Processo nº 5164836-83.2020.8.09.0160
ID: 330257527
Tribunal: TJGO
Órgão: 10ª Câmara Cível
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5164836-83.2020.8.09.0160
Data de Disponibilização:
21/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ALESSANDRO RIBEIRO DE CARVALHO
OAB/GO XXXXXX
Desbloquear
Ementa: Direito Civil e Consumidor. Apelações Cíveis. Responsabilidade Civil Por Maus-tratos Em Internação Terapêutica. Ressarcimento De Valores. Indenização por Danos Morais. Provimento Parcial ao S…
Ementa: Direito Civil e Consumidor. Apelações Cíveis. Responsabilidade Civil Por Maus-tratos Em Internação Terapêutica. Ressarcimento De Valores. Indenização por Danos Morais. Provimento Parcial ao Segundo Recurso.I. Caso em exame1. Ação proposta em razão de maus-tratos alegadamente sofridos por seu filho durante tratamento terapêutico. Sentença de procedência parcial com rescisão contratual, devolução simples de R$ 800,00 e fixação de indenização por danos morais em R$ 5.000,00. Ambas as partes apelam.II. Questão em discussão2. Há duas questões em discussão: (i) saber se houve falha na prestação do serviço e a consequente responsabilização civil da clínica requerida, com direito à rescisão contratual e indenização por danos morais; e (ii) saber se é devida a restituição integral dos valores pagos e se o montante fixado a título de dano moral comporta majoração.III. Razões de decidir3. A relação jurídica é regida pelo Código de Defesa do Consumidor, sendo correta a inversão do ônus da prova. A instituição não produziu prova apta a afastar os indícios de prestação inadequada do serviço, conforme depoimentos e documentos constantes dos autos.4. Comprovada a falha na prestação dos serviços, cabível a rescisão contratual e a devolução de valores pagos, limitada à quantia devidamente comprovada (R$ 800,00), nos termos do art. 42 do CDC, na forma simples, por se tratar de cobrança anterior a 30/03/2021.5. A indenização por danos morais fixada em R$ 5.000,00 mostra-se insuficiente diante da gravidade da conduta da clínica e da extensão do sofrimento da autora e de seu filho, sendo adequada sua majoração para R$ 20.000,00.IV. Dispositivo e tese6. Recursos conhecidos. Segunda apelação cível parcialmente provida para majorar a indenização por danos morais para R$ 20.000,00.Tese de julgamento: “1. Configurada a falha na prestação de serviços por instituição terapêutica, é devida a rescisão contratual, a restituição dos valores comprovadamente pagos e a indenização por danos morais. 2. A devolução dos valores pagos deve observar a data da cobrança e a regra de repetição simples prevista no art. 42 do CDC, quando anterior à modulação dos efeitos firmada no julgamento do STJ em 30/03/2021. 3. A indenização por danos morais deve ser proporcional à gravidade da conduta e aos reflexos do sofrimento experimentado, podendo ser majorada quando evidenciada sua insuficiência reparatória.”Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, V e X; CDC, arts. 2º, 3º, 6º, VI, e 42, parágrafo único; CPC, art. 373, II.Jurisprudência relevante citada: STJ, EREsp 1413542/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. p/ acórdão Min. Herman Benjamin, Corte Especial, j. 21.10.2020, DJe 30.03.2021; TJ-SP, Apelação Cível 1002207-83.2020.8.26.0347, Rel. Des. Thiago de Siqueira, 14ª Câmara de Direito Privado, j. 14.11.2024.
PODER JUDICIÁRIO Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 10ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Silvânio Divino de Alvarenga gab.sdalvarenga@tjgo.jus.br DUPLA APELAÇÃO CÍVEL N. 5164836-83.2020.8.09.0160 COMARCA DE NOVO GAMA 1°APELANTE: CENTRO TERAPÊUTICO CRISTALINENSE VIDA NOVA E OUTROS1°APELADA: CREUZENI ROCHA MENDES2° APELANTE: CREUZENI ROCHA MENDES2° APELADOS: CENTRO TERAPÊUTICO CRISTALINENSE VIDA NOVA E OUTROSRELATOR: SILVÂNIO DIVINO DE ALVARENGA VOTO Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, dele conheço. Trata-se de DUPLA APELAÇÃO CÍVEL interposta contra sentença proferida pela juíza de direito da 1ª vara cível, de família, sucessões e da infância e juventude da comarca de Novo Gama, Mariana Belisário Schettino Abreu, nos autos da ação de rescisão contratual cumulada com repetição de parcelas pagas em dobro cumulada com danos morais proposta por CREUZENI ROCHA MENDES em desfavor do CENTRO TERAPÊUTICO CRISTALINENSE VIDA NOVA, LIERTE SOARES e de RENATA CAIXETA. A presente demanda decorre da ação proposta por Creuzeni Rocha Mendes contra o Centro Terapêutico Cristalinense Vida Nova, em razão de supostos maus-tratos sofridos por seu filho durante tratamento terapêutico. A sentença de primeiro grau reconheceu parcialmente os pedidos autorais, determinando a rescisão contratual, a restituição simples de R$ 800,00 (oitocentos reais) e a indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Inconformado, o Centro Terapêutico Cristalinense Vida Nova interpôs apelação, sustentando a inexistência de ilícito que justificasse a condenação, além de alegar que a parte autora teria utilizado indevidamente informações da ação civil pública e do procedimento extrajudicial mencionados nos autos. Argumenta, ainda, que a prestação dos serviços ocorreu conforme os padrões médicos e que não haveria elementos para a restituição dos valores pagos ou a condenação por danos morais. Por sua vez, Creuzeni Rocha Mendes também recorreu da sentença, pleiteando a restituição integral do montante pago, sob o argumento de que efetuou 09 (nove) parcelas de R$ 800,00 (oitocentos reais) e que a inversão do ônus da prova, prevista no Código de Defesa do Consumidor, autoriza a devolução em dobro. Além disso, sustenta que o valor arbitrado a título de danos morais é insuficiente, requerendo sua majoração para R$ 150.000,00 (cento cinquenta mil reais), diante da gravidade das agressões e negligências supostamente praticadas pela instituição requerida. Dessa forma, ambas as partes insurgem-se contra a decisão proferida, cada qual buscando a revisão do julgado em seu favor. Passo à análise. 1. Da incoerência entre a fundamentação e os pedidos: Primeiramente, registro que, embora haja patente incongruência entre os argumentos trazidos na fundamentação e os pedidos deduzidos pelo Centro Terapêutico Cristalinense Vida Nova, não seria razoável não conhecer do recurso no caso em apreço, sobretudo porque não houve prejuízo ao contraditório e à ampla defesa da parte adversa. Nesse contexto, tendo em vista que é facilmente identificável e compreensível a pretensão do recorrente, deve prevalecer seu direito de ver analisadas as teses delineadas em apelo. 2. Da rescisão contratual: Adentrando ao mérito da demanda, importante pontuar que a relação jurídica entre as partes configura-se como uma relação de consumo, uma vez que a parte autora se enquadra no conceito de consumidora, nos termos do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), ao contratar o serviço na condição de destinatária econômica final, conforme preceitua a teoria finalista. Por sua vez, a parte requerida corresponde à definição de fornecedora, conforme disposto no artigo 3º do referido diploma legal. Diante disso, aplicam-se ao caso as normas e princípios previstos no Código de Defesa do Consumidor. A propósito, sob esse viés que o juízo de origem inverteu o ônus probatório, uma vez que o centro terapêutico litigante possui melhores condições de instruir os autos com o conjunto de provas necessários a melhor elucidação dos fatos narrados. Para melhor entender como se deu a contratação, transcrevo trecho do documento que indica o objeto da contratação, realizada em 25 de janeiro de 2019 (mov. 01, arq. 08): “1 – DO OBJETO.A CONTRATADA compromete-se com a CONTRATANTE de oferecer ao INTERNO um programa de reintegração baseado em espiritualidade sem vínculo religioso, programa de “12” passos utilizados pelos grupos de Irmandades Anônimas, acompanhamento psicológico em grupo e individual, tratamento médico durante toda a fase de desintoxicação, o qual facilitará o relacionamento do interno consigo mesmo, com os seus e com o mundo em que vive. Este programa tem por finalidade a busca da recuperação da obsessão e compulsão pelas drogas, inclusive o álcool e outras substâncias psicoativas, por possuir ferramentas que poderão torná-lo apto a ter uma vida normal e produtiva. Esta proposta de terapia terá o tempo determinado de 9 MESES, iniciando-se em 25 de janeiro de 2019, COM TÉRMINO PREVISTO PARA 25 de outubro de 2019. Havendo a possibilidade de prolongamento desse prazo, segundo avaliação evolutiva da equipe de coordenadores e técnicos responsáveis pelo programa de recuperação junto ao INTERNO e seus familiares, fica expressamente esclarecido de que o valor firmado entre as partes não abrange o tempo a ser prolongado ou prorrogado de internação. O novo valor será combinado entre as partes e estabelecido à forma de pagamento (…)” Especificadamente quanto à rescisão contratual, o contrato em questão assim dispõe: “(…) X – CLÁUSULA PENAL DA RESCISÃO DA RESCISÃO ANTECIPADA DO CONTRATO – DESISTÊNCIA DO TRATAMENTO, EXCLUSÃO OU FUGA:1. Rescindindo o contrato por:a. Desistência do tratamento por parte do interno, do Contratante/Responsável;b. Exclusão do Interno conforme preceitua a cláusula VI deste contrato e seus incisos; c. Fuga do Interno é opção exclusiva do Contratante/ Responsável de não retorná-lo ao tratamento.Fica estabelecido que a rescisão do contrato por qualquer uma das hipóteses acima citadas, o CONTRATANTE se compromete a pagar a CONTRATADA uma penalidade, na forma de indenização pelo descumprimento integral ou parcial da obrigação assumida e compensação dos prejuízos, no importe de 20% do VALOR TOTAL deste contrato, mais custas judiciais e honorários advocatícios em caso de cobrança judicial.” No caso em análise, a rescisão contratual encontra respaldo na ausência de prestação adequada dos serviços contratados, diante da alegação de maus-tratos na condução do tratamento dispensado ao filho da autora. Na presente hipótese, os requeridos alegam inexistência de falha na prestação dos serviços, ausência de danos e inexistência de responsabilidade objetiva, sustentando a falta de comprovação do nexo de causalidade. Todavia, mesmo com a inversão do ônus da prova determinada em seu desfavor, deixaram de apresentar nos autos elementos capazes de demonstrar a regularidade na execução dos serviços contratados. A título ilustrativo, chama atenção a ausência, nos autos, de documentos que comprovem o acompanhamento contínuo e periódico do internado por profissional médico especializado em psiquiatria. Consta apenas um único relatório médico, subscrito por psiquiatra, datado de fevereiro de 2019, ou seja, em momento bastante próximo à celebração do contrato, ocorrido em janeiro do mesmo ano (mov. 39, arq. 04). Ressalte-se que o feito não foi instruído com outros documentos clínicos, também assinados por psiquiatra, que evidenciassem o estado de saúde do internado ao longo do tempo, até a sua saída da instituição. Destaca-se que, em sede de instrução e julgamento, a senhora Maria Cleonildes Alves da Silva, na qualidade de informante, relatou diversos casos que indicariam a má prestação de serviços, notadamente os maus tratos sofridos pelo autor da recorrente e pelo filho da informante, ambos internados na instituição requerida. Na ocasião a informante narrou (mov. 95): “Que companhou o processo de internação; que a internação em período coincidente com seu filho; que esteve diversas vezes na clínica; que a clínica era muito suja, especialmente nos quartos; que restringiam o acesso dos visitantes às dependências da clínica; que era uma cena de terror; que os internos estavam sempre dopados; que o próprio filho da recorrente relatou para ela que davam comida vencida, jogavam água fria nos internos; que presenciou a recorrente chorando muito quando percebeu a situação do filho; que a apelante teve sintomas depressivos, não se alimentava, não dormia; que o filho da apelante estava muito nervoso; que as fotos juntadas aos autos, apesar de serem da clínica, não refletiam a organização do local; que os quartos tinham muita sujeira e mau cheiro; que a clínica estava sempre trancada; que o seu filho e o filho da recorrente estavam machucados quando os encontrou na clínica; que o filho da recorrente só saiu com a chegada da polícia.” Na oportunidade, a informante, ainda, identificou algumas fotos constantes dos autos da ação civil pública já referida. Por outro lado, na mesma audiência, a Sra. Maria Aparecida Pinto Brandão respondeu: “Que o paciente era atendido de forma individual, mas que havia atendimento coletivo uma vez por semana; que ministrava medicamentos na clínica, marcava exames; que as imagens da ação civil pública são da clínica; que havia no local alguns cômodos destinados a depósitos, os quais não eram ocupados; que não se recordava do filho da recorrente ter se machucado; que se desligou das suas funções laborais exercidas na clínica em razão do fechamento da clínica após a denúncia; que o médico psiquiatra era somente o Dr. Sérgio; que o sr. Lierte e sr. Luiz recebiam o pagamento (…)” Na mesma ocasião, o sr. Paulo Henrique Pereira de Souza Filho, na condição de testemunha, respondeu que: “Que é designer gráfico; que primeiro conheceu a clínica quando eles foram em visitas na igreja em que é pastor; que toda quarta feira ia visitar a clínica, ministrar cultos e visitar alguns internos que não tinham famílias; que não se recorda a data das ministrações, mas foi bem perto da data do fechamento; que não se recorda da autora; que a clínica fechou segundo alegação do ministério público de cárcere privado; que sempre via tudo limpo e com comida bem feita; que não presenciou nenhum interno sendo punido; que nos momentos em que estava lá viu respeito, amor e carinho; que já almoçou com eles, eles comiam em pratos, talheres, arroz, feijão, frango ao molho, macarrão e salada; que desconhece informações de maus tratos, machucadas; que tinha um interno cadeirante e as pessoas tinham paciência; que havia médicos, pedagogos e psicólogos na clínica.” Importa registrar o indeferimento do depoimento de Luiz Renato dos Santos em razão da quebra de incomunicabilidade, conforme consta da ata de audiência (mov. 93): “Aos 23 de Setembro de 2024, às 15h43 nesta Cidade e Comarca, foi aberta a audiência telepresencial pela MM. Juíza de Direito, Dra. MARIANA BELISÁRIO SCHETTINO ABREU, através da plataforma ZOOM, comigo assistente abaixo assinado. Feito o pregão, certificou-se o comparecimento presencial da parte autora, acompanhado de seu advogado que encontrava-se presente através da plataforma Zoom. Presente também o requerido, acompanhado de advogado que encontravam-se presentes através da plataforma Zoom. Todos qualificados no cabeçalho. Aberta a audiência, tentada a conciliação entre as partes, esta restou infrutífera. Passada a instrução processual, dispensados reciprocamente os depoimentos pessoais das partes. Após, foi apresentada e inquirida a seguinte informante arrolada pela parte requerente: MARIA CLEONILDES ALVES DA SILVA, inscrita no CPF sob o nº 734.232.703-49 na qualidade de informante, pois é vizinha e amiga da autora. A testemunha/informante JILVAN ALVES GAMA, arrolada na movimentação 87, foi dispensado pela parte autora, ante a sua ausência. Em continuidade, foram apresentadas e inquiridas as seguintes informantes arroladas pelas partes requeridas: 1) MARIA APARECIDA PINTO BRANDÃO, técnica de enfermagem, residente e domiciliada na Rua 96, Quadra 94, Lote 15, Vila São João, Cristalina/GO, Testemunha compromissada na forma da Lei. 2) LUIZ RENATO DOS SANTOS, assistente administrativo, residente e domiciliado em rua 4c, chácara 12, lote 01, apartamento 203, Vicente Pires/DF. Iniciada a inquirição a testemunha verbalizou em arquivo de áudio e vídeo, ao responder as perguntas que a magistrada formulava que “conforme a Maria Aparecida falou”. Ato contínuo lhe foi perguntado se ele havia escutado o que maria aparecida falou, seguidamente ele respondeu “nós não estamos na mesma reunião”. Em seguida, a magistrada atendendo a impugnação do advogado da parte autora, indeferiu a oitiva de Luiz Renato, vez que evidenciada a quebra de sua incomunicabilidade em razão de acesso pretérito ao depoimento de Maria Aparecida. Ato contínuo o advogado da requerente pediu a palavra para impugnar o depoimento já colhido de Maria Aparecida por, segundo ele estar a testemunha no mesmo ambiente de Luiz Renato. A magistrada informou as partes que a valoração de Maria aparecida será avaliado por ocasião da Sentença. 3) Paulo Henrique Pereira de Souza Filho, designer gráfico. Testemunha compromissada na forma da Lei. A finalização da oitiva da testemunha Paulo Henrique, restou frustrada ante a desconexão deste da sala de audiências virtual, o que obstou a finalização das perguntas por parte do Dr. Alessandro e as perguntas de Dr. Mateus. Todas as testemunhas e informantes, autorizaram exibição de voz e imagem. Em seguida foi proferido o seguinte DESPACHO: “Às partes para que se manifestem em memoriais, em prazo sucessivo de 15 (quinze) dias, iniciando pelo autor, a contar desta assentada. Precluso, com ou sem manifestação do requerente, intime-se a parte requerida. Após, venham os autos conclusos para SENTENÇA. Dou os presentes por intimados nesta audiência. Cumpra-se”. Nada mais havendo a constar encerrou-se o presente termo que, lido e em tudo achado conforme vai assinado, eu (cgsso) assistente, o digitei e subscrevi.” Ademais, embora a clínica recorrente sustente a impossibilidade de levar em consideração o que se discute nos autos da ação civil pública n. 5045789-02.2020.8.09.0036, não se pode ignorar a gravidade das apurações levantadas naquele feito. O órgão ministerial, ao propor a demandar, relata a ocorrência de diversas irregularidades, citando que, ao realizar fiscalização, deparou-se com maus tratos, cárcere privado, dispensação de medicamentos de forma irregular, agressões, dentre outras condutas que coadunam com o relato da autora desta ação. Sirvo-me de trecho da fundamentação utilizada em sentença proferida nos autos da ação civil pública referida, que procedeu à oitiva de testemunhas, as quais corroboram a existência de irregularidades (mov. 211, processo n. 5045789-02.2020.8.09.0036): “De saída, aponto que a prova testemunhal, malgrado tenha havido o compromisso legal de dizer a verdade, deve ser considerada com limitações.Isto, pois, as informações trazidas pelas testemunhas arroladas vão ao encontro das alegações insertas na inicial. Não obstante, chocam-se entre si mesmas e com os outros elementos constantes dos autos. As divergências apontadas colocam em dúvida a credibilidade das informações prestadas, tornando a prova oral produzida, dessa forma, inapta para os fins a que se destina.Para a completa análise das alegações feitas, transcreve-se o teor da prova testemunhal:Testemunha 1 – Maria Aparecida Pinto Brandão: trabalhou na clínica por volta de 2018/2019. Tinha função na clínica de enfermagem, sendo a única responsável pela guarda e administração dos medicamentos. A medicação era realizada de 12 em 12h. Que era a única com acesso aos medicamentos. Que acerca da prática de “resgate”, nunca viu nenhuma pessoa chegando amarrada. Que alguns chegavam dopados, pois a própria família os dopava. Nunca entregou medicamento para os outros funcionários doparem os pacientes. Que quando os pacientes chegavam muito machucados e “judiados” por causa do uso do crack e da vida na rua, encaminhavam para a UPA. Que os pacientes vinham porque queriam ou porque a mãe tinha mandado. Se o residente quisesse ir embora, contactavam a família e pediam para buscar. Nunca presenciou castigo físico. Os pacientes faziam terapia com os narcóticos anônimos, culto, trabalhos em grupo. Que forneciam alimentação adequada. Toda a medicação era prescrita pelo psiquiatra. Os pacientes não ficavam trancados. Que vacinavam os pacientes. Que os pacientes recebiam visitas 1x por mês ou chamadas de vídeo. Que não tinham sala de contenção, mas apenas uma sala de reuniões. Que estavam em obras construindo mais quartos. Não sabe de banheiros mofados. Que as “correições” referentes ao aviso aos detentos seriam medidas como tirar o videogame, dominó, etc. Não se lembra se havia procedimento entre os demais funcionários de dopar os pacientes. Que a laborterapia tratava-se dos pacientes cuidarem de suas próprias coisas, lavarem as roupas, os pratos, manter a higienização. Não sabe como funcionavam os resgates. Sabe que o resgate buscava eles de carro.Testemunha 2 – Luiz Renato dos Santos: era secretário administrativo da clínica desde agosto de 2017. Preenchia os contratos e fazia a compra de remédios. Que os pacientes tinham horário para tudo, inclusive para a laborterapia. Não havia castigos físicos, correções ou quarto de contenção. Que o tratamento era de igual para igual. Que os pacientes tinham visitas 1x por mês e que frequentavam o culto. Que o aviso acerca das “correições” não existia, pois era ele quem fazia as impressões. Que não existia violência. Se o paciente não quisesse fazer a laborterapia, ele apenas ia descansar, fazer o que quisesse. Que quando o paciente queria sair, ligavam para a família, e que o paciente só ia embora se a família autorizasse. Que participou de dois resgates, e que os resgates eram feitos de forma tranquila. Que a família pedia para buscar. Que os pacientes sempre iam voluntariamente com o resgate. Que nunca presenciou pacientes dopados ou amarrados e, se chegavam dopados, era porque as famílias dopavam. Que tinham atividades e eles contatavam a família. Que levavam os pacientes para ver a cidade, para tomar sorvete. Que a alimentação era a mesma para todos, e que se não tivesse dinheiro para a comida, tiravam do próprio bolso para alimentar os pacientes. A laborterapia era a limpeza do ambiente, limpar o ambiente/a clínica, lavar os banheiros, pois muitos ficavam ociosos. Que não eram remunerados pela limpeza do local, pois fazia parte da terapia. Que era uma limpeza geral comum, como se fosse de uma casa. Conhecia o paciente Romildo, que faleceu, mas que recebeu o máximo de cuidados na clínica. Não sabe o que aconteceu entre o cozinheiro e o Romildo, sobre o cozinheiro ter sufocado o paciente. Não sabe porque um dos pacientes relatou ter visto o sufocamento, porque estava de férias. Não amarravam os pacientes e nem usavam professores de artes marciais nos resgates. Não eram aplicados medicamentos sem prescrição médica. Não tem conhecimento de mensagens do Lierte para dopar pacientes. Que os pacientes primeiro eram resgatados e apenas depois passavam pelo médico, já que as famílias não aguentavam mais. Que os pacientes entravam no carro voluntariamente. Acredita que era impossível o SAMU atendê-los.Testemunha 3 – Simone de Macedo Santana: foi cozinheira da clínica durante 1 mês. Nunca presenciou residente sendo maltratado ou colocado em quarto de contenção. Preparava a comida, e todos comiam igual, havendo pratos para todos. A comida era servida sempre nos pratos. Não conheceu o cozinheiro Jefferson.Algumas incoerências saltam aos olhos. A exemplo, enquanto a primeira testemunha alega que o aviso acerca das “correções” (evento 01, arquivo 04) referia-se à retirada de videogames, jogos e outros momentos de lazer, a segunda testemunha alega, em sentido contrário, que sequer existia tal aviso, afirmando veementemente que ele era o responsável pelas impressões.Outro exemplo de contradição diz respeito à “laborterapia”. Enquanto a primeira testemunha narra que a laborterapia seria a realização de pequenas tarefas de cunho pessoal e de higiene própria dos pacientes, a segunda testemunha afirma que a mencionada terapia seria a realização da limpeza de toda a clínica, inclusive com a lavagem dos banheiros, pela qual não eram os pacientes remunerados.Quando questionados acerca de situações mais graves, como, por exemplo, o ocorrido com o paciente Romildo, alegam “não se recordar” ou “não ter conhecimento”.Também não parece crível a alegação de que todos os internados voluntariamente fossem ao estabelecimento quando do resgate, notadamente pelas circunstâncias em que o resgate se dava, com a presença de vários funcionários da clínica, seja para fins de intimidação, seja para o uso de força física.Aponto, ainda, que todas as testemunhas eram funcionárias do estabelecimento e, como já se viu pela dinâmica da situação, os funcionários, ainda que não participassem diretamente dos crimes ali perpetrados, eram, no mínimo, coniventes com os abusos.O que se vê, pela descrição dos fatos e das narrativas das testemunhas, é que o local servia como um estabelecimento irregular de internação não voluntária, solicitada pelos familiares dos pacientes e paga com os benefícios previdenciários ou assistenciais percebidos pelos internados.Vê-se, da narrativa das testemunhas, que os pacientes eram ilegalmente internados a pedido dos familiares, e não por vontade própria, inclusive tendo as testemunhas mencionado que muitas vezes os pacientes chegavam dopados pelos familiares (apesar de os autos indicarem que também eram dopados pelos próprios funcionários). E, se manifestasse, o desejo de sair, só eram liberados mediante a autorização dos familiares. Ora, se eram “resgatados” dopados pelos familiares, cai por terra a alegação de que a internação era voluntária. A não ser que se admitisse a validade do consentimento de uma pessoa dopada.Eram mantidos, pois, em cárcere privado, após serem sequestrados por meio do “resgate” e, ainda, submetidos a condições degradantes de convivência, forçados a trabalhar para a limpeza e higienização da própria clínica, sendo submetidos a castigos físicos (ainda que as testemunhas aleguem não ter presenciado tais situações), a restrições ao lazer, e a limitações ao direito de ir e vir.Ademais, verifica-se que a parte requerente instruiu a petição inicial com amplo acervo probatório, podendo ser verificado, de logo, fortes indícios de diversas outras irregularidades, motivo pelo qual fundamentou-se, inclusive, a concessão da tutela provisória.” [grifei] Observo que, embora pendente de recurso, o julgamento da ação civil pública concluiu pela interdição da clínica, fato que não pode ser ignorado na análise do caso concreto objeto de análise deste recurso. Nesse contexto, diante de todos os elementos probatórios que instruem o feito, imperativo concluir que a clínica contratada não cumpriu com as obrigações contratuais firmadas, deixando de prestar serviços adequados ao interno, filho da recorrente, o que resulta no inadimplemento contratual. Verificado o descumprimento das obrigações assumidas no contrato de prestação de serviços em discussão, e diante da ausência de prova, por parte da clínica demandada, capaz de infirmar o direito invocado pela autora, nos termos do art. 373, inciso II, do Código de Processo Civil, impõe-se a restituição das partes ao estado anterior à celebração do negócio jurídico, com a consequente devolução integral dos valores pagos. 3. Da restituição dos valores: Quanto à restituição dos valores, embora a parte autora tenha alegado o pagamento de 09 (nove) parcelas no valor de R$ 800,00, observa-se que apenas um pagamento, correspondente à quantia de R$ 800,00, efetuado em 30 de abril de 2019 (ev. 01, arq. 07), foi devidamente comprovado nos autos. Nesse sentido, resta impossível o reembolso da integralidade dos valores constantes do contrato, dada a ausência de comprovação, motivo pelo qual considero acertada a restituição determinada em sentença. Importa rememorar que a repetição do indébito, no caso de relação consumerista, é regulada pelo artigo 42 do CDC, o qual estabelece ser devida quando o consumidor é cobrado em quantia injusta, e poderá ser na forma simples ou em dobro. No caso de ser apurado indébito, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, resolvendo dissídio jurisprudencial entre a Primeira e a Segunda Seções, firmou orientação no sentido de que “a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo” mas modulou os efeitos do entendimento, de modo que os anteriores à publicação do acórdão, 30/03/2021, devem ser simples, ao passo que os posteriores devem ocorrer em dobro. Confira-se: “TESE FINAL 28. Com essas considerações, conhece-se dos Embargos de Divergência para, no mérito, fixar-se a seguinte tese: A REPETIÇÃO EM DOBRO, PREVISTA NO PARÁGRAFO DO ART. 42 DO CDC, É CABÍVEL QUANTO A COBRANÇA INDEVIDA CONSUBSTANCIAR CONDUTA À BOA - FÉ OBJETIVA, OU SEJA, DEVE OCORRER INDEPENDENTEMENTE DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS.29. Impõe-se MODULAR OS EFEITOS da presente decisão para que o entendimento aqui fixado – quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público – se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão”. (STJ – EREsp nº 1413.542/RS – Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura – Relator para o acórdão Ministro Herman Benjamim – Corte Especial – Julgado em 21/10/20220 – DJe de 30/03/2021). Deste modo, como o valor comprovadamente pago pela autora ocorreu em 30 de abril de 2019 (mov. 01, arq. 07), isto é, antes de 30/03/2021, devem ser restituídos na forma simples, conforme determinado pela magistrada sentenciante. 4. Dos danos morais: No que diz respeito aos danos morais, entendo que o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) fixado na sentença não se mostra suficiente para reparar o sofrimento da recorrente e de seu filho. A situação vivenciada pelo filho da recorrente, marcada por condições degradantes e humilhantes, ultrapassa os limites dos contratempos cotidianos, caracterizando, de forma inequívoca, dano moral passível de reparação. A gravidade dos acontecimentos, somada à intensidade da violência psicológica, à sua persistência no tempo, ao evidente propósito de marginalização do paciente no contexto de seu tratamento, bem como aos reflexos emocionais na genitora, que, conforme demonstrado na audiência de instrução e julgamento, enfrentou momentos de profunda angústia ao presenciar a situação do filho, justificam a majoração do quantum indenizatório fixado. Em igual linha de intelecção, posiciona-se o Tribunal de Justiça de São Paulo: Ação declaratória de nulidade de cláusulas contratuais cumulada com rescisão contratual, restituição de valores e reparação por danos morais – Procedência parcial – Irresignação dos autores – Autor Mateus internado compulsoriamente em clínica de reabilitação – Alegação de maus tratos – Pretensão de restituição em dobro dos valores pagos, além da fixação de indenização por danos morais – Falha na prestação de serviços da ré evidenciada em face da prova testemunhal colhida em audiência – Responsabilidade da ré configurada, nos termos do art. 14 do CDC – Ação que deve ser julgada procedente – Recurso dos autores provido. (TJ-SP - Apelação Cível: 10022078320208260347 Matão, Relator.: Thiago de Siqueira, Data de Julgamento: 14/11/2024, 14ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/11/2024) Dessa forma, tendo em vista a gravidade do dano sofrido, as condições socioeconômicas e culturais das partes envolvidas, a função pedagógica da indenização como forma de inibir a repetição de condutas abusivas, bem como o princípio que veda o enriquecimento sem causa, entendo adequada a majoração do valor da indenização por danos morais para R$ 20.000,00 (vinte mil reais). 3. Do dispositivo: À luz do exposto, conheço de ambos os recursos, nego provimento ao primeiro apelo e concedo parcial provimento ao segundo apelo, para, reformando a sentença, majorar o valor dos danos morais para R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Por conseguinte, nos termos do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, majoro os honorários sucumbenciais anteriormente fixados para o equivalente a 12% (doze por cento) sobre o valor da condenação. É o voto. Goiânia, documento datado e assinado digitalmente. DES. SILVÂNIO DIVINO DE ALVARENGARELATOR114/cl DUPLA APELAÇÃO CÍVEL N. 5164836-83.2020.8.09.0160 COMARCA DE NOVO GAMA 1°APELANTE: CENTRO TERAPÊUTICO CRISTALINENSE VIDA NOVA E OUTROS1°APELADA: CREUZENI ROCHA MENDES2° APELANTE: CREUZENI ROCHA MENDES2° APELADOS: CENTRO TERAPÊUTICO CRISTALINENSE VIDA NOVA E OUTROSRELATOR: SILVÂNIO DIVINO DE ALVARENGA Ementa: Direito Civil e Consumidor. Apelações Cíveis. Responsabilidade Civil Por Maus-tratos Em Internação Terapêutica. Ressarcimento De Valores. Indenização por Danos Morais. Provimento Parcial ao Segundo Recurso.I. Caso em exame1. Ação proposta em razão de maus-tratos alegadamente sofridos por seu filho durante tratamento terapêutico. Sentença de procedência parcial com rescisão contratual, devolução simples de R$ 800,00 e fixação de indenização por danos morais em R$ 5.000,00. Ambas as partes apelam.II. Questão em discussão2. Há duas questões em discussão: (i) saber se houve falha na prestação do serviço e a consequente responsabilização civil da clínica requerida, com direito à rescisão contratual e indenização por danos morais; e (ii) saber se é devida a restituição integral dos valores pagos e se o montante fixado a título de dano moral comporta majoração.III. Razões de decidir3. A relação jurídica é regida pelo Código de Defesa do Consumidor, sendo correta a inversão do ônus da prova. A instituição não produziu prova apta a afastar os indícios de prestação inadequada do serviço, conforme depoimentos e documentos constantes dos autos.4. Comprovada a falha na prestação dos serviços, cabível a rescisão contratual e a devolução de valores pagos, limitada à quantia devidamente comprovada (R$ 800,00), nos termos do art. 42 do CDC, na forma simples, por se tratar de cobrança anterior a 30/03/2021.5. A indenização por danos morais fixada em R$ 5.000,00 mostra-se insuficiente diante da gravidade da conduta da clínica e da extensão do sofrimento da autora e de seu filho, sendo adequada sua majoração para R$ 20.000,00.IV. Dispositivo e tese6. Recursos conhecidos. Segunda apelação cível parcialmente provida para majorar a indenização por danos morais para R$ 20.000,00.Tese de julgamento: “1. Configurada a falha na prestação de serviços por instituição terapêutica, é devida a rescisão contratual, a restituição dos valores comprovadamente pagos e a indenização por danos morais. 2. A devolução dos valores pagos deve observar a data da cobrança e a regra de repetição simples prevista no art. 42 do CDC, quando anterior à modulação dos efeitos firmada no julgamento do STJ em 30/03/2021. 3. A indenização por danos morais deve ser proporcional à gravidade da conduta e aos reflexos do sofrimento experimentado, podendo ser majorada quando evidenciada sua insuficiência reparatória.”Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, V e X; CDC, arts. 2º, 3º, 6º, VI, e 42, parágrafo único; CPC, art. 373, II.Jurisprudência relevante citada: STJ, EREsp 1413542/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. p/ acórdão Min. Herman Benjamin, Corte Especial, j. 21.10.2020, DJe 30.03.2021; TJ-SP, Apelação Cível 1002207-83.2020.8.26.0347, Rel. Des. Thiago de Siqueira, 14ª Câmara de Direito Privado, j. 14.11.2024. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 5164836-83, acordam os componentes da Terceira Turma Julgadora da Décima Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, à unanimidade de votos, em conhecer de ambos os recursos, negando provimento ao primeiro apelo e concedendo parcial provimento ao segundo apelo, nos termos do voto deste Relator. Votaram, com o relator, a Drª Sandra Regina Teixeira substituta do Des. Altamiro Garcia Filho e a Drª Maria Antônia de Faria substituta do Des. Eduardo Abdon Moura. Presidiu a sessão o Desembargador Silvânio Divino de Alvarenga. Procuradoria Geral de Justiça representada conforme Extrato da Ata. Goiânia, 14 de julho de 2025. DES. SILVÂNIO DIVINO DE ALVARENGARELATOR
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear