Processo nº 1036325-65.2023.8.11.0002
ID: 333998700
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1036325-65.2023.8.11.0002
Data de Disponibilização:
24/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LUIS FELIPE MONTEIRO DA SILVA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL NÚMERO ÚNICO: 1036325-65.2023.8.11.0002 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) ASSUNTO: [RECEPTAÇÃO, ROUBO MAJORADO] RELATOR: DES. JORGE LUIZ T…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL NÚMERO ÚNICO: 1036325-65.2023.8.11.0002 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) ASSUNTO: [RECEPTAÇÃO, ROUBO MAJORADO] RELATOR: DES. JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES Turma Julgadora: [DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO] Parte(s): [POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), GABRIEL BATISTA LEITE - CPF: 058.316.851-52 (APELANTE), JHOICE GEISE BARBOSA GOMES - CPF: 042.968.191-78 (APELANTE), JEAN CARLOS PEREIRA - CPF: 037.787.481-73 (ADVOGADO), MAURICIO DA SILVA FERNANDES - CPF: 065.124.991-07 (APELANTE), LUIS FELIPE MONTEIRO DA SILVA - CPF: 033.603.051-75 (ADVOGADO), DIVINA DA CONCEICAO SILVA - CPF: 062.631.631-60 (TERCEIRO INTERESSADO), BRUNA RAYELI GROTH - CPF: 023.048.921-40 (VÍTIMA), FABIO STEPHANO FRANCO MARCENA - CPF: 033.201.841-56 (VÍTIMA), ALINE BATISTA BENTO - CPF: 034.457.011-80 (ADVOGADO), JHOICE GEISE BARBOSA GOMES - CPF: 042.968.191-78 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO MAJORADO E ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR. PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO DO DELITO DE ROUBO. IMPOSSIBILIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL DE UM DOS AGENTES. POSSE RECENTE DE BEM SUBTRAÍDO. DEPOIMENTOS DAS VÍTIMAS E TESTEMUNHAS COERENTES. DESCLASSIFICAÇÃO DE ROUBO PARA RECEPTAÇÃO. INVIABILIDADE. COMPROVADA A COAUTORIA NO DELITO DE ROUBO. DESCLASSIFICAÇÃO DE CONCURSO FORMAL PARA CRIME ÚNICO. ACOLHIMENTO. INEXISTÊNCIA DE SUBTRAÇÃO PATRIMONIAL EM RELAÇÃO A UMA DAS VÍTIMAS. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO DO DELITO DE ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR. IMPOSSIBILIDADE. CONFIGURADO DOLO EVENTUAL. RECONHECIMENTO DE CONTINUIDADE DELITIVA ENTRE OS ROUBOS. ADEQUAÇÃO DA DOSIMETRIA. AFASTAMENTO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DAS “CONSEQUÊNCIAS DO CRIME” COM EXTENSÃO AO SEGUNDO APELANTE. DETRAÇÃO PENAL COM EFEITO IMEDIATO QUANTO A UM DOS RÉUS. REGIME SEMIABERTO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame: Trata-se de apelações interpostas contra sentença proferida pela 3ª Vara Criminal de Cuiabá/MT que condenou os recorrentes pelos crimes de roubo majorado e adulteração de sinal identificador de veículo automotor, ocorridos entre os dias 8 e 10 de outubro de 2023, em concurso de agentes e mediante grave ameaça com arma de fogo, por terem subtraído dois veículos pertencentes a vítimas distintas. Em um dos crimes, duas mulheres foram abordadas e tiveram o automóvel levado; no outro, a vítima foi rendida e colocada no porta-malas do carro durante o roubo. Posteriormente, os veículos foram localizados, sendo um dos apelantes encontrado no interior de um deles, já sem placas. II. Questão em discussão: 2. Há quatro questões em discussão, analisar se: (I) é possível a absolvição dos apelantes diante da ausência de reconhecimento direto pelas vítimas; (II) é aplicável a desclassificação do crime de roubo para receptação diante da posse recente de bem subtraído; (III) deve ser afastado o concurso formal em relação ao roubo praticado contra duas vítimas, quando apenas uma sofreu efetiva subtração patrimonial; (IV) a negativação da circunstância judicial “consequências do crime” deve ser fastada por fundamentação inidônea; (V) a continuidade delitiva está configurada entre os dois roubos praticados com modus operandi semelhantes; (VI) a detração penal deve ser reconhecida de imediato, com reflexo no regime inicial de pena. III. Razões de decidir: 3. A condenação é imperiosa quando há provas robustas, com destaque para a confissão extrajudicial, posse recente dos veículos subtraídos, depoimentos de policiais e vítimas que, mesmo sem o reconhecimento direto, confirmaram a dinâmica dos crimes. 4. A tese de desclassificação para receptação foi rechaçada, diante da prova de coautoria e do contexto da prisão em flagrante com os bens roubados. 5. Reconheceu-se a tese defensiva de que não houve subtração patrimonial em relação a uma das vítimas, afastando-se o concurso formal, reconhecendo-se crime único quanto ao episódio. 6. Identificou-se a continuidade delitiva entre os roubos praticados em datas próximas, com mesmo modo de execução e em localidades vizinhas. 7. Afastou-se a valoração negativa das consequências do crime, por não extrapolarem os efeitos ordinários do tipo penal. 8. Foi acolhida o pedido de detração penal quanto a um dos réus, reduzindo-se a pena e fixando-se o regime semiaberto para início de cumprimento. IV. Dispositivo e tese: 5. Recurso parcialmente provido. Teses de julgamento: "1. A posse recente de bem subtraído, aliada a provas testemunhais e confissão extrajudicial, autoriza a condenação por roubo majorado, ainda que ausente o reconhecimento direto pelas vítimas. 2. É inviável a desclassificação de roubo para receptação quando comprovada a coautoria e a ciência da origem ilícita dos bens. 3. A configuração do crime de roubo exige subtração patrimonial efetiva; não havendo lesão a mais de um patrimônio, trata-se de crime único. 4. A continuidade delitiva exige identidade de condições de tempo, lugar, modo de execução e unidade de desígnios, sendo viável sua aplicação quando presentes tais requisitos. 5. O prejuízo material inerente aos crimes patrimoniais, sem demonstração de excepcional gravidade, não justifica a exasperação da pena-base pela valoração negativa das consequências do crime. 6. A detração penal deve ser considerada de imediato quando implicar alteração do regime inicial de cumprimento da pena." Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 59, 69, 70, 71, 157, § 2º, II; 311, § 2º, III. CPP, arts. 386, I, III, VII e VIII; 387, § 2º. Jurisprudências relevantes citadas: STJ, AgRg no REsp n. 2.015.055/MG, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 04/10/2022. STJ, AgRg no REsp n. 2.048.133/MG, rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 22/05/2023. STJ, AgRg no HC n. 790.919/DF, rel. Min. Messod Azulay Neto, DJe 01/12/2023. STJ, AgRg no REsp n. 700.516/BA, rel. Min. Gilson Dipp, DJ 04/04/2005. TJMT, Apelação n. 0015459-11.2015.8.11.0042, Rel. Des. Marcos Machado, DJe 23/01/2018. TJMT, N.U 1000026-33.2021.8.11.0108, Rel. Des. Paulo Sergio Carreira de Souza, DJe 04/04/2025. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES (RELATOR): Egrégia Câmara: Trata-se de Recurso de Apelação Criminal interposto por MAURÍCIO DA SILVA FERNANDES e GABRIEL BATISTA LEITE, pretendendo a reforma da sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT, que condenou: a) MAURÍCIO DA SILVA FERNANDES, como incurso nas penas do artigo 157, § 2º, inciso II, do Código Penal, por duas vezes (duas vítimas), e do artigo 157, § 2º, inciso II, na forma tentada, impondo-lhe a pena de 11 (onze) anos, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, e 35 (trinta e cinco) dias-multa, em regime inicial fechado; b) GABRIEL BATISTA LEITE, como incurso nas penas dos artigos 157, § 2º, inciso II, e 311, caput, ambos do Código Penal, impondo-lhe a pena de 08 (oito) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 25 (vinte e cinco) dias-multa, em regime inicial fechado. Em suas razões recursais, no mérito, Maurício da Silva Fernandes pugna pela absolvição quanto aos roubos qualificados (1º e 2º fatos), com fundamento no art. 386, VII, do CPP e, à guisa de preliminar, requer, o reconhecimento da ocorrência de crime único em relação à vítima Silvana. Subsidiariamente, postula o afastamento do concurso material, com reconhecimento da continuidade delitiva (aplicação da fração de aumento de 1/6, conforme Súmula 659 do STJ), realização da detração penal e fixação de regime semiaberto, caso a pena seja inferior a 8 anos, com expedição de alvará de soltura. Por sua vez, Gabriel Batista Leite requer a absolvição quanto ao delito de roubo qualificado contra a vítima Fábio Stephano Franco Marcena. Subsidiariamente, a desclassificação da conduta de roubo majorado para o crime de receptação (art. 180, caput, do CP), alegando ausência de provas. No que se refere ao crime de adulteração de sinal identificador de veículo, pleiteia a absolvição com fulcro no art. 386, VII, do CPP. Requer ainda a redução da pena-base ao mínimo legal, aplicação da detração penal e modificação do regime inicial de cumprimento da pena para o semiaberto. Ao final, ambos os apelantes prequestionam a matéria legal e constitucional envolvida na presente causa, para efeitos de eventual recurso especial e extraordinário. Em contrarrazões, o Ministério Público requereu o desprovimento dos recursos defensivos. Na sequência, a douta Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso interposto por Maurício da Silva Fernandes, e pelo provimento parcial do recurso interposto pelo apelante Gabriel Batista Leite, tão somente para reconhecer e aplicar a detração penal. É o relatório. PARECER ORAL EXMA. SRA. DRA. KÁTIA MARIA AGUILERA RÍSPOLI (PROCURADORA DE JUSTIÇA): Ratifico o parecer escrito. SUSTENTAÇÃO ORAL USOU DA PALAVRA O ADVOGADO LUIS FELIPE MONTEIRO DA SILVA, OAB/MT 23836-O. V O T O EXMO. SR. DES. JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES (RELATOR): Egrégia Câmara: O recurso é cabível (CPP, art. 593, I), manejado por quem tem interesse (CPP, art. 577) e não se verifica hipótese de extinção de punibilidade (CP, art. 107). Em breve síntese, ressai da denúncia a seguinte narrativa fática: “(...) I. DO ROUBO MAJORADO CONTRA VÍTIMA BRUNA RAYELI GROTH Ressai dos autos que na data de 08/10/2023, por volta das 23:00h, em via pública, mais especificamente na Avenida Jornalista Roberto Jacques Brunini, nº 11, Bairro Grande Terceiro, próximo ao estabelecimento comercial denominado "Meu Bar”, nesta urbe e comarca, os denunciados MAURÍCIO DA SILVA FERNANDES, JHOICE GEISE BARBOSA GOMES e terceiro autor não identificado, previamente ajustados, com unidade de desígnios, com inequívoco animus rem sib habendi, mediante grave ameaça exercida com emprego de arma de fogo, subtraíram para si ou para outrem, 01 (uma) bolsa contendo remédios, seringas e estetoscópio, 01 (uma) bolsa de primeiros socorros de cor vermelha, 01 (um) celular Iphone 11, marca Apple, cor preta, capa rosa, 01 (um) veículo Hyundai, HB20, 1.0, cor marrom, 2015/2016, placa PWW-1725, Chassi 9BHBG51CAGP526007, avaliado em R$ 47.944,00 (Auto de Avaliação Indireta – Id. 132378923), da vítima Bruna Rayeli Groth e de sua amiga (2 vítimas). II. DO ROUBO MAJORADO DA VÍTIMA FÁBIO STEPHANO FRANCO MARCENA Conforme consta dos autos, na data de 10/10/2023, por volta das 22:10h, em via pública, mais especificamente na Rua Cisne Branco, bairro Barra do Pari, em Cuiabá/MT, próximo ao Templo São Benedito, nesta urbe e comarca, os denunciados MAURÍCIO DA SILVA FERNANDES, GABRIEL BATISTA LEITE e um terceiro não identificado, previamente ajustados, com unidade de desígnios, com inequívoco animus rem sib habendi, mediante grave ameaça exercida com emprego de arma de fogo, subtraíram para si ou para outrem, 01 (uma) mochila preta, 01 (um) celular Poccophone x3 Pro, 01 (um) veículo Honda/City LX CVT, cor preto, 2016/2016, Placa QBQ-8921, Chassi 93HGM6650GZ214082, avaliado em R$ 66.222,00 (Auto de Avaliação Indireta – Id. 132378924), da vítima Fábio Stephano Franco Marcena. IIII – DA ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR HONDA CITY Conforme ainda comprovado nos autos, entre os dias 08/10/23 e 11/10/2023, os denunciados JHOICE GEISE BARBOSA GOMES e MAURÍCIO DA SILVA FERNANDES, previamente ajustados, com unidade de desígnios, adulteraram a placa PWW-1725 do veículo Hyundai HB20, 1.0, cor marrom, 2015/2016, Chassi 9BHBG51CAGP526007, substituindo-a pela placa QAE-3G22, que não era do mencionado veículo, sem autorização do órgão competente. É dos autos, ainda, que no dia 11/10/23, por volta das 09h00, JHOICE utilizou referido veículo com placa adulterada, em proveito próprio, tendo conhecimento de tal ilegalidade. IV – DA ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR HONDA CITY Conforme ainda comprovado nos autos, na data de 11/10/2023, por volta das 09h00min, em via pública no Bairro Jardim Paula I, em Várzea Grande/MT, os denunciados GABRIEL BATISTA LEITE e MAURÍCIO DA SILVA FERNANDES, previamente ajustados, com unidade de desígnios, suprimiram a placa QBQ-8921, que identificava o veículo automotor Honda/City LX CVT, cor preto, 2016/2016, Chassi 93HGM6650GZ214082, sem autorização do órgão competente. V. DO PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO, ACESSÓRIO OU MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO Segundo foi apurado na data 11 de outubro de 2023, por volta das 09h20min, em via pública, mais especificamente na Rua Maranhão, Bairro Nova Várzea Grande, em Várzea Grande/MT, MAURÍCIO DA SILVA FERNANDES portou munição de uso restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, consistente em 01 (uma) munição de calibre .357, intacta e eficiente para produção de tiros...” (Sic - id. 269499311) Após regular processamento, o Juízo singular prolatou sentença condenando os réus, ora apelantes Maurício da Silva Fernandes e Gabriel Batista Leite, pela prática do crime de roubo majorado e este último ainda, pelo delito de adulteração de sinal identificador de veículo automotor. Por outro lado, absolveu Maurício das imputações relativas aos artigos 311 do Código Penal e 14 da Lei do Desarmamento, nos termos do artigo 386, incisos III e VIII, do Código de Processo Penal. Por sua vez, a corré Jhoice Geise Barbosa Gomes foi absolvida do delito de roubo, e condenada pelos delitos de receptação e adulteração de sinal identificador de veículo automotor, todavia, não interpôs recurso contra a decisão. PRELIMINAR Embora a defesa tenha especificado o pedido de reconhecimento de crime único como questão preliminar, entendo que tal arguição não ostenta natureza processual a justificar sua análise sob esse prisma. Trata-se, em verdade, de matéria atinente ao juízo de tipicidade penal e à correta subsunção jurídica dos fatos ao tipo legal, razão pela qual sua apreciação deve ocorrer no âmbito do mérito recursal, onde se examina o acerto ou desacerto da capitulação jurídica adotada na sentença, especialmente quanto à configuração do concurso formal ou da unidade delitiva, motivo pelo qual deixo para analisá-lo por ocasião do mérito. MÉRITO. Em relação a pretensão de absolvição do delito de roubo majorado, não assiste razão à defesa. A materialidade delitiva está devidamente comprovada pelo Auto de Prisão em Flagrante Delito de id. 269498833; Termo de Apreensão de id. 269498837; Boletim de Ocorrência nº 2023.289063 de id. 269498840; Avaliação indireta nº 2023.16.433946 de id. 269499291; Relatório de investigação nº 293/2023 de id. 269499272. A autoria se comprova a partir das provas e dos elementos de informação colhidos ao longo da instrução processual penal, em sede inquisitiva e em juízo. A despeito da ausência de reconhecimento direto pelas vítimas, o conjunto probatório revela-se harmônico e coerente, permitindo a manutenção da condenação. Observa-se, que o próprio réu Maurício, na fase policial, confessou espontaneamente a prática dos crimes, afirmando que “estava na companhia de Gabriel e Thiago”, e que sua função nos assaltos era “dirigir os veículos”, tendo ainda declarado que “a intenção era vender os veículos para conseguir dinheiro”. Essa confissão, colhida no calor dos acontecimentos, possui valor probante, especialmente por ter sido confirmada por meio de outras provas obtidas de forma autônoma e convergente, que serão apresentadas logo abaixo. Por outro lado, em que pese o apelante Maurício tenha se retratado em juízo, dizendo, que "não tem nenhuma relação com os carros apreendidos", tal retratação isolada não possui força para infirmar as demais provas, conforme ressai do Enunciado 11 deste Tribunal de Justiça. “A confissão feita no inquérito policial, embora retratada em juízo, tem valor probatório sempre que confirmada por outros elementos de prova.” (TJMT, Enunciado Criminal 11). Quanto a Gabriel, embora tenha exercido o direito ao silêncio na fase policial e, posteriormente, em juízo, tenha negado participação nos crimes afirmando que “apenas recebeu o carro para consertar”, a versão apresentada é incompatível com as circunstâncias objetivas apuradas. No tocante, a esta questão, é relevante destacar, que Gabriel Batista Leite foi encontrado no interior do veículo Honda City, roubado de Fábio, em um endereço, cujo imóvel foi indicado pelo corréu Maurício, e sem as placas de identificação. A posse recente de bem furtado ou roubado, nos termos da jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, gera presunção relativa de autoria, a qual o réu não conseguiu elidir com explicação plausível. Sua alegação de que teria recebido o veículo de um “tal de Leonardo”, além de vaga, carece de mínima corroboração probatória. Tal afirmação, por si só, já confere robustez à confissão de Maurício, prestada em sede policial, que afirmou categoricamente que “estava na companhia de Gabriel e Thiago”, além de relatar sua função de motorista e detalhar o destino final dos veículos roubados. A narrativa da vítima Fábio Stephano Franco Marcena foi firme e coerente, descrevendo a violência e a forma como o crime se deu. Consta dos autos que, ao sair do culto no bairro Barra do Pari, foi surpreendido por dois indivíduos armados que o abordaram e o colocaram à força no porta-malas de seu veículo: “desceram do carro dois meninos com arma de fogo, e me puxaram pra fora, pegaram o celular da minha mão […] me colocaram lá dentro [do porta-malas]”. Ainda que tenha afirmado “eu não olhei para eles por medo da arma”, a vítima não deixou dúvidas quanto à dinâmica criminosa violenta. Embora a vítima Fábio não tenha reconhecido os agentes, a condenação de Gabriel e Maurício não se amparou em elementos subjetivos, mas sim em um encadeamento lógico de fatos confirmados por testemunhas e pela conduta dos próprios réus. Neste sentido, vejamos as declarações judiciais do policial Benedito Silva Bandeira, que de forma categórica afirmou que “os réus falaram que tinham feito o assalto” e que durante a abordagem policial, “um conseguiu pular o muro e fugir, que esse era o principal (Thiago)”. Em relação a vítima Bruna Rayeli Groth, embora o reconhecimento direto também não tenha sido possível, a estrutura fática relatada pelas vítimas corrobora os demais elementos dos autos. Bruna declarou que “foram abordadas por três indivíduos, dentre eles uma mulher”, e que um dos autores “portava arma de fogo”. Silvana, que também estava no veículo, afirmou com clareza: “a pessoa que me abordou era uma menina […] e eu vi outro homem entrando no banco de trás do carro”. Embora ambas não tenham conseguido identificar os autores com precisão, foram firmes em relatar a dinâmica do crime e a existência de três agentes, o que se harmoniza com a confissão extrajudicial de Maurício. Importante ainda ressaltar que a corré Jhoice, quando detida em flagrante, apontou Maurício e Gabriel como responsáveis pelos roubos, narrando que “Gabriel e Maurício são quem realizam os roubos em Cuiabá” e que “o carro Honda City estava na casa indicada por Maurício”. Tal revelação não pode ser desconsiderada, especialmente por ter sido confirmada pela ação policial subsequente, que localizou Gabriel exatamente no local indicado. Nesse contexto, a alegação de ausência de reconhecimento direto pelas vítimas não fragiliza o conjunto probatório. A jurisprudência pátria é firme no sentido de que, embora o reconhecimento pessoal seja elemento probatório relevante, ele não é condição sine qua non para a condenação, desde que outros elementos, como a confissão, a apreensão de bem subtraído e a narrativa testemunhal, apontem com segurança para a autoria. Assim, diante da convergência entre as confissões extrajudiciais, os depoimentos firmes das vítimas e testemunhas, e a prisão em flagrante de Gabriel e Maurício na posse dos bens roubados, a condenação de ambos pelos crimes de roubo majorado deve ser mantida, porquanto amparada em prova robusta, segura e harmônica. Não se vislumbra qualquer dúvida razoável apta a justificar a absolvição dos réus, devendo prevalecer o juízo condenatório proferido em primeira instância. Diante deste cenário, entendo que a simples negativa de autoria por parte dos apelantes Gabriel e Maurício, desacompanhada de qualquer substrato probatório apto a respaldá-la, não é o suficiente para absolvê-los dos eventos criminosos que lhes foram atribuídos. Registro, ainda, por ser importante que os depoimentos dos policiais são consentâneos às demais provas jungidas nos autos, inexistindo razões para afastar o édito condenatório, nos termos do Enunciado Orientativo n. 8, da Turma de Câmaras Criminais Reunidas, que pacificou o entendimento de que “os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal". Ademais, a jurisprudência vem entendendo que, em delitos dessa natureza, geralmente cometidos na clandestinidade, a palavra da vítima reveste-se de elevado valor probatório, servindo de fundamento à condenação, especialmente se confirmada por outros elementos probatórios, como no caso. (STJ, AgRg no AREsp n. 2.192.286/RS) Acresça-se que, os apelantes, foram presos em flagrante em poder dos bens subtraídos, com confissão dos delitos pelo apelante Maurício, pelo que impõe-se manter a condenação pelo delito de roubo majorado. Veja-se jurisprudência aplicável ao caso: “quando a materialidade e autoria restarem devidamente comprovadas pelos depoimentos, tanto da vítima como das demais testemunhas, quando em harmonia com o conjunto probatório carreado aos autos.” (TJ-MT 00046564920168110004 MT, Relator: PAULO DA CUNHA, Data de Julgamento: 15/12/2021, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: 16/12/2021). Conclusivamente, havendo provas da materialidade e fundamentos suficientes quanto à autoria dos crimes imputados aos apelantes, tudo a confirmar a ocorrência das práticas delituosas, não há que se falar em absolvição ou ausência de provas, pois os depoimentos dos policiais e das vítimas, desde que uníssonos e harmônicos com as demais provas, são revestidos de validade. Quanto ao pedido de desclassificação do crime de roubo majorado para receptação, postulado por Gabriel, não lhe assiste razão. A respeito da temática, este Tribunal já decidiu que: “A apreensão de bem subtraído em poder do agente autoriza uma presunção de autoria do roubo e, por consequência, a inversão do ônus probandi, tornando imprescindível para a defesa trazer aos autos justificativa plausível para a posse do objeto da subtração. A apreensão de bens da vítima em posse do apelante somadas às declarações harmônicas e convergentes da vítima nas duas fases da persecução penal, autorizam a manutenção da sentença condenatória pela prática do crime de roubo simples (art. 157, caput, do Código Penal).” (N.U 0004890-33.2020.8.11.0055, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, julgado em 03.10.2023, publicado no DJE 06.10.2023) In casu, as circunstâncias da ação e a prisão de Gabriel, logo em seguida, encontrado na posse dos bens subtraídos e o simulacro da arma de fogo, no veículo, utilizado como suporte à prática criminosa, deixam claro que ele também foi um dos autores do roubo. Tal evidência demonstra que ele tinha ciência da ilicitude da conduta e agiu em coautoria com os demais envolvidos. Assim, é inviável a desclassificação do delito de roubo para o de receptação. Quanto à adulteração de sinal identificador, se pode dizer que há provas suficientes da prática delitiva, pois não há como se depreender que o apelante (Gabriel) estava completamente alheio a essa situação. Conforme se depreende dos autos, o apelante foi flagrado na posse de veículo com sinal identificador adulterado. Com efeito, embora a defesa diga que inexistia dolo na conduta ou ciência efetiva da adulteração, é importante se destacar que não se está dizendo que foi o apelante o responsável pela adulteração, mas sim que conduzia o automóvel com placas adulteradas pela substituição das originais, tanto que foi condenado na figura do inciso III do § 2º do art. 311 do CP, sendo que, indubitavelmente, devia saber que estava nessas condições (dolo eventual). Isso porque embora o réu alegue que desconhecia a adulteração, o fato é que incidiu no tipo penal consistente na condução de veículo automotor com sinal identificador veicular que devia saber estar adulterado, ou remarcado. Portanto, pouco importa se foi o próprio acusado quem fez a adulteração, sendo irrelevante a prova sobre se o apelante sabia da adulteração, pois o que a lei exige é que devia saber. O intuito do legislador, por óbvio, foi evitar a necessidade de produção de uma prova impossível, pois, não se podendo penetrar no foro íntimo do agente, a demonstração de que o agente devia saber pode ser deduzida de circunstâncias objetivas, ou seja, do comportamento “ab externo” e do “modus operandi” do receptador. No mesmo sentido, este e. Tribunal de Justiça tem entendido que: “[...] o delito do art. 311, §2º, III, do CP, entrou em vigência em recente data e a jurisprudência ainda é muito escassa, mas já dá para perceber a intenção do legislador de que não só aquele que tem ciência inequívoca seja punido, mas também aquele que 'devesse saber estar adulterado ou remarcado’” (Anderson Fernandes Vieira, juiz de Direito – ID 201215731).” (N.U 1000630-53.2023.8.11.0098, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 28/05/2024, publicado no DJE 29/05/2024). “A Lei n. 14.562/2023 ampliou o tipo penal do art. 311 do CP, criminalizando expressamente a conduta de receber e transportar veículo que sabia ou devia saber possuir sinal identificador adulterado, incluindo situações de dolo eventual. Inviável a absolvição se o conjunto probatório, especialmente a confissão do réu e os depoimentos dos policiais, demonstra a ciência do acusado quanto à origem ilícita do veículo e a sua intenção de transportá-lo além das fronteiras do país, evidenciando que tinha pleno conhecimento quanto à adulteração da placa identificadora.” (N.U 1000568-76.2023.8.11.0077, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 01/04/2025, publicado no DJE 04/04/2025). “O curto intervalo entre o roubo e a apreensão do veículo, já com o sinal identificador do veículo e placas adulteradas, indica o envolvimento do acusado na violação e substituição. Essa linha de raciocínio é reforçada pela continuidade das ações delituosas do apelante, que ao ser abordado pela PRF, revelou que receberia uma quantia em dinheiro para transportar o veículo, confirmando sua consciência acerca da ilicitude de suas ações.” (N.U 1034256-60.2023.8.11.0002, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 18/11/2024, publicado no DJE 21/11/2024). Para a tipificação da figura criada pela Lei nº 14.562/2023, não é necessário o pleno conhecimento do agente a respeito da adulteração, bastando que, pelas circunstâncias dos fatos, ele devesse ter ciência dessa condição. Suficiente, pois, a demonstração do dolo eventual, exigido pelo crime do art. 311, § 2º, III, CP. (TJMG - Apelação Criminal 1.0000.24.007171-2/001, Relator(a): Des.(a) Alberto Deodato Neto, 1ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 09/04/2024, publicação da súmula em 10/04/2024). Ao se analisar o panorama em que se desenrolaram os fatos, inexistem dúvidas acerca do dolo eventual, tendo o acusado concordado com o possível resultado, pois, diante do contexto do crime, não obstante a sua negativa a respeito da ciência da contrafação das placas é nítido que anuiu em transportar o veículo nessas circunstâncias. Isto posto, pela dinâmica fática apresentada, impossível cogitar-se de absolvição, porquanto a conduta perpetrada pelo apelante se amolda perfeitamente ao comando do art. 311, § 2º, inciso III, o CP. No tocante à dosimetria da pena, deve-se acolher a tese defensiva no que diz respeito ao afastamento da valoração negativa da circunstância judicial relativa às “consequências do crime”, prevista no artigo 59 do Código Penal. A sentença agravou a pena-base sob o argumento de que os prejuízos materiais causados às vítimas, notadamente os danos sofridos no veículo Honda City subtraído e posteriormente recuperado sem placas e com avarias, teriam ultrapassado os efeitos ordinários do tipo penal. Tal fundamentação, contudo, não se sustenta à luz da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça. De fato, as consequências do crime somente podem ser valoradas negativamente na primeira fase da dosimetria quando superarem, de forma relevante, aquelas ordinariamente previstas pelo tipo penal, o que não se verificou na hipótese dos autos. Conforme assentado pela Quinta Turma do STJ, “a redução do patrimônio da vítima é circunstância inerente à prática de crimes contra o patrimônio, dos quais o roubo é espécie, de modo que a não restituição do bem apropriado, por si só, não se presta a amparar a exasperação da pena-base” (AgRg no REsp n. 2.015.055/MG, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 4/10/2022). No mesmo sentido, decidiu a mesma Corte, em julgado recente: “A avaliação negativa das consequências do crime mostra-se escorreita se o dano material ou moral causado ao bem jurídico tutelado se revelar superior ao inerente ao tipo penal” (AgRg no REsp n. 2.048.133/MG, rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 22/05/2023), o que não restou demonstrado no caso concreto. In casu, as consequências narradas, como a avaria do veículo e a não restituição de pertences, são compatíveis com o que usualmente se verifica em crimes de roubo com subtração de veículos, não havendo qualquer dado objetivo que demonstre excepcionalidade no prejuízo experimentado pela vítima que justifique a exasperação da pena. Dessa forma, impõe-se a neutralização da valoração negativa das “consequências do crime”, com o consequente redimensionamento da pena-base, de modo a observar os princípios da individualização da pena, da legalidade e da proporcionalidade, sem incorrer em bis in idem ou em indevida agravação da sanção com fundamento em elementos já integrados à própria essência do tipo penal. No tocante ao pleito defensivo de afastamento do concurso formal em relação ao roubo praticado contra Bruna Rayeli Groth e Silvana Maria Siqueira, a pretensão merece acolhimento. A análise detida da prova colhida nos autos demonstra que não houve lesão patrimonial autônoma em desfavor de Silvana, o que inviabiliza o reconhecimento de pluralidade delitiva. Conforme se extrai dos depoimentos prestados em juízo, a vítima Silvana afirmou categoricamente que “nenhum pertence foi levado”, salientando que, embora tenha sido abordada por uma mulher durante a ação criminosa, sua bolsa permaneceu consigo, pois “achamos que eles estavam tão afoitos para já levar o carro, que não perceberam que a bolsa ficou no pescoço da Silvana” fato que foi roborado pela própria Bruna, que disse que “da minha amiga Silvana, aparentemente, não foi levado nada”, revelando que a subtração patrimonial limitou-se aos bens que estavam sob sua guarda ou propriedade. Logo, ainda que tenha havido grave ameaça contra ambas as ocupantes do veículo, a efetiva subtração patrimonial recaiu apenas sobre Bruna, o que afasta a hipótese de crime múltiplo. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme nesse sentido, reconhecendo que “a aplicação da regra do concurso formal entre crimes de roubos (CP, art. 70) não se afigura pertinente, se inexistiu lesão ao patrimônio de vítimas diversas” (STF, HC 103.887/MG; HC 91.615/RS; HC 96.787/RS). Portanto, trata-se de típica hipótese de crime único, em que o agente, embora empregue violência ou grave ameaça contra mais de uma pessoa, atua com o desígnio de atingir um único patrimônio. Doutrina abalizada também caminha nesse sentido. André Estefam leciona que “se o agente emprega grave ameaça ou violência contra duas pessoas, mas subtrai objeto de só uma, há crime único, porquanto apenas um patrimônio foi lesado” (Direito Penal – Parte Especial, vol. 2, 2ª ed., Saraiva, p. 419). Na mesma direção, este Tribunal de Justiça já decidiu em situação análoga que “se não há prova da subtração de bens de uma das vítimas, não se configura concurso formal entre dois crimes de roubo” (TJMT, Apelação n. 0015459-11.2015.8.11.0042, Rel. Des. Marcos Machado, j. 19/12/2017, DJe 23/01/2018). Dessa forma, a subsunção dos fatos à regra do artigo 70 do Código Penal, como feito na sentença, configura evidente exacerbação punitiva indevida. Não se ignora a gravidade da conduta dos réus e o abalo psicológico causado à vítima Silvana, porém, à luz da tipicidade objetiva do crime de roubo, a ausência de lesão ao seu patrimônio impede a configuração de delito autônomo. Conclusivamente, impõe-se o acolhimento da tese defensiva, com a consequente desconsideração do concurso formal de crimes, reconhecendo-se crime único de roubo qualificado no evento ocorrido em desfavor de Bruna, com reflexo direto na dosimetria da pena, nos termos do artigo 59 e seguintes do Código Penal. Quanto a pretensão de reconhecimento de crime continuado, também assiste razão à defesa. Isso porque, como cediço, o crime continuado consiste no concurso de crimes aferível quando o agente, por meio de duas ou mais condutas, comete pluralidade de delitos da mesma espécie e, diante da identidade das condições de tempo, local e modo de execução em que são praticados, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro. Trata-se, de ficção jurídica afeta a questões de política criminal, através da qual o Estado-juiz visa beneficiar o réu e impedir que venha a ser infligido individualmente com as sanções previstas para cada uma das condutas típicas cometidas, razão pela qual se considera que os diversos crimes praticados compõem uma única infração penal, ao menos para fins de aplicação da pena. A partir da leitura do art. 71, “caput”, do Código Penal, depreende-se que o reconhecimento da figura do crime continuado pressupõe o preenchimento de três requisitos de ordem objetiva, a saber: (1) pluralidade de condutas; (2) pluralidade de crimes da mesma espécie; e (3) condições semelhantes de tempo, lugar e maneira de execução. Além disso, para que a pluralidade de crimes venha a ser tida como um único delito contínuo, ou seja, para que se caracterize a ficção jurídica em comento, a doutrina e a jurisprudência majoritárias entendem ser necessária, também, a unidade de desígnios entre as condutas, isto é, os vários crimes devem resultar de um plano previamente arquitetado pelo agente, no sentido de cometê-los em sequência e nos mesmos moldes. Trata-se da denominada teoria objetivo-subjetiva ou teoria mista. No caso, verifico que os 2 (dois) crimes praticados são da mesma espécie (roubo) possuem semelhança na forma de execução (grave ameaça mediante emprego de simulacro de arma de fogo); identidade de lugar (crimes cometidos na mesma cidade), similitude de objetos subtraídos (veículos), ocorreram em datas próximas (08/10/2023 e 10/10/2023), no período noturno, e contra vítimas diferentes (Bruna Rayeli Groth e Fábio Stephano Franco Marcena), circunstâncias que configuram a continuidade delitiva (CP, art. 71). À vista disso, tenho por suficientemente demonstrado que os crimes de roubo ora em análise aconteceram em continuidade delitiva, pois se deram nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução¸ tendo se evidenciado, de igual forma, a unidade de desígnios quanto às condutas, motivo pelo qual deve incidir tal instituto no caso. Veja-se jurisprudência aplicável à espécie: “Da análise das condutas delituosas do agravado é possível detectar o liame subjetivo que as une, uma vez que a descrição das infrações criminais imputadas permite aferir que os delitos subsequentes foram continuação do primeiro. II- A decisão se embasou em elementos de fato e de direito para chegar ao deslinde da questão, com o reconhecimento da continuidade delitiva, em vista do preenchimento dos requisitos de ordem objetiva e subjetiva conforme exigidos pela teoria mista, adotada pelo STJ. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no HC n. 790.919/DF, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 27/11/2023, DJe de 1/12/2023). Diante das modificações implementadas, torna-se necessário novo cálculo de pena. DOSIMETRIA Maurício da Silva Fernandes Roubo Majorado O art. 157 do Código Penal prevê pena de 04 a 10 anos de reclusão e multa. 1ª Fase: Ao analisar as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, considerando que não há negativação das circunstâncias judiciais, fixo a pena-base no mínimo legal, ou seja, 4 anos de reclusão e 10 dias-multa. 2ª Fase: Reconheço as atenuantes da “confissão espontânea” e da “menoridade relativa”, contudo, considerando que é vedada a diminuição da pena aquém do mínimo legal, não há como argumentar a superação da Súmula 231 do STJ, motivo pelo qual, deixo de aplicá-las, resultando a pena, até aqui apurada, em 4 anos de reclusão e 10 dias-multa. 3ª Fase: Reconheço a causa de aumento decorrente do “concurso de agentes”, motivo pelo qual, majoro a pena estabelecida em 1/3, resultando na pena de 5 anos e 4 meses de reclusão e 13 dias-multa. Nos termos do art. 71 do Código Penal, reconheço a continuidade delitiva e aumento a pena em um sexto (1/6), fixando-a definitivamente em 6 anos de reclusão e 15 dias-multa, em regime semiaberto. Diante da alteração promovida na dosimetria da pena, que resultou na modificação do regime inicial de cumprimento da sanção imposta a ao apelante Maurício, deixo de proceder, nesta fase processual, à detração penal. Tal providência deverá ser oportunamente analisada e realizada pelo Juízo da Execução Penal competente, nos termos do artigo 66, inciso III, alínea “c”, da Lei de Execução Penal. Gabriel Batista Leite Roubo Majorado O art. 157 do Código Penal prevê pena de 04 a 10 anos de reclusão e multa. 1ª Fase: Ao analisar as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, considerando que não há negativação das circunstâncias judiciais, fixo a pena-base no mínimo legal, ou seja, 4 anos de reclusão e 10 dias-multa. 2ª Fase: Reconheço a atenuante da “menoridade relativa”, contudo, considerando que é vedada a diminuição da pena aquém do mínimo legal, não há como argumentar a superação da Súmula 231 do STJ, motivo pelo qual, deixo de aplicá-la, resultando a pena, até aqui apurada, em 4 anos de reclusão e 10 dias-multa. 3ª Fase: Reconheço a causa de aumento decorrente do “concurso de agentes”, motivo pelo qual, majoro a pena estabelecida em 1/3, resultando na pena de 5 anos e 4 meses de reclusão e 13 dias-multa. Considerando, ainda, que foi mantida a condenação do delito de adulteração de sinal identificador (3 anos de reclusão e 10 dias-multa), nos termos do art. 69, do CP, resta a pena total em 08 anos e 04 meses de reclusão e o pagamento de 23 dias-multa. Quanto ao reconhecimento da detração de pena do apelante Gabriel, revela-se necessário e de efeito imediato, pois o tempo de prisão preventiva já cumprido possui o condão de modificar o regime inicial de cumprimento da sua pena. Com efeito, ainda que se considere a pena originariamente fixada na sentença (08 anos e 4 meses de reclusão), verifica-se que a subtração do período de custódia provisória, de 11/10/2023 (data da prisão) até 29/08/2024 (data da sentença), correspondente a aproximadamente 10 meses e 18 dias, o que resulta na pena remanescente de cerca de 7 anos, 7 meses e 18 dias de reclusão. Ausente reincidência e inexistindo circunstâncias judiciais desfavoráveis, resta a pena definitiva abaixo do patamar de 8 anos, impõe-se a fixação do regime semiaberto para início do cumprimento da pena, nos termos do art. 33, §2º, alínea “b”, e art. 59, ambos do Código Penal. Em casos tais, este é o entendimento deste Tribunal de Justiça: “(...) Detração que deve ser realizada (...), vez que a subtração do período em que esteve preso cautelarmente ensejará a alteração do regime inicial de cumprimento da reprimenda para o meio semiaberto, em razão da primariedade do agente e pelo fato de que todas as circunstâncias judiciais lhe foram consideradas favoráveis. (...) Havendo a possibilidade de detrair o período em que o acusado permaneceu preso cautelarmente, se tal medida for apta para alterar o regime inicial de cumprimento da pena, deve ser realizada pelo Juízo sentenciante...” (N.U 1000026-33.2021.8.11.0108, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 01/04/2025, publicado no DJE 04/04/2025). Conclusivamente, detraindo-se o período em que Gabriel permaneceu preso cautelarmente, contabilizado até a data da sentença (10 meses e 18 dias), estabeleço a pena definitiva em 7 anos, 7 meses e 18 dias de reclusão e 23 dias-multa, fixando-lhe o regime semiaberto. Por derradeiro, no que tange ao prequestionamento, para fins de eventual interposição de recursos às instâncias superiores, consigno que, muito embora seja “desnecessário, para fins de prequestionamento, que o julgador esmiúce cada um dos argumentos e dispositivos legais tidos por violados, bastando que esclareça os motivos que o levaram à determinada conclusão”. (TJMT, Nº 0023129-32.2017.8.11.0042, Câmaras Isoladas Criminais, Orlando de Almeida Perri, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 02/02/2021, publicado no DJe 05/02/2021), registro que os artigos elencados pela Defesa e relacionados com as teses sustentadas no próprio recurso, foram observados e integrados à fundamentação deste voto, ficando, pois, prequestionados. Pelo exposto, em parcial consonância com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, conheço dos recursos e, no mérito, DOU PARCIAL PROVIMENTO aos recursos interpostos por MAURÍCIO DA SILVA FERNANDES e GABRIEL BATISTA LEITE, redimensionando suas penas, sendo 6 anos de reclusão e 15 dias-multa, em regime semiaberto para Maurício, bem como, 7 anos, 7 meses e 18 dias de reclusão e 23 dias-multa, fixando-lho regime semiaberto para Gabriel. Comunique-se, imediatamente, o Juízo da Execução Penal, para que adote as providências necessárias à inserção dos acusados Maurício da Silva Fernandes e Gabriel Batista Leite no regime semiaberto, salvo se por outro motivo deva permanecer preso. É como voto. USOU DA PALAVRA O ADVOGADO LUIS FELIPE MONTEIRO DA SILVA, OAB/MT 23836-O: Excelência, só uma questão. O réu Maurício se encontra preso atualmente por conta da pena de 11 anos e por conta do inquérito. Ele encontra-se preso. A defesa requer também a detração do regime ali, né? Da pena. De cumprimento. EXMO. SR. DES. JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES (RELATOR): Não posso acolher. Não modificaria o regime. USOU DA PALAVRA O ADVOGADO LUIS FELIPE MONTEIRO DA SILVA, OAB/MT 23836-O: Vai para seis anos, Excelência. EXMO. SR. DES. JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES (RELATOR): Não há modificação do regime porque não posso levar em conta o que foi cumprido a posteriori. Apenas o que foi cumprido até a prolação da sentença é relevante para esta análise. Essa diminuição do total deve ser feita pelo juízo de execução penal. USOU DA PALAVRA O ADVOGADO LUIS FELIPE MONTEIRO DA SILVA, OAB/MT 23836-O: Não entendi, Excelência. Baixou de 11 (onze) anos para 6 (seis) anos. Falo do réu Maurício em específico. Baixou de 11 (onze) anos para 6 (seis) anos a pena final agora por este juízo. Não seria o caso da aplicação do regime semiaberto, Excelência? EXMO. SR. DES. JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES (RELATOR): Foi fixado o regime semiaberto, doutor. USOU DA PALAVRA O ADVOGADO LUIS FELIPE MONTEIRO DA SILVA, OAB/MT 23836-O. Excelente. Do Maurício e do Gabiel, né? EXMO. SR. DES. JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES (RELATOR): Estou comunicando ao juiz da execução para que fixe as medidas que entender adequadas para que o apelante Gabriel Batista Leite inicie o cumprimento da pena em regime semiaberto, salvo se houver outro motivo para que ele permaneça preso. Por cautela, mantenho a custódia até deliberação do Juízo da Execução Penal quanto ao efetivo cumprimento do regime semiaberto, sobretudo ante eventual existência de outros títulos executórios e a necessidade de eventual unificação, sendo mais prudente que o Magistrado da execução analise a questão de forma exauriente. Não estou emitindo alvará de soltura justamente com base nestes fundamentos. V O T O EXMO. SR. DES. PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA (REVISOR): Acompanho integralmente o voto do Relator. EXMO. SR. DES. RUI RAMOS RIBEIRO (VOGAL): Desembargador Jorge, o réu Gabriel Batista Leite Gabriel foi condenado também pelo artigo 311 do Código Penal? EXMO. SR. DES. JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES (RELATOR): Sim. EXMO. SR. DES. RUI RAMOS RIBEIRO (VOGAL): O réu Maurício da Silva Fernandes também foi condenado pelo artigo 311 do Código Penal? EXMO. SR. DES. JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES (RELATOR): Não, Excelência. Porque apenas o Gabriel foi encontrado com o carro com os sinais adulterados. V O T O EXMO. SR. DES. RUI RAMOS RIBEIRO (VOGAL): Entendo que, se a adulteração das placas do veículo ocorre após a participação em um roubo, o delito de adulteração não seria punível de forma autônoma. Na verdade, essa ação deveria ser considerada como parte do crime precedente, ou seja, o roubo. Em outras palavras, a adulteração não configuraria um crime autônomo contra a fé-pública nesse cenário, mas sim um desdobramento ou um meio para o fim do crime principal. Quanto à redução da pena, parabenizo Vossa Excelência pela aplicação da detração prevista no §2º do artigo 387 do Código de Processo Penal para a retificação da pena pelo tempo de prisão provisória e a consequente alteração do regime. É um entendimento que sempre compartilhei. A mens legis visa, de fato, evitar que alguém seja mantido em regime mais gravoso apenas pelo quantum da sentença, a menos que haja considerações de natureza subjetiva – como índole, comportamento ou grau de culpabilidade – que justifiquem tal manutenção. Mesmo com a retificação da pena, essa perspectiva subjetiva não permite, de forma automática, trazer o sentenciado para um regime menos gravoso, sem o início efetivo da execução, que é quando a detração se concretiza. Contento-me com seu entendimento, digno Relator, mas peço vista dos autos pois ainda tenho uma certa dúvida sobre essa questão. SESSÃO DE 23 DE JULHO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO) V O T O (VISTA) EXMO. SR. DES. RUI RAMOS RIBEIRO (VOGAL): Eminentes pares. Pedi vista dos autos para uma melhor análise. Como relatado, cuida-se de de Recurso de Apelação Criminal interposto por Maurício da Silva Fernandes e Gabriel Batista Leite, pretendendo a reforma da sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT, que condenou: a) Maurício da Silva Fernandes, como incurso nas penas do artigo 157, § 2º, inciso II, do Código Penal, por duas vezes (duas vítimas), e do artigo 157, § 2º, inciso II, na forma tentada, impondo-lhe a pena de 11 (onze) anos, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, e 35 (trinta e cinco) dias-multa, em regime inicial fechado; b) Gabriel Batista Leite, como incurso nas penas dos artigos 157, § 2º, inciso II, e 311, caput, ambos do Código Penal, impondo-lhe a pena de 08 (oito) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 25 (vinte e cinco) dias-multa, em regime inicial fechado. Em suas razões recursais, no mérito, Maurício da Silva Fernandes pugna pela absolvição quanto aos roubos qualificados (1º e 2º fatos), com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal e, requer, ainda, o reconhecimento da ocorrência de crime único em relação à vítima Silvana. Subsidiariamente, objetiva o afastamento do concurso material, com reconhecimento da continuidade delitiva (aplicação da fração de aumento de 1/6, conforme Súmula 659 do STJ), realização da detração penal e fixação de regime semiaberto, caso a pena seja inferior a 08 (oito) anos, com expedição de alvará de soltura. Por sua vez, Gabriel Batista Leite requer a absolvição quanto ao delito de roubo qualificado contra a vítima Fábio Stephano Franco Marcena. Subsidiariamente, a desclassificação da conduta de roubo majorado para o crime de receptação (art. 180, caput, do CP), alegando ausência de provas. No que se refere ao crime de adulteração de sinal identificador de veículo, pleiteia a absolvição com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Requer ainda a redução da pena-base ao mínimo legal, aplicação da detração penal e modificação do regime inicial de cumprimento da pena para o semiaberto. Em contrarrazões, o Ministério Público requereu o desprovimento dos recursos defensivos. A douta Procuradoria Geral de Justiça, através do eminente procurador de Justiça élio Américo, manifestou-se pelo desprovimento do recurso interposto por Maurício da Silva Fernandes, e pelo provimento parcial do recurso interposto pelo apelante Gabriel Batista Leite, tão somente para reconhecer e aplicar a detração penal (id. 273604872), sintetizando com a seguinte ementa: “APELAÇÃO CRIMINAL – Roubo majorado pelo concurso de pessoas em concurso material (art. 157, § 2º, II c/c art. 69, ambos do Código Penal) – Sentença condenatória – 1.– Preliminarmente Requesta pelo reconhecimento de crime único em favor do apelante Maurício – Impossibilidade – Súmula 582 do STJ – 2. Pretendido afastamento do concurso material e reconhecimento da continuidade delitiva em favor do apelante Maurício – Inviabilidade desígnios autônomos, vez que patente que os bens amealhados ilicitamente pertenciam, notoriamente, a duas pessoas distintas, sendo óbvio não se tratarem de bens comuns (comuns entre duas pessoas). – Jurisprudência dominante do STJ – a continuidade delitiva só pode ser reconhecida quando a conduta se dá entre crimes da mesma espécie, nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução, o que não ocorreu in casu. – Desprovimento – 3. Requestada redução do quantum da pena provisória aquém do mínimo legal em razão do reconhecimento da atenuante da confissão em favor do apelante Gabriel Batista Leite – Inviabilidade – Confissão reconhecida pela Juíza a quo – Redução vedada por imposição do Enunciado n.º 231 da Súmula do STJ – Precedente vinculante ainda sob vigência – Jurisprudência atual do STJ – Fundamentação idônea – Desprovido – 4. Pretendida a desclassificação da conduta para a prevista no art.180, Caput, do CP; - adulteração de sinal identificador de veículo – apelante Gabriel- elementos probatórios seguros a certificar a prática do crime de roubo, mormente os depoimentos das vítimas; na mesma toada, a autoria e a materialidade delitiva encontram-se devidamente comprovadas nos autos – Desprovimento – 5. Requestada a aplicação do instituto da detração, previsto no art. 42 do CP e art. 387, § 2º do CPP, a fim de ser computada na pena privativa de liberdade o tempo de prisão preventiva. (ressalto que a detração penal é matéria a ser apreciada pelo juízo de Execução Penal, nos termos do Art.66III, alínea C, da Lei 7.210/84) Todavia considerando que a detração, neste caso, resultaria na Modificação do regime inicial de cumprimento da pena, é pertinente acolher o pedido da Defesa)– Provimento – PELO PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO DEFENSIVO.” Em judicioso voto o Relator Desembargador Jorge Luiz Tadeu Rodrigues deu parcial provimento aos recursos interpostos por Maurício da Silva Fernandes e Gabriel Batista Leite, redimensionando suas penas, sendo 6 anos de reclusão e 15 dias-multa, em regime semiaberto para Maurício, bem como, 7 anos, 7 meses e 18 dias de reclusão e 23 dias-multa, fixando-lho regime semiaberto para Gabriel. Ainda, determinou a Comunicação, imediatamente, ao Juízo da Execução Penal, para que adote as providências necessárias à inserção dos acusados Maurício da Silva Fernandes e Gabriel Batista Leite no regime semiaberto, salvo se por outro motivo deva permanecer preso. O douto Revisor Desembargador Paulo Sérgio Carreira de Souza acompanhou integralmente ao Relator. Pedi vista dos autos para uma melhor apreciação dos autos, especialmente quanto ao delito de a adulteração de sinal identificar do veículo que ocorreu após a prática do delito de roubo. Durante a sessão destaquei que o delito de adulteração não seria punível de forma autônoma, pois a ação deveria ser considerada como parte do crime precedente, ou seja, o roubo. Em outras palavras, a adulteração não configuraria um crime autônomo contra a fé-pública nesse cenário, mas sim um desdobramento ou um meio para o fim do crime principal. Contudo, com uma melhor análise dos autos verifica-se que são crime autônomos. Narra a denúncia: “(...) I. DO ROUBO MAJORADO CONTRA VÍTIMA BRUNA RAYELI GROTH Ressai dos autos que na data de 08/10/2023, por volta das 23:00h, em via pública, mais especificamente na Avenida Jornalista Roberto Jacques Brunini, nº 11, Bairro Grande Terceiro, próximo ao estabelecimento comercial denominado "Meu Bar”, nesta urbe e comarca, os denunciados MAURÍCIO DA SILVA FERNANDES, JHOICE GEISE BARBOSA GOMES e terceiro autor não identificado, previamente ajustados, com unidade de desígnios, com inequívoco animus rem sib habendi, mediante grave ameaça exercida com emprego de arma de fogo, subtraíram para si ou para outrem, 01 (uma) bolsa contendo remédios, seringas e estetoscópio, 01 (uma) bolsa de primeiros socorros de cor vermelha, 01 (um) celular Iphone 11, marca Apple, cor preta, capa rosa, 01 (um) veículo Hyundai, HB20, 1.0, cor marrom, 2015/2016, placa PWW-1725, Chassi 9BHBG51CAGP526007, avaliado em R$ 47.944,00 (Auto de Avaliação Indireta – Id. 132378923), da vítima Bruna Rayeli Groth e de sua amiga (2 vítimas). II. DO ROUBO MAJORADO DA VÍTIMA FÁBIO STEPHANO FRANCO MARCENA Conforme consta dos autos, na data de 10/10/2023, por volta das 22:10h, em via pública, mais especificamente na Rua Cisne Branco, bairro Barra do Pari, em Cuiabá/MT, próximo ao Templo São Benedito, nesta urbe e comarca, os denunciados MAURÍCIO DA SILVA FERNANDES, GABRIEL BATISTA LEITE e um terceiro não identificado, previamente ajustados, com unidade de desígnios, com inequívoco animus rem sib habendi, mediante grave ameaça exercida com emprego de arma de fogo, subtraíram para si ou para outrem, 01 (uma) mochila preta, 01 (um) celular Poccophone x3 Pro, 01 (um) veículo Honda/City LX CVT, cor preto, 2016/2016, Placa QBQ-8921, Chassi 93HGM6650GZ214082, avaliado em R$ 66.222,00 (Auto de Avaliação Indireta – Id. 132378924), da vítima Fábio Stephano Franco Marcena. IIII – DA ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR HONDA CITY Conforme ainda comprovado nos autos, entre os dias 08/10/23 e 11/10/2023, os denunciados JHOICE GEISE BARBOSA GOMES e MAURÍCIO DA SILVA FERNANDES, previamente ajustados, com unidade de desígnios, adulteraram a placa PWW-1725 do veículo Hyundai HB20, 1.0, cor marrom, 2015/2016, Chassi 9BHBG51CAGP526007, substituindo-a pela placa QAE-3G22, que não era do mencionado veículo, sem autorização do órgão competente. É dos autos, ainda, que no dia 11/10/23, por volta das 09h00, JHOICE utilizou referido veículo com placa adulterada, em proveito próprio, tendo conhecimento de tal ilegalidade. IV – DA ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR HONDA CITY Conforme ainda comprovado nos autos, na data de 11/10/2023, por volta das 09h00min, em via pública no Bairro Jardim Paula I, em Várzea Grande/MT, os denunciados GABRIEL BATISTA LEITE e MAURÍCIO DA SILVA FERNANDES, previamente ajustados, com unidade de desígnios, suprimiram a placa QBQ-8921, que identificava o veículo automotor Honda/City LX CVT, cor preto, 2016/2016, Chassi 93HGM6650GZ214082, sem autorização do órgão competente. V. DO PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO, ACESSÓRIO OU MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO Segundo foi apurado na data 11 de outubro de 2023, por volta das 09h20min, em via pública, mais especificamente na Rua Maranhão, Bairro Nova Várzea Grande, em Várzea Grande/MT, MAURÍCIO DA SILVA FERNANDES portou munição de uso restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, consistente em 01 (uma) munição de calibre .357, intacta e eficiente para produção de tiros...” (Sic - id. 269499311) Ao final da persecução penal, a autoridade judicial prolatou sentença condenando os réus, ora apelantes Maurício da Silva Fernandes e Gabriel Batista Leite, pela prática do crime de roubo majorado e este último ainda, pelo delito de adulteração de sinal identificador de veículo automotor. Por outro lado, absolveu Maurício das imputações relativas aos artigos 311 do Código Penal e 14 da Lei do Desarmamento, nos termos do artigo 386, incisos III e VIII, do Código de Processo Penal. Por sua vez, a corré Jhoice Geise Barbosa Gomes foi absolvida do delito de roubo, e condenada pelos delitos de receptação e adulteração de sinal identificador de veículo automotor, todavia, não interpôs recurso contra a decisão. Quanto à adulteração de sinal identificador, se pode dizer que há provas suficientes da prática delitiva, pois não há como se depreender que o apelante (Gabriel) estava completamente alheio a essa situação. Consta dos autos que o apelante foi flagrado na posse de veículo com sinal identificador adulterado. Nada obstante aa alegação de inexistia dolo na conduta ou ciência efetiva da adulteração, é importante destacar que não se está dizendo que foi o apelante o responsável pela adulteração, mas sim que conduzia o automóvel com placas adulteradas pela substituição das originais, tanto que foi condenado na figura do inciso III do § 2º do art. 311 do CP, sendo que, indubitavelmente, devia saber que estava nessas condições (dolo eventual). Isso porque embora o réu alegue que desconhecia a adulteração, o fato é que incidiu no tipo penal consistente na condução de veículo automotor com sinal identificador veicular que devia saber estar adulterado, ou remarcado. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PRESCINDIBILIDADE DE APREENSÃO E PERÍCIA. EMPREGO DE ARMA DE FOGO COMPROVADO POR OUTROS MEIOS DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE DE SE RECONHECER A UTILIZAÇÃO DE SIMULACRO. OBJETO NÃO APREENDIDO. ADULTERAÇÃO DE SINAL DE VEÍCULO AUTOMOTOR. SUPRESSÃO DA PLACA DO VEÍCULO. CONDUTA TÍPICA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. É pacífico o entendimento de que são prescindíveis a apreensão e a perícia na arma de fogo, para a incidência da referida majorante, quando existirem nos autos outros elementos de prova que comprovem a sua utilização no roubo. 2. A jurisprudência desta Corte Superior entende que a pretensão de afastamento da causa de aumento de pena do roubo circunstanciado, em se tratando de simulacro ou arma desmuniciada, depende da apreensão do artefato ou, ainda, que seja realizada perícia técnica para verificar a ausência de potencial ofensivo, o que não ocorreu no caso em comento. Precedentes. 3. O art. 311 do CP envolve todas as ações pelas quais se adultera ou se remarca número do chassi ou sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento. É típica, portanto, a conduta do agente quando demonstrada a adulteração de sinal identificador de motocicleta por meio da supressão da placa original, como no caso dos autos. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 788.681/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 12/12/2023, DJe de 15/12/2023.) [...] 1. O delito em exame tem como objetivo resguardar a autenticidade dos sinais identificadores de veículo automotor, tutelando a fé pública, no que diz respeito à propriedade, registro e segurança dos veículos automotores, visando, também, preservar o poder de polícia e de fiscalização do Estado. Em consonância com o afirmado no acórdão a quo, consuma-se o delito com a própria adulteração ou remarcação de qualquer sinal identificador do veículo. 2. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar a tipicidade da conduta prevista no art. 311 do Código Penal com a prática de todas as ações pelas quais se adultera ou se remarca o número do chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento. 3. A jurisprudência deste Superior Tribunal entende que a simples conduta de adulterar a placa de veículo automotor é típica, enquadrando-se no delito descrito no art. 311 do Código Penal. Não se exige que a conduta do agente seja dirigida a uma finalidade específica, basta que modifique qualquer sinal identificador de veículo automotor (AgRg no AREsp n. 860.012/MG, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 07/02/2017, DJe 16/02/2017). [...] 4. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp n. 1.834.864/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe de 26/11/2019.) [...] 1. O art. 311 do CP envolve todas as ações pelas quais se adultera ou se remarca número do chassi ou sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento. 2. É típica a conduta quando o agente, por meios diversos - modificação, substituição, supressão, acréscimo etc. -, pratica os verbos do tipo penal, violando a intangibilidade de sinal a que a lei atribui valor jurídico. 3. Não há ilegalidade na condenação do paciente, quando demonstrada a adulteração de sinal identificador de motocicleta por meio de troca da placa original, conduta que se subsume ao tipo penal do art. 311 do CP. 4. Habeas corpus não conhecido. (HC n. 344.116/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, 6ª T., DJe de 31/3/2016.) Neste contexto, pouco importa se foi o próprio acusado quem fez a adulteração, sendo irrelevante a prova sobre se o apelante sabia da adulteração, pois o que a lei exige é que devia saber. O intuito do legislador, por óbvio, foi evitar a necessidade de produção de uma prova impossível, pois, não se podendo penetrar no foro íntimo do agente, a demonstração de que o agente devia saber pode ser deduzida de circunstâncias objetivas, ou seja, do comportamento “ab externo” e do “modus operandi” do receptador. Ademais, destaco que "é possível identificar um veículo tanto a partir de caracteres gravados no chassi ou no monobloco pelo montador ou fabricante, quanto pelas placas, dianteira e traseira, sendo esta lacrada, as quais são identificadores externos do automóvel. Não se pode excluir do elemento do tipo 'qualquer sinal identificador de veículo' as placas, as quais constituem sinal identificador externo" (HC n. 45.082/ES, relator Ministro Gilson Dipp, 5ª T., DJ de 12/12/2005). No tocante a detração, como manifestei durante a sessão, parabenizo ao douto Relator Desembargador Jorge Luiz Tadeu Rodrigues pela aplicação da detração prevista no §2º do artigo 387 do Código de Processo Penal para a retificação da pena pelo tempo de prisão provisória e a consequente alteração do regime. É um entendimento que sempre compartilhei. A mens legis visa, de fato, evitar que alguém seja mantido em regime mais gravoso apenas pelo quantum da sentença, a menos que haja considerações de natureza subjetiva – como índole, comportamento ou grau de culpabilidade – que justifiquem tal manutenção. Por todo o exposto, acompanho integralmente ao voto do douto Relator Desembargador Jorge Luiz Tadeu Rodrigues, para dar parcial provimento aos recursos interpostos por Maurício da Silva Fernandes e Gabriel Batista Leite, redimensionando suas penas, sendo 06 (seis) anos de reclusão e 15 (quinze) dias-multa, em regime semiaberto para Maurício, bem como, 07 (sete) anos, 07 (sete) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão e 23 (vinte e três) dias-multa, fixando-lho regime semiaberto para Gabriel. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 23/07/2025
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