Otacio Alves Pompeu x Banco Bradesco S.A.
ID: 323579211
Tribunal: TJPA
Órgão: Vara Única de Breu Branco
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 0801011-77.2022.8.14.0104
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
WILSON SALES BELCHIOR
OAB/PA XXXXXX
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ANDRE FRANCELINO DE MOURA
OAB/TO XXXXXX
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SANDRO ACASSIO CORREIA
OAB/TO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ Vara Única Da Comarca De Breu Branco Fórum Juiz Manuel Maria Barros Costa Av. Belém, s/nº, bairro centro, tel./fax: (94) 99239-7994, CEP: 68.488…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ Vara Única Da Comarca De Breu Branco Fórum Juiz Manuel Maria Barros Costa Av. Belém, s/nº, bairro centro, tel./fax: (94) 99239-7994, CEP: 68.488-000, email: 1breubranco@tjpa.jus.br 0801011-77.2022.8.14.0104 RECLAMANTE: OTACIO ALVES POMPEU RECLAMADO: BANCO BRADESCO S.A. SENTENÇA 1. RELATÓRIO Relatório dispensado nos termos do artigo 38, da lei nº 9.099/95. Todavia, são necessários breves apontamentos sobre o pleito autoral para o deslinde da causa. Cuida-se de Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica Com Repetição de Indébito e Indenização Por Danos Morais proposta por OTACIO ALVES POMPEU em desfavor do BANCO BRADESCO S.A. A parte autora alega que verificou descontos em sua conta decorrentes de tarifas bancárias sob a rubrica TARIFA BRADESCO. Contudo, diz desconhecer tais débitos por não ter contratado serviço bancário neste valor. Os autos vieram conclusos. Decido. 2. FUNDAMENTAÇÃO De início, cumpre fazer algumas considerações iniciais sobre o presente feito. A ação movida pela parte autora se soma a diversas outras em trâmite nesta unidade jurisdicional relacionadas ao questionamento judicial de contratos com instituições financeiras, em que a parte demandante alega jamais ter celebrado o negócio jurídico ou recebido qualquer valor em seu favor. Deve-se esclarecer, desde logo, que há um considerável número de ações nas quais se discutem empréstimos consignados e outros contratos bancários envolvendo pessoas vulneráveis e de pouca instrução, as quais devem ser devidamente apreciadas pelo Poder Judiciário, de acordo com o caso concreto. Por outro lado, não se desconhece a existência de demandas predatórias no âmbito do estado do Pará, embora sejam minoria, pois inúmeros são os casos praticamente idênticos de ações declaratórias de inexistência de relação jurídica que chegam diariamente, em massa, às unidades judiciais, especialmente nas Comarcas do interior, nas quais as partes autoras afirmam jamais terem firmado contrato ou recebido qualquer valor/vantagem, não apresentam todos os documentos ao seu alcance, valendo-se do custo zero para o ajuizamento da ação e contando com a inversão ope legis prevista no art. 6º, VIII, do CDC. É importante destacar alguns conceitos consensuais sobre demanda/litigância predatória apresentados por Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, e Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani, juiz do TJSP: “As demandas tidas como predatórias são as ações ajuizadas em massa, em grande quantidade e, geralmente, em várias comarcas ou varas, sempre com um mesmo tema, com petições quase todas idênticas, onde apenas o nome da parte e o endereço são modificados e, prioritariamente, estão vinculadas a demandas consumeristas” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em:
) "A litigância predatória ou advocacia predatória é uma prática que infelizmente existe no nosso sistema de Justiça. Ela consiste no ajuizamento de ações em massa, através de petições padronizadas, artificiais e recheadas de teses genéricas, em nome de pessoas vulneráveis e com o propósito de enriquecimento ilícito." (ZULIANI, Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani. Litigância predatória: Juiz explica modus operandi dos profissionais. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/348830/litigancia-predatoria-juiz-explica-modus-operandi-dos-profissionais). Não é incomum se observar na prática, por exemplo, nesses casos, a existência de ajuizamento de ações em comarcas distintas do domicílio da parte autora, o desconhecimento do processo pela parte demandante, ou até mesmo o abandono de processos e o não comparecimento de requerentes à audiência UNA, mormente quando a parte requerida apresenta a contestação e a documentação correlata ao caso. A parte autora possui 18 (dezoito) processos vinculados a esta unidade jurisdicional, todos distribuídos entre os anos de 2022 a 2025, os quais possuem procurações genéricas, pedidos (declaração de nulidade de negócio jurídico e reparação de danos) e causa de pedir (“desconhecimento” de negócio jurídico) semelhantes e são movidos contra instituições financeiras. Nos feitos mencionados, dentro da relação jurídica havida com a instituição financeira, junta-se extrato bancário da parte autora para discutir os seguintes descontos ocorridos em sua conta bancária: “EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS INDEVIDOS”, “TARIFAS BANCÁRIAS NÃO CONTRATADAS”. O seu patrono, o Dr. SANDRO ACASSIO CORREIA (OAB/PA 30727-A), por sua vez, cujo escritório é localizado em Novo repartimento - PA, possui nesta unidade jurisdicional 735 (setecentos e trinta e cinco) processos, com fortes indícios de demandas predatórias e/ou repetitivas, relativos a 138 (cento e trinta e oito) partes representadas, sendo a maioria delas idosas, com o valor da causa médio de R$ 13.470,00 (treze mil quatrocentos e setenta reais), o que corresponde a uma parcela relevante do acervo processual desta unidade, tendo sido a grande maioria das ações ajuizadas entre os anos de 2020 e 2024, conforme dados extraídos do Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias do TJPA. Registre-se que essas 138 (cento e trinta e oito) partes representam grande fatia das ações em trâmite nesta unidade, em um município que conta com a população estimada de 45.712 (quarenta e cinco mil, setecentos e doze) habitantes, conforme dados do IBGE (https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pa/breu-branco/panorama). Portanto, há elementos indicativos de fragmentação de pretensões relativas à mesma relação jurídica havida a instituição financeira, com atribuição de valor excessivo à causa, visando a multiplicação de ganhos referentes à indenização por suposto dano moral e honorários, o que se distancia do dever de conduta conforme a boa-fé previsto no art. 5º do CPC e do art. 4º, III, do CDC. Vale destacar que a litigância predatória não se configura apenas pelo número excessivo de processos distribuídos no mesmo período, mas também pela distorção dos institutos processuais e do próprio acesso à Justiça, sobretudo quando possível vislumbrar o objetivo de potencialização de ganhos. Nas palavras de Felipe Albertini Nani Viaro, juiz do TJSP: “É importante observar, a litigância predatória não se estabelece apenas pelo número de processos, mas pela distorção de institutos processuais e a própria ideia de acesso à Justiça, valendo-se da massificação da conduta como forma de potencializar ganhos. Há uma aposta inerente no sentido de que, sendo vitorioso em alguns casos (o que pode se dar por inúmeras razões, inclusive pela incapacidade da parte contrária de defender-se de tantas demandas) a conduta já gerará ganhos, sendo irrelevante o número de casos em que for derrotado, já que institutos como a gratuidade isentam do custo de ingresso e responsabilidade pela sucumbência”. (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: o fenômeno das "fake lides". Disponível em:
). Sobre o “risco zero” ao litigante predatório, assim destaca o advogado Gustavo Aureliano Firmo, ao analisar uma situação ocorrida em determinado Tribunal: “O Juízo destacou que no caso concreto o causídico já é conhecido pela prática, posto que ajuíza diversas demandas que discorrem sobre os mesmos contratos, fracionam a relação jurídica para induzir o Juízo em erro com a percepção de que seriam vários negócios jurídicos quando, na verdade, os desdobramentos emanam de um único e deveriam ser postos à julgamento em uma única demanda. Por fim, corriqueiramente se aproveitam da concessão dos benefícios da justiça gratuita concedida indevidamente. Com o recebimento de referida benesse a demanda passa a ter risco zero, o que apenas impulsiona o ajuizamento diário de infindáveis demandas genéricas. Demonstrando que as demandas carecem de interesse de agir, uma vez que ele, na verdade, existe apenas para o causídico, inúmeras alegações de inexistência de celebração do negócio jurídico são desconstituídas com a realização de perícia grafotécnica ou datiloscópica, oportunidade em que se constata que a assinatura ou a digital, respectivamente, são da pessoa que afirmou nunca ter celebrado o contrato e que sequer conhece a empresa ré”. (FIRMO, Gustavo Aureliano. Advocacia Predatória: a necessidade de atuação enérgica do Poder Judiciário. Disponível em: https://www.nossodireito.com.br/2022/06/13/advocacia-predatoria-a-necessidade-de-atuacao-energica-do-poder-judiciario/). Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, aponta algumas das inúmeras consequências negativas causadas pela litigância predatória ao Poder Judiciário, a saber: “As demandas predatórias, em razão das características acima mencionadas, trazem diversas consequências para o Poder Judiciário, entre elas, o aumento exacerbado do número de processos nas unidades judiciais e, em consequência, um tempo maior de tramitação. (...) é importante observar que o crescente volume de demandas predatórios impede uma maior celeridade nas decisões a serem tomadas, isso porque exige do magistrado uma análise mais detalhada dos referidos processos de modo a permitir que tais demandas não sigam adiante.” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em:
) O Ministro Luis Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI nº 3.995/DF, assim destacou sobre o uso ilegítimo do Poder Judiciário: “O exercício abusivo do direito de deflagrar a jurisdição, a litigiosidade excessiva, a utilização do Judiciário como instrumento para a obtenção de acordos indevidos ou, ainda, para a procrastinação do cumprimento de obrigações implica o uso ilegítimo do Judiciário e a sensação difusa de que a Justiça não funciona. O volume desproporcional de processos compromete a celeridade, a coerência e a qualidade da prestação jurisdicional e importa em ônus desmedidos para a sociedade, à qual incumbe arcar com o custeio da máquina judiciária”. A Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 1.817.845/MS, assim se manifestou sobre o abuso do direito de ação: "(...) O ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo. O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde. Por esses motivos, é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo."(STJ, REsp: 1817845/MS 2016/0147826-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Julgamento: 10/10/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, DJe 17/10/2019). Para que não se fale que tais reflexões são genéricas, destaca-se constatação feita em seminário realizado no CNJ no ano de 2022: “Desde 2016, um grupo de 30 advogados moveu, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), cerca de 120 mil ações judiciais em 840 unidades judiciárias, de acordo com o estudo feito pelo Núcleo de Monitoramento dos Perfis de Demandas da Corregedoria Geral da Justiça (Numopede) sobre o perfil das ações movidas por um grupo de 30 advogados na Comarca de Ribeirão Preto. O grupo, que acabou condenado, elevou a demanda de casos novos na comarca de 23 mil para 27 mil processos ingressados por ano. Por causa da ação do grupo, o tempo médio entre início do processo até a sentença aumentou de 364 dias, em 2012, para 930 dias, em 2016.” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunais-apresentam-boas-praticas-para-combater-litigancia-predatoria/) Ressalte-se que o aumento exacerbado do número de processos implica necessariamente na elevação dos custos do Poder Judiciário, considerando que, segundo Luciano Benettti Timm, advogado, cada processo em trâmite custa, por ano, aproximadamente R$ 1.900,00 (um mil e novecentos reais) (TIMM, Luciano Benetti. Propostas para uma reforma do Sistema de Justiça do Brasil. Disponível em: https://milleniumpapers.institutomillenium.org.br/paper/millenium-paper-propostas-para-uma-reforma-do-sistema-de-justica-no-brasil.pdf). Em 2022, o CNJ editou a Recomendação nº 127, de 15 de fevereiro de 2022, a qual recomenda aos tribunais a adoção de cautelas visando a coibir a judicialização predatória que possa acarretar o cerceamento e defesa e a limitação da liberdade de expressão (Disponível em:
). Durante o XV Encontro Nacional do Poder Judiciário, foram aprovadas as Metas e Diretrizes estratégicas das Corregedorias para o ano de 2023, dentre elas: “DIRETRIZ ESTRATÉGICA 7 – Regulamentar e promover práticas e protocolos para o combate à litigância predatória, preferencialmente com a criação de meios eletrônicos para o monitoramento de processos, bem como transmitir as respectivas informações à Corregedoria Nacional, com vistas à alimentação de um painel único, que deverá ser criado com essa finalidade”. No âmbito do TJPA, o Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Pará – CIJEPA, em atenção à Nota Técnica nº 001/2022 do CIJMG/TJMG, elaborou a Nota Técnica nº 6/2022. Ainda, em 2023, foi criado o “Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias”. Cumpre destacar que o direito de ação (art. 5º, XXXV, da CF) não é absoluto, tampouco o único direito fundamental em jogo, uma vez que com ele convivem e estão em mesma hierarquia outros direitos e princípios constitucionais, como o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), a ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LV, da CF), a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) e a eficiência (art. 37 da CF). Gilmar Ferreira Mendes e Lenio Luiz Streck, ao comentarem o art. 98 da CF, no qual há a previsão da criação dos Juizados Especiais, apresentam a seguinte reflexão sobre o “acesso à Justiça”: “Acesso à Justiça, como ensina Mauro Cappelletti, não significa mero acesso ao Judiciário, mas um programa de reforma e método de pensamento que permitam verdadeiro acesso ao “justo processo”. Nesse sentido, o mandamento constitucional de criação de Juizados Especiais pela União – no Distrito Federal e nos Territórios – e pelos Estados não deve ser entendido como mera formulação de um novo tipo de procedimento, mas, sim, como um conjunto de inovações que envolvem desde nova filosofia e estratégia no tratamento de conflitos de interesse até técnicas de abreviação e simplificação procedimental, como bem assevera Watanabe” (CANOTILHO, J. J. Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018 (Série IDP), p. 1.439). Ademais, não se pode olvidar do princípio infraconstitucional da encomia processual, sobretudo no âmbito dos Juizados Especiais (art. 2º da Lei nº 9.099/95), o qual dispõe que se deve “obter o máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo de emprego possível de atividade jurisdicional” (CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de derecho procesal civil, t. I, p. 170, In: MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de direito processual civil moderno. 5 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 138-139). Além disso, o abuso de direito é coibido pelo ordenamento jurídico, pois configura ato ilícito, nos termos do art. 187 do CC. Nas palavras de Marcelo Lamonica Bovino, advogado: “ter acesso ao Poder Judiciário não implica no direito de abusar de demandar, e sim no direito de ter ou receber a prestação jurisdicional no seu tempo e de forma justa” (BOVINO, Marcio Lamonica. Abuso do direito de ação: a ausência de interesse processual na tutela individual. Curitiba: Juruá, 2012, p. 128). Fernando da Fonseca Garjadoni, a seu turno, ao discorrer sobre o uso responsável do sistema de Justiça, sustenta que “a judicialização dos conflitos não pode ser utilizada pelo demandante para buscar vantagem desproporcional, e nem servir ao demandado para postergar o cumprimento de obrigação que sabe ser devida” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Levando o dever de estimular a autocomposição a sério: uma proposta de releitura do princípio do acesso à Justiça à luz do CPC/15. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro. Ano 14. Volume 21. Número 2. Maio a Agosto de 2020, p. 112. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/50802/33446). José Miguel Garcia Medina, advogado, faz a seguinte reflexão relacionando a boa-fé objetiva e o exercício abusivo de um direito: “Como corolário da proteção à boa-fé objetiva, o exercício abusivo de uma posição jurídica deve ser reprimido. O abuso ocorre quanto se excederem manifestamente os limites próprios do exercício de um direito. A referência, em várias disposições da lei processual (p. ex. art. 80, VI e VII, 828, §5º, 918, parágrafo único, 1.021, §4º, 1.026, §§2º e 3º do CPC/;2015), ao exercício manifestamente abusivo do direito, revela que se adotou o critério objetivo, segundo o qual mais importante que a intenção do sujeito é a constatação de que o direito foi exercido de modo contrário à sua finalidade econômica e social” (MEDINA, José Miguel Garcia. op. cit., p. 138-139). O art. 139, III, do CPC dispõe que incumbe ao magistrado “prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias”. Não está se falando na criação de óbices ou entraves ao acesso à Justiça, mas é necessário que este se dê de maneira adequada e eficaz, de forma que o direito de ação seja exercido dentro de um processo ético, em que as partes atuem com lealdade, honestidade, observando o padrão de conduta imposto pela boa-fé objetiva. O art. 17 do CPC dispõe que para se postular em Juízo é necessária existência de interesse processual, que consiste na adequação, necessidade e utilidade do provimento jurisdicional pretendido. Segundo Rodrigo da Cunha Lima Freire, advogado, “as ações ajuizadas com abuso direito, fins subalternos ou ilícitos não produzirão um resultado útil da jurisdição, especialmente sob a óptica do Estado” (FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2000. p. 102). Ao optar pela fragmentação das ações decorrentes de uma mesma relação jurídica, não é possível se verificar o interesse processual legítimo da parte autora em ter a questão resolvida, mas sim tão somente a busca pela maximização da condenação da parte requerida em verbas indenizatórias e sucumbenciais. Tal atuação se amolda no conceito de “ações ou condutas frívolas” apresentado por Felipe Viani Albertini Viaro, juiz do TJSP: “(3) Ações ou condutas frívolas [8]: litigiosidade desnecessária ou que discute de maneira propositadamente fragmentada questões de baixíssimo valor econômico ou social, como forma de gerar ou multiplicar ganhos. Dentre os exemplos de demandas frívolas, conforme a ideia aqui exposta, estão as ações preparatórias, como exibição de documentos, sem prévio pedido administrativo e fragmentação de pedidos, inclusive relacionados a um mesmo contexto fático, apostando na desorganização da parte contrária e/ou fixação de honorários em cada processo [9]” (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: conceitos e casos. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2022-mai-09/felipe-viaro-litigiosidade-predatoria-conceitos-casos>). Gustavo Aureliano Firmo, advogado, por sua vez, sobre o tema, apresenta a seguinte reflexão: “(...) Inúmeros advogados identificaram a possibilidade de ajuizamento de demandas idênticas e massivas para supostamente proteger os interesses dos seus representados, contudo, em regra, não há o real interesse em proteção dos direitos supostamente lesados e reparação de danos suportados pelos clientes. O que se busca, na verdade, é um "enriquecimento" às custas das instituições financeiras. Em muitos casos concretos às partes têm plena ciência do que foi contratado, do valor recebido, da forma em que houve essa transferência, dos valores das parcelas, sua quantidade, além de outras informações pertinentes e repassadas no momento da celebração. Contudo, em várias oportunidades são pessoas idosas, "humildes" e sem qualquer formação acadêmica que são "seduzidas" por algumas pessoas (advogados ou pessoas destacadas para a captação agressiva e ilícita de clientes) que lhes fazem as falsas afirmações de que houve ilicitude ou abusividade no contrato celebrado, que possuem valores a serem restituídos e que não terão qualquer despesa processual ou com o advogado. Com o último são sempre firmados contratos de êxito, o que torna ainda mais atrativa a oferta apresentada à pessoa. (...)” (FIRMO, Gustavo Aureliano. O benefício da justiça gratuita e a advocacia predatória. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-mai-03/gustavo-firmo-justica-gratuita-advocacia-predatoria). Sobre o impacto gerado pelas demandas frívolas na litigiosidade, assim destacam os advogados Jean Carlos Dias e Bernardo Augusto da Costa Pereira: “(...) Quanto maior for o custo para apresentação da demanda, menor será a motivação do agente para apresentar uma demanda de baixa probabilidade de êxito; por outro lado, quanto menor o custo de apresentação, maior será estímulo para a apresentação de tal modalidade de pretensões. Em tais situações, as despesas processuais precificam inicialmente a expectativa de resultado e, quando o valor atribuído pelo autor é superior ao desencaixe, pode-se afirmar que ele proporá a demanda frívola. É importante dizer que as demandas frívolas geram uma externalidade negativa relevante, pois consomem unidades de serviço judiciário que poderiam ser destinadas às demandas de maior importância social. (...)” (DIAS, Jean Carlos. Análise econômica do processo civil brasileiro. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 72) O uso indiscriminado de tais artifícios para acessar o Poder Judiciário de modo repetitivo com o uso de ações fragmentadas, que poderiam ser aglutinadas em um mesmo processo (art. 327 do CPC), além de aumentar de sobremaneira a taxa de congestionamento de demandas, causa impactos negativos tanto na organização e na qualidade dos serviços prestados pelas unidades judiciais, quanto aos demais jurisdicionados que se utilizam dos meios adequados, pois acabam tendo a prestação jurisdicional atrasada, em razão de prioridades legais, evitando a rápida solução dos litígios. Eis a reflexão feita pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ João Thiago de França Guerra em seminário no ano de 2022 por aquele órgão: “Existe uma máquina de exploração econômica do processo, da letargia e da morosidade do processo. É um fenômeno que precisa ser estudado e contemporizado para que o acesso à Justiça daquele que realmente precisa e busca a tutela do seu direito não seja inviabilizado por essa exploração econômica do serviço judiciário” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunais-apresentam-boas-praticas-para-combater-litigancia-predatoria/) No mesmo sentido, ressalta José Laurindo de Souza Netto, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná no biênio 2021/2022: “(...) A litigância contumaz, que provoca a jurisdição de forma desnecessária e irresponsável, nesta linha, ao comprometer a capacidade de operabilidade sustentável da máquina judiciária representa afronta a garantia fundamental do acesso efetivo à justiça, colocando em risco a própria democracia. Também, viola os princípios constitucionalmente assegurados da igualdade material e duração razoável do processo, previstos nos artigos 5º, caput e LXXVIII, da Constituição Federal, e 3º e 4º do Código de Processo Civil. (...)” (NETTO, José Laurindo de Souza et. al. Acesso inautêntico à Justiça e a crise da jurisdição: as taxas processuais na litigância predatória. RJLB, Ano 8 (2022), nº 4. Disponível em: https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2022/4/2022_04_1423_1462.pdf) Não se mostra razoável, portanto, que a parte opte por aforar diversas ações praticamente idênticas, resultando na repetição desnecessária de atos processuais (v.g. citação, intimações, audiências, decisões etc.), quando poderia ter sua pretensão analisada em um único processo. Destarte, conclui-se que não há interesse processual no presente feito, diante do uso predatório do direito de ação, conforme acima demonstrado. Por oportuno, cumpre trazer à colação entendimentos dos Tribunais pátrios que mantiveram a extinção de processos sem resolução do mérito em casos envolvendo demandas predatórias, in verbis: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS – JUSTIÇA GRATUITA DEFERIDA NO JUÍZO DE ORIGEM - DESNECESSIDADE DE NOVA CONCESSÃO - BENEFÍCIO QUE SE ESTENDE A TODAS AS INSTÂNCIAS E ATOS DO PROCESSO – FRACIONAMENTO DE DEMANDAS - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. O benefício da justiça gratuita concedido no juízo de origem, desde que não seja revogado no curso da lide, estende-se a todas as instâncias e atos do processo. O fracionamento de Ações com o mesmo fundamento e contra um mesmo réu configura abuso do direito de demandar e ausência de interesse processual, de modo que a extinção da lide é medida que se impõe. (TJ-MT 10060925120208110015 MT, Relator: RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Data de Julgamento: 17/08/2022, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/08/2022) EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APELAÇÃO CÍVEL. DEMANDA PREDATÓRIA. PADRÃO DE ATUAÇÃO ANORMAL DO PATRONO. ABUSO DO DIREITO DE LITIGAR. INEXISTÊNCIA DE LEGITIMIDADE E INTERESSE PROCESSUAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. A controvérsia central travada no recurso situa-se em se estabelecer se o advogado da parte autora abusou direito de litigar por meio do ajuizamento em massa de ações predatórias, a justificar a extinção dos processos sem apreciação do mérito. 2. Aquele que pretende litigar em juízo deve atuar com respeito aos princípios da boa-fé, da eticidade e da probidade, evitando, assim, o ajuizamento de ações fraudulentas, temerárias, frívolas ou procrastinatórias. É dizer, as demandas judiciais devem estar lastreadas em interesses legítimos das partes, não se inserindo nesse conceito as ações propostas por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que veiculem pretensões ou defesas desprovidas de qualquer respaldo legal. 3. A partir de uma visão macroscópica do índice de litigiosidade do patrono da parte autora, constata-se um padrão anormal de atuação, com graves indícios de captação irregular de clientela, além de exercício abusivo do direito de litigar, bem como cometimento de infrações ético disciplinares. 4. A partir de uma visão microscópica da litigiosidade do causídico, constata-se, novamente, um padrão anormal de atuação, com graves indícios de ajuizamento de ações temerárias, sem prévia diligência sobre a viabilidade jurídica da pretensão, além da utilização abusiva e indiscriminada pelo patrono das procurações outorgadas pelos seus clientes, por meio do ajuizamento de diversas ações sem o conhecimento e livre consentimento destes. 5. Reconhecida a prática de litigiosidade predatória. Recurso desprovido. Decisão unânime. ACÓRDÃO Vistos, discutidos e votados estes recursos, tombados sob o nº 0000116-12.2022.8.17.2580, ACORDAM os Desembargadores integrantes da QUARTA Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de Apelação Cível, tudo nos termos dos votos e notas taquigráficas anexas, que passam a fazer parte integrante deste julgado. Recife, data da certificação digital. Juiz Sílvio Romero Beltrão Desembargador Substituto (TJ-PE - AC: 00001161220228172580, Relator: GABRIEL DE OLIVEIRA CAVALCANTI FILHO, Data de Julgamento: 09/08/2022, Gabinete do Des. Stênio José de Sousa Neiva Coêlho (4ª CC)) APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MULTIPLICIDADE DE AÇÕES. CONDUTA TEMERÁRIA. ABUSO DE DIREITO. EXTINÇÃO DA DEMANDA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. O fracionamento das ações como a presente por certo consiste em um verdadeiro abuso de direito, na medida em que ao tempo do ajuizamento de uma ação discutindo um só débito, poderia a parte requerente incluir os demais débitos que alega serem irregulares e que teriam sido indevidamente encaminhados para o cadastro negativo pelo mesmo réu. Trata-se de conduta processual temerária e abusiva, a qual o Judiciário não pode dar guarida. Manutenção da sentença extintiva. APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJRS - Rac nº 70082401159, 9ª Câm. Cível, Rel. Des. Eugênio Facchini Neto, j. 30.08.19). APELAÇÃO CÍVEL. INDEFERIMENTO DA INICIAL. DEMANDA ARTIFICIAL E PREDATÓRIA. CABIMENTO. Para evitar a litigiosidade artificial e práticas predatórias no âmbito do Poder Judiciário, o Magistrado possui o poder-dever de tomar medidas saneadoras para coibir o uso abusivo do acesso à Justiça. (TJ-MG - AC: 10000211221684001 MG, Relator: Estevão Lucchesi, Data de Julgamento: 26/08/2021, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/08/2021) PROCESSO – Como (a) a determinação juntada de procuração com poderes firma reconhecida está de acordo com e espírito das boas práticas recomendadas pelo NUMOPEDE, de modo a coibir o uso predatório da Justiça, não se tratando de mero formalismo injustificado, considerando as peculiaridades do caso dos autos, (b) de rigor, ante o seu não atendimento pela parte autora apelante, (c) a manutenção da r. sentença, que indeferiu a inicial e julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com base nos arts. 321, e 485, I e IV, do CPC. Recurso desprovido. (TJ-SP - AC: 10040435720218260541 SP 1004043-57.2021.8.26.0541, Relator: Rebello Pinho, Data de Julgamento: 17/01/2023, 20ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/01/2023) JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA DE CONCLUSÃO LÓGICA ENTRE OS FATOS E OS PEDIDOS. DELIMITAÇÃO QUE PREJUDICA O DIREITO DE DEFESA E A DEVIDA ANÁLISE DO MÉRITO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Trata-se de recurso inominado interposto pelo autor em face de sentença que indeferiu a petição inicial por inépcia e extinguiu o processo sem apreciação de mérito, bem como o condenou em custas e multa por litigância de má-fé. Em seu recurso pretende a reforma da sentença e a condenação na obrigação de não fazer para que a ré se abstenha de realizar ligações de telemarketing ao autor e indenizá-lo por danos morais, além de afastar a multa e custas por litigância de má-fé. 2. Recurso próprio, tempestivo e preparo regular (ID 29067501 e 29067502). As contrarrazões não foram apresentadas (ID 29067559). 3. O recorrente em sua inicial aduz que foi importunado por diversas ligações oferecendo empréstimos consignados e que tais contatos originavam da requerida, chegando a receber mais de 50 ligações por dia, o que justificaria indenização por danos morais. Para tanto, juntou aos autos registros de ligações e mensagens (ID 29067472). 4. Posteriormente, foi oportunizado ao autor para que emendasse a inicial para especificar o valor pretendido a título de danos morais e indicar quais chamadas originavam da requerida, a considerar que a parte autora possui diversas ações idênticas em tramite ou que já tramitaram neste Tribunal (ID 29067485). Em resposta, a parte especificou os danos morais em R$1.500,00 e informou que ?não teve o cuidado em anotar de relacionar a data e hora das ligações? (ID 29067488). 5. Diante dos fatos, o Juízo a quo entendeu que não supriu a determinação contida na decisão de ID 29067485, situação que impossibilitaria a defesa da requerida e, portanto, foi indeferida a inicial por inépcia. 6. Neste ponto, cabe consignar que a Lei dos Juizados Especiais tem como princípio implícito mestre a efetividade da Justiça, mediante ao acesso facilitado ao Judiciário. Tal princípio permeia pelos princípios da simplicidade, da oralidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade. Não podendo a parte autora sob a guarita dos princípios norteadores do Juizado Especial prejudicar o contraditório e a ampla defesa da parte adversa, pois o não adimplir de forma satisfatória a emenda e especificar as ligações, as quais são de forma genérica à requerida inviabilizar o prosseguimento da demanda. 7. Quanto a condenação em custas arbitradas em 10% do valor da causa e multa de meio salário mínimo nos termos do art. 81, § 2º, do CPC, importante destacar que o autor/recorrente é um litigante habitual no juizado especial. Em pesquisa a sistema do Tribunal verifica-se mais de 25 (vinte e cinco) demandas no juizado especial somente no ano de 2021. Nota-se que, conforme já assinalado na sentença, o autor ajuizou diversas ações idênticas, as quais foram extintas por motivos semelhantes ao caso em tela e outras obteve sucesso. 8. Assim, formulação de acusações genéricas contra o réu, na tentativa de se aferir êxito na demanda e repetir a mesma conduta contra outros réus em demandas semelhantes, inclusive quanto aos pedidos resulta em demanda predatória. Portanto, escorreita a sentença em sua integralidade. 9. RECURSO CONHECIDO e NÃO PROVIDO. Condeno a parte recorrente vencida ao pagamento das custas processuais. Deixo de arbitrar honorários advocatícios ante a ausência de contrarrazões. 10. A súmula servirá de acórdão, consoante disposto no artigo 46 da Lei 9.099/95. (TJ-DF 07284851720218070016 DF 0728485-17.2021.8.07.0016, Relator: FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA, Data de Julgamento: 15/10/2021, Primeira Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no DJE: 11/11/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.) Não obstante, a despeito da factível ausência de interesse processual, conforme acima exposto, vê-se que o feito comporta julgamento do mérito em favor de quem aproveitaria a extinção do processo com fundamento no art. 485, VI, do CPC, devendo prevalecer o princípio da primazia do julgamento do mérito (arts. 4º, 6º, 282, §2º, e 488 do CPC). Considerando que o conjunto probatório colacionado aos autos é suficiente para a formação do convencimento do Juízo (art. 370, CPC), sendo, portanto, desnecessária a produção de outras provas, o caso comporta o julgamento da lide na forma do art. 355, I, do CPC. Impende esclarecer que a sua realização não configura faculdade, e sim dever constitucional do Juízo, em atenção ao princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF). Assim, entendo que já há provas suficientes para o devido julgamento do presente processo. Dessa forma, não vejo necessidade de audiência de instrução e julgamento, porquanto matéria de prova eminentemente documental. Deixo de apreciar eventuais preliminares suscitadas pela parte demandada, pois o mérito será decidido em seu favor (parte a quem aproveite a decretação da nulidade), o que faço com fundamento no art. 282, §2º do CPC. As partes estão bem representadas. Presentes os pressupostos processuais e os requisitos de admissibilidade da demanda, passo à análise do mérito. Cuida-se de ação em que a parte autora requer a declaração da inexistência de débitos, bem como a condenação da parte requerida ao pagamento de repetição de indébito, em dobro, e compensação por danos morais. O caso dos autos se submete ao regime jurídico previsto no Código de Defesa do Consumidor, haja vista que as partes se amoldam nos conceitos de consumidor e fornecedor previstos nos arts. 2º e 3º do CDC. Vale destacar o enunciado da Súmula n. 297 do STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Compulsando-se os autos, a controvérsia reside na aferição da legalidade das cobranças e da eventual responsabilidade civil da parte requerida, decorrente de falha na prestação dos serviços. Quanto à distribuição do ônus da prova, aplica-se ao presente feito o disposto no art. 6º, VIII, do CDC, por estarem configuradas a relação de consumo e a hipossuficiência técnica, financeira e jurídica da parte autora. Vale ressaltar, contudo, que tal situação não afasta o ônus do consumidor de apresentar as provas mínimas de suas alegações, em especial quanto à apresentação de prova documental cuja produção esteja a seu alcance, como é o caso dos extratos bancários, em atenção inclusive ao dever de colaboração com a Justiça (art. 6º, CPC). A parte autora, em síntese, relata que a parte requerida vem realizando descontos de tarifas bancárias, os quais reputa indevidos, pois não teria assinado qualquer contrato. Para corroborar a sua argumentação, apresentou extratos bancários de ID 62179244. Assim, embora a instituição bancária não tenha trazido aos autos instrumento contratual acerca das tarifas ora contestadas neste feito, não é possível presumir que o contrato de conta corrente entre autora e o banco não acarretaria nenhum ônus ao correntista. Do mesmo modo, os extratos apresentados pela parte demandante indicam que a consumidora é cliente da requerida pelo menos desde o ano de 2016. Assim, observa-se o uso continuado dos serviços bancários, dentre os quais exemplificam-se saques, transferências, compras, sendo relevante ressaltar que diversos não são impugnados na petição inicial. Da mesma forma, não há qualquer comprovação de questionamento administrativo prévio ou oposição, o que evidencia a adesão voluntária pela parte autora ou até mesmo a aceitação tácita das cobranças legítimas pela cesta de serviços (art. 111 do CC). Diante disso, constata-se que a cobrança da tarifa se justifica ante a ampla utilização dos serviços do banco pela autora e que foram prestados em conformidade aos termos contratuais previstos na TARIFA BANCÁRIA, a qual aderiu resta clara a aderência pelo demandante. Nesse sentido, assim decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Pará, senão veja-se: EMENTA APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C CONVERSÃO DE CONTA CORRENTE PARA CONTA CORRENTE COM PACOTE DE SERVIÇOS ESSENCIAIS – TARIFA ZERO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – SERVIÇOS BANCÁRIOS – DESCONTOS DE TARIFAS BANCÁRIAS – EXTRATOS APRESENTADOS PELA PARTE AUTORA QUE COMPROVARAM A UTILIZAÇÃO DE SERVIÇOS BANCÁRIOS COMO EMPRÉSTIMOS E PAGAMENTOS – POSSIBILIDADE DE COBRANÇA A TÍTULO DE CONTRAPRESTAÇÃO PELOS SERVIÇOS PRESTADOS – ILEGALIDADE NÃO CONSTATADA – LITIGÂNCIA MÁ-FÉ – INOCORRÊNCIA – MULTA QUE DEVE SER AFASTADA – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1 – Cinge-se a controvérsia recursal à aferição da regularidade ou não da tarifa de serviços cobrada pela instituição financeira; a ausência de comprovação da contratação de conta bancária tarifada; a ocorrência de danos materiais e morais; bem assim o descabimento da condenação por litigância de má-fé. 2 – A teor do art. 2º, inciso I, da Resolução n. 3.919 do Banco Central do Brasil (BACEN), as contas com finalidade exclusiva de recebimento de salário ou aposentadoria, não devem ensejar na cobrança de tarifas. 3 – Porquanto o beneficiário se utilizar da conta somente para recebimento de salário (conta-salário) ou aposentadoria, é indevido o recolhimento de tarifas bancárias, entretanto, quando o correntista opta por usufruir demais serviços bancários, tal como a utilização de empréstimos, nasce o dever de pagar as tarifas legais pela utilização da conta, sendo, portanto, válida a cobrança. 4 – No caso em exame, restou demonstrado no ID. 12390623, que o recorrente se utilizava da conta para diversas operações bancárias, como saques, empréstimos pessoal e cartão de crédito, de modo que a conta deixou de ser somente para recebimento de benefício/salário, ensejando na cobrança das tarifas bancárias. 5 – Cumpre destacar, que o autor/apelante não nega a abertura da conta, tampouco a utilização dos serviços nela disponibilizados, de modo que a tarifa cobrada constitui mera decorrência lógica da sua operação, por obvio inexistira instrumento contratual específico para a tarifa impugnada. 6 – Outrossim, em que pese a improcedência da demanda, face a constatação da regularidade do negócio jurídico, não vislumbro a ocorrência das hipóteses previstas no citado art. 80 do CPC, razão pela qual entendo que a multa aplicada ao autor/apelante na sentença vergastada deve ser afastada. 7 – Recurso de Apelação Conhecido e Parcialmente Provido, apenas para afastar a aplicação da multa por litigância de má-fé, mantendo-se a sentença vergastada em todos os seus demais termos. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, onde figuram como partes as acima identificadas, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores membros da Colenda 2ª Turma de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará na Sessão Ordinária realizada em 14 de fevereiro de 2023 (Plenário Virtual), na presença do Exmo. Representante da Douta Procuradoria de Justiça, por unanimidade de votos, em CONHECER e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao Recurso de Apelação, nos termos do voto da Exma. Desembargadora Relatora Maria de Nazaré Saavedra Guimarães. MARIA DE NAZARÉ SAAVEDRA GUIMARÃES Desembargadora Relatora (TJPA – APELAÇÃO CÍVEL – Nº 0800622-14.2022.8.14.0130 – Relator(a): MARIA DE NAZARE SAAVEDRA GUIMARAES – 2ª Turma de Direito Privado – Julgado em 14/02/2023) No mesmo sentido, é o posicionamento da Turma Recursal do TJPA: EMENTA: RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. AUTORA NÃO COMPROVOU OS FATOS CONSTITUTIVOS DO DIREITO PLEITEADO. AUTORA QUE ASSINOU O CONTRATO DA CONTA CORRENTE INCLUINDO PACOTE DE SERVIÇOS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO NÃO COMPROVADA. DANO MATERIAL E MORAL NÃO CONFIGURADOS. ADEQUAÇÃO DA CONTA BANCÁRIA A GRATUIDADE PREVISTA NA RESOLUÇÃO DO BACEN Nº 3919, DE 25/11/2010. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Trata-se de recurso inominado do reclamado contra sentença que julgou procedente a ação de responsabilidade civil por prática abusiva c/c indenização por dano moral, material e concessão de antecipação de tutela. 2. Alegou a autora que é correntista do Banco Réu, possuidora da conta de n° 18749-6, agência n° 130-9, tendo como finalidade realizar movimentações financeiras. Aduziu que, mensalmente vem tendo o seu patrimônio invadido com descontos supostamente indevidos em sua conta corrente, a título de “Tarifa Pacote de Serviços”. Informou que, se dirigiu até a sua agência e falou com o seu gerente, a fim de proceder com o devido questionamento acerca das tarifas cobradas, ocasião que obteve a informação de que essas tarifas eram próprias da conta contratada. Asseverou que nunca aderiu a tais serviços específicos, sendo as cobranças indevidas. Pelo exposto, requereu a concessão de tutela de urgência, no sentido de impedir que este Banco, ora Contestante, proceda com novos descontos referentes às tarifas; cancelamento da tarifa pacote de serviços; devolução do valor descontado em dobro, bem como a condenação em danos morais que alega ter sofrido. 3. O juízo a quo julgou procedentes os pedidos para declarar a inexistência de relação jurídica entre as partes, declarando NULA a contratação da TARIFA DE PACOTE DE SERVIÇOS objeto dos presentes autos, firmado pelo requerente e o requerido. Condenou o banco reclamado a restituir em dobro dos valores indevidamente descontados, a ser apurado em fase de liquidação, limitado a cinco anos para trás, a contar da sentença, valor este a ser corrigido monetariamente pelo INPC do IBGE, a partir do efetivo prejuízo, ou seja, dos descontos indevidos, consoante súmula 43 do STJ, e acrescidos de juros de mora, que fixo em 1% ao mês, a contar da citação. E por fim, condenou o reclamado ao pagamento de indenização por danos morais à parte requerente, cujo valor fixou em R$ 10.000,00 (dez mil reais), conforme fundamentação, valor este a ser corrigido monetariamente pelo INPC do IBGE, a partir da sentença (data do arbitramento - súmula 362 do STJ) e acrescidos de juros de mora, de 1% ao mês, a contar a contar da citação. 4. O banco reclamado interpôs recurso inominado alegando que autora contratou o pacote de serviços, comprovando suas alegações através da juntada do contrato de abertura de conta devidamente assinado pela reclamante. Aduz que inexiste ato ilícito praticado pelo banco, e com isso inexistem danos materiais a serem ressarcidos e dano morais a serem indenizados. 5. Entendo que a sentença de 1º grau merece reforma. 6. Assiste razão ao banco recorrente. O Banco juntou, com a contestação, contrato assinado pela autora onde está especificado o pacote de serviços contratado (PACOTE DE SERVIÇOS – PF – MODALIDADE 40) e que teria vigência a partir de 01.08.2001. Não pode a autora alegar que não foi informada do pacote, que nunca aderiu ao mesmo, vez que assinou o contrato. 7. Vale dizer que o banco apresentou fato impeditivo do direito da autora, vez que comprovou que houve a regular contratação do pacote de serviços, motivo pelo qual entendo que não houve conduta ilícita do banco recorrente vez que apenas estava descontava parcela prevista contratualmente. 8. Ademais, causa espécie o fato da demandante alegar que desconhecia a cobrança de pacote de serviços que vinha sendo descontado regularmente de sua conta bancária desde o ano de 2001 e somente se insurgir contra essa cobrança no ano de 2017. 9. Nesse sentido, não há que se falar em inexistência de relação jurídica no que diz respeito a contratação de “pacote de serviços”. Consequentemente, inexistem danos materiais a serem restituídos e nem danos morais a serem indenizados. 10. Contudo, considerando o pedido formulado na exordial, bem como a expressa manifestação da demandante em não pretender utilizar e pagar o pacote de serviços vinculado a sua conta, determino a suspenção dos descontos relativos ao “pacote de serviços” para adequação da conta bancária da reclamante a gratuidade prevista na Resolução do BACEN nº 3919, de 25/11/2010. A referida adequação deverá vigorar a partir da data da sentença do ID 157174. 11. Diante do exposto, conheço do recurso e dou-lhe parcial provimento para afastar a declaração de nulidade da relação jurídica existente entre as partes, no que concerne a contratação de pacote de serviços, bem como a condenação por danos materiais e morais e determinar que a recorrente promova a adequação da conta bancária da reclamante a gratuidade prevista na Resolução do BACEN nº 3919, de 25/11/2010, devendo a referida adequação vigorar a partir da data da sentença do ID 157174. A súmula de julgamento servirá de acórdão, conforme regra do art. 46 da Lei nº. 9.099/95. Sem custas processuais e honorários advocatícios, ante o parcial provimento do recurso. (TJPA – 1ª Turma Recursal Permanente - 0800293-21.2017.8.14.0051 - RELATOR(A) DANIELLE DE CASSIA SILVEIRA BUHRNHEIM – DATA DO JULGAMENTO: 07/03/2019) Portanto, não se mostra crível e nem verossímil a alegação genérica apresentada pela parte autora de que somente no mês de março de 2022, época na qual foi ajuizada a ação, teria se dado conta da existência de descontos indevidos ocorridos desde o ano de 2016, sobretudo diante da duradoura relação contratual entre as partes e da inexistência de questionamento quanto aos débitos anteriores sob a mesma rubrica. Ainda, não se verifica a ocorrência de descontos em duplicidade, porquanto os débitos no mesmo mês decorrem da ausência de pagamento integral da(s) tarifa(s) referente(s) ao(s) mês(es) anterior(es). Não obstante, a alegação de ilegalidade das tarifas por serviços bancários, que vêm sendo cobradas meses, repise-se, encontra óbice na boa-fé objetiva, que assumiu a condição de valor supremo no âmbito das relações privadas, é verdadeira fonte de obrigações no direito civil contemporâneo e cria deveres de conduta aos participantes de uma relação jurídica, além de possuir funções interpretativa e limitadora do exercício de direitos subjetivos. No âmbito nos negócios jurídicos, de acordo com o art. 422 do CC, “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Do princípio da boa-fé contratual e, em especial, da sua função limitadora do exercício de direitos subjetivos, decorre o instituto da supressio, que é relacionado à omissão no exercício por um longo período, sendo assim conceituado por Luiz Rodrigues Wambier: “A supressio significa o desaparecimento de um direito, não exercido por um lapso de tempo, de modo a gerar no outro contratante ou naquele que se encontra no outro polo da relação jurídica a expectativa de que não seja mais exercido. Pode-se dizer que o que perdeu o direito teria abusado do direito de se omitir, mantendo comportamento reiteradamente omissivo, seguido de um surpreendente ato comissivo, com que já legitimamente não contava a outra parte.” (WAMBIER, Luiz Rodrigues. A suppressio e o direito à prestação de contas. Revista dos Tribunais, v. 101, n. 915, p. 279–293, jan., 2012) – grifou-se. Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto, a seu turno, assim versam sobre o instituto: “A supressio é a situação do direito que deixou de ser exercitado em determinada circunstância e não mais possa sê-lo por, de outra forma, contrariar a boa-fé. Seria um retardamento desleal no exercício do direito, pois a abstenção na realização do negócio jurídico cria na contraparte a representação de que esse direito não mais será atuado. A chave da supressio está na tutela da confiança da contraparte e na situação de aparência que a iludiu perante o não exercício do direito. Ressalta-se a desnecessidade de investigação do elemento anímico – dolo ou culpa – por parte do titular do direito, sendo a deslealdade apurada objetivamente com base na ofensa à tutela da confiança” (FARIAS, Cristiano Chaves de. Manual de Direito Civil – Volume Único. 7 ed. ver., ampl. e atual. São Paulo: Ed. Juspodvim, 2022, p. 757). Em outras palavras, a supressio impede o exercício de um direito, pelo seu não exercício, após prolongada postura omissiva. Assim, ainda que a parte requerida não tenha apresentado o instrumento contratual, a conduta omissiva da parte autora por longo lapso temporal, aliada à efetiva utilização dos serviços, já seria suficiente para fazer surgir a prestação obrigacional. Não se mostra razoável que, apenas meses do início dos descontos sob as rubricas de “tarifas”, durante os quais os serviços estiveram à disposição, a parte autora, convenientemente, venha buscar responsabilizar a parte requerida pelos débitos realizados desde o ano de 2016. Por oportuno, cumpre trazer à colação o entendimento dos Tribunais pátrios sobre o tema, em casos análogos envolvendo o questionamento de cobranças referentes a tarifas bancárias, in verbis: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CANCELAMENTO DE DESCONTOS INDEVIDOS C/C REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. SERVIÇO BANCÁRIO CONTRATADO. USO DE DIVERSOS SERVIÇOS E PRODUTOS BANCÁRIOS POR PARTE DA APELANTE. TAXA COBRADA DURANTE QUASE 5 ANOS. NÃO OPOSIÇÃO DA APELANTE. INCIDÊNCIA DA TEORIA DA SUPRESSIO E DA SURRECTIO. CABÍVEL. INÉRCIA PROLONGADA NO CASO CONCRETO. DANO MORAL E REPETIÇÃO DO INDÉBITO. INCABÍVEIS. RECURSO CONHECIDO E NEGADO PROVIMENTO. 1. O cerne da demanda consiste em verificar se é cabível a indenização por danos morais e materiais em virtude de o Banco apelado cobrar durante quase cinco anos uma tarifa pelos serviços prestados à apelante e usados por ela, sem a presença de cláusula específica sobre a referida tarifa no Contrato celebrado por ambos. 2. A apelante fez uso dos serviços bancários por quase cinco anos, pagando a tarifa bancária sem nenhuma oposição. 3. No caso sub judice, verifico a aplicação do instituto supressio, segundo o qual a inércia prolongada do exercício de determinado direito enseja ao seu titular a impossibilidade de praticá-lo e, por consequência, faz nascer um direito à parte contrária, ao que se denomina surrectio. 4. A boa-fé como regra de conduta revela que a consumidora que anuiu a cobrança de tarifa de forma tácita, utilizando os serviços oferecidos, após quase cinco anos, afirmar que a tarifa é ilícita, está agindo de forma contraditória. 5. Recurso de Apelação conhecido e negado provimento. (TJ-CE - AC: 02002738020228060163 São Benedito, Relator: CARLOS AUGUSTO GOMES CORREIA, Data de Julgamento: 22/02/2023, 1ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 22/02/2023) APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. ALEGAÇÃO DE COBRANÇA ABUSIVA DE TARIFA DE CESTA BÁSICA DE CONTA CORRENTE SEM PRÉVIA INFORMAÇÃO E CONSENTIMENTO DA CONSUMIDORA. AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO DE FATO DO SERVIÇO, QUE É APENAS OCORRENTE EM RAZÃO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO QUE GERA DANO EM RAZÃO DA NÃO ATENÇÃO DO FORNECEDOR À GARANTIA DA SEGURANÇA QUE DELE NATURALMENTE SE ESPERA. CONDUTA DENUNCIADA QUE AMOLDA-SE AO DISPOSTO NO ART. 39, V, DO CDC, COMO PRÁTICA ABUSIVA. NÃO INCIDÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL DE 05 (CINCO) ANOS. NORMA DO ART. 27 DO CDC APENAS APLICÁVEL A SITUAÇÕES DE DEFEITO NO SERVIÇO OU PRODUTO. INEXISTÊNCIA DE NORMA DE EXTENSÃO A FAZER INCIDIR TAL PRAZO PRESCRICIONAL ESTENDIDO ÀS SITUAÇÕES DE VÍCIO DO PRODUTO OU SERVIÇO OU PRÁTICA ABUSIVA. INCIDÊNCIA DA REGRA GERAL DO ART. 206, § 3º, IV E V, DO CC QUANTO ÀS PRETENSÕES RESSARCITÓRIA E REPARATÓRIA IN CASU DA CONSUMIDORA. DECLARAÇÃO DA PRESCRIÇÃO DE PARTE DA PRETENSÃO RESSARCITÓRIA MOVIDA. EXAME DO MÉRITO. FATO CONTROVERSO ATINENTE À DA INFORMAÇÃO À CONSUMIDORA DA TARIFA DE CESTA BÁSICA DA CONTA CORRENTE E ANUÊNCIA DESTA AO PAGAMENTO MENSAL. CIÊNCIA E UTILIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PELA CONSUMIDORA. AUSÊNCIA DE INCONFORMISMO ATÉ O AJUIZAMENTO DA AÇÃO. ACEITAÇÃO TÁCITA DA NOVA CESTA DE SERVIÇOS. COMPORTAMENTO QUE FEZ SURGIR A PRESTAÇÃO OBRIGACIONAL NÃO PACTUADA PREVIAMENTE. SUPRESSIO E SURRECTIO. PROIBIÇÃO DO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. APELAÇÕES CÍVEIS CONHECIDAS, COM PROVIMENTO DO RECURSO DO BANCO FORNECEDOR E DESPROVIMENTO DA APELAÇÃO DA CONSUMIDORA. 1. O defeito do serviço apenas se configura caso que reste configurado que o serviço fora prestado sem a segurança que, normal e regularmente, esperava o consumidor contratante dele decorrer, conforme requisito expresso do art. 14, § 1º, do CDC. 2. Existência de norma expressa do CDC prevendo tal conduta narrada como prática abusiva, vide art. 39, V, do dito Códex. 3. Prescrição quinquenal prevista no art. 27 do CDC que apenas aplica-se a situações de fato do produto ou serviço e, ante a inexistência de norma legal expressa de extensão, impossível a sua aplicação às situações de vício do produto ou serviço ou de prática abusiva, incidindo, em tais casos, o prazo prescricional geral de 03 (três) anos, previsto no art. 206, § 3º, IV e V, do CC, sobre as pretensões ressarcitória e reparatória dos consumidores lesados. 4. Prescrição evidenciada de parte da pretensão ressarcitória, quanto às tarifas questionadas de agosto de 2017 para trás. 5. Quanto ao mérito, inobstante a relação consumerista no caso, a atuação omissa e permissiva da consumidora durante o transcurso do tempo, de mais de 05 (cinco) anos, diga-se, fez surgir entre os contratantes uma prestação obrigacional não previamente pactuada, em evidente expressão da supressio e surrectio, fenômenos jurídicos que consagram o princípio da boa-fé objetiva. 6. Considerando que, na espécie, a consumidora utilizou-se dos serviços da cesta de serviços bancários questionada durante considerável lapso temporal, sem oposição à cobrança, afigura-se legítima a atuação da instituição financeira, inexistindo ato ilegal capaz de gerar o dever de indenizar. 7. Apelações Cíveis conhecida e, no mérito, provida apenas a manejada pela instituição financeira. (TJ-PB - AC: 08030159120208150181, Relator: Des. Luiz Sílvio Ramalho Júnior, 2ª Câmara Cível) AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÍVIDA COM PEDIDO INDENIZATÓRIO. COBRANÇA DE CESTA DE TARIFA BANCÁRIA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA QUE RECONHECEU A INEXIGIBILIDADE DA COBRANÇA. IRRESIGNAÇÃO DE AMBAS AS PARTES. AUTOR QUE BUSCA A DEVOLUÇÃO EM DOBRO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECURSO DO RÉU QUE BUSCA O RECONHECIMENTO DA REGULARIDADE DA COBRANÇA. A IRRESIGNAÇÃO DO RÉU DEVE SER ACOLHIDA. COBRANÇA INSTITUÍDA HÁ CERCA DE 15 (QUINZE) ANOS SEM QUALQUER OPOSIÇÃO DO AUTOR. CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA. APLICAÇÃO DA TEORIA DA SUPRESSIO, SURRECTIO E VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. RECURSO DO RÉU PROVIDO. PREJUDICADO O APELO DO AUTOR. (TJ-SP - AC: 10045019220228260168 Dracena, Relator: César Zalaf, Data de Julgamento: 28/07/2023, 14ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/07/2023) JUIZADO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PRETENSÃO DE DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO SOB ALEGAÇÃO DE NÃO CONTRATAÇÃO DE CESTA DE SERVIÇOS, EM RAZÃO DA QUAL ESTARIA A PARTE AUTORA SENDO COBRADA MENSALMENTE POR VALORES VARIADOS (R$ 19,90, R$ 39,49, R$ 41,90). AJUIZAMENTO EM 09.09.2021, MAIS DE 5 (CINCO) ANOS DESDE O INÍCIO DAS COBRANÇAS. APESAR DA AUTORA AFIRMAR QUE AS COBRANÇAS TERIAM SIDO INICIADAS EM DEZEMBRO DE 2020, EXTRATO DISPOSTO NO BOJO DA CONTESTAÇÃO EVIDENCIA QUE OS LANÇAMENTOS OCORREM DESDE DEZEMBRO DE 2016. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER RECLAMAÇÃO ADMINISTRATIVA. PLEITO QUE CONTRARIA A BOA-FÉ OBJETIVA, UMA VEZ QUE OS INSTITUTOS DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM E SUPRESSIO ATRIBUEM RELEVÂNCIA JURÍDICA AO COMPORTAMENTO, INCLUSIVE OMISSIVO, QUE SE REITERA AO LONGO DO TEMPO. INÉRCIA DA CONSUMIDORA QUE GEROU LEGÍTIMA EXPECTATIVA DE REGULARIDADE DOS SERVIÇOS SOBRE O FORNECEDOR. RECURSO PROVIDO PARA JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS. (...) (TJ-BA - RI: 00011309520218050059 COARACI, Relator: NICIA OLGA ANDRADE DE SOUZA DANTAS, PRIMEIRA TURMA RECURSAL, Data de Publicação: 20/11/2022) EMENTA: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. COBRANÇA DE TARIFA BANCÁRIA. CESTA FÁCIL SUPER. PAGAMENTO QUE SE PERPETUOU NO TEMPO. INÉRCIA DA PARTE AUTORA. APLICAÇÃO DOS INSTITUTOS DA “SUPRESSIO” E “SURRECTIO”. SITUAÇÃO JURÍDICA CONSOLIDADA. COBRANÇAS VÁLIDAS. DEVER DE REPARAR NÃO VERIFICADO. RESTITUIÇÃO SOMENTE DA TARIFA COBRADA EM DUPLICIDADE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJ-PR - RI: 00640726920198160014 Londrina 0064072-69.2019.8.16.0014 (Acórdão), Relator: Melissa de Azevedo Olivas, Data de Julgamento: 22/03/2021, 1ª Turma Recursal, Data de Publicação: 22/03/2021) Portanto, não se vislumbra qualquer abusividade na cobrança das tarifas questionadas na petição inicial. Vale frisar que ninguém é obrigado a permanecer vinculado contratualmente, o que não impede que a parte autora solicite ao banco, a qualquer tempo, o cancelamento dos serviços que não tenha mais interesse, ou até mesmo opte pela contratação de outra instituição financeira. Deste modo, considerando tais fatores, que afastam (ainda mais) a verossimilhança do lacônico relato feito na petição inicial, e os documentos apresentados pela parte requerida, em atenção ao disposto no art. 369 e 371 do CPC, é de reconhecer que o conjunto probatório nos autos é suficiente para demonstrar a origem e a legitimidade dos descontos, não havendo que se falar em débitos inexistentes. Nesse passo, quanto aos pedidos de repetição de indébito em dobro e compensação por danos morais, constatada a regularidade dos descontos realizados, e inexistindo qualquer indicativo de falha na prestação dos serviços, não há que se falar em cobrança indevida ou em ato ilícito/abusivo praticados pela instituição financeira, em atenção ao disposto no art. 188, I, do CC, sendo inviável o acolhimento dos pedidos. Portanto, a improcedência total dos pedidos da parte autora é medida que se impõe. 3. DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial, nos termos do art. 487, I, do CPC. Sem custas e honorários nos termos dos artigos 54 e 55 da lei nº 9.099/95. Após o trânsito em julgado, não havendo qualquer requerimento ou interposição de recurso, arquivem-se os autos. P.R.I. Servirá a presente, por cópia digitada, como mandado, ofício, notificação e carta precatória para as comunicações necessárias (Provimento nº 003/2009CJRMB-TJPA). Breu Branco, data registrada no sistema. FRANCISCO WALTER RÊGO BATISTA Juiz de Direito integrante do Núcleo de Justiça 4.0 - Grupo de Assessoramento e Suporte do 1º Grau - Núcleo de Empréstimos Consignados e Contratos Bancários, Saúde, Violência Doméstica e Ações Com Aplicação Do Precedente Firmado No IRDR nº 4, auxiliando a Vara Única de Breu Branco (Portaria nº 3.357/2024-GP, de 09 de julho de 2024) (documento assinado digitalmente na forma da Lei nº 11.419/2006)
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