Processo nº 1000938-76.2017.8.11.0041
ID: 334007499
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1000938-76.2017.8.11.0041
Data de Disponibilização:
24/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GUSTAVO FERNANDES DA SILVA PERES
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000938-76.2017.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Rescisão do contrato e devolução do dinheiro, …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000938-76.2017.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Rescisão do contrato e devolução do dinheiro, Abatimento proporcional do preço, Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material] Relator: Des(a). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES Turma Julgadora: [DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). DIRCEU DOS SANTOS] Parte(s): [CX CONSTRUCOES LTDA - CNPJ: 10.745.793/0001-21 (APELANTE), GUSTAVO FERNANDES DA SILVA PERES - CPF: 831.069.521-72 (ADVOGADO), NIVALDO RODRIGUES DO NASCIMENTO - CPF: 594.109.141-91 (APELADO), FAUSTO ANDRE DA ROSA MIGUEIS - CPF: 698.600.921-68 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – PRELIMINAR DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL – RELAÇÃO DE CONSUMO – CONTRATO DE ADESÃO – AJUIZAMENTO DA AÇÃO PERANTE O PODER JUDICIÁRIO – REJEIÇÃO DA PRELIMINAR – MÉRITO – ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL – TERMO DE TRANSAÇÃO CELEBRADO COM COMISSÃO DE ADQUIRENTES – AUSÊNCIA DE ADESÃO DO AUTOR – INEFICÁCIA PARA O PRESENTE CASO – FATO SUPERVENIENTE – TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA (TAC) – PREVISÃO EXPRESSA DE POSSIBILIDADE DE AÇÕES INDIVIDUAIS – PERDA DO OBJETO E AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR NÃO CONFIGURADOS – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Em se tratando de relação de consumo e contrato de adesão, a validade da cláusula compromissória arbitral está condicionada à concordância expressa do consumidor no momento da instauração do litígio; o ajuizamento da ação perante o Poder Judiciário manifesta a discordância do consumidor com o juízo arbitral, tornando a cláusula que impõe sua utilização inválida. A celebração de termo de transação entre a construtora e a comissão de adquirentes do empreendimento, repactuando o prazo de entrega, não vincula automaticamente o consumidor que não anuiu expressamente a tal acordo, e não é causa para a extinção de ação de rescisão contratual proposta anteriormente à formalização da transação. A existência de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o Ministério Público, a construtora e a comissão de representantes dos adquirentes, ainda que vise salvaguardar os interesses dos adquirentes e determine a venda do empreendimento, não impede a propositura ou a continuidade de ação indenizatória individual pelo consumidor que se considera prejudicado com o atraso na entrega da unidade imobiliária, especialmente quando o próprio TAC expressamente prevê essa possibilidade. O direito à efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais é assegurado pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, VI). TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO APELAÇÃO CÍVEL Nº 1000938-76.2017.8.11.0041 APELANTE: CX CONSTRUÇÕES LTDA APELADO: NIVALDO RODRIGUES DO NASCIMENTO RELATÓRIO EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação interposto pela CX CONSTRUÇÕES LTDA, contra r. sentença proferida pela MMª. Juíza da 11ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá/MT, Dra. Olinda de Quadros Altomare, lançada nos autos da Ação de Rescisão Contratual c/c Indenização por Danos Materiais e Morais nº. 1000938-76.2017.8.11.0041, ajuizada por NIVALDO RODRIGUES DO NASCIMENTO, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, para: “a. Declarar rescindido o contrato firmado entre as partes, sem qualquer ônus para o autor, uma vez que não deu causa à rescisão; b. Condeno a ré à devolução do valor pago pelo autor, de R$ 79.382,59 (setenta e nove mil trezentos e oitenta e dois reais e cinquenta e nove centavos), devendo este ser corrigido com juros legais e correção monetária desde o desembolso; c. Condenar a parte requerida ao pagamento do valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) à parte autora, a título de indenização por danos morais, acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação, e correção monetária pelo INPC, a partir da data desta sentença; d. Condenar as requeridas ao pagamento de lucros cessantes no valor mensal de 01 (um) aluguel para o imóvel com incidência a partir março de 2016 até a data da prolação da sentença, a ser apurado em liquidação de sentença na forma da fundamentação supra, cujo valor deverá ser corrigido monetariamente pelo índice INPC/IBGE e aplicando-se juros de mora de 1% ao mês, ambos da citação. e. Diante da sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento proporcional das custas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, observada a proporção de 80% (oitenta por cento) a cargo das requeridas e 20% (vinte por cento) a cargo do autor” (sic). Foram opostos embargos de declaração no Id. 272836415, sendo, estes, rejeitados no Id. 272836420. A apelante, em suas razões recursais aduz que “[...] a Apelada não tem prerrogativas de impetração de tal ação em fase a essa jurisdição, uma vez que, a mesma celebrou junto a Apelante em contrato de compra e venda de imóvel como órgão competente para sanar e deliberar qualquer lide entre as partes o TRIBUNAL ARBITRAL. 6 Como se pode verificar do contrato anexo aos autos (ID 29865967 – página 3), onde fica demonstrado em cláusula décima que o Foro de competência para dirimir pendengas referente a este contrato ou imóvel se faz correto o arbitral, razão pela qual punga a Apelante pelo arquivamento do processo sem o julgamento do mérito, por total incompetência desde juízo em face a cláusula contratual” (sic). Sustenta que “pelo entendimento deste que vos peticiona, vem requerer que seja o processo arquivado por falta de pressupostos e por incompetência, ou, caso seja entendimento contrário de Vossa Excelência, que seja o processo transladado para o TRIBUNAL DE ARBITRAGEM CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO – TARCON, como forma mais correta e justa de se resolver a lide. Excelência, como se observa da cláusula assinada, FICOU ESTABELECIDO PELAS PARTES QUE FORA ELEITO “LIVREMENTE E DE COMUM ACORDO, O TRIBUNAL DE ARBITRAGEM CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO DE MATO GROSSO LTDA. – TARCON, CNPJ/MF 07.314.575/0001-28, situado na Rua Comandante Costa, 1.144, em Cuiabá/MT, PARA DIRIMIR QUAISQUER CONFLITOS ADVINDOS DO PRESENTE CONTRATO, ATRAVÉS DA CONCILIAÇÃO, MEDIAÇÃO OU ARBITRAGEM, EM CONCORDÂNCIA COM A LEI 9.307/96” (sic). Afiança que “em casos semelhantes ao presente, nos quais figuram como parte a presente Apelante, requer a extinção do feito, sem julgamento do mérito, na forma do inciso VII, do Artigo 485, do CPC/15, é medida que se impõe e se requer, desde já, com o provimento do recurso de apelação e a condenação da Autora, ora Apelada nas verbas de sucumbência” (sic). Diz que “a r. Sentença foi absolutamente omissa, visto que não apreciou o FATO SUPERVENIENTE ALEGADO EM SEDE DE DEFESA PELO ORA APELANTE, FATO ESSE QUE PODE ENSEJAR A SUSPENSÃO DO FEITO E/OU SUA EXTINÇÃO, ou seja, claramente trata-se de argumentos capazes de infirmar a conclusão adotada pelo julgador. Isto porque a r. Sentença NÃO apreciou/analisou que houve TRANSAÇÃO entre a Comissão de Representantes dos Adquirentes do empreendimento e a Construtora, ora Apelante, pela qual repactuou, em NOVAÇÃO, o prazo de entrega do empreendimento para 31/12/2019, deste modo, evidencia-se a perda do objeto da presente ação, posto que esta foi proposta ainda em 2016” (sic). Pondera que “nos termos da Lei 10.931/2004 (Lei do PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO), a qual alterou a Lei de Incorporações Imobiliárias, a Lei 4.591/64, em 29/08/2017 foi convocada assembleia geral extraordinária de todos os adquirentes/proprietários do empreendimento “Aquila Residence”, onde foram convocados os adquirentes/proprietários via edital público em 16/08/2017 – Jornal “A Gazeta”, página 10c – Atas – Editais – Balanços – etc, bem como via AR, tendo comparecido a grande maioria dos adquirentes, à exceção dos Requerentes que, mesmos intimados, não compareceram” (sic). Mensura que “no final do ano de 2017 a COMISSÃO DE REPRESENTANTES dos adquirentes do Edifício Aquila juntamente com a Requerida e a executora da obra AVA Empreendimentos, após deliberação, votação, em que a maioria dos adquirentes concordou, inclusive todos os representantes da comissão dos adquirentes, firmaram o TERMO DE TRANSAÇÃO de Ids. 29866244 e 29866245 dos autos, após várias reuniões/assembleias as partes transacionaram, depois do seguinte histórico de assembleia e deliberações, nos termos das anexas Atas” (sic). Discorre que “os adquirentes, em conjunto com os representantes da empresa Apelante, chegaram a conclusão que seria necessário o aporte de capitais para o término da obra, com a repactuação do prazo de entrega do empreendimento, para 31/12/2019, renunciando ao direito a indenizações pelo atraso do prazo ajustado primitivamente nos contratos particulares, com uma terceira empresa que ficou responsável pela conclusão da mesma, já que com saúde financeira para tanto. Deste modo, constata-se a VALIDADE DA TRANSAÇÃO entre as partes, pela qual repactuou, em NOVAÇÃO, o prazo de entrega do empreendimento para 31/12/2019, fato superveniente não analisado pelo n. julgador perante sentença embargada. Inclusive, nesta ocasião cumpre demonstrar que em situação jurídica idêntica à presente, também ajuizada contra a ora embargante por adquirente de imóvel no Edifício Aquila Residence, decorrente do atraso na entrega do empreendimento, ou seja, mesmo objeto da presente demanda, foi proferida sentença nos autos do processo nº 1027012-02.2019.8.11.0041 - 3ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ [...]” (sic). Salienta que “é evidente que o termo de transação - Edifício Aquila Residence fora entabulado em conformidade aos ditames legais, assim, havendo a novação dos termos previamente acordados, em conformidade inclusive ao entendimento jurisprudencial deste próprio Tribunal de Justiça, visto que, frente à referida sentença proferida nos autos do processo nº 1027012-02.2019.8.11.0041, houve a interposição de recurso de Apelação pelo Autor, a qual restou desprovido. Deste modo, diante do fato superveniente narrado, a presente ação deve ser extinta, uma vez que constata-se notória perda de objeto da demanda e interesse de agir processual decorrente de TRANSAÇÃO e NOVAÇÃO firmada entre as partes, nos termos da mais recente jurisprudência nacional” (sic). Informa que “EM 07/05/2024 HOUVE A CELEBRAÇÃO DO TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA N. 002/2024 entre o Ministério Público, CX Construções Ltda., Aquila Empreendimentos Ava SPE Ltda., AVA Empreendimentos Imobiliários Ltda, e a Comissão de Representantes dos Adquirentes, que, visando salvaguardar os interesses dos adquirentes, dentre outras coisas, DETERMINOU A VENDA DO EMPREENDIMENTO AQUILA, COM A TRANSFERÊNCIA DAS QUOTAS SOCIAIS DO SPE À TERCEIROS INTERESSADOS, INDENIZANDO OS ADQUIRENTES NO VALOR EQUIVALENTE A 80% (OITENTA POR CENTO) DOS RESPECTIVOS CRÉDITOS, conforme TAC anexo. Conforme dispõe o referido TAC, o “Termo de Transação - Edifício Aquila Residence”, citado no tópico anterior, não foi cumprido, assim, a Comissão de representantes dos adquirentes do Aquila Residence apresentou representação ao Ministério Público de MT, noticiando a paralisação da construção do empreendimento, sendo instaurado o Inquérito Civil SIMP n. 000117-002/2021” (sic). Explana que “evidencia-se FATO SUPERVENIENTE que fundamenta mais uma razão para reforma do julgado, devendo sendo declarada a extinção da presente ação, nos termos do artigo 487, inciso III, alínea “b”, do CPC/15, e/ou nos termos do art. 485, VI, CPC/15, posto a notória perda do objeto e ausência do interesse de agir do Apelado” (sic). A par destes argumentos pugna “com base em consolidada jurisprudência do E. STJ, requer a esta Colenda Corte se digne conhecer e dar provimento ao presente apelo, a fim de reformar e ou anular a r. Sentença, para, preliminarmente, reconhecer a existência e validade da cláusula de compromisso arbitral e julgar extinto o processo, sem resolução do mérito, na forma do inciso VII, do artigo 485, do CPC/15, invertendo-se os ônus da sucumbência. Vencida a preliminar, no mérito, requer a essa Egrégia Câmara se digne conhecer e dar provimento ao presente recurso de apelação, com o fito de reformar a r. Sentença e julgar totalmente improcedente o pedido, face a TRANSAÇÃO celebrada e noticiada, com a extinção do feito, com julgamento do mérito, reconhecendo a transação, na forma do artigo 487, inciso III, alínea “b”, bem como evidencia-se FATO SUPERVENIENTE que fundamenta mais uma razão para reforma do julgado, devendo sendo declarada a extinção da presente ação, nos termos do artigo 487, inciso III, alínea 34 “b”, do CPC/15, e/ou nos termos do art. 485, VI, CPC/15, posto a notória perda do objeto e ausência do interesse de agir do Apelado” (sic). As contrarrazões foram ofertadas no Id. 289634366, pugnando pelo desprovimento do recurso de apelação e consequente manutenção da sentença primeva. Preparo recursal recolhido conforme Id. 277243870. Pedido de sustentação oral formalizado pela parte apelante na peça Id. 296463869. É o relatório. VOTO EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Preenchidos os requisitos legais de admissibilidade, conheço do recurso na forma do art. 1.009 do CPC. Cinge-se dos autos que NIVALDO RODRIGUES DO NASCIMENTO ajuizou ação de rescisão contratual c/c indenização por danos materiais e morais em desfavor da CX CONSTRUÇÕES LTDA, relatando, em síntese, que celebraram "Termo de Adesão de Contrato de Compra e Venda" datado de 26 de novembro de 2012, referente ao imóvel denominado pto. nº. 1005, do condomínio Áquila Residence. Afirma que o prazo de entrega do imóvel previsto na Cláusula Quinta, em outubro de 2015, não foi cumprido, tendo expirado também os 180 (cento e oitenta) dias de tolerância, sem a finalização da obra. Ao final da instrução processual, a Magistrada que conduziu o processo julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, para: “a. Declarar rescindido o contrato firmado entre as partes, sem qualquer ônus para o autor, uma vez que não deu causa à rescisão; b. Condeno a ré à devolução do valor pago pelo autor, de R$ 79.382,59 (setenta e nove mil trezentos e oitenta e dois reais e cinquenta e nove centavos), devendo este ser corrigido com juros legais e correção monetária desde o desembolso; c. Condenar a parte requerida ao pagamento do valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) à parte autora, a título de indenização por danos morais, acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação, e correção monetária pelo INPC, a partir da data desta sentença; d. Condenar as requeridas ao pagamento de lucros cessantes no valor mensal de 01 (um) aluguel para o imóvel com incidência a partir março de 2016 até a data da prolação da sentença, a ser apurado em liquidação de sentença na forma da fundamentação supra, cujo valor deverá ser corrigido monetariamente pelo índice INPC/IBGE e aplicando-se juros de mora de 1% ao mês, ambos da citação. e. Diante da sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento proporcional das custas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, observada a proporção de 80% (oitenta por cento) a cargo das requeridas e 20% (vinte por cento) a cargo do autor” (sic). Colaciono trecho da sentença proferida no juízo a quo, no que tange o mérito da questão: “[...] Da Cláusula de Compromisso Arbitral: A ré alega a existência de cláusula compromissória arbitral no contrato firmado entre as partes. Contudo, considerando que a relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, conforme preconizado pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), é pacífico o entendimento de que tal cláusula não impede o consumidor de procurar a via judicial para solucionar um litígio Destarte, rejeito a preliminar de extinção do processo por arbitragem. [...] Os autores, de forma clara, alicerçaram suas pretensões na alegação de que houve um descumprimento do prazo estipulado para a entrega do imóvel, inicialmente para outubro de 2015, prazo este posteriormente prorrogado para março de 2016. A demora na entrega do imóvel, além de configurar uma violação ao princípio da pontualidade contratual, acarretou prejuízos indenizáveis, dada a necessidade de arcar com aluguéis durante o período de atraso, sem mencionar a frustração e angústia vivenciadas pelos adquirentes. Diante dos fatos apresentados e das provas carreadas aos autos, impõe-se o reconhecimento do inadimplemento das requeridas, com a consequente obrigação de reparar os danos causados aos autores, tanto materiais quanto morais. Destarte, julgo procedente, em parte, os pedidos formulados na inicial para condenar as requeridas ao pagamento da multa convencional prevista na do contrato, referente ao período de atraso na entrega do imóvel, bem como ao ressarcimento dos aluguéis despendidos pelos autores durante o período de mora, a serem calculados em liquidação de sentença. Não obstante, verifica-se que houve atraso na entrega do imóvel, fato este não contestado pela ré, que atribuiu o inadimplemento às adversidades econômicas enfrentadas pelo setor da construção civil. Contudo, é cediço que o mero inadimplemento contratual, por si só, não é suficiente para excluir a responsabilidade da ré, uma vez que o risco do empreendimento integra a atividade empresarial, não podendo ser transferido ao consumidor. [...] Ademais, considerando a gravidade do comportamento das requeridas e o abalo anímico experimentado pelos autores, arbitro a título de danos morais o montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais). O atraso na entrega de imóvel adquirido na planta configura inadimplemento contratual, o que gera para o comprador o direito à rescisão do contrato e à restituição integral dos valores pagos, conforme entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça (Súmula 543). Da análise dos autos verifico que o ponto fundamental para o deslinde desta lide apresenta-se na possibilidade de rescisão do contrato sub judice, em virtude da inadimplência das requeridas que não teriam realizado na data aprazada a entrega do imóvel objeto do contrato firmado entre as partes. [...] Deste modo, considerando que a distribuição do ônus da prova definida no Código de Processo Civil (CPC – inciso II, art. 373), dispõe que o ônus da prova incumbe “ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.”, entendo que não restou demonstrado que houve a entrega do imóvel no prazo estabelecido no contrato celebrado entre as partes, pois inexiste prova robusta de que o empreendimento imobiliário se encontra concluído e apto para ser utilizado pela parte autora. [...] A requereu a aplicação de multa por descumprimento contratual. Nesse passo, quanto à possibilidade de aplicação da multa, por meio da inversão da cláusula penal, prevalece a tese fixada pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº. 1.614.721/DF (tema 971), julgado em 22-5-2019 [...] [...] Dessa forma, a previsão de cláusula penal favorável ao promitente vendedor no caso de resolução imotivada deve incidir contrariamente ao promitente vendedor, no caso de desconstituição do negócio por culpa sua, quando extrapolado o prazo de tolerância ou prorrogação da data de entrega do imóvel. Ademais, a legislação aplicável ao caso permite ao julgador modificar a incidência de cláusula penal suportada exclusivamente pelo consumidor, ainda que ocorra a rescisão contratual, de modo a estabelecer a proporcionalidade das prestações recíprocas em relação ao fornecedor (art. 6º, inciso V, do CDC). [...] A inversão da cláusula penal, em casos como o presente, fundamenta-se na aplicação dos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, bem como na teoria da imprevisão. A cláusula penal, originalmente prevista para assegurar o cumprimento das obrigações pelo devedor, pode, em circunstâncias excepcionais, ser invertida em favor deste, quando o inadimplemento decorre de atos ou fatos imputáveis ao credor. No caso em análise, as requeridas, na qualidade de incorporadoras e construtoras do empreendimento imobiliário, detinham a obrigação de entregar o imóvel no prazo estipulado. Contudo, evidenciou-se que o atraso na entrega do imóvel não decorreu de fatores externos ou imprevisíveis, mas sim de uma conduta negligente e desidiosa por parte das requeridas, que falharam em cumprir com seus deveres contratuais. Diante disso, a inversão da cláusula penal mostra-se justificada, pois visa a reequilibrar a relação contratual, assegurando que os autores, que suportaram os prejuízos decorrentes do atraso, sejam adequadamente indenizados. Tal medida está em consonância com a função social do contrato, que impõe aos contratantes o dever de agir com lealdade e probidade, evitando que um dos lados se beneficie indevidamente em detrimento do outro. [...] No presente, atento às circunstâncias do caso concreto, eis que reconhecida a responsabilidade da parte requerida, as condições econômico-financeiras das partes e o grau de sofrimento experimentado pelo requerente, considero que a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pelos danos morais a em favor do autor se mostra bastante razoável. [...] O requerente também sustenta que em virtude do descumprimento contratual por parte das requeridas que não entregaram o imóvel objeto do contrato no prazo estabelecido sofreu prejuízos financeiros, razão pela qual pugna pela condenação das requeridas ao pagamento dos lucros cessantes. [...] Assim, tenho que o valor de 01 (um) aluguel mensal para o imóvel com incidência a partir de março de 2016 até a presente data –mostra razoável, sendo que este valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, mediante a apresentação de 03 (três) orçamentos diferentes elaborados por profissionais habilitados para tanto visando apurar a média de preço de aluguel do imóvel na região da unidade em questão. No que tange à devolução dos valores pagos pelo autor, cumpre ressaltar que a medida não acarretará prejuízos indevidos à requerida. Ao contrário, a restituição do montante desembolsado pelo autor, devidamente corrigido, é medida que se impõe diante da rescisão contratual ocasionada pelo inadimplemento da ré. É importante destacar que, uma vez rescindido o contrato e restituídos os valores ao autor, a requerida retém a propriedade plena do imóvel, podendo, assim, comercializá-lo a terceiros. Nesse sentido, a devolução do valor pago pelo autor não representa um prejuízo efetivo à ré, mas sim a restituição de um montante que lhe foi confiado sob a condição de entrega do bem imóvel no prazo avençado, o que não ocorreu. [...] Julgo parcialmente procedente a presente Ação de Rescisão Contratual c/c Indenização por Danos Materiais e Morais ajuizada por Nivaldo Rodrigues do Nascimento em desfavor de CX Construções Ltda. para: a. Declarar rescindido o contrato firmado entre as partes, sem qualquer ônus para o autor, uma vez que não deu causa à rescisão; b. Condeno a ré à devolução do valor pago pelo autor, de R$ 79.382,59 (setenta e nove mil trezentos e oitenta e dois reais e cinquenta e nove centavos), devendo este ser corrigido com juros legais e correção monetária desde o desembolso; c. Condenar a parte requerida ao pagamento do valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) à parte autora, a título de indenização por danos morais, acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação, e correção monetária pelo INPC, a partir da data desta sentença; d. Condenar as requeridas ao pagamento de lucros cessantes no valor mensal de 01 (um) aluguel para o imóvel com incidência a partir março de 2016 até a data da prolação da sentença, a ser apurado em liquidação de sentença na forma da fundamentação supra, cujo valor deverá ser corrigido monetariamente pelo índice INPC/IBGE e aplicando-se juros de mora de 1% ao mês, ambos da citação. e. Diante da sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento proporcional das custas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, observada a proporção de 80% (oitenta por cento) a cargo das requeridas e 20% (vinte por cento) a cargo do autor”. (Id. 272836412) Pois bem. A construtora, em sede recursal, suscita preliminar de existência de cláusula compromissória de arbitragem inserida no contrato de compra e venda da unidade imobiliária objeto da lide. Sustenta que, em razão da convenção arbitral pactuada entre as partes, o Poder Judiciário careceria de jurisdição para apreciar a demanda, impondo-se a extinção do feito sem resolução do mérito. Impõe-se aqui mencionar que, em que pese a recorrente colacionar em sua apelação julgado de minha relatoria em sentido diverso quanto a preliminar de existência de cláusula compromissória de arbitragem, os julgamentos recentes deste Sodalício, conforme demonstrarei a seguir, caminham em sentido diverso, por isso, filio-me ao entendimento atual de que, por se tratar de um contrato de adesão em uma relação de consumo, a validade da cláusula compromissória arbitral está condicionada à concordância expressa do consumidor no momento da instauração do litígio, sendo que o ajuizamento da ação no Poder Judiciário por parte do consumidor demonstra sua inequívoca vontade de afastar a arbitragem, tornando o Poder Judiciário competente para julgar a demanda. Assim, apesar de o art. 485, inciso VII, do CPC, determinar que a ausência de jurisdição estatal, em razão da existência de convenção de arbitragem, enseja a extinção do processo sem resolução do mérito, in casu, evidencia-se de forma inequívoca a existência de relação de consumo entre as partes, em que se contrapõem, de um lado, o adquirente da unidade imobiliária, e, de outro, a construtora responsável pela incorporação e venda. De outro turno, o art. 51 do Código de Defesa do Consumidor estabelece a nulidade absoluta das cláusulas contratuais que imponham, de maneira obrigatória, o recurso à arbitragem, conforme inciso VII. A intenção do legislador, nesse ponto, é resguardar o consumidor — parte hipossuficiente na relação de consumo —, impedindo que seja forçado a aceitar a submissão compulsória de eventuais litígios à jurisdição arbitral. Em verdade, o Código de Defesa do Consumidor não veda a utilização da arbitragem como meio de solução dos conflitos de consumo; ao contrário, estimula a adoção de métodos alternativos de composição de litígios. A restrição normativa incide apenas sobre a forma de instituição da cláusula compromissória, que não pode ser imposta unilateralmente, exigindo-se a concordância efetiva e livre do consumidor. Cumpre destacar que, embora o consumidor nem sempre apresente vulnerabilidade apta a justificar a proteção máxima do CDC, a instauração da arbitragem por sua iniciativa impõe ao fornecedor a submissão ao juízo arbitral. Já a instituição da arbitragem pelo fornecedor exige a anuência expressa do consumidor, não presumida pela mera assinatura do contrato de adesão. No caso dos autos, trata-se de contrato de adesão firmado em contexto de relação de consumo, no qual consta cláusula compromissória de arbitragem. Contudo, a opção do consumidor de ajuizar a presente demanda perante o Poder Judiciário evidencia de forma inequívoca a sua vontade de afastar a solução arbitral previamente estipulada. Desse modo, assegura-se ao consumidor o direito de escolha quanto ao foro de resolução de controvérsias, obstando qualquer forma de constrangimento ou coação, uma vez que sua recusa em aderir à arbitragem não carece de qualquer fundamentação. Nesse sentido julgou este Sodalício: “AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL – CONTRATO DE COMPRA E VENDA – CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL – PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO – INVALIDADE – CONTRATO DE ADESÃO – INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 4º, § 2º, DA LEI 9.307/96 – PRECEDENTES DO STJ – SENTENÇA CASSADA – RECURSO PROVIDO. Não preenchidos os requisitos legais, impõe-se o reconhecimento da ineficácia da cláusula compromissória, devendo ser declarada a competência do Poder Judiciário para conhecer e julgar a causa. Isso porque, em se tratando de contrato de adesão, é necessária a concordância expressa do consumidor aderente ao compromisso arbitral para a sua eficácia, nos termos do §2º do art. 4º, da Lei nº 9.307/1996. “(...) Na hipótese, a atitude da consumidora em promover o ajuizamento da ação evidencia a sua discordância em submeter-se ao procedimento arbitral, não podendo, pois, nos termos do art. 51, VII, do CDC, prevalecer a cláusula que impõe a sua utilização, visto ter-se dado de forma compulsória. 7. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp n. 1.785.783/GO, Terceira Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, j. em 5.11.2019.” (N.U 1007168-66.2019.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 12/11/2023, Publicado no DJE 12/11/2023) (Destaquei) “APELAÇÃO CÍVEL – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE UNIDADE HABITACIONAL - CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL - CONTRATO DE ADESÃO – INTERPOSIÇÃO DE AÇÃO JUDICIAL - DISCORDÂNCIA DO CONSUMIDOR QUANTO CLAUSULA DE ARBITRAGEM DISPOSTA NO CONTRATO DE ADESÃO - RELAÇÃO DE CONSUMO - POSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DA RESCISÃO DO CONTRATO NO JUÍZO DE ORIGEM. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. No caso, o contrato firmado entre as partes é de compromisso de compra e venda de unidade imobiliária, tratando-se de relação de consumo e contrato de adesão em que não há possibilidade de discussão de suas cláusulas pelo consumidor. Neste contexto, a cláusula estabelecendo Juízo Arbitral foi imposta de forma compulsória, sem possibilidade de negociação pelo consumidor, o que a torna inválida conforme artigo 51, VIII do CDC. Conforme entendimento jurisprudencial, inclusive, do Superior Tribunal de Justiça, apesar da existência de cláusula de arbitragem no contrato firmado entre as partes, todavia, o ajuizamento da ação perante o Poder Judiciário pelo consumidor implica em sua discordância com a cláusula que estabelece a submissão de eventual litígio ao Tribunal Arbitral, constante do contrato de adesão, não havendo que se falar em incompetência do Juízo a quo para análise da questão.” (N.U 1003470-72.2024.8.11.0010, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 19/05/2025, Publicado no DJE 19/05/2025) (Destaquei) “(...) direito do consumidor e processual civil. apelação cível. ação indenizatória. cláusula compromissória. contrato de adesão. relação de consumo. invalidade da arbitragem compulsória. restituição de iptu. danos morais. sentença anulada. retorno dos autos. recurso provido. I. Caso em exame 1. Trata-se de Apelação interposta em virtude de sentença que acolheu preliminar de incompetência do juízo, extinguiu a Ação Indenizatória sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, incisos IV e VII, do CPC, ante a existência de cláusula compromissória arbitral em contrato de adesão firmado entre as partes. II. Questão em discussão 2. A controvérsia reside na validade da cláusula compromissória de arbitragem imposta em contrato de adesão, no âmbito de uma relação consumerista. III. Razões de decidir 3. A arbitragem, disciplinada pela Lei n. 9.307/1996, exige anuência expressa do consumidor no momento da instauração do litígio, conforme entendimento consolidado pelo STJ, sendo nula a cláusula que impõe arbitragem compulsória em contrato de adesão (art. 51, VII, do CDC). 4. O ajuizamento da Ação perante o Judiciário caracteriza a discordância do consumidor quanto à via arbitral, e torna inaplicável a cláusula compromissória. 5. Anulada a sentença que extinguiu o feito, impõe-se o retorno dos autos ao Juízo de origem para regular processamento da lide e análise do mérito dos pedidos formulados pelo Autor/Apelante. IV. Dispositivo e tese 6. Recurso de Apelação provido. Tese de julgamento: "É nula a cláusula de arbitragem compulsória inserida em contrato de adesão no âmbito de relação consumerista, pois é assegurado ao consumidor o direito de eleger a jurisdição estatal para solução da lide." Dispositivos relevantes citados: CDC, art. 51, VII; Lei n. 9.307/1996, art. 4º. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp n. 2.709.877/GO, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma, j. 9/12/2024; STJ, AgInt no AREsp n. 2.618.917/GO, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 25/11/2024.” (N.U 1031812-34.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CLARICE CLAUDINO DA SILVA, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 23/03/2025, Publicado no DJE 23/03/2025) (Destaquei) “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL. AQUISIÇÃO DE UNIDADE HABITACIONAL. CONTRATO DE ADESÃO. AÇÃO JUDICIAL. DISCORDÂNCIA DO CONSUMIDOR QUANTO À ARBITRAGEM. RELAÇÃO DE CONSUMO EVIDENCIADA. POSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO JUNTO AO JUÍZO NA ORIGEM. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME Recurso de apelação interposto contra sentença que julgou extinto o feito sem resolução do mérito em razão da incompetência do juízo, nos autos de ação de rescisão contratual e devolução de valores, em razão da existência de cláusula compromissária. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A questão em discussão consiste em saber se a cláusula compromissória arbitral presente no contrato de compromisso de compra e venda é válida, considerando a relação de consumo entre as partes e a alegação de que a cláusula foi imposta de forma compulsória. III. RAZÕES DE DECIDIR O art. 4º, §2º, da Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem) estabelece que a cláusula compromissória em contratos de adesão só terá eficácia se o aderente concordar expressamente com a sua instituição, por escrito, em documento anexo ou em negrito, com assinatura ou visto especialmente para essa cláusula. No entanto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afirma que, em contratos de adesão que envolvem relação de consumo, a validade da cláusula compromissória está condicionada à concordância do consumidor no momento da instauração do litígio. O ajuizamento de ação perante o Poder Judiciário caracteriza a discordância do consumidor com o juízo arbitral. No presente caso, o contrato firmado entre as partes é de compromisso de compra e venda de unidade imobiliária, configurando uma relação de consumo. A cláusula compromissória foi imposta de forma compulsória, sem possibilidade de negociação pelo consumidor, o que a torna inválida. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso provido. Tese de julgamento: “A cláusula compromissória arbitral em contratos de adesão que envolvem relação de consumo é inválida se imposta de forma compulsória, sem possibilidade de negociação pelo consumidor e se o consumidor manifesta discordância ao ajuizar ação perante o Poder Judiciário.” Dispositivo relevante citado: Lei nº 9.307/96, art. 4º, §2º. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp n. 2.393.773/SP, AgInt no AREsp n. 2.330.021/MG, AREsp n. 2.652.401/MT; TJMT, 00161654020178110004, 1046093-29.2022.8.11.0041.” (N.U 1046354-62.2020.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, Vice-Presidência, Julgado em 12/03/2025, Publicado no DJE 12/03/2025) (Destaquei) Em razão disso, em se tratando de contrato de adesão, a legalidade da cláusula compromissória arbitral neste feito discutida estaria condicionada à concordância do consumidor, não sendo suficiente a aceitação realizada no momento da assinatura do contrato. Por sua vez, o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça a respeito da cláusula compromissária arbitral é no sentido de que, nos casos de contrato de adesão que envolvam relação de consumo sua validade está condicionada à aquiescência do consumidor quando instaurado o litígio. Nesse sentido: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. RELAÇÃO DE CONSUMO. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. ILAÇÕES GENÉRICAS. APLICAÇÃO DA SÚMULA N.º 284 DO STF, POR ANALOGIA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. CONTRATO DE ADESÃO DE CONSUMO. AÇÃO JUDICIAL. DISCORDÂNCIA DO CONSUMIDOR QUANTO À ARBITRAGEM. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A alegada afronta a lei federal não foi demonstrada com clareza, caracterizando, dessa maneira, a ausência de fundamentação jurídica e legal, conforme previsto na Súmula n.º 284 do STF. 2. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que a validade da cláusula compromissória, em contrato de adesão caracterizado por relação de consumo, está condicionada à efetiva concordância do consumidor no momento da instauração do litígio entre as partes, consolidando-se o entendimento de que o ajuizamento, por ele, de ação perante o Poder Judiciário caracteriza-se a sua discordância em submeter-se ao Juízo Arbitral, não podendo prevalecer a cláusula que impõe a sua utilização (AgInt no AREsp 1 .192.648/GO, Rel Ministro RAUL ARAÚJO, Quarta Turma, j.aos 27/11/2018, DJe aos 14/12/2018). 3 . Agravo interno não provido.” (STJ - AgInt no AREsp: 2393773 SP 2023/0218061-1, Relator.: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 23/10/2023, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/10/2023) (Destaquei) Logo, o ajuizamento de ação perante o Poder Judiciário caracteriza sua discordância com o Juízo arbitral e, por essa razão, a cláusula que impõe sua utilização é inválida. Diante disso, rejeito a preliminar aventada pela construtora. Quanto ao mérito da questão, alega a apelante que com a assinatura do “Termo de Transação”, foi repactuado o prazo para entrega do empreendimento para 31/12/2019, e que por isso a ação proposta em 2017 deverá ser extinta por fato superveniente, decorrente da alegada novação. Em que pese à existência do termo de transação noticiado, impõe-se admitir que tal acordo, à luz dos elementos constantes dos autos, não possui eficácia suficiente para vincular automaticamente e de forma irrestrita os autores da presente demanda. Destaca-se, ainda, que a presente ação foi proposta em momento anterior à formalização do referido termo, o que afasta, por si só, a possibilidade de extinção do processo com resolução de mérito com base em fato superveniente, salvo se houvesse manifestação expressa das partes nesse sentido — o que, manifestamente, não se verifica nos autos. A extinção do feito em virtude de transação extrajudicial pressupõe a concordância inequívoca dos litigantes, seja por meio de requerimento de homologação judicial do pacto, seja por petição conjunta de desistência da demanda, hipóteses que não se fazem presentes no caso em apreço. Ademais, é relevante observar que a presente lide tem por objeto a rescisão de contrato de promessa de compra e venda firmado entre as partes, e não a entrega do imóvel. Dessa forma, o fato superveniente invocado — qual seja, a transação que estabeleceu novo prazo para a conclusão da obra — trata de matéria estranha à controvérsia aqui debatida, não sendo razoável, portanto, pretender a extinção do feito com base em ajuste que não soluciona o litígio sub judice. Importa aqui ressaltar que, embora a Apelante mencione os autos nº. 1027012-02.2019.8.11.0041 como precedente desta Câmara julgadora a seu favor, impõe-se salientar que não há semelhança fática ou jurídica apta a justificar o tratamento análogo. Naquele processo, o objeto principal consistia em Ação Declaratória de Rescisão Contratual, com fundamentos e pretensões completamente distintos dos ora analisados. Diferentemente daquele feito, onde a adquirente havia assentido expressamente com alterações do contrato originário, vinculando-se aos novos termos propostos e, ainda, fez parte da comissão que integrou o negócio jurídico (assembleia), vindo a contrapor-se às modificações contratuais apenas após mais de um ano da celebração do ajuste. Trata-se, portanto, de demandas com delineamento fático diverso, o que inviabiliza qualquer analogia ou transposição de julgados. Ainda, no que tange a celebração do TAC de nº. 002/2024 alegado pelo recorrente como fato superveniente apto a extinguir a ação por perda do objeto e ausência de interesse de agir, impende ressaltar que o TAC, embora tenha sua relevância no âmbito coletivo, não possui o condão de suprimir o direito individual do consumidor de buscar a reparação pelos prejuízos que lhe foram particular e diretamente impingidos. O instrumento do TAC, de fato, visa regularizar situações coletivas e estabelecer obrigações para o futuro, mas não exclui a possibilidade de que consumidores individualmente lesados busquem a reparação pelos danos já consumados, de modo que, a adesão ou não ao TAC é uma faculdade do consumidor, e a opção por não aderir, ou mesmo a existência do TAC, não impede a propositura de ação indenizatória pelo consumidor que se considera prejudicado com o atraso na entrega da unidade imobiliária adquirida. A esse respeito, o interesse de agir da parte Autora permanece intacto. O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, VI, assegura como direito básico do consumidor: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;” A ação indenizatória proposta pelos apelados visa exatamente a reparação de um dano individual, específico e concreto decorrente do inadimplemento contratual por parte da construtora. O fato de ter sido celebrado um acordo com efeitos gerais não aniquila o direito subjetivo de um particular que não aderiu ao acordo, em pleitear a reparação por perdas e danos efetivamente sofridos, que, no caso em tela, configuram-se pelos danos materiais e morais. Nesse sentido, colaciono precedente deste Tribunal de Justiça, em caso análogo, inclusive envolvendo a empresa apelante e o condomínio objeto dessa lide: “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA DE ARBITRAGEM EM RELAÇÃO DE CONSUMO. PRELIMINARES DE AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE E CERCEAMENTO DE DEFESA. FATO SUPERVENIENTE NÃO CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso de Apelação Cível interposto por CX Construções Ltda. contra sentença proferida em “Ação de Rescisão Contratual c/c Devolução de Parcelas Pagas; Indenização por Danos Morais e Requerimento de Concessão de Tutela Provisória” ajuizada por Irenice Inácio dos Santos. A sentença declarou rescindido o contrato firmado entre as partes, determinando a devolução de 85% dos valores pagos pela autora, em parcela única, e declarou nula a cláusula de compromisso arbitral, condenando a requerida ao pagamento de custas e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há quatro questões em discussão: (i) definir se há ausência de dialeticidade nas razões recursais; (ii) estabelecer se houve cerceamento de defesa pela não realização de audiência de instrução; (iii) determinar se é válida a cláusula de compromisso arbitral em contrato de adesão no âmbito de relação de consumo; (iv) verificar se há fato superveniente capaz de ensejar a extinção do processo com resolução do mérito. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A ausência de dialeticidade não se configura, pois o recurso impugna adequadamente os fundamentos da sentença, nos termos do art. 932, III, do CPC, e conforme jurisprudência do STJ. 4. Inexiste cerceamento de defesa, pois a matéria é estritamente documental e o conjunto probatório dos autos é suficiente para o julgamento da lide, conforme o art. 370 do CPC e entendimento consolidado do STJ. 5. A cláusula compromissória de arbitragem em contrato de adesão firmado em relação de consumo é nula de pleno direito, nos termos do art. 51, VII, do CDC, salvo manifestação expressa do consumidor, o que não se verificou no caso, pois a autora optou pela via judicial. 6. O fato superveniente alegado — transação firmada entre comissão de adquirentes e a construtora — não enseja a extinção do feito, pois a adesão à transação não foi expressamente manifestada pela autora nos autos, nem o objeto da transação coincide com a pretensão discutida na presente demanda. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A ausência de dialeticidade não se configura quando o recurso ataca suficientemente os fundamentos da sentença. 2. Não há cerceamento de defesa quando a matéria é unicamente documental e as provas existentes são suficientes para o julgamento do mérito. 3. A cláusula compromissória de arbitragem em contratos de adesão de consumo é nula se imposta unilateralmente, sendo necessária anuência expressa do consumidor para sua validade. 4. O fato superveniente que não abrange expressamente a parte autora e que versa sobre objeto diverso não extingue o processo.” (N.U 0008973-96.2016.8.11.0002, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, TATIANE COLOMBO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 28/05/2025, Publicado no DJE 28/05/2025) E do e. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios: “DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. ATRASO ENTREGA DO IMÓVEL. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. POSSIBILIDADE DE PROPOSITURA DE AÇÃO INDIVIDUAL. LUCROS CESSANTES. PARÂMETRO LOCATIVO. MULTA MORATÓRIA PREVISTA PARA ATRASO NO PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES. APLICAÇÃO AO PROMISSÁRIO VENDEDOR PELO ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. DESCABIMENTO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. DIVISÃO PROPORCIONAL DOS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. I. A existência de Termo de Ajustamento de Conduta não impede a propositura de ação indenizatória pelo consumidor que se considera prejudicado com o atraso na entrega da unidade imobiliária adquirida. II. O atraso na entrega priva o promitente comprador dos frutos civis correspondentes ao uso ou gozo do imóvel adquirido. E, como toda e qualquer utilização ou fruição dos bens pode ser expressada monetariamente mediante o parâmetro locativo, esse é o referencial para a condenação da promissária vendedora pelos prejuízos causados. III. Não se pode utilizar uma cláusula penal ajustada para o descumprimento do contrato por um dos pactuantes para penalizar eventual desídia do outro contraente. IV. Nem mesmo o Código de Defesa do Consumidor autoriza ao juiz o deslocamento do campo de incidência de cláusulas penais. V. Havendo sucumbência recíproca em patamares equivalentes, os honorários advocatícios devem ser compensados. VI. Recurso conhecido e parcialmente provido.” (Acórdão 863238, 20130111352308APC, Relator(a): JAMES EDUARDO OLIVEIRA, 4ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 07/04/2015, publicado no DJe: 04/05/2015.) (Destaquei) Nesse diapasão, é crucial ressaltar que a própria Cláusula Sexta do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) de nº. 002/2024, em seu item 6.2, expressamente prevê a possibilidade de que os consumidores que se sintam lesados busquem a via judicial para a satisfação de seus direitos individuais. Transcreve-se, por sua relevância: “6.2 Fica devidamente esclarecido que o presente avençado não tem o condão de inibir, obstaculizar, retardar ou de qualquer forma embaraçar as ações individuais em andamento ou aquelas que ainda poderão ser eventualmente propostas pelos consumidores, cuja causa de pedir tenha conexão com os fatos tratados no Inquérito Civil SIMP n. 000117-002/2021.” (Destaquei) Esta disposição é fundamental, pois demonstra a plena consciência das partes signatárias do TAC (incluindo a própria Apelante) de que o ajuste coletivo não englobaria ou esgotaria as pretensões individuais de indenização. Assim sendo, a interpretação literal e sistemática do próprio TAC corrobora a tese da parte Apelada. Por fim, no que tange ao pedido de concessão da assistência judiciária gratuita formulado pela apelante, verifica-se que, a despeito da sua formulação em sede recursal, houve o regular recolhimento do preparo recursal. Tal conduta processual demonstra, inequivocamente, a capacidade da apelante de arcar com as custas do processo, configurando a preclusão lógica do seu pleito e a consequente ausência de interesse recursal neste ponto específico. A prática do ato incompatível com a alegação de hipossuficiência afasta a presunção de necessidade e torna despicienda qualquer análise adicional sobre a questão. Dessa forma, ausentes elementos fáticos ou jurídicos novos capazes de infirmar a conclusão firmada na sentença de origem, impõe-se a sua manutenção por seus próprios fundamentos, que ora se incorporam ao presente voto. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo hígida a sentença proferida pela Magistrada de primeiro grau. Em razão do trabalho adicional na fase recursal, procedo com a majoração da verba honorária de 10 para 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, apenas em relação à parte recorrente, com fulcro no art. 85, §11, do CPC, observada a proporção de 80% (oitenta por cento), conforme estabelecido na sentença de piso. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 23/07/2025
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