Processo nº 1003715-11.2023.8.11.0013
ID: 293060439
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1003715-11.2023.8.11.0013
Data de Disponibilização:
09/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ALAN HENRIQUE MONTEIRO DE OLIVEIRA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1003715-11.2023.8.11.0013 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Reinteg…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1003715-11.2023.8.11.0013 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Reintegração] Relator: Des(a). JOSE LUIZ LEITE LINDOTE Turma Julgadora: [DES(A). JOSE LUIZ LEITE LINDOTE, DES(A). HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, DES(A). JONES GATTASS DIAS] Parte(s): [ANNE DANIELLA BAIAO SILVA - CPF: 011.637.851-48 (APELADO), ALAN HENRIQUE MONTEIRO DE OLIVEIRA - CPF: 022.083.581-04 (ADVOGADO), MUNÍCIPIO DE PONTES E LACERDA - MT (APELANTE), MUNICÍPIO DE PONTES E LACERDA - CNPJ: 15.023.989/0001-26 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), DOUGLAS HENRIQUE DOS SANTOS SILVA - CPF: 024.662.191-58 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL. NULIDADE DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PARA ESCOLHA ENTRE CARGOS ACUMULADOS. DEMISSÃO. VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL INDENIZÁVEL. RETIFICAÇÃO DE OFÍCIO DA TAXA SELIC. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em Exame 1. Apelação Cível interposta pelo Município de Pontes e Lacerda/MT contra sentença proferida em ação anulatória de decisão administrativa c/c reintegração de servidora estável, danos morais e tutela de urgência, ajuizada por Anne Daniella Baião Silva. A sentença reconheceu a nulidade do processo administrativo disciplinar nº 001/2023 por inobservância do dever de notificação prévia para opção de vínculo funcional, determinou a reintegração da autora ao cargo público, condenou o Município ao pagamento das remunerações retroativas e indenização por danos morais, além de honorários advocatícios. II. Questão em Discussão 2. Há três questões em discussão: (i) definir se a ausência de notificação expressa para escolha entre os cargos públicos acumulados invalida o processo administrativo disciplinar; (ii) estabelecer se a exoneração da servidora pública, nas circunstâncias dos autos, violou os princípios da proporcionalidade e razoabilidade; (iii) determinar se a anulação do ato de demissão gera direito à indenização por danos morais. III. Razões de Decidir 3. A ausência de notificação prévia para o exercício do direito de opção entre vínculos funcionais, em desconformidade com o art. 148 da Lei Complementar Municipal nº 062/2008, acarreta a nulidade do processo administrativo disciplinar instaurado, sendo insuficiente, para suprir tal exigência legal a manifestação apresentada apenas em sede de defesa. 4. “Nos termos da orientação firmada no STF, o controle jurisdicional do ato administrativo considerado ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos Poderes, sendo permitido, inclusive, ao Judiciário sindicar os aspectos relacionados à proporcionalidade e à razoabilidade.” (STF - ARE: 1320412 AL). 5. O ato administrativo de demissão foi desproporcional, considerando que as ausências ao trabalho encontravam-se justificadas por atestados médicos que indicavam o quadro de saúde da servidora, tais como depressão, ansiedade e outras enfermidades. 6. A jurisprudência do TJMT estabelece que a simples anulação do ato demissório por falhas processuais não enseja, por si só, indenização por danos morais, inexistindo prova de abalo à esfera extrapatrimonial da servidora decorrente da conduta do ente público. 7. A taxa SELIC deve incidir a partir de 09/12/2021, nos termos da Emenda Constitucional nº 113/2021, não sendo admissível sua cumulação com outros índices. IV. Dispositivo e Tese 8. Retificada a sentença de ofício. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: 1. A ausência de notificação para exercício da opção entre cargos acumulados torna nulo o processo administrativo disciplinar instaurado com base na acumulação indevida, nos termos do art. 148 da Lei Complementar Municipal nº 062/2008. 2. A demissão de servidora que estava comprovadamente em tratamento médico, sem observância da razoabilidade e proporcionalidade, é ilegal e enseja reintegração. 3. A anulação de ato de exoneração por vício formal, desacompanhada de demonstração concreta de lesão à honra ou dignidade, não justifica a indenização por danos morais. 4. A taxa SELIC incide exclusivamente a partir de 09/12/2021, conforme determina a EC nº 113/2021, vedada sua cumulação com outros índices de correção monetária ou juros. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 37, caput e inciso XVI; LC Municipal nº 062/2008, arts. 147, 148; EC nº 113/2021; Lei nº 8.112/1990, art. 133; CPC/2015, art. 85, §§ 3º e 11. Jurisprudência relevante citada: STF, RMS 23.917, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 19.09.2008; STJ, AgInt no REsp 1.650.443/RJ, Rel. Min. Assusete Magalhães, DJe 24.05.2018; STJ, RMS 66.986/PR, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 04/06/2024, DJe 07/06/2024; TJMT, Apelação Cível nº 1004112-70.2023.8.11.0013, Rel. Des. Rodrigo Roberto Curvo, julgado em 30/10/2024; TJMT, Apelação Cível nº 0001246-62.2016.8.11.0107, Rel. Des. Helena Maria Bezerra Ramos, julgado em 12.07.2021. R E L A T Ó R I O Egrégia Câmara: Trata-se de Apelação Cível interposta pelo Município de Pontes e Lacerda contra a sentença que julgou procedente a ação anulatória de decisão administrativa e reintegração de servidora estável c/c danos morais e tutela de urgência, pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Pontes e Lacerda/MT movida por Anne Daniella Baião Silva. A sentença dispôs em sua parte dispositiva o que segue: “[...] 3. DISPOSTIVO Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por ANNE DANIELLA BAIAO SILVA contra o MUNICÍPIO DE PONTES E LACERDA e, por consequência, extingo o feito, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil, e o faço para: a) DECRETAR a nulidade do processo administrativo disciplinar n. 001/2023 e, consequentemente, anular a multa aplica à autora; b) DETERMINAR a reintegração da requerente no cargo que anteriormente ocupava, no prazo de 30 (trinta) dias; c) CONDENAR a parte ré ao pagamento da remuneração e vantagens pecuniárias que faria jus a autora desde a data da exoneração indevida (14/04/2023 - ID 127557795 p. 55) até a data da reintegração, incluídos todos os acréscimos legais, corrigido monetariamente segundo o IPCA-E e acrescidas de juros de mora mensais a partir de cada vencimento, fixados segundo a remuneração da Caderneta de Poupança, na formado art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 (coma redação dada pela Lei nº. 11.960/09, vigente desde 30.06.2009), em observância ao que restou decidido pelo STF no julgamento do RE nº 870.947 Tema 810, até dezembro de 2021, e segundo a taxa Selic a partir de janeiro de 2022 conforme Emenda Constitucional 113/2021; d) CONDENAR o Município de Pontes e Lacerda - MT ao pagamento de indenização por danos morais a servidora ANNE DANIELLA BAIAO SILVA no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais); com correção monetária a partir desta data (19/06/2024) e juros de mora, a partir do evento danoso (14/04/2023 - ID 127557795 p. 55); nos mesmos índices da alínea “c” desta sentença; e) CONDENAR o ré(u) ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo no percentual mínimo do art. 85, §3°, I, do CPC, de acordo com o valor do proveito econômico da autora; f) DEIXO condenar o réu ao pagamento das custas e demais despesas processuais, em razão da isenção estabelecida pela Lei n. 7.603/2001. [...]”. O Município de Pontes e Lacerda, em suas razões recursais, sustenta que a ausência de prévia notificação à servidora para que optasse por um dos cargos públicos por ela acumulados não acarretou violação ao devido processo legal, porquanto esta já teria manifestado, no âmbito administrativo, sua opção pelo vínculo funcional mantido com o Município de Pontes e Lacerda. Aduz que a demissão da Apelada decorreu de conduta desidiosa no exercício de suas funções laborais, nos termos do art. 147, inciso XIII, combinado com o art. 132, inciso XVI, da Lei Complementar Municipal n.º 062/2008. Acrescenta, ainda, que o desligamento também se fundamentou na acumulação indevida de cargos públicos, em razão da constatação de incompatibilidade de horários, conforme previsto no art. 147, inciso XII, c/c art. 148, §6º, do mesmo diploma normativo (Id. 238413151). Assevera, ainda, que houve má-fé por parte da servidora que teria acumulado cargos incompatíveis, além de haver apresentado atestados médicos em um dos vínculos laborais, ao tempo em que continuava a desempenhar suas funções no outro. No que tange à condenação ao pagamento de indenização por danos morais, no montante de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), assevera ser a quantia arbitrada desproporcional, revelando-se como hipótese de enriquecimento sem causa em favor da recorrida, ante a ausência de demonstração concreta de abalo moral efetivamente suportado. Nessa esteira argumentativa, requer a reforma da sentença, com a consequente exclusão da condenação por danos morais. Subsidiariamente, pugna pela redução do valor arbitrado, por considerá-lo excessivo e destoante dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Finalmente, no caso de provimento do recurso, pugna que a apelada seja condenada a arcar com o pagamento de honorários de sucumbência ao patrono do município apelante, em valor fixo, a ser arbitrado a critério do órgão julgador. Por seu turno, a recorrida, em suas contrarrazões, pugna pela manutenção integral da sentença prolatada, sob o fundamento de que a ausência de notificação prévia para manifestação quanto à opção por um dos cargos públicos acumulados implicou violação ao disposto no art. 148 da Lei Complementar Municipal nº 062/2008 o que ensejaria, a seu ver, a nulidade absoluta do Processo Administrativo Disciplinar instaurado. Afirma, ainda, que os afastamentos de suas atividades funcionais se deu por razões de saúde, circunstância esta devidamente comprovada mediante a apresentação de atestados médicos regulares. Assevera que a condenação imposta a título de danos morais mostra-se compatível com a extensão do abalo psíquico e físico suportado em decorrência da exoneração indevida, justificando-se, assim, o valor arbitrado em primeiro grau. Ao final, requer a condenação do ente municipal ao pagamento de honorários advocatícios no percentual de 20% (vinte por cento) sobre o proveito econômico obtido, em conformidade com o disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil (Id. 238413155). A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela não intervenção ministerial diante da ausência de interesse público (Id. 243366677). É o relatório. Desembargador JOSÉ LUIZ LEITE LINDOTE Relator V O T O R E L A T O R Egrégia Câmara: De início, conheço do presente recurso de apelação, por estarem presentes os requisitos de admissibilidade intrínsecos e extrínsecos. Conforme relatado, trata-se de Apelação Cível interposta pelo Município de Pontes e Lacerda contra a sentença que julgou procedente a ação anulatória de decisão administrativa e reintegração de servidora estável c/c danos morais e tutela de urgência, pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Pontes e Lacerda/MT movida por Anne Daniella Baião Silva. Na origem a autora, ora apelada, discorre que ingressou no serviço público municipal de Pontes e Lacerda em 2011, exercendo inicialmente a função de agente de pesquisa, cargo que ocupou até o ano de 2014, ocasião em que mediante aprovação em concurso público foi nomeada para o cargo efetivo de assistente social. Afirma que, desde então, desempenhou regularmente as atribuições inerentes ao referido cargo, embora tenha enfrentado recorrentes problemas de saúde, os quais motivaram sucessivos afastamentos, todos devidamente justificados por meio da apresentação de atestados médicos. Relata que tais afastamentos decorreram de diagnósticos de depressão, ansiedade, síndrome do pânico, bem como enfermidades crônicas. Relata, ainda, que em novembro de 2022 foi aprovada em novo certame público promovido pelo Município de Nova Lacerda, ocasião em que passou a acumular os dois vínculos funcionais. Sustenta, contudo, que foi exonerada de forma ilegal do quadro de servidores da Prefeitura de Pontes e Lacerda, com fundamento no Processo Administrativo Disciplinar (PAD) nº 001/2023, o qual teria violado o devido processo legal, consubstanciado na ausência de notificação para exercer o direito de escolha entre os cargos acumulados, conforme exigido pelo art. 148 da Lei Complementar Municipal nº 062/2008, do Município de Pontes e Lacerda. Após os atos processuais de estilo, a r. sentença recorrida dispôs em sua parte dispositiva o que segue: “[...] 3. DISPOSTIVO Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por ANNE DANIELLA BAIAO SILVA contra o MUNICÍPIO DE PONTES E LACERDA e, por consequência, extingo o feito, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil, e o faço para: a) DECRETAR a nulidade do processo administrativo disciplinar n. 001/2023 e, consequentemente, anular a multa aplica à autora; b) DETERMINAR a reintegração da requerente no cargo que anteriormente ocupava, no prazo de 30 (trinta) dias; c) CONDENAR a parte ré ao pagamento da remuneração e vantagens pecuniárias que faria jus a autora desde a data da exoneração indevida (14/04/2023 - ID 127557795 p. 55) até a data da reintegração, incluídos todos os acréscimos legais, corrigido monetariamente segundo o IPCA-E e acrescidas de juros de mora mensais a partir de cada vencimento, fixados segundo a remuneração da Caderneta de Poupança, na formado art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 (coma redação dada pela Lei nº. 11.960/09, vigente desde 30.06.2009), em observância ao que restou decidido pelo STF no julgamento do RE nº 870.947 Tema 810, até dezembro de 2021, e segundo a taxa Selic a partir de janeiro de 2022 conforme Emenda Constitucional 113/2021; d) CONDENAR o Município de Pontes e Lacerda - MT ao pagamento de indenização por danos morais a servidora ANNE DANIELLA BAIAO SILVA no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais); com correção monetária a partir desta data (19/06/2024) e juros de mora, a partir do evento danoso (14/04/2023 - ID 127557795 p. 55); nos mesmos índices da alínea “c” desta sentença; e) CONDENAR o ré(u) ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo no percentual mínimo do art. 85, §3°, I, do CPC, de acordo com o valor do proveito econômico da autora; f) DEIXO condenar o réu ao pagamento das custas e demais despesas processuais, em razão da isenção estabelecida pela Lei n. 7.603/2001. [...]”. Irresignado, o ente municipal interpôs recurso de Apelação Cível defendendo a validade da demissão aplicada à servidora, sob a alegação de que este se deu com fundamento na acumulação ilícita de cargos públicos e na prática de conduta desidiosa no desempenho das funções, em conformidade com o disposto nos arts. 147, incisos XII e XIII, c/c o art. 148, §6º, da Lei Complementar Municipal nº 062/2008. Argumenta que a ausência de notificação expressa para que a apelada optasse por um dos cargos acumulados não possui o condão de viciar o Processo Administrativo Disciplinar, uma vez que, no bojo da Defesa Técnica apresentada nos autos do referido procedimento, a servidora manifestou de forma clara sua intenção de permanecer no cargo de assistente social junto à municipalidade de Pontes e Lacerda. Nessa perspectiva, requer, em síntese, a reforma da sentença, a fim de que seja afastada a nulidade reconhecida pelo juízo de origem, bem como sejam rejeitados os pedidos de reintegração ao cargo e de indenização por danos morais. Subsidiariamente, pleiteia a minoração do quantum indenizatório arbitrado. Pois bem. Em análise acurada dos elementos e circunstâncias que envolvem a controvérsia, tenho que o recurso de apelação merece parcial provimento, como passo a pontuar. Cediço que a Administração Pública, ao instaurar e conduzir o processo administrativo disciplinar dá concretude aos mandamentos constitucionais consagrados no caput do art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, os quais erigem os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência como balizas inafastáveis da atuação estatal. Ademais, cumpre destacar que “no âmbito administrativo, o princípio da legalidade possui ainda maior robustez. As consequências da adoção do princípio da legalidade no processo administrativo vão se confundir com aquelas impostas pelos princípios da indisponibilidade do interesse público e do Estado de Direito. É que todos esses princípios partem da ideia de que o agente público somente pode atuar no estrito cumprimento da lei e para atender o interesse público." (TJ-MT 00035602220178110082 MT, Relator: Gerardo Humberto Alves Silva Junior, Data de Julgamento: 28/02/2023, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 03/03/2023). Na seara constitucional, observa-se que a acumulação remunerada de cargos, empregos e funções públicas é, como regra, vedada pelo artigo 37, incisos XVI e XVII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Todavia, o próprio texto constitucional excepciona essa vedação, autorizando a acumulação apenas nas hipóteses em que haja compatibilidade de horários e desde que se trate: (i) de dois cargos de professor; (ii) de um cargo de professor com outro técnico ou científico; ou (iii) de dois cargos ou empregos privativos de profissionais da saúde, cujas profissões sejam devidamente regulamentadas. No que se refere ao plano infraconstitucional, o Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União (Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990), especificamente em seu artigo 133 dispõe, in verbis: "Art. 133. Detectada a qualquer tempo a acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas, a autoridade a que se refere o art. 143 notificará o servidor, por intermédio de sua chefia imediata, para apresentar opção no prazo improrrogável de dez dias, contados da data da ciência e, na hipótese de omissão, adotará procedimento sumário para a sua apuração e regularização imediata [...]". Oportuno registrar a interpretação da doutrina especializada de Rodrigo Rodrigues em que leciona, em suma, que constatada a acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas, impõe-se à Administração Pública o dever de notificar previamente o servidor, conferindo-lhe prazo legal para o exercício do direito de opção por um dos vínculos funcionais, sendo esta notificação condição de validade para a deflagração do procedimento disciplinar de rito sumário. A ausência de manifestação no prazo assinalado autoriza a instauração do respectivo processo, presumindo-se, a partir de então, a má-fé do servidor, o que legitima a imposição das sanções cabíveis, inclusive a penalidade de demissão, cassação de aposentadoria ou de disponibilidade. Para melhor compreensão, cito: "O art. 133 disciplina o regime procedimental da infração prevista no art. 132, inc. XII (acumulação ilegal). Aplicável o processo administrativo disciplinar, embora o procedimento utilizado seja o sumário, de tramitação mais célere. A comissão processante é composta por dois servidores estáveis. A constatação do acúmulo ilegal pode se dar a qualquer tempo, na medida em que inserida na categoria de infração continuada, que se protrai no tempo. Inicialmente, o servidor será notificado para apresentar opção de desligamento de um dos cargos, empregos ou função, a fim de restaurar a licitude da situação. Trata-se de uma oportunidade legal conferida ao servidor de regularizar sua situação funcional. Caso se omita, deverá ser instaurado o processo disciplinar, de rito sumário. [...] O prazo para a conclusão do processo disciplinar pelo rito sumário não excederá 30 (trinta) dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comissão, sendo admitida a sua prorrogação por até 15 (quinze) dias. O servidor tem o direito de fazer a opção até o momento da defesa, configurando-se a boa-fé nesse contexto. Nesse sentido, de acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, a má-fé do servidor é presumida, caso não faça a opção após ser notificado e até a fase da defesa do rito sumário. [...] Configurada acumulação indevida e a má-fé, será aplicada a pena de demissão, a destituição ou cassação de aposentadoria ou disponibilidade em relação aos cargos, empregos ou funções públicas em regime de acumulação ilegal. [...] O servidor tem o direito de fazer a opção até o momento da defesa, configurando-se a boa-fé nesse contexto. Nesse sentido, de acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, a má-fé do servidor é presumida, caso não faça a opção após ser notificado e até a fase da defesa do rito sumário.” (RODRIGUES, Rodrigo. Capítulo V. Das Penalidades In: RODRIGUES, Rodrigo. Servidores Públicos – Lei 8.112/1990. São Paulo-SP:RT. 2020). De igual modo, perfilha Júlio Cezar Lima Brandão acerca da formalidade necessária à prévia notificação do servidor por parte da autoridade competente, para que este exerça o direito de opção entre os vínculos públicos acumulados. A inobservância desse dever de notificação implica a nulidade do procedimento instaurado. Presume-se, ainda, a boa-fé do servidor que realiza tal opção até o último dia do prazo destinado à apresentação da defesa, sendo esta manifestação suficiente para caracterizar o pedido de exoneração do cargo não escolhido. Apenas na hipótese de inércia injustificada e devidamente comprovada a má-fé é que se autoriza a imposição das sanções disciplinares legalmente previstas. A seguir tem-se excerto relevante: “Antes de instaurar o processo sumário, porém, a autoridade que tiver ciência, a qualquer tempo, da irregularidade, notificará o servidor, por intermédio de sua chefia imediata, para apresentar opção no prazo improrrogável de 10 (dez) dias, contados da ciência da notificação. Se não fizer a opção pelo cargo, emprego ou função no prazo legal estipulado, aí sim a autoridade competente instaurará o processo sumário. [...] É nulo o processo administrativo disciplinar instaurado sem que o servidor tenha sido notificado para exercer o seu direito de opção; b) até o último dia do prazo para apresentação da defesa, que é de 5 (cinco) dias. Presume-se a boa-fé do servidor que, até o último dia do prazo para a apresentação de defesa, opta por um dos cargos, empregos e funções, hipótese em que se converterá automaticamente em pedido de exoneração do outro cargo. [...] Caracterizada a licitude da acumulação ou realizada a opção até o último dia do prazo para apresentação da defesa, a autoridade instauradora do processo proferirá decisão inocentando o servidor. Por outro lado, caracterizada a acumulação ilegal e provada a má-fé do servidor, a autoridade aplicará a pena de demissão, destituição ou cassação de aposentadoria ou disponibilidade em relação aos cargos, empregos ou funções públicas em regime de acumulação ilegal.” (BRANDÃO, Júlio Cézar Lima. Comentários ao estatuto do servidor público federal: direitos, deveres, proibições, vantagens, processo disciplinar, seguridade social e aposentadoria. 4ª. Ed. Curitiba: Juruá, 2021). Nesse sentido, a jurisprudência e a doutrina, construíram o entendimento da necessária observância de dois requisitos cumulativos para a configuração da penalidade de demissão, a saber: (i) a configuração da acumulação ilícita e (ii) a demonstração da má-fé do servidor, evidenciada pela omissão injustificada em optar por um dos vínculos públicos. Acerca do tema, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que a presunção de má-fé decorre da inércia do servidor após devidamente notificado, confira-se: “[…] I. O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a presunção de má-fé do servidor que, embora notificado, não faz a opção que lhe compete. III. Demissão do recorrente que se assentou em processo administrativo regular, verificada a ocorrência dos requisitos do art. 133, § 6º, da Lei 8.112/1990.” (RMS 23.917, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 19.09.2008). Na mesma linha, o Superior Tribunal de Justiça reafirma a obrigatoriedade da notificação prévia do agente público: “Mesmo se a recorrente houvesse acumulado os aludidos cargos por má-fé, ainda assim o artigo 48 da LC Distrital 840/2011 lhe assegurava, sob a premissa de presunção de boa-fé, o direito de ser notificada para o exercício de opção por um dos cargos antes da instauração do processo administrativo disciplinar.” (AgInt no RMS n. 56.452/DF, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/10/2018, DJe de 16/11/2018.) [g.n.] Extrai-se que a Lei Complementar Municipal nº 062/2008, em seu artigo 148, que reproduziu ipsis litteris a norma federal disciplinando, por sua vez, o regime jurídico aplicável aos servidores públicos do Município de Pontes e Lacerda, consoante a seguinte redação: “[...] Art. 148. Detectada a qualquer tempo a acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas, a autoridade a que se refere o art. 158 notificará o servidor, por intermédio de sua chefia imediata, para apresentar opção no prazo improrrogável de 10 (dez) dias, contados da data da ciência e, na hipótese de omissão, adotará procedimento sumário para a sua apuração e regularização imediata, cujo processo administrativo disciplinar se desenvolverá nas seguintes fases: I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão, a ser composta por dois servidores estáveis, e simultaneamente indicar a autoria e a materialidade da transgressão objeto da apuração; II - instrução sumária, que compreende indiciação, defesa e relatório; III - julgamento. [...]” Nos estritos termos do dispositivo legal invocado, constata-se que, verificada a acumulação indevida de cargos, empregos ou funções públicas, impende à Administração Pública o dever de cientificar previamente o servidor envolvido, conferindo-lhe o prazo de 10 (dez) dias para que, de maneira expressa, manifeste sua opção pelo vínculo funcional que pretende conservar. Apenas na hipótese de inércia ou omissão do servidor quanto ao exercício desse direito potestativo é que se autoriza a deflagração de procedimento administrativo sumário, destinado à apuração e à regularização da situação observando-se, para tanto, o rito simplificado aplicável. Ora,"[...] sendo detectada a acumulação ilegal de cargos públicos, é necessária a notificação do servidor para opção entre os cargos [...]" (N.U 0022980-73.2016.8.11.0041, Helena Maria Bezerra Ramos, Primeira Câmara De Direito Público e Coletivo, Julgado em 08/02/2021, Publicado no DJE 13/05/2021). De fato, seria "Incabível o reconhecimento de ofensa ao contraditório ou ampla defesa, quando demonstrado pelo Impetrado a notificação prévia ao recorrente para que optasse por um dos cargos públicos, tendo ele explicitado seu interesse em persistir na acumulação indevida dos cargos." (N.U 0022196-04.2013.8.11.0041, Maria Erotides Kneip, Primeira Câmara De Direito Público e Coletivo, Julgado em 04/06/2018, Publicado no DJE 30/07/2018). Contudo, no caso em vértice, verifica-se que a autora/recorrida não foi previamente notificada para exercer o direito de opção entre os vínculos públicos acumulados, tendo se manifestado apenas por ocasião da defesa escrita (Id. 238412681 – pdf. 06), isto é, após a instauração do processo administrativo disciplinar, fato que macula sua validade, por violação à formalidade essencial prevista em lei. No mesmo sentido, foi o entendimento emanado pelo magistrado primevo em r. sentença (Id. 238412696): “[...] Nesse sentido, quanto ao processo administrativo que ensejou a demissão da servidora e, ora parte autora, cabe salientar que o referido processo deixou de observar o preceituado no art. 148 da Lei 062/2008, visto que a servidora não foi intimada para escolher em qual dos cargos pretendia continuar. [...] Nesse cenário, é fato incontroverso que não houve a notificação da parte autora para optar por um dos cargos em que estava cumulando. Assim, não obstante a autora tenha exercido o direito do contraditório e da ampla defesa, é certo que o PAD não observou seu trâmite regular, fato que afronta o devido processo legal. [...]” Dessarte, à luz do conjunto fático-probatório constante dos autos e da exegese da legislação municipal pertinente, entendo ser de rigor a manutenção do reconhecimento da nulidade do ato demissório impugnado, diante da inobservância da forma legalmente exigida, nos moldes preconizados pelo art. 148 da Lei Complementar Municipal nº 062/2008. A propósito: “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. ART. 133 DA LEI 8.112/90. INEXISTÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA RECONHECIDA, PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA, À LUZ DO ACERVO PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara recurso interposto contra decisum publicado na vigência do CPC/73. II. Na origem, trata-se de "ação em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, objetivando a anulação do ato que o impossibilitou de exercer o cargo de médico perito, de modo que seja notificado a manifestar opção na forma do art. 113 da Lei nº 8.112/90, além da condenação do Réu ao pagamento, a título de lucros cessantes, de todos os vencimentos que deixou de receber desde então, e de indenização por danos morais". III. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que "a notificação prévia à instauração do procedimento sumário é prevista apenas para o caso de acumulação ilegal de cargos, de forma a possibilitar que o servidor apresente opção por um dos cargos ocupados (art. 133, Lei nº 8.112/90)" (STJ, MS 11.222/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, DJe de 28/05/2009). Sendo assim, "não pode a Administração simplesmente omitir-se em seu dever de expressamente convocar o servidor a exercer o seu direito de opção, como ocorrera in casu, em que não houve qualquer aviso nesse sentido, sequer implicitamente" (STJ, RMS 18.203/AM, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, DJU de 03/10/2005). IV. No caso, o Tribunal de origem, à luz da realidade fática dos autos, concluiu que o autor fora nomeado e empossado no cargo e que "não foi oportunizado ao Apelante exercer seu direito de opção por um dos cargos acumulados, na forma prevista no art. 133 da Lei n° 8.112/90". IV. Diante desse contexto, o acolhimento da pretensão recursal, em sentido contrário ao que fora decidido, demandaria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão recorrido, com o revolvimento das provas carreadas aos autos, o que é vedado, em sede de Recurso Especial, nos termos da Súmula 7 do STJ. V. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp n. 1.650.443/RJ, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 17/5/2018, DJe de 24/5/2018.)” Não difere do entendimento deste Sodalício: “DIREITO ADMINISTRATIVO – RECURSO DE APELAÇÃO – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO EM CARGO PÚBLICO CUMULADA COM ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO E DANOS MORAIS – SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL – ABANDONO DE CARGO – INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO – CERCEAMENTO DE DEFESA – NULIDADE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. A inexistência de legítimas intimações/notificações da servidora, nos autos do processo administrativo noticiado – circunstância a explicitar a ofensa ao devido processo legal, mais precisamente, por redundar em prejuízo à ampla defesa. Configura nulidade o processo Administrativo, em que não foi assegurado a servidora o exercício da ampla defesa e do contraditório. (N.U 0001985-59.2012.8.11.0015, , MÁRCIO VIDAL, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Julgado em 16/12/2016, Publicado no DJE 07/02/2017)” Exaurida esta análise, convém observar que “Nos termos da orientação firmada no STF, o controle jurisdicional do ato administrativo considerado ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos Poderes, sendo permitido, inclusive, ao Judiciário sindicar os aspectos relacionados à proporcionalidade e à razoabilidade.” (STF - ARE: 1320412 AL, Relator.: Edson Fachin, Data de Julgamento: 30/08/2021, Segunda Turma, Data de Publicação: 10/09/2021), Igualmente, "O controle judicial de atos administrativos tidos por ilegais ou abusivos, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, não caracteriza violação ao princípio da separação dos Poderes." (STJ - RMS: 66986 PR 2021/0228892-0, Relator.: Ministra Regina Helena Costa, Data de Julgamento: 04/06/2024, T1 - Primeira Turma, Data de Publicação: DJe 07/06/2024). Isto posto, o Juízo de origem reconheceu o caráter desproporcional e irrazoável do ato administrativo impugnado, considerando a condição de saúde da servidora, circunstância esta devidamente comprovada por documentação médica acostada aos autos, que atesta o acometimento por diversas enfermidades, conforme se depreende da seguinte transcrição (Id. 238412696): “[...] Dito isso, em que pese as argumentações empreendidas pela Administração Pública, denota-se pelo cotejo dos autos, que a autora possui diversos problemas de saúde, os quais a impossibilitam de exercer o labor, conforme se infere dos documentos carreados no ID 121964376, ID 121964377 e ID 121964378. Nesse sentido, cito trecho de alguns dos atestados médicos da autora (ID 121964377 p. 6 e 11) Eu, Alexandre Augusto Sanches Camargo, médico psiquiatra, CRM3737 RQE 2968, atesto para os devidos fins que Anne Daniella Baião Silva está em tratamento Psiquiátrico e necessita de 30 dias de afastamento de suas funções devido CID F 41.2. (grifo nosso) Atesto para todos os fins que ANNE DANIELLA BAIÃO SILVA encontra-se em acompanhamento ortopédico por apresentar histórico de hanseníase diforma tratada em 2018 que restou perda da força e alterações motoras nos membros superiores, depressão, ansiedade, fibromialgia, síndrome de túnel do carpo à esquerda e retocolite ulcerativa crônica. O quadro clínico apresentado mostra associação de patologias que se interagem causando incapacidade laborativa importante e sem prognóstico de cura. [...] (grifo nosso) Portanto, de acordo com o relatado nos atestados médicos, a autora está em tratamento por conta das diversas doenças que a acometem. Sendo assim, vislumbro que a pena imposta é desproporcional (demissão), visto que a autora apresenta quadro de depressão há 10 (cinco) anos (ID 121964376 p. 2), bem como ao longo desses anos foi acometida por outras moléstias, o que a impossibilita de exercer o labor como deveria. [...]” Nesta senda, alinho-me ao que foi expressamente consignado em sentença quanto a este ponto, posto que o ato demissório aplicado à apelada mostrou-se em flagrante desconformidade com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade. As ausências ao serviço foram devidamente justificadas mediante a apresentação de atestados médicos que registram o acometimento da servidora por diversas patologias, dentre as quais se destacam quadros depressivos e transtornos de ansiedade, evidenciando-se por meio do documento de Id. 238412661 – pdf. 2, que a apelada se encontra em acompanhamento psicológico contínuo há mais de 10 (dez) anos. Superada esta análise, tem-se que em relação aos danos morais, o pronunciamento judicial recorrido consignou: “[...] Sustenta a autora fazer jus a percepção da indenização a título de dano moral, porquanto alega que: ‘o resultado do referido procedimento, quando eivados de nulidades e ilegalidades, concatenado ao desgaste psíquico enfrentado pela requerente, pode resultar na condenação por Danos Morais’. Pois bem. Entendo que emerge dos autos o dever de indenizar, já que a demissão de servidor público estável sem o devido processo legal, em procedimento eivado de vício, importa violação evidente a direitos da personalidade, causando dor, angústia e sofrimento, mormente na condição de saúde em que a autora se encontrava, já referida no tópico anterior. Neste aspecto, na analise do “quantum” indenizatório a titulo de danos morais, devem ser observados critérios de razoabilidade e de proporcionalidade, de modo que o valor arbitrado não configure enriquecimento sem causa da parte autora. Para tanto, é necessário aferir os critérios elencados pela doutrina e jurisprudência como determinantes para aferição do respectivo valor, tais como o grau da lesão causada, a condição econômica das partes, o grau de dolo ou culpa do ofensor, os benefícios advindos do comportamento danoso, dentre outros. Feitas estas ponderações, no caso em análise, entendo por bem arbitrar a indenização por dano moral no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), quantia essa que considero razoável e proporcional ao fato. [...]” Entretanto, em divergência ao posicionamento firmado na r. sentença, entendo que não restaram configurados, na hipótese em apreço, os requisitos autorizadores à concessão de indenização por danos morais. Este Sodalício, em casos similares firmou o entendimento de que “A anulação de ato de demissão por falha processual no processo administrativo disciplinar não configura dano moral indenizável, devendo ser excluída a condenação por danos morais. [...] A exclusão da indenização por danos morais não altera o ônus da sucumbência quando a parte vencedora decaiu de parte mínima dos pedidos”. (N.U 1004112-70.2023.8.11.0013, Câmaras Isoladas Cíveis De Direito Público, Rodrigo Roberto Curvo, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 30/10/2024, Publicado no DJE 31/10/2024). Além disso, “O pleito de indenização por danos morais não merece ser acolhido, quando a decisão apenas reconheceu a ilegalidade do ato de exoneração por inobservância ao devido processo legal, sem adentrar nos motivos que ensejaram a prática do ato em si.” (TJ-MT, N.U 0001246-62.2016.8.11.0107, Rela. Desa. Helena Maria Bezerra Ramos, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, julgado em 12.7.2021, publicado no DJE 14.10.2021). “O fato de o servidor ter sido demitido, bem como, de ter deixado de receber salário no período em que permaneceu afastado, não são razões suficientes para configuração de dano moral passível de indenização.” (TJ-MT, N.U 1049786-26.2019.8.11.0041, Rel. Des. Luiz Carlos Da Costa, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, julgado em 7.6.2022, publicado no DJE 27.6.2022). Destarte, afasto a condenação imposta à título de danos morais, mantendo a obrigação do ente público ao pagamento dos honorários advocatícios, tal como fixado na r. sentença, uma vez que a parte autora decaiu de parcela mínima do pedido. Por fim, observo questão de ordem pública a ser sanada. Conforme consta do dispositivo sentencial, o Juízo a quo determinou a atualização dos valores por meio do IPCA-E acrescido de juros de mora calculados com base na remuneração da caderneta de poupança até dezembro de 2021, aplicando-se a taxa Selic apenas a partir de janeiro de 2022. Conforme dispõe a Emenda Constitucional nº 113/2021, a taxa Selic deve incidir a partir de 09 de dezembro de 2021. Assim, impõe-se a correção de ofício da sentença, exclusivamente para ajustar o termo inicial da Selic à data constitucionalmente fixada. A propósito: “[...] A sentença, por ser omissa quanto aos critérios de atualização do débito, deve ser retificada para estabelecer a aplicação do IPCA-E para correção monetária e os índices oficiais de remuneração básica e juros da caderneta de poupança para juros moratórios, observada a incidência exclusiva da taxa SELIC a partir de 9.12.2021, conforme preconiza a Emenda Constitucional n. 113/2021. [...] (N.U 1009906-56.2021.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, RODRIGO ROBERTO CURVO, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 09/04/2025, Publicado no DJE 15/04/2025)” Logo, impõe-se a reforma parcial do decisum, com fulcro na Lei Complementar Municipal nº 062/2008, bem como a retificação ex officio do ponto especificamente delineado, em conformidade com os argumentos aduzidos na espécie. DISPOSITIVO: Ante o exposto, 1. DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto pelo Município de Pontes e Lacerda/MT, exclusivamente para afastar a condenação ao pagamento pela indenização por danos morais concedida à autora/apelada em primeira instância. 2. RETIFICO, ex officio, a sentença tão somente para que incida a partir de 9.12.2021, exclusivamente a taxa SELIC, vedada a sua cumulação com qualquer outro índice de correção monetária ou de juros de mora, mantendo as demais determinações em seus exatos termos. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 04/06/2025
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