vinte e seis bilhões de reais”. Argumenta que a transparência sobre situação financeira do Grupo Colombo, especialmente quanto às dívidas tributárias, é essencial para que os credores possam analisar o plano de recuperação de forma crítica e tomar decisões conscientes, garantindo a equidade entre todos os credores. Sustenta, ainda, a ilegalidade do capítulo da decisão agravada, em que “o MM. Juízo singular entendeu que, embora os fiadores e co-devedores não tenham suas obrigações extintas, seria razoável preservar seus bens de família durante a recuperação judicial”, uma vez que a medida simplesmente não encontra amparo legal, sendo “a avaliação da existência de bens de família competência do juízo da execução individual, e não do juízo da recuperação judicial”. Pede, pois, o provimento do recurso, para que, reformada a decisão agravada, seja declarada a nulidade da “deliberação da Assembleia Geral de Credores e a determinação para que as recuperandas apresentem novo plano, sanando as irregularidades apontadas na presente petição”, ou, alternativamente, seja condicionada “a manutenção da recuperação judicial à apresentação das certidões de regularidade fiscal do Grupo Colombo”; de imediato, pede a concessão de efeito suspensivo ao recurso (cf. Id. nº 267035778). A decisão vinculada ao Id. nº 268064751, indeferiu o pedido de concessão de efeito suspensivo à interposição. Nas contrarrazões, as recuperandas/agravadas refutam os argumentos recursais e pugnam pelo desprovimento do Agravo (cf. Id. nº 272678888). A douta Procuradoria Geral de Justiça opina pelo desprovimento do recurso, destacando que “o deságio somente autoriza a intervenção judicial quando aliados à falta de correção monetária, o que finda por culminar num verdadeiro perdão da dívida, o que, novamente, não se verifica nas aludidas previsões” (cf. Id. nº 273618892). É o relatório. Cuiabá, data registrada no sistema. MARCIO APARECIDO GUEDES Relator V O T O R E L A T O R A credora/agravante Calçados Mariner Ltda., sustenta a impossibilidade de homologação do plano de recuperação judicial das devedoras/agravadas por meio do instituto do cram down, porquanto aprovado com cláusulas ilegais e abusivas, em prejuízo dos credores quirografários e com benefício indevido aos sócios das recuperandas. Refuta a opção “A”, que diz respeito a créditos com valores baixos; questiona a opção “B”, dizendo que pressupõe o perdão integral da dívida, eis que estabelece previsão de pagamento do simbólico percentual de 1% dos créditos em vinte anos, com cinco anos de carência, o que não pode ser aceito. Com relação a opção “D”, diz ser ilegal, eis que vinculada a um evento futuro e incerto (“se houver atingimento de excedente de geração de caixa mínimo nos termos do Anexo II, em apuração anual do caixa livre operacional do Grupo Colombo”), tratando-se, portanto, de opção de pagamento ilíquida, que sequer discrimina minimamente os valores de cada parcela a ser paga. Afirma que a legislação específica que rege a matéria exige a apresentação de certidões de regularidade fiscal, como condição à concessão da recuperação judicial, o que, no caso, foi desconsiderado. Requer, ainda, a revogação da proteção concedida aos bens particulares dos sócios das recuperandas e demais garantidores. Pois bem. A decisão agravada homologou o plano de recuperação judicial do Grupo Colombo via “Cram Down” sob os seguintes fundamentos: SPA ONLINE ASSESSORIA DE MODA E APOIO ADM. LTDA., inscrita no CNPJ/ME sob o nº 18.728.182/0001-87; HAP PARTICIPAÇÕES LTDA., inscrita no CNPJ/ME sob o nº 15.916.680/0001-65; A3M4P PARTICIPAÇÕES LTDA., inscrita no CNPJ/ME sob o nº 15.916.690/0001-09; APJM PARTICIPAÇÕES S/A, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 13.373.320/0001-39; Q1 COMERCIAL DE ROUPAS DA AMAZÔNIA LTDA., inscrita no CNPJ/ME sob o nº 10.999.792/0001-03; Q1 COMERCIAL DE ROUPAS S/A, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 09.044.235/0001-50; ADM. COMÉRCIO DE ROUPAS LTDA., inscrita no CNPJ/ME sob o nº 04.744.781/0001-80; Q1 SERVIÇO E RECEBIMENTO LTDA., inscrita no CNPJ/ME sob o n° 09.218.787/0001-37; AMD COMÉRCIO DE ROUPAS LTDA., inscrita no CNPJ/ME sob o nº 07.402.825/0001-81”) e COLOMBO FRANCHISING EIRELI, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 03.466.251/0001-54, sociedades empresárias que se autodenominam “Grupo Colombo” neste processo eletrônico, apresentaram manifestação (ID.175052341) sobre os pareceres do Administrador Judicial e do Ministério Público (ID´s. 168295775 e 170484875), conforme havia sido determinado por este juízo (ID.172826937), para que possa haver a análise sobre a concessão judicial da recuperação judicial, aduzindo, em síntese, que: 1. O resultado da Assembleia Geral de Credores é inequívoco: (a) Classe I: aprovação de 70,67%; (b) Classe IV: aprovação de 97,18%; (c) Classe III: aprovação em valor de crédito de 65,75%, e, em quantidade de credores, aprovação de 46,94%. (d) Aprovação da Assembleia Geral de Credores na ordem de 65,63% dos credores presentes de todas as classes (em que pese, tenha ocorrido irrisória rejeição por parte de alguns credores quirografários). 2. O Administrador Judicial afirma expressamente - no “tópico 40” de sua manifestação - que de forma clara e objetiva, a votação do Plano de Recuperação Judicial atende aos requisitos do artigo 58, §1º, da Lei 11.101/05. 3. O Administrador Judicial concluiu – no “tópico 55” de sua manifestação – que foram totalmente preenchidos os requisitos legais exigido, dispostos no artigo 58, §§1º e 2º da Lei 11.101/05 para fins de homologação do Plano de Recuperação Judicial mediante quórum alternativo (cram down). 4. É plenamente cabível a aplicação do deságio aos créditos quirografários, nos exatos moldes propostos no Plano de Recuperação Judicial, vez que, a aplicação do deságio diz respeito diretamente a um aspecto econômico do plano, cuja análise compete exclusivamente aos Credores em AGC, e, conforme denota-se, o PRJ foi aprovado pela maioria dos presentes. 5. Em casos análogos, o Juízo da Recuperação já decidiu recentemente a favor da dispensa de apresentação das CND’s fiscais para a concessão da recuperação judicial, como é o caso da recuperação judicial da Tauro Motors Veículos Importados Ltda. (processo nº 1020780-42.2017.8.11.0041) que tramitou perante a 1ª Vara Cível de Cuiabá-MT, além de outros casos que também tramitaram perante este MM. Juízo e de posicionamentos do STJ. 6. A manifestação apresentada pelos credores Caedu Comércio Varejista de Artigos do Vestuário Ltda.(“Caedu”); Blue Bay Comercial Ltda. (“Blue Bay”); e Blue Center Comercial de Roupas Ltda. (“Blue Center”) (ID.170250913) profere acusações inverídicas (e desprovidas de qualquer prova), e que os referidos credores perderam o prazo para participarem da Assembleia Geral de Credores, e agora, querem criar uma cortina de fumaça em total litigância de má-fé. Ao final pedem que este juízo considere juridicamente viável o pedido de recuperação judicial para: 1. Em consonância ao disposto no petitório de ID.161567342, e, diante dos temas ora expostos, a imediata homologação do plano de recuperação judicial do Grupo Colombo, em razão de ter sido inequivocamente atingindo os quóruns do § 1º do art. 58 da LFRE, com o afastamento da exigência do art. 57 da LRFE, e, nos moldes das cláusulas 3.9, 3.9.1 e 3.9.2 do plano de recuperação judicial (PRJ), que seja determinado por este MM. Juízo, uma data para a realização da UPI dos Créditos Fiscais e a UPI do Prejuízo Fiscal, em até 15 (quinze) dias da publicação da decisão de homologação do PRJ. 2. Ao encontro do entendimento já exarado por este E. Tribunal de Justiça do Mato Grosso através do julgamento do Agravo de Instrumento de nº 1017525- 63.2021.8.11.0000, datado de 12/09/2023, requer-se a extensão pelo Juízo Universal da adoção de medidas atípicas, de forma casuística e excepcionais considerando o cenário periclitante envolvendo atos expropriatórios exclusivamente direcionados ao bens de família dos garantidores e coobrigados das recuperandas, devendo ser deferida mesmo sentido, a ordem de abstenção/suspenção de quaisquer atos expropriatórios relativos às residências (bens de família) do sócio representante da empresa e garantidores, quais sejam: o imóvel objeto de matrícula 111.246, registrado perante o 14º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo; o imóvel de matrícula 198.798, registrado perante o 18º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo; o imóvel de matrícula 183.671, registrado perante o 18º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo, em razão das obrigações exclusivamente assumidas pelas empresas recuperandas e que possuem direta vinculação ao PRJ. 3. O acolhimento do pleito das recuperandas ao ID.163555153, no que tange a condenação da Caedu, Blue Bay e Blue Center às penas decorrentes da sua litigância de má-fé, cujo percentual deve ser fixado com base no endividamento total do Grupo Colombo, uma vez que sua conduta maliciosa está impactando diretamente no bom andamento da recuperação judicial, em detrimento da coletividade de credores. 4. Com a homologação o plano de recuperação judicial, que seja expedido ofício aos órgãos de competentes para providenciar a baixa dos apontamentos creditícios existentes em seus bancos de dados, decorrentes de obrigações sujeitas ao PRJ. Posteriormente, houve manifestação de CAEDU COMÉRCIO VAREJISTA DE ARTIGOS DO VESTUÁRIO LTDA. (“Caedu”); BLUE BAY COMERCIAL LTDA. (“Blue Bay”); e BLUE CENTER COMERCIO DE ROUPAS LTDA. (“Blue Center)”, onde fez diversas acusações quanto a atuação da Afare I – Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Não-Padronizados (“Afare”) e de desembargador do e. Tribunal de Justiça de Mato Grosso, afirmando que “esta recuperação judicial está no meio do recente escândalo de venda de sentenças que vem se descortinando por ocasião do assassinato do advogado Roberto Zampieri” e, portanto, “ muito possivelmente é parte relacionada dos controladores da Colombo, eis que esse fundo é manifesta e exclusivamente beneficiado pelo Grupo Colombo em detrimento de todos os demais credores”, razão pela qual deve ser decretada a falência das recuperandas (ID.177061052). As recuperandas SPA ONLINE ASSESSORIA DE MODA E APOIO ADM. LTDA vieram novamente a este processo para rebater as assertivas da manifestação de CAEDU COMÉRCIO VAREJISTA DE ARTIGOS DO VESTUÁRIO LTDA. (“Caedu”); BLUE BAY COMERCIAL LTDA. (“Blue Bay”); e BLUE CENTER COMERCIO DE ROUPAS LTDA. (“Blue Center)”, esclarecendo serem inverossímeis os fatos narrados e dando a sua versão sobre os mesmos, finalizando com pedidos de não acolhimento dos pleitos, bem como que, diante de terem sido tornados públicos nesta recuperação judicial, fatos e conteúdos, pessoas investigadas e decisão que estão vinculadas a processo atualmente em curso e em sigilo no STF, que a petição e documentos sejam desentranhados dos autos, reiterando pleitos anteriores de condenação nas penas de litigância de má-fé, pois a “conduta maliciosa estaria impactando diretamente no bom andamento da recuperação judicial, em detrimento da coletividade de credores” (Id 177475281). É o Relatório. Fundamento. Decido. Inicialmente devo registrar que comecei a atuar neste processo por força de substituição legal, tendo em vista impedimento do Magistrado titular, pois atuou em julgamentos de segunda instância envolvendo as partes autoras desta demanda recuperacional. Uma vez que o recebi por substituição legal, e diante dos vários pedidos de audiência dos advogados das partes, conforme agendamentos, realizei o atendimento a todos os patronos pessoalmente e por videoconferência no meu gabinete, ouvindo seus argumentos e reclamos sobre os fatos processuais, passando então a realizar a leitura integral dos autos eletrônicos, seus incidentes e as ações conexas. Portanto, realizado esse registro, consigno que a fundamentação que passo a realizar a partir de então, e consequente decisão, se dá com base única na leitura dos documentos e nas manifestações das partes interessadas, onde passo expressar a minha convicção de juiz da causa, como simples instância de passagem, a qual será submetida, por certo, ao egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso, em grau recursal para sua verificação corretiva. Assim registrado, primeiramente destaco que a manifestação de CAEDU COMÉRCIO VAREJISTA DE ARTIGOS DO VESTUÁRIO LTDA. (“Caedu”); BLUE BAY COMERCIAL LTDA. (“Blue Bay”); e BLUE CENTER COMERCIO DE ROUPAS LTDA. (“Blue Center)” se mostra totalmente destoante do que se espera de atuação respeitosa, elegante e fundada em fatos devidamente demonstrados nos autos para garantir o deferimento de seu pleito de falência, pois não será com afirmações sem fundamento e se valendo de sensacionalismo por conta de investigações sigilosas em andamento, onde ainda não formadas as culpas de nenhum magistrado ou pessoa, que alcançará o pretendido neste juízo. Da análise dos documentos anexados por CAEDU COMÉRCIO VAREJISTA DE ARTIGOS DO VESTUÁRIO LTDA. (“Caedu”); BLUE BAY COMERCIAL LTDA. (“Blue Bay”); e BLUE CENTER COMERCIO DE ROUPAS LTDA. (“Blue Center)” me leva a concluir que a questão envolvendo as pessoas e magistrados indicados, além de não interessar a este feito, uma vez que interessa apenas aos órgãos correicionais da Justiça e aos órgãos judiciários criminais, não possui prova alguma, ficando apenas nas ilações de credores insatisfeitos. E essa situação, como já dito, não interessa a essa demanda. Neste feito, interessa apenas saber se foram cumpridos os requisitos legais para o deferimento de uma recuperação judicial, conforme a interpretação dos fatos consagrados no quadro geral de credores, das irresignações das partes, das decisões anteriores deste juízo e da jurisprudência do e. Tribunal de Justiça de Mato Grosso e do Superior Tribunal de Justiça. Fixadas essas balizas de análise, começo a analisar a possibilidade do deferimento da recuperação judicial, com base nos documentos e atos processuais praticados neste feito, muito bem conduzido pela magistrada ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, hoje desembargadora do e. Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Anoto inicialmente que o Administrador Judicial afirmou na sua manifestação para este juízo que: (...). “Ante o exposto, a Administração Judicial conclui que foram preenchidos os requisitos objetivos previstos pelo artigo 58, §§ 1º e 2º da Lei 11.101/05 para fins de homologação do Plano de Recuperação Judicial mediante quórum alternativo (cram down), cabendo ao magistrado analisar a sua aplicação, de modo que, no tópico seguinte, a Administração Judicial, com vistas a auxiliar este d. juízo, passará ao exame da legalidade do Plano de Recuperação Judicial”. (...) De igual forma, no mesmo sentido o Curador do Ministério Público assim se manifestou: (...). “Sendo Assim, restando cumpridos os requisitos cumulativos previstos nos incisos do §1º, do art. 58 da Lei 11.101/05, mostra-se possível a homologação do plano de recuperação judicial da devedora, ainda que o referido plano não tenha sido aprovado em sua integralidade na AGC, em homenagem ao princípio da preservação da empresa e à vontade deliberada da maioria dos credores votantes no mencionado conclave”. (...). Visitando os autos, retira-se que a Assembleia Geral de Credores foi realizada no dia 2 de julho de 2024, onde o plano de recuperação judicial foi aprovado da seguinte forma: I) O voto favorável de credores que representam mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes: O Plano de Recuperação obteve aprovação de credores representativos de R$ 1.123.037.819,38, em relação ao crédito total de R$ 1.711.128.217,13 presentes à Assembleia, o que equivale a 65.63% de aprovação, conforme atestado no laudo de votação (ID 161222148). II) A aprovação de pelo menos 2 (duas) das classes de credores, havendo 3 (três) classes com credores votantes, sempre nos termos do art. 45 desta Lei: O Plano de Recuperação obteve aprovação nas classes I, Trabalhista, e IV, Microempresa/EPP, nos termos do art. 45, isto é, pela maioria simples dos credores presentes, conforme atestado no laudo de votação (ID 161222148). III) Na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1º e 2º do art. 45 desta Lei. O Plano de Recuperação obteve o voto favorável de 69 credores, frente a um total de 147 credores presentes, o que equivale a 46,94% dos credores. Por outro lado, obteve voto favorável de credores representantes de R$ 1.119.806.747,01, equivalente a 65,75%, em relação ao crédito quirografário total de R$1.703.071.994,87 presentes à Assembleia, conforme atestado no laudo de votação (ID 161222148). Sobre esses fatos não há controvérsia entre as partes, havendo necessidade apenas da interpretação do preenchimento dos requisitos legais para o deferimento da concessão da recuperação judicial, uma vez que deve ser apreciado pelo juízo recuperacional se o plano não teve objeção de credor (art. 55, da LFRE) ou tenha sido aprovado pela assembleia geral de credores (art. 45, da LFRE). (...). Diante dos resultados da assembleia geral de credores, vistos os dispositivos legais supracitados, de análise objetiva é possível concluir que: (a) no referido ato havia presentes credores que representavam mais da metade do valor de todos os créditos, independentemente de classes; (b) houve a aprovação de 2 (duas) das classes de credores; (c) na classe que rejeitou o plano, houve o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores quirografários. Dessa forma, realmente é viável juridicamente que este juízo conceda a recuperação judicial, prestigiando o instituto do “cram down” pela ocorrência de alternatividade no quórum de aprovação, porquanto ainda que presente a não obtenção de maioria de votos em todas as classes dos credores, houve o preenchimento dos requisitos legais do art. 58, § 1º, incisos I a III, da LFRE. O e. Tribunal de Justiça de Mato Grosso tem entendimento consolidado no sentido de que, presentes os requisitos de forma cumulativa para o “cram down”, deve ser concedida a recuperação judicial, ensinando que as deliberações da assembleia sobre deságios e deliberações de forma de pagamento, prazos, correção de valores e juros aplicados são negociais, onde o controle judicial sobre aspectos econômico-financeiros é mitigado, e preenchidos os requisitos do art. 58, § 1º e incisos, da LFRE, com a aplicação do instituto do “cram down”, impõe-se declarar a viabilidade do plano, em homenagem ao princípio da preservação da empresa em recuperação judicial. Diante dessas diretrizes, todas as demais ponderações da Curadoria e da Administração Judicial não merecem ser consideradas por este juízo para negar a recuperação judicial, tendo em vista que não é possível se ingressar no caráter negocial das deliberações da assembleia. Isso se trata da esfera de disponibilidade de interesses dos partícipes, não sendo sequer direito indisponível para que haja a atuação judicial em tutela administrativa de interesses puramente privados. Ainda, sobre a necessidade da apresentação das certidões negativas de débitos fiscais, conforme ponderado pelo parquet, registro que possuo o mesmo entendimento da magistrada antecessora que foi titular desta vara especializada, registrando que a subordinação da concessão da recuperação judicial à exigência contida no art. 57, colide com os princípios para o qual foi criado o instituto, especialmente à preservação da empresa que atende à função social prevista em nossa Constituição Federal. Sabe-se que a falta da apresentação das certidões negativas não traz qualquer prejuízo para os fiscos dos diversos entes estatais, até porque o § 7º, do art. 6º, da LFRE, informa que as execuções fiscais não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, permitindo que a cobrança possa ser feita a qualquer tempo. Mas não é só por isso, vale citar também que o art. 68, da LFRE, possibilita como faculdade o parcelamento de créditos de natureza fiscal, o que induz na admissão de se possibilitar admitir uma recuperação judicial com a existência de débitos fiscais, mais um motivo para se afastar a opinião ministerial. E o Superior Tribunal de Justiça por sua Corte Especial igualmente definiu que não constitui ônus do contribuinte a apresentação de certidões de regularidade fiscal para que lhe seja concedida a recuperação judicial, pois a interpretação literal do art. 57, da LFRE, inviabilizaria toda e qualquer recuperação judicial, caso se entenda que a ausência das certidões de regularidade fiscal do devedor impede a concessão do benefício recuperatório, levando a decretação de falência como dificuldade futura até mesmo para o recebimento do crédito tributário. Ademais, pelos motivos explicitados, é o caso até mesmo de se declarar a inconstitucionalidade incidenter tantum do art. 57, da LFRE, por controle difuso de constitucionalidade, para afastar as exigências nele contidas a fim de prejudicar a função social da empresa, uma das garantias fundamentais asseguradas na Constituição Federal (art. 1º, IV e 6º). Por isso, deve-se permitir que as empresas continuem suas atividades, com a execução do plano de recuperação judicial, que se constitui na ferramenta adequada para a regularização da situação em que se encontram com o afastamento da aplicabilidade do art. 57, da LFRE, autorizando-se processar a recuperação judicial mesmo sem a apresentação das respectivas certidões negativas de débitos tributários. Por seu turno, resta a questão da vinculação expressa ao plano, novação e extinção das garantias, onde o Administrador Judicial ponderou que são legais as respectivas cláusulas (10.1, 10.2, 10.2.1), ressalvando que extinção das obrigações dos coobrigados e supressão de garantias sejam válidas e oponíveis apenas aos credores que aprovaram o plano de recuperação, sem nenhuma ressalva com base em posição do Superior Tribunal de Justiça. Essa posição do Administrador Judicial se estriba no enunciado de súmula 58 do Superior Tribunal de Justiça, que prescreve o seguinte: “A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória”. (Enunciado de Súmula 581, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/09/2016, DJe 19/09/2016) Não obstante o esforço de retórica das recuperandas, que reconheço como factível, não é possível o acolhimento deste pleito, pois ainda que a consequência natural seja a extinção das demandas existentes, bem como a substituição das dívidas originais para com os credores concursais pelas novas obrigações previstas no Plano de Recuperação Judicial aprovado, isso somente ocorrerá se houver o pagamento, sendo essa a única forma de liberá-los da obrigação a que se obrigaram. Além do que, o art. 59, da LFRE, tem disposição expressa de que o plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, obrigando o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, de sorte que não há como atender aos reclamos das recuperandas para a extinção das obrigações dos coobrigados e supressão de garantias como pretendido. No entanto, mostra-se razoável que este juízo, pelo menos garanta os bens de família dos garantidores e coobrigados das recuperandas, durante o cumprimento do plano de recuperação judicial que foi aprovado, com base nas obrigações assumidas pelas empresas com vinculação direta a esse mesmo plano de recuperação judicial, porque isso evitará, caso existam, atos expropriatórios sem fundamento legal e em desrespeito a dignidade das pessoas envolvidas. Em finalização, no tocante a pretensão de litigância de má-fé, não obstante o equívoco dos credores CAEDU COMÉRCIO VAREJISTA DE ARTIGOS DO VESTUÁRIO LTDA. (“Caedu”); BLUE BAY COMERCIAL LTDA. (“Blue Bay”); e BLUE CENTER COMERCIO DE ROUPAS LTDA. (“Blue Center)” ao pretender impressionar este juízo com argumentos sem fundamento nas provas dos autos e por fatos alheios a esta recuperação, por ora não serão penalizados na litigância de má-fé, sendo assegurado as recuperandas, as tomadas de medidas judiciais cabíveis para defesa de sua honradez e eventuais ressarcimentos morais que entendam devidos. Ante o exposto: I. DECLARO a inconstitucionalidade incidenter tantum do art. 57, da LFRE, por controle difuso de constitucionalidade, para afastar as exigências nele contidas de apresentação das certidões fiscais como condicionante da aprovação desta recuperação judicial, e com fundamento no art. 58, § 1º, da LFRE; II. HOMOLOGO o plano de recuperação judicial e concedo a recuperação judicial à SPA ONLINE ASSESSORIA DE MODA E APOIO ADM. LTDA., inscrita no CNPJ/ME sob o nº 18.728.182/0001-87; HAP PARTICIPAÇÕES LTDA., inscrita no CNPJ/ME sob o nº 15.916.680/0001-65; A3M4P PARTICIPAÇÕES LTDA., inscrita no CNPJ/ME sob o nº 15.916.690/0001-09; APJM PARTICIPAÇÕES S/A, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 13.373.320/0001-39; Q1 COMERCIAL DE ROUPAS DA AMAZÔNIA LTDA., inscrita no CNPJ/ME sob o nº 10.999.792/0001-03; Q1 COMERCIAL DE ROUPAS S/A, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 09.044.235/0001-50; ADM. COMÉRCIO DE ROUPAS LTDA., inscrita no CNPJ/ME sob o nº 04.744.781/0001-80; Q1 SERVIÇO E RECEBIMENTO LTDA., inscrita no CNPJ/ME sob o n° 09.218.787/0001-37; AMD COMÉRCIO DE ROUPAS LTDA., inscrita no CNPJ/ME sob o nº 07.402.825/0001-81”) e COLOMBO FRANCHISING EIRELI, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 03.466.251/0001-54, sociedades empresárias que compõe o denominado “Grupo Colombo”, destacando-se o seu cumprimento nos termos dos artigos 59 a 61 da mesma lei, bem como na forma no Plano de Recuperação, dispensando, por ora, a apresentação da certidão negativa de débitos fiscais, consignando que o marco inicial para cumprimento, tal como consignado no plano, será o de 30 (trinta) dias da publicação da presente decisão (cf. Id. nº 178935022 dos autos de origem). A recuperação judicial divide-se essencialmente em duas fases, sendo a primeira iniciada com o deferimento do pedido de processamento desta, nos termos dos arts. 6º, e 52, da Lei nº 11.101/2005, e a segunda, deflagrada a partir da aprovação e homologação do plano recuperacional pelos credores reunidos em assembleia, seguida da concessão da recuperação por sentença, nos termos dos arts. 57, e 58, “caput” da mesma Lei, ou, excepcionalmente, pela concessão forçada da recuperação pelo juiz, nas hipóteses previstas nos incisos do § 1º do art. 58 (“Cram Down”). O “Cram Down” é um instituto jurídico que possibilita ao juiz da recuperação judicial impor aos credores discordantes a aprovação do plano apresentado pela recuperanda e já aceito pela maioria dos demais credores, desde que o plano tenha cumprido, de forma cumulativa, os requisitos previstos na LRF. No caso, verifica-se da “Ata da Assembleia Geral de Credores”, que estavam presentes na Assembleia, os credores que representavam mais da metade do valor de todos os créditos; senão vejamos: • Na Classe I, Trabalhista: a proposta foi aprovada por (70,67%) dos credores presentes; • Na Classe III, Quirografários: a proposta foi aprovada por (65,75%) do valor total dos créditos presentes à assembleia, e rejeitada por (46,94%) dos credores presentes; • Na Classe IV, Micro e Pequenas Empresas: a proposta foi aprovada por (97,18%) dos credores presentes. O quórum exigido pelo art. 58, da Lei nº 11.101/2005, para aprovação do plano na modalidade “Cram Down” foi preenchido, pois, contou com o “voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes” (inciso I), sendo o plano aprovado por duas das três classes existentes (inciso II), e, na classe em que o PRJ foi rejeitado (Quirografária), houve voto favorável de 65,75% dos credores, mais de 1/3 dos credores daquela classe (inciso III). A tese de “tratamento diferenciado entre os credores de mesma classe”, erigida pelo credor/agravante como hipótese impeditiva do “Cram Down”, na verdade, funda-se em irresignação na forma de pagamento e prazos estabelecidos no PRJ, mas, a medida é admitida pela legislação que rege a matéria, que condiciona sua validade apenas à existência de critérios objetivos e justificados, tema sequer tangenciado pelo recorrente. No caso de recuperações judiciais, ainda que seja legítimo ao credor votar contrariamente a um plano que não lhe ofereça a melhor solução econômica, desde que não haja o aniquilamento de seu direito, a sua vontade deve ceder aos outros interesses tutelados pela norma, previstos no art. 47 da Lei 11.101/2005, tais como a manutenção de empregos, da fonte de arrecadação estatal e da fonte produtora de bens e serviços, num contexto em que o plano e a viabilidade da empresa sempre foram reconhecimentos por quantia e quantidade expressiva de outros credores. Nesse sentido: EMENTA: RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PLANO. APROVAÇÃO JUDICIAL. CRAM DOWN. REQUISITOS DO ART. 58, § 1º, DA LEI 11.101/2005. EXCEPCIONAL MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. 1. A Lei n° 11.101/2005, com o intuito de evitar o 'abuso da minoria' ou de 'posições individualistas' sobre o interesse da sociedade na superação do regime de crise empresarial, previu, no § 1º do artigo 58, mecanismo que autoriza ao magistrado a concessão da recuperação judicial, mesmo que contra decisão assemblear. 2. A aprovação do plano pelo juízo não pode estabelecer tratamento diferenciado entre os credores da classe que o rejeitou, devendo manter tratamento uniforme nesta relação horizontal, conforme exigência expressa do § 2° do art. 58. 3. O microssistema recuperacional concebe a imposição da aprovação judicial do plano de recuperação, desde que presentes, de forma cumulativa, os requisitos da norma, sendo que, em relação ao inciso III, por se tratar da classe com garantia real, exige a lei dupla contagem para o atingimento do quórum de 1/3 - por crédito e por cabeça -, na dicção do art. 41 c/c 45 da LREF. 4. No caso, foram preenchidos os requisitos dos incisos I e II do art. 58 e, no tocante ao inciso III, o plano obteve aprovação qualitativa em relação aos credores com garantia real, haja vista que recepcionado por mais da metade dos valores dos créditos pertencentes aos credores presentes, pois 'presentes 3 credores dessa classe o plano foi recepcionado por um deles, cujo crédito perfez a quantia de R$ 3.324.312,50, representando 97,46376% do total dos créditos da classe, considerando os credores presentes' (fl. 130). Contudo, não alcançou a maioria quantitativa, já que recebeu a aprovação por cabeça de apenas um credor, apesar de quase ter atingido o quórum qualificado (obteve voto de 1/3 dos presentes, sendo que a lei exige 'mais' de 1/3). Ademais, a recuperação judicial foi aprovada em 15/05/2009, estando o processo em pleno andamento. 5. Assim, visando evitar eventual abuso do direito de voto, justamente no momento de superação de crise, é que deve agir o magistrado com sensibilidade na verificação dos requisitos do cram down, preferindo um exame pautado pelo princípio da preservação da empresa, optando, muitas vezes, pela sua flexibilização, especialmente quando somente um credor domina a deliberação de forma absoluta, sobrepondo-se àquilo que parece ser o interesse da comunhão de credores. 6. Recurso especial não provido" (STJ – Quarta Turma - REsp 1.337.989/SP - Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO – Julg. 8/5/2018 - destaquei). Não é demais relembrar que na recuperação judicial há nítida primazia da autonomia privada dos credores na formulação das condições de soerguimento da empresa em crise, cabendo-lhes, por meio da AGC, deliberar soberanamente sobre os termos do plano a ser implementado. Sendo assim, o controle jurisdicional é excepcional e deve se restringir ao exame da legalidade da proposta aprovada, sem incursão na viabilidade econômica da solução negociada. E, conforme entendimento há muito pacificado pelo eg. STJ, “cumpridas as exigências legais, o juiz deve conceder a recuperação judicial do devedor cujo plano tenha sido aprovado em assembleia (art. 58, caput, da Lei n. 11.101/2005), não lhe sendo dado se imiscuir no aspecto da viabilidade econômica da empresa, uma vez que tal questão é de exclusiva apreciação assemblear. O magistrado deve exercer o controle de legalidade do plano de recuperação - no que se insere o repúdio à fraude e ao abuso de direito -, mas não o controle de sua viabilidade econômica” (STJ - QUARTA TURMA - REsp 1.359.311/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, julgado em 09/09/2014, DJe 30/09/2014). Com efeito, o já citado artigo 58, da Lei de Recuperação Judicial atribui à AGC o poder de deliberar sobre eventuais objeções apresentadas pelos credores, sendo certo que as decisões colegiadas ali proferidas não estão sujeitas à revisão judicial, salvo quando contrárias ao ordenamento jurídico. Em reforço a esse entendimento, o artigo 50, do mesmo diploma legal enumera os meios passíveis de serem utilizados na recuperação da empresa, incluindo a concessão de prazos dilatados para pagamento e a estipulação de condições especiais para quitação das obrigações, evidenciando que tais aspectos são inerentes à negociação privada entre os credores e a empresa em recuperação; senão vejamos: I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas; II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente; III – alteração do controle societário; IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos; V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar; VI – aumento de capital social; VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados; VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva; IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro; X – constituição de sociedade de credores; XI – venda parcial dos bens; XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica; XIII – usufruto da empresa; XIV – administração compartilhada; XV – emissão de valores mobiliários; XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor. XVII - conversão de dívida em capital social; (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) XVIII - venda integral da devedora, desde que garantidas aos credores não submetidos ou não aderentes condições, no mínimo, equivalentes àquelas que teriam na falência, hipótese em que será, para todos os fins, considerada unidade produtiva isolada. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020). A ingerência do Poder Judiciário deve limitar-se à verificação de eventuais ilegalidades, sendo descabida a reavaliação de cláusulas que reflitam a vontade dos credores quanto à reestruturação da empresa devedora. O deságio, o prazo de pagamento e a carência são elementos negociais e estão inseridos na esfera de disponibilidade dos credores presentes na AGC “dentre as tratativas negociais passíveis de deliberação pelo devedor e pelos credores quando da discussão assemblear sobre o plano de recuperação apresentado” (REsp n. 1.631.762/SP. Rel.: Min. Nancy Andrighi. J. em: 19-6-2018). Embora o credor/agravante questione as opções de pagamento constantes do PRJ, especificamente quanto a opção “B” que prevê um deságio de 99%, carência de juros e principal de 60 meses, e pagamento em 20 anos, opção “D”, que condiciona o pagamento ao atingimento de um excedente de geração de caixa, e as opções "A" e "C", que limitam a quitação a valores irrisórios ou condicionam a satisfação da dívida à subscrição de ações com deságio significativo, consubstanciam-se em ponderação e decisão tomada livremente pela soberana assembleia e que deve ser respeitada, afinal, a lei de regência não impõe quaisquer balizas quanto ao mínimo ou máximo a título de prazo, encargos financeiros a serem adotados, muito menos quanto ao deságio e outras questões correlatas, deixando a definição desses pontos a cargo da AGC, para que os participantes possam livremente discutir e decidir o que melhor atende aos interesses que estão em jogo. A forma de pagamento do crédito e o prazo de carência, por se tratar de direitos disponíveis, em princípio, ostentam natureza negocial entre as partes, que levam em consideração a situação econômico-financeira das recuperandas, cabendo aquiescência da proposta aos credores, não sendo dado ao Juízo imiscuir-se no resultado da votação, exceto se comprometerem a própria essência do PRJ, o que não se verifica na hipótese dos autos. E como bem destacado pela douta Procuradoria Geral de Justiça “as irresignações impressas neste instrumental quanto ao deságio, aos juros e à carência não podem ser objeto de deliberação judicial quando aprovadas em conformidade com a lei recuperacional, como efetivamente o foi, no caso dos autos, porquanto oriundo de mecanismo de negociação dos credores presentes na AGC”, e concluiu a manifestação pelo desprovimento do recurso “mantendo a decisão agravada que deferiu o processamento da recuperação judicial na modalidade do art. 58, §1º da Lei nº 11.101/05” (cf. Id. nº 273618892). O credor/agravante deve ter em mente que “o plano de recuperação judicial, aprovado em assembleia pela vontade dos credores nos termos exigidos pela legislação de regência, possui índole marcadamente contratual. Como corolário, ao juízo competente não é dado imiscuir-se nas especificidades do conteúdo econômico do acordo estipulado entre devedor e credores”, e, sendo assim, “a concessão de prazos e descontos para pagamento dos créditos novados insere-se dentre as tratativas negociais passíveis de deliberação pelo devedor e pelos credores quando da discussão assemblear sobre o plano de recuperação apresentado” (STJ - TERCEIRA TURMA - REsp 1631762/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 19/06/2018, DJe 25/06/2018). No que tange à exigência de apresentação das certidões negativas de débitos fiscais, o magistrado teceu as seguintes ponderações: (...). Registro que possuo o mesmo entendimento da magistrada antecessora que foi titular desta vara especializada, registrando que a subordinação da concessão da recuperação judicial à exigência contida no art. 57, colide com os princípios para o qual foi criado o instituto, especialmente à preservação da empresa que atende à função social prevista em nossa Constituição Federal. Sabe-se que a falta da apresentação das certidões negativas não traz qualquer prejuízo para os fiscos dos diversos entes estatais, até porque o §7º, do art. 6º, da LFRE, informa que as execuções fiscais não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, permitindo que a cobrança possa ser feita a qualquer tempo. Mas não é só por isso, vale citar também que o art. 68, da LFRE, possibilita como faculdade o parcelamento de créditos de natureza fiscal, o que induz na admissão de se possibilitar admitir uma recuperação judicial com a existência de débitos fiscais, mais um motivo para se afastar a opinião ministerial. E o Superior Tribunal de Justiça por sua Corte Especial igualmente definiu que não constitui ônus do contribuinte a apresentação de certidões de regularidade fiscal para que lhe seja concedida a recuperação judicial, pois a interpretação literal do art. 57, da LFRE, inviabilizaria toda e qualquer recuperação judicial, caso se entenda que a ausência das certidões de regularidade fiscal do devedor impede a concessão do benefício recuperatório, levando a decretação de falência como dificuldade futura até mesmo para o recebimento do crédito tributário. Ademais, pelos motivos explicitados, é o caso até mesmo de se declarar a inconstitucionalidade incidenter tantum do art. 57, da LFRE, por controle difuso de constitucionalidade, para afastar as exigências nele contidas a fim de prejudicar a função social da empresa, uma das garantias fundamentais asseguradas na Constituição Federal (art. 1º, IV e 6º). Por isso, deve-se permitir que as empresas continuem suas atividades, com a execução do plano de recuperação judicial, que se constitui na ferramenta adequada para a regularização da situação em que se encontram com o afastamento da aplicabilidade do art. 57, da LFRE, autorizando-se processar a recuperação judicial mesmo sem a apresentação das respectivas certidões negativas de débitos tributários. Por seu turno, resta a questão da vinculação expressa ao plano, novação e extinção das garantias, onde o Administrador Judicial ponderou que são legais as respectivas cláusulas (10.1, 10.2, 10.2.1), ressalvando que extinção das obrigações dos coobrigados e supressão de garantias sejam válidas e oponíveis apenas aos credores que aprovaram o plano de recuperação, sem nenhuma ressalva com base em posição do Superior Tribunal de Justiça. Essa posição do Administrador Judicial se estriba no enunciado de súmula 58 do Superior Tribunal de Justiça, que prescreve o seguinte: “A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória”. (Enunciado de Súmula 581, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/09/2016, DJe 19/09/2016). Não obstante o esforço de retórica das recuperandas, que reconheço como factível, não é possível o acolhimento deste pleito, pois ainda que a consequência natural seja a extinção das demandas existentes, bem como a substituição das dívidas originais para com os credores concursais pelas novas obrigações previstas no Plano de Recuperação Judicial aprovado, isso somente ocorrerá se houver o pagamento, sendo essa a única forma de liberá-los da obrigação a que se obrigaram. Além do que, o art. 59, da LFRE, tem disposição expressa de que o plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, obrigando o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, de sorte que não há como atender aos reclamos das recuperandas para a extinção das obrigações dos coobrigados e supressão de garantias como pretendido. No entanto, mostra-se razoável que este juízo, pelo menos garanta os bens de família dos garantidores e coobrigados das recuperandas, durante o cumprimento do plano de recuperação judicial que foi aprovado, com base nas obrigações assumidas pelas empresas com vinculação direta a esse mesmo plano de recuperação judicial, porque isso evitará, caso existam, atos expropriatórios sem fundamento legal e em desrespeito a dignidade das pessoas envolvidas. E, muito embora a crítica recursal realmente seja pertinente, entendo que a solução do caso exige a simples observância e aplicação do que dispõe o art. 52, II, da Lei nº 11.101/2005. Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato: (...) II - determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, observado o disposto no § 3º do art. 195 da Constituição Federal e no art. 69 desta Lei; Como se vê, entre os efeitos jurídicos automáticos (ope legis) decorrentes do deferimento do pedido de processamento de recuperação judicial, a lei de regência expressamente estabelece a dispensa de “certidões negativas” para que o recuperando possa exercer as suas atividades de empresa, isto é, cuja exigência poderá vir a constituir óbice direto ao desenvolvimento da sua atividade econômica, sendo que, propositalmente, não discrimina quais seriam as certidões abrangidas por essa preceito, e isso porque, assim como todas as demais normas insculpidas na Lei nº 11.101/05, a ideia por trás da concessão desse “benefício legal” deriva – e está umbilicalmente vinculada – à finalidade de “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor” (LRJ, art. 47), de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. É, nesse sentido, a lição de Marcelo Barbosa Sacramone: “A decisão de processamento determinará a dispensa da apresentação das certidões negativas para a contratação com o devedor. A dispensa de certidões negativas permite que a recuperanda em crise econômico-financeira possa continuar a desenvolver sua atividade empresarial regularmente. Quaisquer certidões negativas não poderão ser exigidas por terceiros para a contratação. Poderão ser elas certidões negativas de processos cíveis contra si, certidão negativa de débitos tributários, certidão negativa de recuperação judicial ou de falência, de débitos trabalhistas etc. Referidas certidões, diante da crise da recuperanda, possivelmente seriam impossíveis a esta, o que impediria o desenvolvimento regular de sua atividade. Sua dispensa legal permite ao devedor continuar a empreender. (...) (Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. - 3. ed. -São Paulo: SaraivaJur, 2022. p. 319/320). Essa é, portanto, a interpretação que melhor atende à orientação de que, “em se tratando de recuperação judicial, a Lei de Falências traz uma norma-programa de densa carga principiológica, constituindo a lente pela qual devem ser interpretados os demais dispositivos, (a saber), art. 47, que serve como um norte a guiar a operacionalidade da recuperação judicial, sempre com vistas ao desígnio do instituto”, de modo que “a hermenêutica conferida à Lei n. 11.101/2005, no particular relativo à recuperação judicial, deve sempre se manter fiel aos propósitos do diploma. Vale dizer, em outras palavras, nenhuma interpretação pode ser aceita se dela resulta circunstância que - além de não fomentar - inviabilize a superação da crise empresarial, com consequências perniciosas ao objetivo de preservação da empresa economicamente viável, à manutenção da fonte produtora e dos postos de trabalho, além de não atender a nenhum interesse legítimo dos credores” (STJ - Corte Especial - REsp nº 1.187.404/MT, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, julgado em 19/06/2013, DJe 21/08/2013). Inclusive, sob essa ótica, foi que, ao enfrentar discussão a respeito da aplicação do art. 52, II, da Lei nº 11.101/2005, o eg. STJ já consignou que “o dispositivo legal se destina, apenas e tão somente, a possibilitar que as atividades praticadas pela recuperanda para atingimento de seus objetivos sociais não sejam paralisadas ou severamente comprometidas em razão da exigência de tais certidões. A conjunção subordinativa para que, integrante da norma em questão, exprime intenção de finalidade, caracterizando que a ação (dispensa da apresentação) persegue um objetivo específico (impedir que o devedor deixe de exercer sua atividade empresarial” (STJ - Terceira Turma - REsp n. 1.990.219/RS, Relª. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 2/8/2022, DJe de 5/8/2022). Destaco, ainda, reportando-me às considerações e informações constantes do parecer elaborado pela Administradora Judicial, vinculadas ao Id. nº 168295775, dos autos de origem, que: (...). A maior parte da doutrina concorda que o Poder Judiciário não pode realizar análise a viabilidade econômica do plano, sob o fundamento de que essa avaliação compete aos credores, cabendo ao magistrado o controle da legalidade, nos termos dos arts. 44 e 46 da Lei 11.101/05. Salvo no caso de cláusulas abusivas que, por tal característica, constituir uma ilegalidade. Também o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça está sedimentado no sentido de que o juiz deve realizar o controle de legalidade do plano de recuperação judicial, sem adentrar no aspecto da sua viabilidade econômica, que constitui mérito da soberana vontade da assembleia geral de credores. Ante ao exposto, a Administração Judicial conclui que foram preenchidos os requisitos objetivos previstos pelo artigo 58, §§1º e 2º da Lei 11.101/05 para fins de homologação do Plano de Recuperação Judicial mediante quórum alternativo (cram down), cabendo ao magistrado analisar sua aplicação, de modo que, no tópico seguinte, a Administração Judicial, com vistas a auxiliar este d. juízo, passará ao exame de legalidade do Plano de Recuperação Judicial. (...) III – EXAME DA LEGALIDADE DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL Não se discute o caráter negocial do Plano de Recuperação Judicial (PRJ), que consiste em um grande acordo celebrado entre as Recuperandas e seus credores concursais, com a finalidade de repactuar os créditos e adotar medidas de reestruturação, tudo com o objetivo de promover o soerguimento da empresa, observando o pagamento dos credores e cumprimento das demais obrigações nele previstas. O e. Tribunal de Justiça do Mato Grosso, de igual maneira, coaduna com o referido entendimento, no sentido de que as deliberações quanto ao deságio, a forma de pagamento do crédito, o prazo de carência, e incidência dos juros e correção monetária são direitos disponíveis, de cunho meramente patrimonial, que se inserem dentro da esfera de disponibilidade, ostentando natureza negocial, ficando a cargo dos credores a ponderação que certamente levarão em consideração a situação econômica financeira da empresa, o que refoge ao âmbito do controle jurisdicional. (...). Logo, temas como contratação de financiamentos, viabilidade econômica do Plano, juros, correção monetária, deságio, prazo de carência, escalonamento de créditos e demais condições de pagamento, os quais são inerentes ao caráter negocial do Plano, são de competência da AGC, salvo em caso de cláusulas abusivas. As empresas/recuperandas atuam no ramo de vestuário social masculino e, ao apresentarem o plano de recuperação, visam à viabilização da continuidade de suas atividades empresariais. A exigência de apresentação de certidão negativa como condição para a homologação do plano, contudo, configura óbice ao exercício de atividades empresariais típicas, como a emissão de notas fiscais e o eventual acesso a crédito e financiamentos. A exigência contida no art. 57 da Lei nº 11.101/2005, de apresentação de certidões negativas de débitos tributários como condição para a concessão da recuperação judicial, revela-se, na prática, incompatível com o próprio objetivo do instituto recuperacional. Isso porque, tratando-se de empresas em grave dificuldade econômico-financeira, a rigidez na aplicação das exigências fiscais pode comprometer a própria continuidade da atividade produtiva, contrariando a finalidade legal do regime recuperacional regulamentada pelo art. 47 da Lei nº 11.101/2005, que dispõe: "Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica." Essa disposição legal encerra o princípio basilar da Lei de Recuperação Judicial, qual seja, o princípio da preservação da empresa. Tal princípio reconhece que a atividade empresarial representa um valor que transcende os interesses do próprio empresário, alcançando interesses coletivos como a manutenção de empregos, a circulação de riquezas e o desenvolvimento econômico e social. É preciso compreender que a empresa em recuperação judicial já se encontra em estado crítico, com dificuldades para cumprir com suas obrigações regulares. Exigir a regularização prévia de todo o passivo fiscal como condição para a concessão da recuperação judicial equivale a impor um obstáculo praticamente intransponível para muitas empresas, inviabilizando o próprio soerguimento que a lei pretende promover. Não se trata, evidentemente, de simplesmente ignorar os créditos tributários ou conferir um salvo-conduto para o não pagamento de tributos. O que se busca é permitir que a empresa primeiro se recupere financeiramente para, então, poder adimplir suas obrigações tributárias de forma sustentável, em benefício tanto do Fisco quanto da própria atividade empresarial. É importante registrar que os créditos tributários não se sujeitam à recuperação judicial, conforme expressamente previsto no art. 187 do CTN e no art. 6º, § 7º-B, da Lei nº 11.101/2005. Isso significa que as execuções fiscais não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, permanecendo o Fisco com seus instrumentos de cobrança. A decisão agravada não exime as recuperandas do pagamento dos tributos devidos, apenas não condiciona a concessão da recuperação judicial à apresentação prévia das certidões de regularidade fiscal. Tal entendimento está em consonância com a própria lógica do instituto recuperacional, pois se a empresa já não consegue pagar seus tributos em situação normal, é pouco provável que consiga regularizar sua situação fiscal justamente no momento mais crítico de sua existência. Reconheço que a Lei nº 14.112/2020 trouxe importantes avanços ao criar novas modalidades de parcelamento e transação tributária para empresas em recuperação judicial, no entanto, estes mecanismos, embora representem evolução significativa, nem sempre são suficientes para permitir a regularização fiscal imediata de empresas com passivos tributários vultosos, como é o caso em apreço. Conforme registrado na própria petição da agravante, as recuperandas possuem débito bilionário com a Fazenda Nacional, o que torna extremamente difícil, senão impossível, a obtenção imediata das certidões de regularidade fiscal, mesmo com os parcelamentos e benefícios disponíveis, de modo que, condicionar a recuperação judicial à prévia regularização desse expressivo passivo fiscal poderia, na prática, inviabilizar completamente a recuperação das empresas, levando-as à falência. A falência das empresas, neste caso, não beneficiaria nem mesmo o Fisco, pois, conforme a ordem de preferência estabelecida na legislação falimentar, muitos créditos têm precedência sobre os créditos tributários, o que poderia resultar em recuperação ainda menor dos valores devidos ao Erário. É preciso, portanto, estabelecer um equilíbrio entre o interesse público na arrecadação tributária e o interesse, também público, na preservação da empresa, dos empregos e da atividade econômica; e, no caso, a decisão agravada encontrou esse equilíbrio ao permitir a concessão da recuperação judicial sem a exigência prévia das certidões de regularidade fiscal. Não se pode olvidar que o Grupo Colombo é responsável por manter inúmeros postos de trabalho, além de integrar uma cadeia econômica que envolve fornecedores, prestadores de serviço e consumidores. A eventual falência dessas empresas geraria impactos socioeconômicos expressivos, afetando não apenas os empregados diretos, mas toda uma rede de relações econômicas. Ademais, cumpre ressaltar que a recuperação judicial aprovada pelos credores denota a viabilidade econômica das empresas, evidenciando que existe uma real possibilidade de soerguimento, razão pela qual, condicionar essa recuperação à prévia regularização fiscal seria frustrar um plano que foi construído com base na realidade econômico-financeira das empresas e aprovado pelos credores, que são os maiores interessados na recuperação de seus créditos. Portanto, considerando as peculiaridades do caso concreto, especialmente a magnitude do passivo fiscal das recuperandas, entendo que a decisão agravada está em consonância com o princípio da preservação da empresa e com a finalidade do instituto da recuperação judicial, razão pela qual deve ser mantida. Assim, plenamente possível o deferimento do pedido de recuperação judicial com a dispensa da apresentação das certidões de regularidade fiscal previstas no art. 57 da LRF, a fim de relativizar a norma e, ainda, aplicar o princípio da preservação da empresa. Por fim, o pedido formulado pela agravante de que seja revogada a proteção concedida aos bens particulares dos sócios das recuperandas e demais garantidores, não comporta acolhimento. O MM. Juízo a quo, ao conceder a recuperação judicial em favor do Grupo Colombo, deferiu a suspensão dos atos expropriatórios com relação às residências dos sócios representantes das empresas em recuperação judicial e dos garantidores: “III. DEFIRO ainda o pleito de reconhecimento da extensão de competência deste juízo universal para ordenar a suspensão de atos expropriatórios relativos às residências que sejam efetivamente bens de família do sócio representante da empresa e dos garantidores, assim identificados como (a) o imóvel objeto de matrícula 111.246, registrado perante o 14º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo; o imóvel de matrícula 198.798, registrado perante o 18º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo; (b) o imóvel de matrícula 183.671, registrado perante o 18º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo, em razão das obrigações exclusivamente assumidas pelas recuperandas com direta vinculação ao plano de recuperação judicial ora homologado” Como se vê, ao contrário do que sustenta a agravante, não houve afastamento indiscriminado da responsabilidade patrimonial dos sócios das empresas recuperandas. O provimento judicial limitou-se a proteger os imóveis reconhecidamente afetados como bem de família, à luz da Lei nº 8.009/1990, cuja função constitucional é assegurar a moradia da entidade familiar contra atos de constrição patrimonial que não se enquadrem nas exceções legalmente previstas. Ressalte-se que a impenhorabilidade do bem de família constitui verdadeira norma de ordem pública, de cunho protetivo, voltada à dignidade da pessoa humana, e não pode ser afastada em razão da existência de dívida de natureza civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de qualquer outra natureza, salvo nos estritos casos previstos na legislação. No caso concreto, o MM. Juiz preservou unicamente aqueles bens residenciais que, comprovadamente, possuem a natureza jurídica de bem de família dos sócios da empresa executada, inexistindo qualquer extensão arbitrária dessa proteção a outros bens ou patrimônio de terceiros. A pretensão recursal, ao que parece, confunde a proteção legal do bem de família com um suposto escudo generalizado à responsabilidade patrimonial, o que não corresponde ao que efetivamente foi decidido, eis que, reafirmo, não houve qualquer afastamento da responsabilidade patrimonial dos sócios naquilo que não estivesse coberto pela garantia legal da impenhorabilidade. Portanto, à míngua de qualquer ilegalidade evidente, não há espaço para a revisão judicial das cláusulas do plano de recuperação, cabendo ao Judiciário, apenas e tão somente, assegurar a higidez do procedimento e a observância dos requisitos legais, sem substituir a vontade soberana dos credores por sua própria percepção acerca da conveniência das medidas adotadas. Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo inalterada a r. decisão agravada. Custas pela agravante. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 10/06/2025
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