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Processo nº 1002090-14.2024.8.11.0010

ID: 323942237

Tribunal: TJMT Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1002090-14.2024.8.11.0010

Data de Disponibilização: 14/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

BANCO BMG SA

Acórdão

Advogados:

RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1002090-14.2024.8.11.0010 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Cartão de Crédito, Indenização por Dano Moral, E… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1002090-14.2024.8.11.0010 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Cartão de Crédito, Indenização por Dano Moral, Empréstimo consignado, Efeitos] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [ELIAS PEREIRA DA SILVA - CPF: 257.347.501-82 (APELANTE), FELIPE LUIZ ALENCAR VILAROUCA - CPF: 040.152.831-63 (ADVOGADO), BANCO BMG SA - CNPJ: 61.186.680/0001-74 (APELADO), RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA - CPF: 444.850.181-72 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS CUMULADA COM PEDIDO DE NULIDADE CONTRATUAL E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. AUSÊNCIA DE VÍCIO FORMAL. UTILIZAÇÃO REITERADA DO PRODUTO FINANCEIRO. DESPROVIMENTO DO RECURSO. I. Caso em exame 1.. Recurso de apelação interposto por consumidor contra sentença que julgou improcedente pedido de nulidade contratual, repetição de indébito e indenização por danos morais, decorrentes da contratação de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável junto à instituição financeira. II. Questão em discussão 2. A controvérsia envolve (i) a validade do contrato celebrado na modalidade cartão de crédito consignado; (ii) a alegação de ausência de informação clara e induzimento em erro; (iii) a pretensão de conversão do contrato em empréstimo consignado tradicional; (iv) a repetição dos valores descontados e (v) a caracterização de danos morais. III. Razões de decidir 3. A contratação está documentalmente comprovada e acompanhada de gravações que evidenciam a prestação de informações mínimas e adequadas ao consumidor. 4. A fatura do cartão revela uso reiterado da linha de crédito, inclusive por meio de saques e rolagem do saldo, afastando a alegação de desconhecimento da natureza da operação. 5. Os encargos financeiros pactuados situam-se abaixo da média de mercado divulgada pelo BACEN, não havendo abusividade. 6. Inexistente prova de cobrança indevida ou de vício de consentimento, descabe a repetição de indébito e a condenação por danos morais. 7. O entendimento jurisprudencial majoritário reconhece que a utilização contínua e consciente do cartão descaracteriza o vício na manifestação de vontade e afasta o dever de indenizar. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: "1. A contratação de cartão de crédito consignado com reserva de margem, acompanhada de efetiva utilização da linha de crédito, afasta a alegação de erro substancial ou ausência de informação. 2. A estipulação de encargos financeiros abaixo da média de mercado afasta a abusividade contratual e inviabiliza a conversão da avença em contrato de empréstimo consignado tradicional." Dispositivos relevantes citados: CC, arts. 104, 138, 139; CDC, arts. 6º, III, e 42, p.u.; CPC, art. 487, I. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.061.530/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, 2ª Seção, j. 22.10.2008 (repetitivo); TJMT, ApCiv 1015103-13.2022.8.11.0055, Rel. Des. Marilsen Andrade Addario, j. 02.10.2024; TJMG, ApCiv 50064566920238130313, Rel. Des. Joemilson Donizetti Lopes, j. 26.07.2024. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO (RELATOR) Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação cível interposto por ELIAS PEREIRA DA SILVA contra sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Jaciara/MT, nos autos Ação De Reparação Por Danos Morais, Com Repetição De Indébitos Cumulada Com Pedido De Nulidade Contratual Por Juros Abusivos n. 1002090-14.2024.8.11.0010, ajuizada em desfavor de BANCO BMG S.A., que julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial. O Apelante sustenta, em síntese, que foi surpreendido com descontos mensais em sua aposentadoria, iniciados em janeiro de 2012 e que perduraram por mais de oito anos, sob a rubrica de empréstimo consignado na modalidade de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC). Assevera que jamais foi informado adequadamente sobre a natureza do contrato, tampouco sobre os encargos e consequências dessa modalidade, o que lhe acarretou um ônus financeiro excessivo, desproporcional e contínuo, sem perspectiva de quitação da dívida. Argumenta que "o valor mínimo a ser pago, mesmo sem utilizar o cartão, denominado desconto RMC no valor de R$ 457,47, é descontado para sempre, mesmo pagando o valor total do empréstimo". Reforça que não houve utilização do cartão de crédito para compras, mas apenas saques e pagamentos que, somados, extrapolam em muito o valor originalmente contratado, perfazendo montante de R$ 27.629,22 pagos ao banco apelado em razão de empréstimos que totalizariam R$ 7.949,55. Argumenta que houve falha na prestação de informações, desequilíbrio contratual, imposição de cláusulas abusivas, configuração de venda casada, e violação de diversos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor. Pugna ao final, a conversão do contrato para a modalidade de empréstimo consignado simples, com adequação dos juros à média de mercado, repetição do indébito em dobro e indenização por danos morais. Isenção do preparo, id. 294240350. Contrarrazões, id. 293360423. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO (RELATOR) Egrégia Câmara: Conforme o explicitado, cuida-se de recurso de apelação cível interposto por ELIAS PEREIRA DA SILVA contra sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Jaciara/MT, nos autos Ação De Reparação Por Danos Morais, Com Repetição De Indébitos Cumulada Com Pedido De Nulidade Contratual Por Juros Abusivos n. 1002090-14.2024.8.11.0010, ajuizada em desfavor de BANCO BMG S.A., que julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial. Inicialmente, afasto qualquer óbice de admissibilidade. O recurso foi interposto tempestivamente, com regularidade formal e preparo dispensado em razão da gratuidade de justiça deferida, cuja manutenção não foi impugnada de forma eficaz. Infere-se da exordial que a parte autora, ora apelante, promoveu demanda judicial em face do Banco BMG S.A., ora apelado, postulando reparação por danos morais, bem como a repetição do indébito, em razão da suposta prática de anatocismo e onerosidade excessiva decorrente da pactuação de contrato rotulado como cartão de crédito consignado, mas que, na realidade, teria se materializado como operação típica de empréstimo pessoal, mascarada sob outra roupagem. Sustenta a parte recorrente que os descontos mensais efetivados em sua folha de pagamento revelam-se desarrazoados e desproporcionais à quantia originalmente contratada, além de terem sido executados à margem da devida transparência, violando, assim, o dever de informação previsto no Código de Defesa do Consumidor. Diante desse cenário, pleiteia-se a restituição em dobro dos valores pagos a maior, a limitação dos juros remuneratórios à taxa média de mercado fixada pelo Banco Central do Brasil e a condenação da instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais, decorrente da alegada conduta abusiva. O Juízo a quo, ao proferir sentença nos autos, julgou improcedentes os pleitos formulados na exordial, nos seguintes termos: “ [...] É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO. DA IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA O histórico de crédito que instrui a inicial (id. 136093846), demonstra que o autor recebe mensalmente o valor líquido de R$ 2.532,41 (dois mil quinhentos e trinta e dois reais e quarenta e um centavos). Ao analisar os documentos apresentados pelo autor na petição inicial, este juízo entendeu estarem preenchidos os requisitos para a concessão da benesse. O artigo 100 do Código de Processo Civil atribui ao réu o ônus de demonstrar o desaparecimento dos requisitos da hipossuficiência, ônus do qual não de desincumbiu o réu. Assim, mantenho a justiça gratuita. DA DECADÊNCIA. Quanto à preliminar de decadência, tratando-se de obrigação de trato sucessivo, há renovação automática do pacto ao longo do tempo por meio dos descontos mensais, o que afasta a incidência da decadência do direito de discutir o contrato bancário. Nesse sentido: “AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C NULIDADE CONTRATUAL, RESTITUIÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – CARTÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO – CONVERSÃO PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – PRELIMINARES – PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA AFASTADAS – ONEROSIDADE EXCESSIVA – JUROS REMUNERATÓRIOS – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Decadência e Prescrição: Rejeição das preliminares de decadência e prescrição, considerando que o pedido envolve a revisão do contrato, não se aplicando o prazo decadencial do art. 178 do CC. A prescrição é afastada por se tratar de obrigação de trato sucessivo, com termo inicial na data do último desconto. Restando verificado a existência de transferência de valores do banco ao consumidor, valendo-se de um contrato de cartão de crédito consignado, resta evidente o intuito de burlar a margem de consignação legalmente admitida, além da cobrança de juros superiores ao praticado nos empréstimos consignados, causando a onerosidade excessiva ao consumidor e tornando a dívida impagável. (N.U 1003947-70.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 02/10/2024, Publicado no DJE 07/10/2024)”. Assim, sem mais delongas, afasto a preliminar arguida. DO MÉRITO. O negócio jurídico é válido quando presentes os requisitos do artigo 104 do Código Civil, quais sejam, agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrição ou não defesa em lei. É admissível a anulação do negócio jurídico desde que presentes as hipóteses descritas no artigo 171 do Código Civil. Dentre as hipóteses de anulação está o erro (art. 171, II do CC), que foi suscitado pelo autor e se caracteriza como um vício no ato de vontade do emissor da declaração constante do negócio jurídico. O erro ocorre quando a declaração de vontade não expressa a real vontade do emitente. Acerca da possibilidade de anulação dos negócios jurídicos em razão de erro, dispõem os artigos 138 e 139 do Código Civil: “Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.” “Art. 139. O erro é substancial quando: I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais; II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante; III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico. O negócio jurídico entabulado entre os litigantes está anexado à contestação (Id. 170955966) e traz cláusulas específicas sobre a modalidade de crédito contratada. Não se pode falar que a parte autora tenha sido induzida em erro na contratação, pois os termos da pactuação são claros, sendo capazes de proporcionar ao cliente perfeita formação de sua vontade e o entendimento dos efeitos da sua declaração. Não há no contrato linguagem ambígua capaz de gerar dúvida acerca do serviço contratado. Bastaria uma simples leitura do título pra que o requerente tivesse ciência do objeto do negócio jurídico contratado. Da leitura do instrumento contratual, é possível constatar a existência de informações claras quanto ao negócio jurídico que estava sendo entabulado naquele momento, entre as quais destaco as seguintes: “CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO – SAQUE MEDIANTE A UTILIZAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO EMITIDO PELO BANCO BMG”. QUADRO III – CARACTERÍSTICAS DA OPERAÇÃO DE CRÉDITO: Tipo de operação de crédito: Crédito Pessoal oriundo de saque por meio de cartão de crédito consignado emitido pelo Banco BMG nos Termos de Adesão celebrado 24/07/2015, com o nº 12676060. Ademais, junto à contestação foram apresentadas as gravações das ligações mantidas entre o autor e o atendente da ré, sendo possível verificar que foram prestadas todas as informações necessárias sobre a modalidade contratada. Portanto, a clareza das informações asseguram que a simples leitura do contrato pelo requerente, o que é sua obrigação, possibilitaria a ciência acerca do negócio jurídico entabulado com a instituição financeira. Quanto aos juros do contrato em discussão, firmou-se o seguinte entendimento: JUROS REMUNERATÓRIOS a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d). É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. [...]” (STJ, 1ª Seção, Resp 1061530/RS - Repetitivo, Rel. Ministra Nancy Andrighi). Como se vê, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não mais entende abusivos os juros remuneratórios por simples fixação acima de 12% ao ano (Súmula 382: “A estipulação de juros remuneratórios de 12% ao ano por si só não indica abusividade)”. Entretanto, ainda se mantém o entendimento de não admitir taxas abusivas, assim consideradas aquelas superiores às denominadas taxas médias de mercado divulgadas pelo BACEN. No caso, os juros remuneratórios das faturas do contrato em discussão foram fixados aquém da taxa média de mercado para a operação de crédito mencionada, não havendo falar-se em abusividade (CET: 5.20%, taxa mensal efetiva 4.70% e taxa anual 74,86%). A propósito: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE ABUSIVIDADE CONTRATUAL C/C CONVERSÃO DE CONTRATO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E DANOS MORAIS – IMPROCEDÊNCIA – EMPRÉSTIMO ATRAVÉS DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL – RMC – PREJUDICIAL DE MÉRITO – NULIDADE DA SENTENÇA POR FUNDAMENTAÇÃO EQUIVOCADA – CONFUSÃO COM O MÉRITO – MÉRITO RECURSAL – ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO/ESCLARECMENTO QUANTO A CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO – DESCABIMENTO – CRÉDITO LIBERADO NA CONTA DO AUTOR – AQUIESCÊNCIA COM OS TERMOS CONTRATADOS – REGULARIDADE DOS DESCONTOS POR MAIS DE DOZE ANOS – VEDAÇÃO DO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO – VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM - AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO – ILEGALIDADE DOS JUROS REMUNERATÓRIOS CONTRATADOS – NÃO CONSTATAÇÃO – ÍNDICES AQUÉM DA TAXA MÉDIA DE MERCADO – RECURSO DESPROVIDO. Se restou evidenciada a contratação de empréstimo através de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável - RMC, visto que após a juntada do contrato pelo requerido, em nenhum momento negou o autor o recebimento do crédito a ele correspondente, qual seja, R$ 5.692,31, há que ser mantida a sentença de improcedência da lide. Não há como acolher a tese de que o autor não contratou empréstimo na modalidade Cartão de Crédito Consignado, se restou incontroverso o depósito do crédito em sua conta bancária e os descontos do valor mínimo das respectivas faturas durante mais de doze (12) anos – data a partir da qual somente tomou as primeiras medidas cabíveis para obstar os débitos, o que evidencia a inexistência de fraude, ante a vedação ao venire contra factum proprium. Não há falar-se em ilegalidade dos juros remuneratórios contratados, se estes encontram-se aquém da taxa média para operações da mesma espécie divulgadas pelo Banco Central (RESp. 1.061.530/RS, sob o rito de recurso repetitivo). (N.U 1015103-13.2022.8.11.0055, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARILSEN ANDRADE ADDARIO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 02/10/2024, Publicado no DJE 08/10/2024) (grifos nosso). Aliás, não obstante o autor alegue que não conste no contrato os juros incidentes, da leitura do instrumento contratual (Id. 170955966), é possível verificar que ao mês incide o percentual de 4,70%, e anualmente 74,86%, razão pela qual não há que se falar na ausência do dever de informação. Não constatada qualquer abusividade nos encargos a denotar a cobrança de quantia indevida no valor das parcelas, é descabida a conversão para a modalidade cartão de crédito. DISPOSITIVO: Diante do exposto, julgo improcedentes os pedidos formulados pelo autor na inicial, extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno o autor ao pagamento das despesas, custas processuais e honorários advocatícios que, na forma do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, ficando a condenação suspensa, nos termos do art. 98, § 3°, CPC. [...]” Pois bem. O cerne da controvérsia reside na validade e regularidade do contrato celebrado entre as partes, na modalidade cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC), bem como na possibilidade de conversão contratual, repetição de indébito e condenação por danos morais. Observa-se que a modalidade de contrato denominada cartão de crédito consignado com RMC, embora formalmente admitida, tem sido objeto de reiterado questionamento no âmbito dos Tribunais, sobretudo em razão de práticas que geram evidente onerosidade excessiva, ausência de informação clara e completa ao consumidor, e comprometimento desproporcional da margem consignável. Na hipótese em exame, extrai-se da própria sentença que houve descontos mensais da folha de pagamento do apelante por período superior a oito anos, totalizando R$ 27.629,22, valor substancialmente superior aos montantes inicialmente tomados a título de crédito (R$ 4.000,00 segundo alegação inicial; R$ 7.949,55 segundo o recurso). Trata-se, portanto, de quadro fático que evidência, de plano, desequilíbrio contratual. Sob o enfoque do Código de Defesa do Consumidor, a relação jurídica estabelecida entre as partes atrai a incidência dos princípios da transparência, da boa-fé objetiva e da equivalência contratual. Assim, a ausência de informações suficientemente claras sobre os ônus contratuais, notadamente quanto à ausência de limite temporal para os descontos, compromete a higidez da contratação. A prova documental apresentada — consistente nas faturas do cartão — revela que o consumidor utilizou ativamente o crédito disponibilizado, por meio de saques mensais e consequente rolagem do saldo devedor, incidindo encargos financeiros típicos da modalidade contratada. Vejamos a tabela dos meses com o uso ativo do cartão: Mês/Ano Indícios de Uso Ativo Compras/Saques Encargos Financeiros Observações Dez/2017 Sim R$ 195,56 R$ 273,82 Encargos + lançamento identificado Jan/2018 Sim R$ 191,27 R$ 215,72 Continuidade de uso Fev/2018 Sim R$ 8,39 R$ 202,67 Uso reduzido, ainda assim presente Mar/2018 Sim R$ 44,22 R$ 222,04 Uso presente Abr/2018 Não (sem compras) R$ 0,00 R$ 216,45 Apenas encargos Mai/2018 Sim R$ 372,28 R$ 222,30 Uso elevado Jun/2018 Sim R$ 1.116,40 R$ 232,75 Uso intenso Jul/2018 Sim R$ 423,28 R$ 298,62 Uso ativo Ago/2018 Sim R$ 58,03 R$ 316,73 Movimento reduzido Set/2018 Sim R$ 87,44 R$ 318,63 Movimento Out/2018 Sim R$ 50,78 R$ 311,74 Uso identificado Nov/2018 Sim R$ 79,90 R$ 322,96 Continuidade de uso O uso reiterado do produto financeiro, ainda que restrito a operações de saque e rolagem da dívida, configura consentimento tácito e consciente com os termos contratuais, afastando-se a alegação de vício de consentimento ou induzimento em erro substancial, conforme disciplinado nos arts. 138 e 139 do Código Civil. A jurisprudência pátria reconhece que a declaração de nulidade de contratos bancários exige a comprovação de manifesta abusividade ou desconformidade com os deveres de informação. No caso em exame, a conduta do consumidor — que utilizou o crédito por cerca de 10 meses consecutivos, sem qualquer medida para obstar o contrato — revela ciência e aquiescência com a natureza da operação. Nesse sentido: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNAVEL - PROVA DA CONTRATAÇÃO - VALIDADE DO NEGÓCIO - AUSÊNCIA DE PROVA DE VÍCIO NO CONTRATO - AUSÊNCIA DE DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO - CONVERSÃO EM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - NÃO CABIMENTO. I. No julgamento do IRDR 73 este Tribunal de Justiça fixou a tese de que "se o consumidor pretendia, de fato, contratar um empréstimo consignado e, induzido a erro pelo banco, contratou o cartão de crédito consignado, em havendo pedido nesse sentido e em possuindo o consumidor margem consignável para suportar o empréstimo consignado, cabe converter o contrato em contrato de empréstimo consignado (...)". Hipótese em que não restou comprovado vício formal ou de consentimento, a rigor não há invalidade do negócio jurídico referente à contratação de cartão de crédito consignado e não é cabível a conversão em empréstimo consignado. II. Comprovada a existência da relação jurídica, bem como o débito dela decorrente, não há que se falar em restituição de valores e indenização por danos morais . III. Ante a regularidade e ausência de vícios da celebração do contrato de cartão de crédito consignado, a reserva de margem consignável para eventual utilização do limite do crédito concedido é legal e não gera dano moral. (TJ-MG - Apelação Cível: 50064566920238130313 1.0000 .24.199167-8/001, Relator.: Des.(a) Joemilson Donizetti Lopes, Data de Julgamento: 26/07/2024, 12ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 01/08/2024) Ademais, os valores lançados nas faturas correspondem a operações reais, com registro de encargos e ausência de amortização integral, evidenciando que os descontos mensais não eram indevidos, mas sim relacionados à manutenção de saldo rotativo. Não se trata de cobrança ficta ou unilateral, mas de reflexo direto da utilização voluntária de linha de crédito atrelada à margem consignável. Nesse contexto, não se verifica qualquer fundamento legal para declarar a nulidade do contrato, nem para convertê-lo compulsoriamente em empréstimo pessoal. Também não há causa jurídica para repetição de valores pagos, pois não se trata de pagamento indevido (art. 42, parágrafo único, do CDC), tampouco há comprovação de má-fé ou ilicitude por parte do banco. Igualmente, o alegado dano moral não se sustenta. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica ao reconhecer que a cobrança de dívida oriunda de contrato válido, ainda que onerosa, não configura, por si só, lesão moral, salvo se acompanhada de abuso ou ilegalidade flagrante — circunstâncias que não se evidenciam nos autos. A propósito: "PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO E REPETIÇÃO - CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO - COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO - DANO MORAL - INOCORRÊNCIA - SENTENÇA MANTIDA. - O contrato de cartão de crédito com desconto consignado é apenas um cartão de crédito de uso normal, acoplado da permissividade do mutuário quanto ao desconto da parcela mínima da fatura (ou outra) dentro de um limite de margem consignável destacado para tal específica finalidade, sujeitando-se o resíduo não absorvido, obviamente, ao pagamento normal - como qualquer cartão de crédito. - Devidamente comprovada a contratação dos serviços bancários, há de se reconhecer como devidos a reserva da margem consignável. - Inexistindo falha no serviço prestado pela requerida, resta afastado o dever de indenizar (TJMG. 12a Câmara Cível. Apelação 11.0000.22.078181-9/001. Relator: Des. Domingos Coelho. Julgamento em: 29.8.2022).". Por fim, cumpre registrar, que o contrato firmado não é vitalício e o consumidor não é obrigado a permanecer em uma relação jurídica contra sua vontade. Assim, na hipótese de o autor se sentir insatisfeito com o pacto celebrado, pode requerer a rescisão, se atentando, por óbvio, às condições já impostas pela força do pacta sunt servanda, que deverão ser cumpridas. Ante o exposto, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação, mantendo integralmente a sentença de improcedência. Condeno o apelante ao pagamento das custas recursais e honorários advocatícios, os quais majoro para 15% sobre o valor da causa, na forma do art. 85, § 11, do CPC, observada a suspensão da exigibilidade, nos termos do art. 98, § 3º, do mesmo diploma legal. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 08/07/2025

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