Processo nº 5000871-06.2021.4.03.6105
ID: 314293111
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Gabinete JEF de Campinas
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5000871-06.2021.4.03.6105
Data de Disponibilização:
02/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JULIANO WALTRICK RODRIGUES
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) Nº 5000871-06.2021.4.03.6105/ 1ª Vara Gabinete JEF de Campinas AUTOR: CAMILA MAHIARA GONCALVES SANT…
PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) Nº 5000871-06.2021.4.03.6105/ 1ª Vara Gabinete JEF de Campinas AUTOR: CAMILA MAHIARA GONCALVES SANTOS Advogado do(a) AUTOR: JULIANO WALTRICK RODRIGUES - GO40826 REU: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF Advogado do(a) REU: DIEGO MARTIGNONI - RS65244-A TERCEIRO INTERESSADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP S E N T E N Ç A Trata-se de demanda indenizatória por danos materiais e morais ajuizada por CAMILA MAHIARA GONCALVES SANTOS , em desfavor da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF. Narra a inicial ter sido firmado contrato de financiamento imobiliário no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida (Faixa 1), e terem sido identificados diversos vícios construtivos na habitação, baixa qualidade dos materiais utilizados e irregularidades na execução da obra. Postula-se, em razão disso, seja condenada a ré ao pagamento de indenização por danos materiais e morais. Eis os fatos narrados na exordial: “(...) O autor adquiriu seu imóvel através de Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Obrigações e Alienação Fiduciária em Garantia, celebrado com a ré, no âmbito do Programa “Minha Casa Minha Vida”, instituído pelo Governo Federal por meio das Leis nº 11.977/2009 e nº 12.424/2011. Durante o período de habitação do imóvel, o Autor observou o surgimento de inúmeros problemas internos e externos de sua moradia, tais como deficiência ou subdimensionamento nas instalações hidráulicas e elétricas, rachaduras e trincas nos pisos e revestimentos, umidade, falhas de impermeabilização, deterioração do reboco e pintura, infiltrações diversas, entre inúmeros outros. Os problemas existentes foram identificados e quantificados por engenheiro capacitado, através de análise do imóvel, e encontram-se devidamente relacionados na planilha de quantitativos, anexado a presente exordial. Contudo, ressalta-se que se trata de um laudo prévio, apresentado para corroborar o direito ora pleiteado, sendo necessária, no momento oportuno, a elaboração de prova Pericial Judicial, a ser designada por Vossa Excelência. (...)”. É o breve relatório. Decido. DAS QUESTÕES PRELIMINARES Inicialmente, rejeito a alegação da inépcia da inicial, uma vez que a acompanham elementos suficientes à identificação do pedido e da causa de pedir. De mais a mais, as providências adotadas no curso da instrução prejudicaram tal ponto, ainda que vício houvesse. Quanto à incompetência material do Juizado Especial Federal para o processamento e julgamento da causa, em virtude da necessidade da realização de prova pericial complexa, a preliminar em testilha resta igualmente afastada pela realização da PTS (PROVA TÉCNICA SIMPLIFICADA), encartada no id. 331541072. Ademais, outro não foi o entendimento do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região em recente julgamento: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. “PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA”. VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO DO IMÓVEL. PROVA PERICIAL. VALOR DA CAUSA. MULTIPLICIDADE DE DEMANDAS. CONFLITO PROCEDENTE. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. I - Conflito de competência suscitado nos autos de ação proposta por moradora de unidade habitacional inserida no âmbito do “Programa Minha Casa Minha Vida”, em que a parte autora postula indenização por danos materiais e morais, em virtude da existência de vícios na construção do imóvel. II - O artigo 12 da Lei nº 10.259/2001 não afasta a possibilidade de produção de prova pericial no âmbito dos Juizados Especiais Federais, não sendo possível, prima facie, concluir-se no sentido da impossibilidade de realização da prova tida como complexa, sobretudo porque a petição inicial foi instruída com laudo elaborado por engenheiro civil, o que delimita o objeto da análise, auxiliando o trabalho a ser realizado pelo perito judicial. III - Quanto ao valor da causa atribuído pela parte autora, a pretensão de indenização por danos materiais e morais encontra-se bem abaixo do limite de sessenta salários mínimos. IV - A grande quantidade de ações idênticas não constitui critério de exclusão da competência do Juizado Especial Federal. V - Conflito procedente. Competência do Juizado Especial Federal. (TRF 3ª Região, 1ª Seção, CCCiv - CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL - 5021387-92.2022.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 03/03/2023, Intimação via sistema DATA: 06/03/2023) A ré alega, igualmente, que a parte autora carece de interesse de agir uma vez que não demonstrou ter procurado a CEF, por meio do canal previsto contratualmente denominado Programa de Olho na Qualidade para reclamar dos problemas narrados no processo. Todavia, o contrato de financiamento habitacional, por meio do Programa Minha Casa Minha Vida, com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial, NÃO contém previsão acerca da necessidade de prévia comunicação à instituição financeira para solução administrativa, na hipótese de vícios construtivos constatados após a ocupação do imóvel. Nesse trilhar: APELAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. INTERESSE DE AGIR. DESNECESSIDADE DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. RECURSO PROVIDO. 1. Caracteriza-se o interesse de agir, figurado no art. 3º, CPC, por uma necessidade de recorrer ao Judiciário, para a obtenção do resultado pretendido, independentemente da legitimidade ou legalidade da pretensão, numa relação de necessidade e adequação, por ser primordial a provocação da tutela jurisdicional apta a produzir a correção da lesão arguida na inicial. 2. In casu, a parte apelante ajuizou a presente ação objetivando a indenização por danos materiais e morais decorrentes de vícios construtivos existentes no imóvel adquirido no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV. 3. Em razão da garantia da inafastabilidade da jurisdição, prevista no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, o acesso ao Judiciário para pleitear a indenização por danos decorrentes de vícios de construção não pode ser obstado somente porque a parte autora não buscou a priori obter, na esfera administrativa, tal ressarcimento. 4. O requerimento administrativo, embora necessário, pode ser suprido por qualquer comunicação sobre os vícios construtivos, ou seja, prescinde de rigor formal, bem como pela eventual oposição da parte contrária do pedido indenizatório. Precedentes do C. STJ. 5. No caso dos autos verifica-se que a parte apelante notificou a CEF extrajudicialmente (ID 134520317 - pg. 13/14), suprindo tal requisito formal. Descabe, portanto, a alegação de inexistência de reclamação formal administrativa por meio do programa "DE OLHO NA QUALIDADE". 6. Apelação provida. Sentença anulada. (APELAÇÃO CÍVEL SIGLA_CLASSE: ApCiv 5002390-81.2019.4.03.6106 PROCESSO_ANTIGO: ..PROCESSO_ANTIGO_FORMATADO:, RELATORC:, TRF3 - 2ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 20/10/2020 .FONTE_PUBLICACAO1: FONTE_PUBLICACAO2: .FONTE_PUBLICACAO3:.)De igual modo, afasto a ilegitimidade passiva da Caixa Econômica Federal. No caso vertente a CEF atua como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima renda, já que o imóvel está vinculado ao Fundo de Arrendamento Residencial - FAR. Com efeito, a Ré celebrou com a Autora um Instrumento Particular de Venda e Compra do Imóvel, com Parcelamento e Alienação Fiduciária em Garantia no Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV – RECURSO FAR, tendo por objeto imóvel adquirido com recursos do FAR -Fundo de Arrendamento Residencial (), fundo financeiro criado pela Caixa Econômica Federal por determinação constante no caput do artigo 2º da Lei nº 10.188/2001, do qual a Ré é gestora (§ 8º do citado artigo). No aludido contrato o FAR figura não só como vendedor do imóvel (cláusula primeira), mas também como credor fiduciário (quadro A1). Atuando como executora de política pública, a responsabilidade da CEF não se restringiu à liberação de valores à construtora contratada, mas incluiu a fiscalização da qualidade e regularidade da obra, razão pela qual é parte legítima para figurar no polo passivo da ação, conforme orientação pacífica do E. STJ (AgInt no REsp 1646130/PE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 30/08/2018, DJe 04/09/2018; AgInt nos EDcl no REsp 1.907.783/PE, Ministro Antônio Carlos Ferreira, 4T, DJe 13/08/2021; AgInt no AREsp 1.791.276/PE, Ministro Raul Araújo, 4T, DJe 30/06/2021; AgInt no AREsp 1.494.052/MT, Ministro Marco Aurélio Bellizze, 3T, DJe 06/04/2021). Ainda, resta afastado o litisconsórcio necessário entre a CEF a e construtora, uma vez que se trata de hipótese de responsabilidade solidária, cabendo ao credor escolher pelo ajuizamento contra qualquer um dos responsáveis, sem prejuízo de eventual ação regressiva da CEF em face da construtora (art. 275 do Código Civil). Nesse sentido, destaco decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO ADMINISTRATIVO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. PRECEDENTES. CHAMAMENTO AO PROCESSO DE APENAS UM DOS DEVEDORES. POSSIBILIDADE. ARTIGOS 72 E 79 DO CPC/73 NÃO PREQUESTIONADOS. 1. Os autos são oriundo de ação de cobrança, cumulada com ressarcimento e declaratória de direitos, ajuizada pela Itaipu Binacional em desfavor de algumas empresas contratadas para a implantação de unidades geradoras de energia elétrica na Usina Hidrelétrica de Itaipu (em regime de empreitada integral e solidariedade entre os contratados). A insurgência é contra acórdão que reconheceu a necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário entre todas as empresas contratadas (no que se refere à pretensão de cunho declaratório), bem como deferiu o chamamento ao processo de apenas uma delas (quanto à pretensão de ressarcimento pela substituição do óleo isolante). 2. A jurisprudência desta Corte possui entendimento de que não há litisconsórcio necessário nos casos de responsabilidade solidária, sendo facultado ao credor optar pelo ajuizamento da ação contra um, alguns ou todos os responsáveis. Precedentes: AgRg no REsp 1.164. 933/RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 09/12/2015; EDcl no AgRg no AREsp 604.505/RJ, Rel. Min. Luiz Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 27/05/2015; AgRg no AREsp 566.921/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 17/11/2014; REsp 1. 119.969/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 15/10/2013; REsp 1.358.112/SC, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28/06/2013. O fato da pretensão ser declaratória não afasta a entendimento supra, mormente no caso dos autos em que a ação visa declarar modificações contratuais já executadas, não se vislumbrando, portanto, prejuízo para as empresas que não integraram a lide. 3. Quanto a alegação de impossibilidade de chamamento ao processo apenas da empresa Siemens, a insurgência não merece ser acolhida, na medida em que não é preciso que o réu demandado chame ao processo todos os demais devedores, além de que as teses defendidas pelo recorrente (de descumprimento dos artigos 72 e 79 e da existência de cláusula de arbitragem) não foram apreciadas pelo acórdão recorrido. Incidência da Súmula 211/STJ. 4. Recurso conhecido em parte e, nesta extensão, parcial provimento, para afastar a formação de litisconsórcio passivo necessário. (STJ - REsp: 1625833 PR 2016/0239367-5, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 06/08/2019, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/09/2019) Na mesma linha, descabe a denunciação da lide no âmbito dos Juizados Especiais Federais, a teor do artigo 10 da Lei nº 9.099/95, ressalvado o direito de regresso, consoante dito acima. Não se está aqui afastando eventual responsabilidade da executora das obras em sendo verificados vícios relativos à construção dos imóveis. Tal questão, contudo, haverá de ser debatida em ação própria, sendo inoportuna a pretendida ampliação subjetiva da presente lide, a qual, certamente, aumentaria a complexidade da lide e a morosidade do processo, incompatíveis com os princípios da celeridade e simplicidade que norteiam o Juizado. DO MÉRITO A CEF, dentre outras teses de defesa, sustenta a ocorrência de decadência, ao argumento de que deve ser aplicado o disposto no artigo 445 do Código Civil, que estabelece o prazo de um ano para o exercício do direito de obter a redibição por vícios ocultos em bens imóveis. Além disso, aduz que também incide ao caso a prescrição prevista no artigo 206, § 3º, inciso V, do Código Civil. Inicialmente, não há como acolher a decadência aventada com base no artigo 445 do Código Civil, eis que não se trata de ação redibitória ou demanda quanti minoris, vez que a parte autora objetiva a reparação ou conserto dos aludidos defeitos construtivos. Noutro flanco, fulmino a alegação de prescrição, considerando que entre a data de entrega do imóvel e o ajuizamento desta ação não se consumou o prazo de 10 (dez) anos previsto no art. 205 do Código Civil. Não escapa à vista, também, que, na linha da jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, o responsável pelo vício de construção que se prolonga no tempo poderá ser acionado, para fins de ação indenizatória, no prazo de prescrição de dez anos, com início da contagem a partir da comunicação à CEF sobre os vícios na construção. Confira-se: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. ART. 618 DO CC/2002. PRAZO DECADENCIAL. INAPLICABILIDADE. PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL. TERMO INICIAL. COMUNICAÇÃO À CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PRESCRIÇÃO AFASTADA. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. O entendimento desta Corte é de que “à falta de prazo específico no CDC que regule a pretensão de indenização por inadimplemento contratual, deve incidir o prazo geral decenal previsto no art. 205 do CC/02, o qual corresponde ao prazo vintenário de que trata a Súmula 194/STJ, aprovada ainda na vigência do Código Civil de 1916 ('Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos na obra')” (REsp 1.717.160/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/03/2018, DJe 26/03/2018). 2. Segundo orientação jurisprudencial deste Superior Tribunal, “a solidez e segurança do trabalho de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis foram destacadas pelo legislador (artigo 618 do Código Civil) para fins de atendimento ao prazo irredutível de garantia de cinco anos, não consubstanciando, contudo, critério para aplicação do prazo prescricional enunciado na Súmula 194 do STJ” (AgInt no AREsp 438.665/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 19/09/2019, DJe 24/09/2019). 3. Ademais, "quando a pretensão do consumidor é de natureza indenizatória (isto é, de ser ressarcido pelo prejuízo decorrente dos vícios do imóvel) não há incidência de prazo decadencial. A ação, tipicamente condenatória, sujeita-se a prazo de prescrição" (REsp n. 1.819.058/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 3/12/2019, DJe 5/12/2019). 4. Com relação ao termo a quo desse prazo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que os danos decorrentes de vício na construção se prolongam no tempo, o que inviabiliza a fixação do termo inicial do prazo prescricional, considerando-se como iniciada a prescrição somente no momento em que a seguradora é comunicada do evento danoso e se recusa a indenizar. 5. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.897.767/CE, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe de 24/3/2022) Dito isto, passo a analisar o mérito propriamente dito. A atuação da CEF limita-se à realização de políticas públicas habitacionais implementadas pelo Governo Federal, razão pela qual não há que se falar em aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Nessa trilha: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDENIZAÇÃO POR DANOS ADVINDOS DE VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. INAPLICABILIDADE DAS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: NÃO CABIMENTO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE À CONSTRUTORA: POSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O Programa Minha Casa Minha Vida é regrado pela Lei nº 11.977/2009 que, em seu artigo 9º, expressamente confere à CEF a gestão dos recursos destinados ao Programa Nacional de Habitação Urbana - PNHU, subprograma integrante daquele. Desse modo, trata-se de um programa de Governo destinado a ampliar o acesso das populações mais carentes à moradia. 2. Não há como se aplicar aos contratos firmados no âmbito do PMCMV as normas do Código de Defesa do Consumidor, em analogia ao entendimento jurisprudencial firmado em sede de julgamentos repetitivos, que afasta a incidência de referidas normas aos contratos vinculados ao FIES - Financiamento Estudantil, por tratar-se de programa de Governo. Precedente. 3. As relações jurídicas advindas dos contratos firmados entre o condomínio agravante, a CEF e a construtora não se qualificam como relações de consumo, a elas não se aplicando as normas do Código de Defesa do Consumidor. 4. A denunciação da lide, na figura do inciso II do artigo 125 do Código de Processo Civil de 2015, restringe-se às ações em que se discute a obrigação legal ou contratual do denunciado em garantir o resultado da demanda, indenizando o garantido em caso de derrota. 5. No caso dos autos, a CEF e a construtora estão estreitamente vinculadas pelo contrato para execução de obras e serviços necessários à conclusão do empreendimento no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida. A CEF é gestora dos recursos do Fundo de Arrendamento Residencial - FAR e, como tal, responde, no caso em exame, pelo repasse das verbas do FAR para a execução, pela construtora, da política pública relativa ao Programa Minha Casa Minha Vida. Já a construtora, nos termos do contrato, é responsável pela execução das obras e serviços necessários à conclusão do empreendimento. Desse modo, cabível a denunciação da lide à construtora. 6. Agravo de instrumento não provido. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5014799-40.2020.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 22/09/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 28/09/2020) ADMINISTRATIVO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. INADIMPLEMENTO. desvio de finalidade. RESCISÃO CONTRATUAL. ESBULHO. O Programa de Arrendamento Residencial possui um regime jurídico próprio, sendo descabida a incidência do Código de Defesa do Consumidor ao caso, uma vez que não se trata de relação de consumo, mas sim de programa governamental para atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda, com recursos públicos. .Transferido indevidamente para terceiro o imóvel objeto do arrendamento, correta a rescisão contratual, pois há previsão contratual expressa a respeito. Sendo injusta a posse exercida pelos réus, resta caracterizado o esbulho e justifica-se a medida de reintegração de posse pleiteada. (TRF4, AC 5014439-16.2014.4.04.7202, TERCEIRA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 02/05/2017) Pois bem. A parte autora firmou com a CEF “Instrumento Particular de Venda e Compra do Imóvel, com Parcelamento e Alienação Fiduciária em Garantia no Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV – RECURSO FAR". Relata que, após ter passado a habitar o imóvel, identificou que a unidade apresentava danos físicos progressivos que comprometem sua habitabilidade, conforto e segurança, tais como deficiência nas instalações hidráulicas, rachaduras e trincas nos pisos e revestimentos, umidade, falhas de impermeabilização, deterioração do reboco e pintura, infiltrações diversas, etc. Anexou à inicial parecer técnico firmado por engenheiros, a fim de corroborar os danos alhures mencionados . Nesse contexto, para adequada análise da existência e extensão dos defeitos de construção, foi realizada PERÍCIA TÉCNICA SIMPLIFICADA (PTS), a qual, consoante se infere do laudo acostado no id. 331541072. constatou vícios de contrucaoconstrução quanto à Revisão elétrica, Troca do azulejo (cozinha/lavanderia e banheiro), Estanqueidade das esquadrias (dormitório 2), Pintura geral do cômodo que foi danificado por infiltração (dormitório 2). Por outro lado, o expert não detectou outros vícios construtivos, com relação aos itens apontados na inicial. Em que pese a impugnação quanto ao laudo, acolho as conclusões acima expostas, dado que o perito possui o conhecimento técnico necessário à avaliação das questões. A reparação pretendida, como se vê, deve restringir-se aos vícios decorrentes de falhas construtivas, com exclusão, assim, daqueles relacionados ao uso e desgaste natural, falta de manutenção, conservação ou mau uso do bem. Quanto a eventuais vícios relatados no campo “observações adicionais”, cuidam-se de acréscimos relatados pela própria autora durante a perícia, não integrantes da petição inicial e do laudo técnico que a acompanham e, assim, não podem ser analisados pelo juízo, sob pena de violação do princípio da congruência (art.492 do CPC). Portanto, resta comprovada a existência dos danos materiais sofridos no imóvel alienado à parte Autora por conta de vícios construtivos e estabelecido o nexo de causalidade entre tais danos e a construção do imóvel, devendo a Ré responder pelos prejuízos causados. Todavia, no tocante à forma de reparação dos danos materiais verificados, passo a entender que a CEF pode, em tese, ser condenada em obrigação de fazer, desde que haja pedido alternativo nessa direção, não sendo cabível a condenação direta ao pagamento de indenização, como requerido, já que a posse indireta do imóvel pertence ao FAR, sendo do fiduciante apenas a posse direta. Nesse sentido, trago à colação trecho do brilhante voto do eminente Juiz Federal Alexandre Cassetari nos autos do Recurso Inominado Cível nº 0004670-64.2021.4.03.6325, julgado em 11/07/2023 na 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, a saber: (...) Trata-se de alienação fiduciária em garantia de bem imóvel. A parte autora ostenta o direito real de aquisição do imóvel, na qualidade de devedor fiduciante (art. 1.368-B, do Código Civil), que adquirirá a propriedade somente depois de liquidar todas as prestações previstas no contrato. Na hipótese de inadimplemento, haverá a consolidação da propriedade em nome do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Sendo o imóvel de propriedade do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), antes do acionamento do programa “De Olho na Qualidade”, não cabe pedir a reparação em dinheiro dos alegados vícios de construção, pois é incompatível com a natureza das obrigações e direitos decorrentes do contrato. O contrato estabelece expressamente que a solução dos vícios de construção deve ser buscada pelo mutuário por meio do programa “De Olho na Qualidade”. Isso porque tais vícios devem ser reparados mediante a realização de reparos no imóvel, e não por meio de pagamento de indenização em dinheiro para quem não tem sequer a propriedade do bem, mas mero direito real de aquisição, uma vez pagas todas as prestações, ao final do contrato, ou amortizado antecipadamente todo o saldo devedor. Realmente, não há como controlar que os recursos em dinheiro da indenização pedida serão usados pela parte autora para reparar o imóvel. No dia seguinte ao recebimento da indenização, seria possível ela deixar de pagar as prestações e a propriedade ser consolidada em nome do FAR, que sofreria prejuízo, pois os recursos que deveriam ser empregados para a reparação do imóvel de sua propriedade não seriam empregados para essa finalidade e ficariam com o mutuário, em prejuízo do FAR. O interesse do devedor fiduciante fica assim limitado à manutenção do imóvel em condições adequadas de habitabilidade, situação que não pode ser convertida em reparação em dinheiro (TRF 4ª REGIÃO, 4ª TURMA, PROCESSO 5009680-98.2012.4.04.7001, RELATOR DESEMBARGADOR FEDERAL SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, JULGADO EM 15/05/2019, VOTAÇÃO UNÂNIME, E-DJF4 DE 16/05/2019), salvo, evidentemente, se a CEF, em demanda ajuizada para cumprir obrigação de fazer, não cumprir a obrigação e esta for convertida em perdas e danos. Realmente, com as devidas adaptações, a situação do devedor fiduciante, no contrato de alienação fiduciária ou arrendamento residencial, pode ser comparada ao do locatário. Não teria nenhum sentido o locador pagar ao locatário indenização em dinheiro por danos existentes no imóvel. O locador tem a obrigação de garantir a habitabilidade e salubridade do imóvel. Se não cumprir essa obrigação de fazer, obrigação de garantia de habitabilidade, pode ser obrigado a cumprir a obrigação de fazer os reparos no imóvel. A conversão dessa obrigação de fazer em obrigação de pagar, em conversão em perdas e danos ocorrerá somente se, condenado o locador, por sentença judicial, a cumprir a obrigação de fazer os reparos, deixar de executá-los. Não teria sentido o locador pagar previamente indenização em dinheiro para o locatário iniciar reparos no imóvel. O locador estaria a reparar os danos do imóvel de sua propriedade (salvo, evidentemente, caso de sublocação autorizada). Do mesmo modo, não teria sentido o credor fiduciário, proprietário do imóvel, pagar ao credor fiduciante, possuidor direto do bem e mero titular do direito real de aquisição do imóvel, indenização em dinheiro para fazer reparos por vícios de construção no imóvel que não lhe pertence ainda. É possível imaginar situações absurdas, em que alguém acaba de assinar um contrato de alienação fiduciária ou arrendamento residencial, com prestações iniciais de R$ 300,00 (trezentos reais) e, em seguida ajuizada demanda em face do devedor fiduciário pedindo reparação de vícios de construção no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), correspondente a 100 meses de prestação, compreendendo grande parte do prazo do financiamento. Cabe perguntar: o que impediria o devedor fiduciante, no dia seguinte ao recebimento da indenização em dinheiro, de deixar o imóvel, sem empregar os valores na reforma para reparar os vícios de construção, e de adquirir outro imóvel com tais recursos? Nada. Poderia ser imoral ou qualquer outra coisa, mas não seria ilícito, porque nada o obrigaria, na sentença, a usar o valor na reforma. Considerando que a parte autora concorda, nas razões do recurso, que não há na petição inicial pedido de condenação da ré a cumprir a obrigação de fazer reparos no imóvel, e sim somente pedido de reparação em dinheiro de danos materiais e morais, cumpre reconhecer a falta interesse processual em relação ao pedido de reparação dos danos materiais decorrentes de vícios de construção. Assim sendo, à míngua de pedido alternativo na petição inicial consistente em condenação em obrigação de fazer, não há interesse processual do autor no tocante ao pleito de reparação dos danos materiais detectados, devendo o feito ser extinto, nesse particular, sem resolução do mérito. Noutro flanco, quanto aos danos morais, registro a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “o aborrecimento, sem consequências graves, por ser inerente à vida em sociedade - notadamente para quem escolheu viver em grandes centros urbanos -, é insuficiente à caracterização do abalo, tendo em vista que este depende da constatação, por meio de exame objetivo e prudente arbítrio do magistrado, da real lesão à personalidade daquele que se diz ofendido. Como leciona a melhor doutrina, só se deve reputar como dano moral a dor, o vexame, o sofrimento ou mesmo a humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, chegando a causar-lhe aflição, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Precedentes. (AgRg no REsp 1269246/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/05/2014, DJe 27/05/2014) (grifei). Para sua configuração, necessário demonstrar ter havido conduta ilícita - de regra -, dano e nexo causal. Quanto a este tópico, recentemente a Turma Nacional de Uniformização, em análise ao mesmo tema, fixou a tese de que "O dano moral decorrente de vícios de construção que não obstam a habitabilidade do imóvel não pode ser presumido (in re ipsa), devendo ser comprovadas circunstâncias que no caso concreto ultrapassam o mero dissabor da vida cotidiana por causarem dor, vexame e constrangimento, cuja gravidade acarreta abalo emocional, malferindo direitos da personalidade". Colaciono a ementa do julgado: PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO QUE NÃO AFETAM A HABITABILIADE DO IMÓVEL. DANO MORAL. INCABÍVEL SEU RECONHECIMENTO POR MERA PRESUNÇÃO. 1. O Pedido de Uniformização revela divergência entre Turmas Recursais de diferentes Regiões, bem como em face da orientação jurisprudencial dominante do Col. STJ na interpretação de direito material acerca da possibilidade de ser configurado o dano moral in re ipsa quando constatados vícios de construção. 2. Tese fixada: O dano moral decorrente de vícios de construção que não obstam a habitabilidade do imóvel não pode ser presumido (in re ipsa), devendo ser comprovadas circunstâncias que no caso concreto ultrapassam o mero dissabor da vida cotidiana por causarem dor, vexame e constrangimento, cuja gravidade acarreta abalo emocional, malferindo direitos da personalidade. 3. Pedido de uniformização conhecido e provido. (TNU, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI Nº 5004907-76.2018.4.04.7202/SC, TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO, Juiz Federal NEIAN MILHOMEM CRUZ, JUNTADO AOS AUTOS EM 11/11/2022) Destaco outro recente precedente da TNU no mesmo sentido: ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO NACIONAL. VÍCIOS CONSTRUTIVOS EM IMÓVEL INSERIDO NO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. AUSENCIA DE NECESSIDADE DE DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL PARA REPARAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE DANOS MORAIS IN RE IPSA. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS DANOS MORAIS. PRECEDENTES DO STJ E DESTA TNU. RETORNO DOS AUTOS PARA ADEQUAÇÃO. Os danos morais decorrentes de vícios de construção que sequer demandaram a necessidade de desocupação do imóvel para reparação não se presumem, sendo necessária a devida comprovação de sua ocorrência mediante a demonstração de grave violação aos valores fundamentais inerentes aos direitos da personalidade. Pedido de Uniformização Provido. Retorno dos autos para Adequação do julgado. (TNU, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI Nº 5006082-71.2019.4.04.7105, TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO, Juíza Federal LILIAN OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 09/10/2022). No caso dos autos, o único vício construtivo constatado em perícia foi quanto à Revisão elétrica, Troca do azulejo (cozinha/lavanderia e banheiro), Estanqueidade das esquadrias (dormitório 2), Pintura geral do cômodo que foi danificado por infiltração (dormitório 2). Conforme é possível observar pela descrição das anomalias e pelas fotos anexadas ao laudo, tal vício não é expressivo e não prejudica a habitabilidade do imóvel, tampouco compromete sua estrutura e solidez. É na verdade, de baixa complexidade e expressividade. Dessa forma, pelas razões aduzidas, o pleito não comporta indenização por danos morais. DISPOSITIVO Posto isso, rejeitando as preliminares suscitadas: i) julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, em face da Caixa Econômica Federal, por falta de interesse processual, no que se refere ao pedido de reparação dos danos materiais decorrentes de vícios de construção, o que faço com suporte no artigo 485, inciso VI do CPC e ii) julgo improcedente o pedido de indenização por danos morais, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, nos termos da fundamentação supra. Defiro à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita. Sem condenação ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios neste primeiro grau de jurisdição pelo sistema dos Juizados Especiais Federais, conforme artigos 54 e 55 da Lei nº 9.099/1995 e artigo 1º da Lei nº 10.259/2001. O prazo para a interposição do recurso inominado contra esta sentença é de 10 (dez) dias, de que fica ciente a parte autora. Em caso de interposição recursal, intime-se a parte recorrida para que possa apresentar contrarrazões, no prazo legal. Vindas estas, ou certificada pela Secretaria sua ausência, encaminhem-se os presentes autos para a Turma Recursal, sendo desnecessário o juízo de admissibilidade nesta instância, nos termos da Resolução nº 417 – CJF, de 28/10/2016. Sem recurso, certifique-se o trânsito em julgado e se arquivem os autos, com as baixas e anotações de praxe. Publique-se. Intimem-se as partes. Cumpra-se. Campinas/SP, datado e assinado eletronicamente.
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