Processo nº 0803505-26.2024.8.14.0012
ID: 325135759
Tribunal: TJPA
Órgão: 2ª Vara Cível da Comarca de Cametá
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 0803505-26.2024.8.14.0012
Data de Disponibilização:
15/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
THIANA TAVARES DA CRUZ
OAB/PA XXXXXX
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Tribunal de Justiça do Pará Comarca de Cametá 2ª Vara Cível e Criminal de Cametá Processo 0803505-26.2024.8.14.0012 AUTOR: JOSEFA LOPES PEREIRA REU: BANCO BRADESCO S.A SENTENÇA RELATÓRIO Relatório di…
Tribunal de Justiça do Pará Comarca de Cametá 2ª Vara Cível e Criminal de Cametá Processo 0803505-26.2024.8.14.0012 AUTOR: JOSEFA LOPES PEREIRA REU: BANCO BRADESCO S.A SENTENÇA RELATÓRIO Relatório dispensado nos termos do art. 38 da Lei nº 9.099/95. Contudo, entendo necessário tecer breves apontamentos dos pedidos autorais. Cuida-se de Ação Declaratória de Inexistência de Empréstimo Consignado c/c Indenização por Danos Morais e Materiais ajuizada por JOSEFA LOPES PEREIRA em desfavor do BANCO BRADESCO S.A., objetivando que seja declarada a inexistência do débito relativo ao contrato de empréstimo consignado questionado. Em consequência, pugnou pela restituição em dobro das parcelas descontadas e pela condenação da parte demanda ao pagamento de danos morais. Alega que desconhece o contrato e que o instrumento possivelmente foi celebrado mediante fraude. Tece arrazoado jurídico e, ao final, pugna pela concessão dos benefícios da gratuidade da justiça, bem como pela antecipação dos efeitos da tutela a fim de determinar a suspensão dos descontos referentes ao contrato impugnado. No mérito, requer: a) a declaração da inexistência de relação jurídica e o cancelamento dos contratos nº 0123494739473 e nº 0123486375968; b) a repetição de indébito, em dobro, dos valores descontados indevidamente; e c) a condenação do Requerido ao pagamento de indenização por danos morais. Decido. FUNDAMENTAÇÃO De início, cumpre fazer algumas considerações iniciais sobre o presente feito. A ação movida pela parte autora se soma a diversas outras em trâmite nesta unidade jurisdicional relacionadas ao questionamento judicial de contratos com instituições financeiras, em que a parte demandante alega jamais ter celebrado o negócio jurídico ou recebido qualquer valor em seu favor. Deve-se esclarecer, desde logo, que há um considerável número de ações nas quais se discutem empréstimos consignados e outros contratos bancários envolvendo pessoas vulneráveis e de pouca instrução, as quais devem ser devidamente apreciadas pelo Poder Judiciário, de acordo com o caso concreto. Por outro lado, não se desconhece a existência de demandas predatórias no âmbito do estado do Pará, embora sejam minoria, pois inúmeros são os casos praticamente idênticos de ações declaratórias de inexistência de relação jurídica que chegam diariamente, em massa, às unidades judiciais, especialmente nas Comarcas do interior, nas quais as partes autoras afirmam jamais terem firmado contrato ou recebido qualquer valor/vantagem, não apresentam todos os documentos ao seu alcance, valendo-se do custo zero para o ajuizamento da ação e contando com a inversão ope legis prevista no art. 6º, VIII, do CDC. É importante destacar alguns conceitos consensuais sobre demanda/litigância predatória apresentados por Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, e Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani, juiz do TJSP: “As demandas tidas como predatórias são as ações ajuizadas em massa, em grande quantidade e, geralmente, em várias comarcas ou varas, sempre com um mesmo tema, com petições quase todas idênticas, onde apenas o nome da parte e o endereço são modificados e, prioritariamente, estão vinculadas a demandas consumeristas” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em:
) "A litigância predatória ou advocacia predatória é uma prática que infelizmente existe no nosso sistema de Justiça. Ela consiste no ajuizamento de ações em massa, através de petições padronizadas, artificiais e recheadas de teses genéricas, em nome de pessoas vulneráveis e com o propósito de enriquecimento ilícito." (ZULIANI, Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani. Litigância predatória: Juiz explica modus operandi dos profissionais. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/348830/litigancia-predatoria-juiz-explica-modus-operandi-dos-profissionais). Não é incomum se observar na prática, por exemplo, nesses casos, a existência de ajuizamento de ações em comarcas distintas do domicílio da parte autora, o desconhecimento do processo pela parte demandante, ou até mesmo o abandono de processos e o não comparecimento de requerentes à audiência UNA, mormente quando a parte requerida apresenta a contestação e a documentação correlata ao caso. A parte autora possui 21 (vinte e um) processos vinculados a esta unidade jurisdicional, todos distribuídos entre os anos de 2023 e 2024, os quais possuem procurações genéricas, pedidos (declaração de nulidade de negócio jurídico e reparação de danos) e causa de pedir (“desconhecimento” de negócio jurídico) semelhantes e são movidos contra instituições financeiras. Nos feitos mencionados, dentro da relação jurídica havida com a instituição financeira, junta-se extrato bancário da parte autora para discutir os seguintes descontos ocorridos em sua conta bancária: “EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS INDEVIDOS”, "RMC". A sua patrona Dra. THIANA TAVARES DA CRUZ, OAB/PA 18.457, por sua vez, cujo escritório é localizado em Cametá-PA, possui nesta unidade jurisdicional 398 (trezentos e noventa e oito) processos, com fortes indícios de demandas predatórias e/ou repetitivas, relativos a 81 (oitenta e uma) partes representadas, sendo 73 (setenta e três) delas idosas, com o valor da causa médio de R$ 13.923,00 (treze mil), o que corresponde a uma parcela relevante do acervo processual desta unidade, tendo sido a grande maioria das ações ajuizada nos anos de 2019 e 2023, conforme dados extraídos do Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias do TJPA. Registre-se que essas 73 (setenta e três) pessoas representam grande fatia das ações em trâmite nesta unidade, em um município que conta com a população estimada de 140.814 (cento e quarenta mil, oitocentos e quatorze) habitantes, conforme dados do IBGE (https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/pa/cameta.html). Portanto, há elementos indicativos de fragmentação de pretensões relativas à mesma relação jurídica havida a instituição financeira, com atribuição de valor excessivo à causa, visando a multiplicação de ganhos referentes à indenização por suposto dano moral e honorários, o que se distancia do dever de conduta conforme a boa-fé previsto no art. 5º do CPC e do art. 4º, III, do CDC. Vale destacar que a litigância predatória não se configura apenas pelo número excessivo de processos distribuídos no mesmo período, mas também pela distorção dos institutos processuais e do próprio acesso à Justiça, sobretudo quando possível vislumbrar o objetivo de potencialização de ganhos. Nas palavras de Felipe Albertini Nani Viaro, juiz do TJSP: “É importante observar, a litigância predatória não se estabelece apenas pelo número de processos, mas pela distorção de institutos processuais e a própria ideia de acesso à Justiça, valendo-se da massificação da conduta como forma de potencializar ganhos. Há uma aposta inerente no sentido de que, sendo vitorioso em alguns casos (o que pode se dar por inúmeras razões, inclusive pela incapacidade da parte contrária de defender-se de tantas demandas) a conduta já gerará ganhos, sendo irrelevante o número de casos em que for derrotado, já que institutos como a gratuidade isentam do custo de ingresso e responsabilidade pela sucumbência”. (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: o fenômeno das "fake lides". Disponível em:
). Sobre o “risco zero” ao litigante predatório, assim destaca o advogado Gustavo Aureliano Firmo, ao analisar uma situação ocorrida em determinado Tribunal: “O Juízo destacou que no caso concreto o causídico já é conhecido pela prática, posto que ajuíza diversas demandas que discorrem sobre os mesmos contratos, fracionam a relação jurídica para induzir o Juízo em erro com a percepção de que seriam vários negócios jurídicos quando, na verdade, os desdobramentos emanam de um único e deveriam ser postos à julgamento em uma única demanda. Por fim, corriqueiramente se aproveitam da concessão dos benefícios da justiça gratuita concedida indevidamente. Com o recebimento de referida benesse a demanda passa a ter risco zero, o que apenas impulsiona o ajuizamento diário de infindáveis demandas genéricas. Demonstrando que as demandas carecem de interesse de agir, uma vez que ele, na verdade, existe apenas para o causídico, inúmeras alegações de inexistência de celebração do negócio jurídico são desconstituídas com a realização de perícia grafotécnica ou datiloscópica, oportunidade em que se constata que a assinatura ou a digital, respectivamente, são da pessoa que afirmou nunca ter celebrado o contrato e que sequer conhece a empresa ré”. (FIRMO, Gustavo Aureliano. Advocacia Predatória: a necessidade de atuação enérgica do Poder Judiciário. Disponível em: https://www.nossodireito.com.br/2022/06/13/advocacia-predatoria-a-necessidade-de-atuacao-energica-do-poder-judiciario/). Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, aponta algumas das inúmeras consequências negativas causadas pela litigância predatória ao Poder Judiciário, a saber: “As demandas predatórias, em razão das características acima mencionadas, trazem diversas consequências para o Poder Judiciário, entre elas, o aumento exacerbado do número de processos nas unidades judiciais e, em consequência, um tempo maior de tramitação. (...) é importante observar que o crescente volume de demandas predatórios impede uma maior celeridade nas decisões a serem tomadas, isso porque exige do magistrado uma análise mais detalhada dos referidos processos de modo a permitir que tais demandas não sigam adiante.” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em:
) O Ministro Luis Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI nº 3.995/DF, assim destacou sobre o uso ilegítimo do Poder Judiciário: “O exercício abusivo do direito de deflagrar a jurisdição, a litigiosidade excessiva, a utilização do Judiciário como instrumento para a obtenção de acordos indevidos ou, ainda, para a procrastinação do cumprimento de obrigações implica o uso ilegítimo do Judiciário e a sensação difusa de que a Justiça não funciona. O volume desproporcional de processos compromete a celeridade, a coerência e a qualidade da prestação jurisdicional e importa em ônus desmedidos para a sociedade, à qual incumbe arcar com o custeio da máquina judiciária”. A Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 1.817.845/MS, assim se manifestou sobre o abuso do direito de ação: "(...) O ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo. O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde. Por esses motivos, é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo."(STJ, REsp: 1817845/MS 2016/0147826-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Julgamento: 10/10/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, DJe 17/10/2019). Para que não se fale que tais reflexões são genéricas, destaca-se constatação feita em seminário realizado no CNJ no ano de 2022: “Desde 2016, um grupo de 30 advogados moveu, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), cerca de 120 mil ações judiciais em 840 unidades judiciárias, de acordo com o estudo feito pelo Núcleo de Monitoramento dos Perfis de Demandas da Corregedoria Geral da Justiça (Numopede) sobre o perfil das ações movidas por um grupo de 30 advogados na Comarca de Ribeirão Preto. O grupo, que acabou condenado, elevou a demanda de casos novos na comarca de 23 mil para 27 mil processos ingressados por ano. Por causa da ação do grupo, o tempo médio entre início do processo até a sentença aumentou de 364 dias, em 2012, para 930 dias, em 2016.” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunais-apresentam-boas-praticas-para-combater-litigancia-predatoria/) Ressalte-se que o aumento exacerbado do número de processos implica necessariamente na elevação dos custos do Poder Judiciário, considerando que, segundo Luciano Benettti Timm, advogado, cada processo em trâmite custa, por ano, aproximadamente R$ 1.900,00 (um mil e novecentos reais) (TIMM, Luciano Benetti. Propostas para uma reforma do Sistema de Justiça do Brasil. Disponível em: https://milleniumpapers.institutomillenium.org.br/paper/millenium-paper-propostas-para-uma-reforma-do-sistema-de-justica-no-brasil.pdf). Em 2022, o CNJ editou a Recomendação nº 127, de 15 de fevereiro de 2022, a qual recomenda aos tribunais a adoção de cautelas visando a coibir a judicialização predatória que possa acarretar o cerceamento e defesa e a limitação da liberdade de expressão (Disponível em:
). Durante o XV Encontro Nacional do Poder Judiciário, foram aprovadas as Metas e Diretrizes estratégicas das Corregedorias para o ano de 2023, dentre elas: “DIRETRIZ ESTRATÉGICA 7 – Regulamentar e promover práticas e protocolos para o combate à litigância predatória, preferencialmente com a criação de meios eletrônicos para o monitoramento de processos, bem como transmitir as respectivas informações à Corregedoria Nacional, com vistas à alimentação de um painel único, que deverá ser criado com essa finalidade”. No âmbito do TJPA, o Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Pará – CIJEPA, em atenção à Nota Técnica nº 001/2022 do CIJMG/TJMG, elaborou a Nota Técnica nº 6/2022. Ainda, em 2023, foi criado o “Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias”. Cumpre destacar que o direito de ação (art. 5º, XXXV, da CF) não é absoluto, tampouco o único direito fundamental em jogo, uma vez que com ele convivem e estão em mesma hierarquia outros direitos e princípios constitucionais, como o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), a ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LV, da CF), a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) e a eficiência (art. 37 da CF). Gilmar Ferreira Mendes e Lenio Luiz Streck, ao comentarem o art. 98 da CF, no qual há a previsão da criação dos Juizados Especiais, apresentam a seguinte reflexão sobre o “acesso à Justiça”: “Acesso à Justiça, como ensina Mauro Cappelletti, não significa mero acesso ao Judiciário, mas um programa de reforma e método de pensamento que permitam verdadeiro acesso ao “justo processo”. Nesse sentido, o mandamento constitucional de criação de Juizados Especiais pela União – no Distrito Federal e nos Territórios – e pelos Estados não deve ser entendido como mera formulação de um novo tipo de procedimento, mas, sim, como um conjunto de inovações que envolvem desde nova filosofia e estratégia no tratamento de conflitos de interesse até técnicas de abreviação e simplificação procedimental, como bem assevera Watanabe” (CANOTILHO, J. J. Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018 (Série IDP), p. 1.439). Ademais, não se pode olvidar do princípio infraconstitucional da encomia processual, sobretudo no âmbito dos Juizados Especiais (art. 2º da Lei nº 9.099/95), o qual dispõe que se deve “obter o máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo de emprego possível de atividade jurisdicional” (CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de derecho procesal civil, t. I, p. 170, In: MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de direito processual civil moderno. 5 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 138-139). Além disso, o abuso de direito é coibido pelo ordenamento jurídico, pois configura ato ilícito, nos termos do art. 187 do CC. Nas palavras de Marcelo Lamonica Bovino, advogado: “ter acesso ao Poder Judiciário não implica no direito de abusar de demandar, e sim no direito de ter ou receber a prestação jurisdicional no seu tempo e de forma justa” (BOVINO, Marcio Lamonica. Abuso do direito de ação: a ausência de interesse processual na tutela individual. Curitiba: Juruá, 2012, p. 128). Fernando da Fonseca Garjadoni, a seu turno, ao discorrer sobre o uso responsável do sistema de Justiça, sustenta que “a judicialização dos conflitos não pode ser utilizada pelo demandante para buscar vantagem desproporcional, e nem servir ao demandado para postergar o cumprimento de obrigação que sabe ser devida” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Levando o dever de estimular a autocomposição a sério: uma proposta de releitura do princípio do acesso à Justiça à luz do CPC/15. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro. Ano 14. Volume 21. Número 2. Maio a Agosto de 2020, p. 112. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/50802/33446). José Miguel Garcia Medina, advogado, faz a seguinte reflexão relacionando a boa-fé objetiva e o exercício abusivo de um direito: “Como corolário da proteção à boa-fé objetiva, o exercício abusivo de uma posição jurídica deve ser reprimido. O abuso ocorre quanto se excederem manifestamente os limites próprios do exercício de um direito. A referência, em várias disposições da lei processual (p. ex. art. 80, VI e VII, 828, §5º, 918, parágrafo único, 1.021, §4º, 1.026, §§2º e 3º do CPC/;2015), ao exercício manifestamente abusivo do direito, revela que se adotou o critério objetivo, segundo o qual mais importante que a intenção do sujeito é a constatação de que o direito foi exercido de modo contrário à sua finalidade econômica e social” (MEDINA, José Miguel Garcia. op. cit., p. 138-139). O art. 139, III, do CPC dispõe que incumbe ao magistrado “prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias”. Não está se falando na criação de óbices ou entraves ao acesso à Justiça, mas é necessário que este se dê de maneira adequada e eficaz, de forma que o direito de ação seja exercido dentro de um processo ético, em que as partes atuem com lealdade, honestidade, observando o padrão de conduta imposto pela boa-fé objetiva. O art. 17 do CPC dispõe que para se postular em Juízo é necessária existência de interesse processual, que consiste na adequação, necessidade e utilidade do provimento jurisdicional pretendido. Segundo Rodrigo da Cunha Lima Freire, advogado, “as ações ajuizadas com abuso direito, fins subalternos ou ilícitos não produzirão um resultado útil da jurisdição, especialmente sob a óptica do Estado” (FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2000. p. 102). Ao optar pela fragmentação das ações decorrentes de uma mesma relação jurídica, não é possível se verificar o interesse processual legítimo da parte autora em ter a questão resolvida, mas sim tão somente a busca pela maximização da condenação da parte requerida em verbas indenizatórias e sucumbenciais. Tal atuação se amolda no conceito de “ações ou condutas frívolas” apresentado por Felipe Viani Albertini Viaro, juiz do TJSP: “(3) Ações ou condutas frívolas [8]: litigiosidade desnecessária ou que discute de maneira propositadamente fragmentada questões de baixíssimo valor econômico ou social, como forma de gerar ou multiplicar ganhos. Dentre os exemplos de demandas frívolas, conforme a ideia aqui exposta, estão as ações preparatórias, como exibição de documentos, sem prévio pedido administrativo e fragmentação de pedidos, inclusive relacionados a um mesmo contexto fático, apostando na desorganização da parte contrária e/ou fixação de honorários em cada processo [9]” (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: conceitos e casos. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2022-mai-09/felipe-viaro-litigiosidade-predatoria-conceitos-casos>). Gustavo Aureliano Firmo, advogado, por sua vez, sobre o tema, apresenta a seguinte reflexão: “(...) Inúmeros advogados identificaram a possibilidade de ajuizamento de demandas idênticas e massivas para supostamente proteger os interesses dos seus representados, contudo, em regra, não há o real interesse em proteção dos direitos supostamente lesados e reparação de danos suportados pelos clientes. O que se busca, na verdade, é um "enriquecimento" às custas das instituições financeiras. Em muitos casos concretos às partes têm plena ciência do que foi contratado, do valor recebido, da forma em que houve essa transferência, dos valores das parcelas, sua quantidade, além de outras informações pertinentes e repassadas no momento da celebração. Contudo, em várias oportunidades são pessoas idosas, "humildes" e sem qualquer formação acadêmica que são "seduzidas" por algumas pessoas (advogados ou pessoas destacadas para a captação agressiva e ilícita de clientes) que lhes fazem as falsas afirmações de que houve ilicitude ou abusividade no contrato celebrado, que possuem valores a serem restituídos e que não terão qualquer despesa processual ou com o advogado. Com o último são sempre firmados contratos de êxito, o que torna ainda mais atrativa a oferta apresentada à pessoa. (...)” (FIRMO, Gustavo Aureliano. O benefício da justiça gratuita e a advocacia predatória. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-mai-03/gustavo-firmo-justica-gratuita-advocacia-predatoria). Sobre o impacto gerado pelas demandas frívolas na litigiosidade, assim destacam os advogados Jean Carlos Dias e Bernardo Augusto da Costa Pereira: “(...) Quanto maior for o custo para apresentação da demanda, menor será a motivação do agente para apresentar uma demanda de baixa probabilidade de êxito; por outro lado, quanto menor o custo de apresentação, maior será estímulo para a apresentação de tal modalidade de pretensões. Em tais situações, as despesas processuais precificam inicialmente a expectativa de resultado e, quando o valor atribuído pelo autor é superior ao desencaixe, pode-se afirmar que ele proporá a demanda frívola. É importante dizer que as demandas frívolas geram uma externalidade negativa relevante, pois consomem unidades de serviço judiciário que poderiam ser destinadas às demandas de maior importância social. (...)” (DIAS, Jean Carlos. Análise econômica do processo civil brasileiro. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 72) O uso indiscriminado de tais artifícios para acessar o Poder Judiciário de modo repetitivo com o uso de ações fragmentadas, que poderiam ser aglutinadas em um mesmo processo (art. 327 do CPC), além de aumentar de sobremaneira a taxa de congestionamento de demandas, causa impactos negativos tanto na organização e na qualidade dos serviços prestados pelas unidades judiciais, quanto aos demais jurisdicionados que se utilizam dos meios adequados, pois acabam tendo a prestação jurisdicional atrasada, em razão de prioridades legais, evitando a rápida solução dos litígios. Eis a reflexão feita pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ João Thiago de França Guerra em seminário no ano de 2022 por aquele órgão: “Existe uma máquina de exploração econômica do processo, da letargia e da morosidade do processo. É um fenômeno que precisa ser estudado e contemporizado para que o acesso à Justiça daquele que realmente precisa e busca a tutela do seu direito não seja inviabilizado por essa exploração econômica do serviço judiciário” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunais-apresentam-boas-praticas-para-combater-litigancia-predatoria/) No mesmo sentido, ressalta José Laurindo de Souza Netto, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná no biênio 2021/2022: “(...) A litigância contumaz, que provoca a jurisdição de forma desnecessária e irresponsável, nesta linha, ao comprometer a capacidade de operabilidade sustentável da máquina judiciária representa afronta a garantia fundamental do acesso efetivo à justiça, colocando em risco a própria democracia. Também, viola os princípios constitucionalmente assegurados da igualdade material e duração razoável do processo, previstos nos artigos 5º, caput e LXXVIII, da Constituição Federal, e 3º e 4º do Código de Processo Civil. (...)” (NETTO, José Laurindo de Souza et. al. Acesso inautêntico à Justiça e a crise da jurisdição: as taxas processuais na litigância predatória. RJLB, Ano 8 (2022), nº 4. Disponível em: https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2022/4/2022_04_1423_1462.pdf) Não se mostra razoável, portanto, que a parte opte por aforar diversas ações praticamente idênticas, resultando na repetição desnecessária de atos processuais (v.g. citação, intimações, audiências, decisões etc), quando poderia ter sua pretensão analisada em um único processo. Destarte, conclui-se que não há interesse processual no presente feito, diante do uso predatório do direito de ação, conforme acima demonstrado. Por oportuno, cumpre trazer à colação entendimentos dos Tribunais pátrios que mantiveram a extinção de processos sem resolução do mérito em casos envolvendo demandas predatórias, in verbis: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS – JUSTIÇA GRATUITA DEFERIDA NO JUÍZO DE ORIGEM - DESNECESSIDADE DE NOVA CONCESSÃO - BENEFÍCIO QUE SE ESTENDE A TODAS AS INSTÂNCIAS E ATOS DO PROCESSO – FRACIONAMENTO DE DEMANDAS - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. O benefício da justiça gratuita concedido no juízo de origem, desde que não seja revogado no curso da lide, estende-se a todas as instâncias e atos do processo. O fracionamento de Ações com o mesmo fundamento e contra um mesmo réu configura abuso do direito de demandar e ausência de interesse processual, de modo que a extinção da lide é medida que se impõe. (TJ-MT 10060925120208110015 MT, Relator: RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Data de Julgamento: 17/08/2022, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/08/2022) EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APELAÇÃO CÍVEL. DEMANDA PREDATÓRIA. PADRÃO DE ATUAÇÃO ANORMAL DO PATRONO. ABUSO DO DIREITO DE LITIGAR. INEXISTÊNCIA DE LEGITIMIDADE E INTERESSE PROCESSUAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. A controvérsia central travada no recurso situa-se em se estabelecer se o advogado da parte autora abusou direito de litigar por meio do ajuizamento em massa de ações predatórias, a justificar a extinção dos processos sem apreciação do mérito. 2. Aquele que pretende litigar em juízo deve atuar com respeito aos princípios da boa-fé, da eticidade e da probidade, evitando, assim, o ajuizamento de ações fraudulentas, temerárias, frívolas ou procrastinatórias. É dizer, as demandas judiciais devem estar lastreadas em interesses legítimos das partes, não se inserindo nesse conceito as ações propostas por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que veiculem pretensões ou defesas desprovidas de qualquer respaldo legal. 3. A partir de uma visão macroscópica do índice de litigiosidade do patrono da parte autora, constata-se um padrão anormal de atuação, com graves indícios de captação irregular de clientela, além de exercício abusivo do direito de litigar, bem como cometimento de infrações ético disciplinares. 4. A partir de uma visão microscópica da litigiosidade do causídico, constata-se, novamente, um padrão anormal de atuação, com graves indícios de ajuizamento de ações temerárias, sem prévia diligência sobre a viabilidade jurídica da pretensão, além da utilização abusiva e indiscriminada pelo patrono das procurações outorgadas pelos seus clientes, por meio do ajuizamento de diversas ações sem o conhecimento e livre consentimento destes. 5. Reconhecida a prática de litigiosidade predatória. Recurso desprovido. Decisão unânime. ACÓRDÃO Vistos, discutidos e votados estes recursos, tombados sob o nº 0000116-12.2022.8.17.2580, ACORDAM os Desembargadores integrantes da QUARTA Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de Apelação Cível, tudo nos termos dos votos e notas taquigráficas anexas, que passam a fazer parte integrante deste julgado. Recife, data da certificação digital. Juiz Sílvio Romero Beltrão Desembargador Substituto (TJ-PE - AC: 00001161220228172580, Relator: GABRIEL DE OLIVEIRA CAVALCANTI FILHO, Data de Julgamento: 09/08/2022, Gabinete do Des. Stênio José de Sousa Neiva Coêlho (4ª CC)) APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MULTIPLICIDADE DE AÇÕES. CONDUTA TEMERÁRIA. ABUSO DE DIREITO. EXTINÇÃO DA DEMANDA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. O fracionamento das ações como a presente por certo consiste em um verdadeiro abuso de direito, na medida em que ao tempo do ajuizamento de uma ação discutindo um só débito, poderia a parte requerente incluir os demais débitos que alega serem irregulares e que teriam sido indevidamente encaminhados para o cadastro negativo pelo mesmo réu. Trata-se de conduta processual temerária e abusiva, a qual o Judiciário não pode dar guarida. Manutenção da sentença extintiva. APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJRS - Rac nº 70082401159, 9ª Câm. Cível, Rel. Des. Eugênio Facchini Neto, j. 30.08.19). APELAÇÃO CÍVEL. INDEFERIMENTO DA INICIAL. DEMANDA ARTIFICIAL E PREDATÓRIA. CABIMENTO. Para evitar a litigiosidade artificial e práticas predatórias no âmbito do Poder Judiciário, o Magistrado possui o poder-dever de tomar medidas saneadoras para coibir o uso abusivo do acesso à Justiça. (TJ-MG - AC: 10000211221684001 MG, Relator: Estevão Lucchesi, Data de Julgamento: 26/08/2021, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/08/2021) PROCESSO – Como (a) a determinação juntada de procuração com poderes firma reconhecida está de acordo com e espírito das boas práticas recomendadas pelo NUMOPEDE, de modo a coibir o uso predatório da Justiça, não se tratando de mero formalismo injustificado, considerando as peculiaridades do caso dos autos, (b) de rigor, ante o seu não atendimento pela parte autora apelante, (c) a manutenção da r. sentença, que indeferiu a inicial e julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com base nos arts. 321, e 485, I e IV, do CPC. Recurso desprovido. (TJ-SP - AC: 10040435720218260541 SP 1004043-57.2021.8.26.0541, Relator: Rebello Pinho, Data de Julgamento: 17/01/2023, 20ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/01/2023) JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA DE CONCLUSÃO LÓGICA ENTRE OS FATOS E OS PEDIDOS. DELIMITAÇÃO QUE PREJUDICA O DIREITO DE DEFESA E A DEVIDA ANÁLISE DO MÉRITO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Trata-se de recurso inominado interposto pelo autor em face de sentença que indeferiu a petição inicial por inépcia e extinguiu o processo sem apreciação de mérito, bem como o condenou em custas e multa por litigância de má-fé. Em seu recurso pretende a reforma da sentença e a condenação na obrigação de não fazer para que a ré se abstenha de realizar ligações de telemarketing ao autor e indenizá-lo por danos morais, além de afastar a multa e custas por litigância de má-fé. 2. Recurso próprio, tempestivo e preparo regular (ID 29067501 e 29067502). As contrarrazões não foram apresentadas (ID 29067559). 3. O recorrente em sua inicial aduz que foi importunado por diversas ligações oferecendo empréstimos consignados e que tais contatos originavam da requerida, chegando a receber mais de 50 ligações por dia, o que justificaria indenização por danos morais. Para tanto, juntou aos autos registros de ligações e mensagens (ID 29067472). 4. Posteriormente, foi oportunizado ao autor para que emendasse a inicial para especificar o valor pretendido a título de danos morais e indicar quais chamadas originavam da requerida, a considerar que a parte autora possui diversas ações idênticas em tramite ou que já tramitaram neste Tribunal (ID 29067485). Em resposta, a parte especificou os danos morais em R$1.500,00 e informou que não teve o cuidado em anotar de relacionar a data e hora das ligações? (ID 29067488). 5. Diante dos fatos, o Juízo a quo entendeu que não supriu a determinação contida na decisão de ID 29067485, situação que impossibilitaria a defesa da requerida e, portanto, foi indeferida a inicial por inépcia. 6. Neste ponto, cabe consignar que a Lei dos Juizados Especiais tem como princípio implícito mestre a efetividade da Justiça, mediante ao acesso facilitado ao Judiciário. Tal princípio permeia pelos princípios da simplicidade, da oralidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade. Não podendo a parte autora sob a guarita dos princípios norteadores do Juizado Especial prejudicar o contraditório e a ampla defesa da parte adversa, pois o não adimplir de forma satisfatória a emenda e especificar as ligações, as quais são de forma genérica à requerida inviabilizar o prosseguimento da demanda. 7. Quanto a condenação em custas arbitradas em 10% do valor da causa e multa de meio salário mínimo nos termos do art. 81, § 2º, do CPC, importante destacar que o autor/recorrente é um litigante habitual no juizado especial. Em pesquisa a sistema do Tribunal verifica-se mais de 25 (vinte e cinco) demandas no juizado especial somente no ano de 2021. Nota-se que, conforme já assinalado na sentença, o autor ajuizou diversas ações idênticas, as quais foram extintas por motivos semelhantes ao caso em tela e outras obteve sucesso. 8. Assim, formulação de acusações genéricas contra o réu, na tentativa de se aferir êxito na demanda e repetir a mesma conduta contra outros réus em demandas semelhantes, inclusive quanto aos pedidos resulta em demanda predatória. Portanto, escorreita a sentença em sua integralidade. 9. RECURSO CONHECIDO e NÃO PROVIDO. Condeno a parte recorrente vencida ao pagamento das custas processuais. Deixo de arbitrar honorários advocatícios ante a ausência de contrarrazões. 10. A súmula servirá de acórdão, consoante disposto no artigo 46 da Lei 9.099/95. (TJ-DF 07284851720218070016 DF 0728485-17.2021.8.07.0016, Relator: FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA, Data de Julgamento: 15/10/2021, Primeira Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no DJE: 11/11/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.) Não obstante, a despeito da factível ausência de interesse processual, conforme acima exposto, vê-se que o feito comporta julgamento do mérito em favor de quem aproveitaria a extinção do processo com fundamento no art. 485, VI, do CPC, devendo prevalecer o princípio da primazia do julgamento do mérito (arts. 4º, 6º, 282, §2º, e 488 do CPC). A promovente alega que os contratos nº 0123494739473 e nº 0123486375968 foram realizados sem seu consentimento. Por sua vez, a promovida alega no mérito a inexistência de danos morais, bem como inexistência de responsabilidade da parte requerida, posto que agiu de forma lícita, pedindo ao final, a improcedência do pleito inicial. Noutro giro, o juiz, como destinatário das provas (arts. 370 e 371 do CPC), e com fulcro no princípio do livre convencimento motivado, pode atestar o momento para julgamento, analisando as provas dos autos, e evitando o desnecessário tramitar processual, em homenagem à razoável duração do processo, garantia constitucional, art. 5º da Carta Magna. Assim, entendo que já há provas suficientes para o julgamento do presente processo e já tendo havido a realização de audiência nos autos, passa-se à análise da demanda. Deixo de apreciar eventuais preliminares suscitadas pela parte demanda, pois o mérito será decidido em seu favor (parte a quem aproveite a decretação da nulidade), o que faço com fundamento no art. 282, §2º do CPC. Antes de adentrar na apreciação da matéria de fundo faz-se necessário tecer algumas considerações a respeito do instituto do empréstimo consignado realizado por beneficiários de aposentadoria e de pensão do regime geral da previdência social administrado pelo INSS. Com o objetivo de estimular o crédito, reduzir a inadimplência e, consequentemente, a taxa de juros, o congresso nacional aprovou a Lei n. 10.820/2003 que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento dos servidores. A redação do art. 6º expandiu a autorização para descontos nos benefícios previdenciários de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil realizados por titulares de benefícios, desde que observados as condições estabelecidas pelo INSS em regulamento Da redação do texto legal acima mencionado extrai-se as seguintes conclusões: necessidade da existência de contrato como requisito de validade do empréstimo; observância das condições estabelecidas pelo INSS; ausência de responsabilidade solidária da autarquia previdenciária pelos débitos contraídos pelos beneficiários; e respeito ao limite de 45% (quarenta e cinco por cento) do valor dos benefícios. A fim de cumprir a determinação legal, o INSS, por meio da presidência, expediu a Instrução Normativa n. 28, de 16 de maio de 2008 (publicada no DOU de 19/05/2008) na qual foram estabelecidos os critérios e procedimentos operacionais relativos à consignação de descontos para pagamento de empréstimos contraídos nos benefícios da Previdência Social. Para o deslinde da questão posta em juízo, naquilo que é mais relevante, merece destacar os seguintes artigos da instrução, verbis: Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria, pensão por morte do RGPS, da Renda Mensal Vitalícia prevista na Lei nº 6.179, de 1974 , do BPC, de que trata o art. 20 da Lei nº 8.742, de 1993 , e de benefícios que tenham como requisito para sua concessão a preexistência do BPC de que trata o art. 20 da Lei nº 8.742, de 1993 , poderão autorizar os descontos no respectivo benefício, dos valores referentes ao pagamento de crédito consignado, concedidos por instituições consignatárias acordantes, desde que: (Redação do caput dada pela Instrução Normativa INSS Nº 136 DE 11/08/2022). I - o crédito consignado seja realizado com instituição consignatária que tenha celebrado ACT com o INSS e contrato com a Dataprev, para esse fim; (Redação do inciso dada pela Instrução Normativa INSS Nº 134 DE 22/06/2022). II - mediante contrato firmado e assinado com apresentação do documento de identidade e/ou Carteira Nacional de Habilitação - CNH, e Cadastro de Pessoa Física - CPF, junto com a autorização de consignação assinada, prevista no convênio; e III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência. IV - fica a critério da instituição consignatária acordante a contratação de crédito consignado em benefícios pagos por meio de representante legal (tutor nato, tutor judicial, curador ou guardião). (Redação do inciso dada pela Instrução Normativa INSS Nº 136 DE 11/08/2022). V - a revogação ou a destituição dos poderes ao representante legal não atingem os atos praticados durante sua vigência, salvo decisão judicial dispondo o contrário; (Inciso acrescentado pela Instrução Normativa INSS Nº 100 DE 28/12/2018). (Revogado pela Instrução Normativa INSS Nº 136 DE 11/08/2022): VI - no caso de operações realizadas pelo representante legal, caberá à instituição financeira verificar a possível restrição prevista no inciso IV do caput, sob pena de nulidade do contrato; e (Inciso acrescentado pela Instrução Normativa INSS Nº 100 DE 28/12/2018). VII - É vedado ao procurador que apresente instrumento de mandato particular ou que esteja cadastrado no sistema apenas para fins de recebimento do benefício, autorizar o bloqueio ou o desbloqueio de benefício para operações de crédito, salvo autorização expressa em instrumento de mandato público, para este fim. (Redação do inciso dada pela Instrução Normativa INSS Nº 136 DE 11/08/2022). (...) § 1º-A. O beneficiário poderá optar por utilizar os 5% (cinco por cento) de RMC no cartão consignado de benefício ou no cartão de crédito consignado. (Parágrafo acrescentado pela Instrução Normativa INSS Nº 134 DE 22/06/2022). (...) § 4º A autorização, por escrito ou por meio eletrônico, para a efetivação da consignação, retenção ou constituição de Reserva de Margem Consignável - RMC, valerá enquanto subscrita pelo titular do benefício, não persistindo, por sucessão, em relação aos respectivos pensionistas e dependentes. (Redação dada ao parágrafo pela Instrução Normativa INSS nº 39, de 18.06.2009, DOU 19.06.2009). Art. 4º A contratação de operações de crédito consignado só poderá ocorrer, desde que: I - a operação financeira tenha sido realizada na própria instituição consignatária acordante ou por meio do correspondente bancário a ela vinculado, na forma da Resolução do Conselho Monetário Nacional - CMN nº 3.954, de 24 de fevereiro de 2011, sendo a primeira responsável pelos atos praticados em seu nome; e (Redação do inciso dada pela Instrução Normativa INSS Nº 134 DE 22/06/2022). II - respeitada a quantidade máxima de nove contratos ativos para pagamento de empréstimo pessoal e um para o cartão de crédito do mesmo benefício, independentemente de eventuais saldos da margem consignável, sendo somente permitida a averbação de um novo contrato, condicionada à exclusão de um já existente. (Redação do inciso dada pela Instrução Normativa INSS Nº 89 DE 18/10/2017). Art. 5º A instituição consignatária acordante, independentemente da modalidade de crédito adotada, somente encaminhará o arquivo para averbação de crédito após a devida assinatura do contrato por parte do beneficiário contratante, ainda que realizada por meio eletrônico. (Redação do artigo dada pela Instrução Normativa INSS Nº 134 DE 22/06/2022). Art. 6º A inobservância do disposto no art. 5º implicará total responsabilidade da instituição consignatária acordante envolvida e, em caso de ilegalidade constatada pelo INSS, a operação será considerada irregular e não autorizada, sendo motivo de exclusão da consignação. (Redação do artigo dada pela Instrução Normativa INSS Nº 134 DE 22/06/2022). Art. 7º A concessão de crédito consignado será feita a critério da instituição consignatária acordante, sendo os valores e demais condições objeto de livre negociação entre ela e o beneficiário, respeitadas as demais disposições desta Instrução Normativa. (Redação do artigo dada pela Instrução Normativa INSS Nº 134 DE 22/06/2022). A instituição financeira responde irrestritamente pelos atos praticados por seus correspondentes bancárias relativos à empréstimos consignados, na forma do art. 4º, I. Este inciso faz menção à Resolução do CMN n. 3.110/2003. No entanto, esta Resolução foi revogada pelo art. 23, I, da Resolução do CMN n. 3.954/2011, a qual passou a disciplinar a matéria. O art. 2º da Resolução CMN n. 3.954/2011 reforça a inteira responsabilidade da instituição financeira pelos atos praticados por seus correspondentes bancários. Além das exigências relativas à documentação para celebração do empréstimo consignado já destacadas acima previstas tanto na IN do INSS n. 28/2008 quanto na Resolução CMN n. 3.954/2011, merece destacar ainda as disposições dos arts. 21, 22 e 28 da IN do INSS n. 28/2008: Art. 21. A instituição financeira, ao realizar as operações de consignação/retenção/constituição de RMC dos titulares de benefícios deverá, sem prejuízo de outras informações legais exigidas (art. 52 do Código de Defesa do Consumidor - CDC), observar a regulamentação expedida pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil, em especial as disposições constantes da Resolução nº 2.878, de 26 de julho de 2001, e alterações posteriores, bem como dar ciência prévia ao beneficiário, no mínimo, das seguintes informações: ... VIII - o CNPJ da agência bancária que realizou a contratação quando realizado na própria rede, ou, o CNPJ do correspondente bancário e o CPF do agente subcontratado pelo anterior, acrescido de endereço e telefone. Art. 22. Sempre que o beneficiário receber o benefício por meio de crédito em conta corrente, o crédito do empréstimo concedido deverá ser feito, obrigatoriamente, nessa conta, constituindo motivo de recusado pedido de consignação a falta de indicação da conta ou indicação de conta que não corresponda àquela pela qual o benefício é pago. Art. 28. A instituição consignatária acordante concedente de crédito deverá conservar os documentos que comprovam a operação pelo prazo de 5 (cinco) anos, contados da data do término do contrato de empréstimo e da validade do cartão de crédito ou cartão consignado de benefício. (Redação do artigo dada pela Instrução Normativa INSS Nº 134 DE 22/06/2022). Registro que a Resolução do CMN n. 2.878/2001 mencionada no caput do art. 21 foi revogada pelo art. 5º da Resolução do CMN n. 3.694/2001 a qual passou a disciplinar a matéria. A consequência jurídica imediata da realização de empréstimo consignado sem observância das exigências susum mencionadas é a exclusão imediata do empréstimo sem prejuízo da devolução das parcelas já descontadas até a efetiva exclusão, com correção monetária pela taxa SELIC, e responsabilização pelos danos causados ao consumidor na forma do CDC, conforme pontuado no caput do art. 21. Nesse sentido merece destacar o art. 47, §5º e art. 48 da IN do INSS n. 28/2008: Art.47. As reclamações serão recebidas diariamente pela OGPS e serão adotadas as seguintes providências: ... § 5º Caberá, exclusivamente à instituição financeira, a responsabilidade pela devolução do valor consignado/retido indevidamente, no prazo máximo de dois dias úteis da constatação da irregularidade, corrigido com base na variação da SELIC, desde a data de vencimento da parcela referente ao desconto indevido em folha, até o dia útil anterior ao da efetiva devolução, observada a forma disposta no art. 23, enviando comprovante à Dataprev. Art. 48. Quando a reclamação for considerada procedente por irregularidade na contratação ou consignação/averbação incorreta ou indevida em benefício, a instituição financeira deverá: I - enviar em arquivo magnético à DATAPREV a exclusão da operação de crédito considerada irregular; e II - proceder ao ressarcimento dos valores descontados indevidamente ao beneficiário, no prazo e na forma estabelecidos no § 5º do art. 47, encaminhando o comprovante do depósito ou outro documento que comprove a quitação do valor à Dataprev. A exclusão deve ser promovida pela própria instituição financeira que realizou o empréstimo com violação às normas estatuídas pelo INSS (nos termos do art. 6º, §1º da Lei n. 10.820/2003) ou pela própria Agência da Previdência Social (APS) em cumprimento à ordem judicial. Nesse sentido é o que dispõe o art. 44 da IN do INSS n. 28/2008. Ademais, é importante consignar que a responsabilidade das instituições financeiras por concessão de empréstimos consignados de forma irregular não se limita ao dever de ressarcir os prejuízos causados ao consumidor. Deve também ser responsabilizada administrativamente perante o INSS. Para isso foi criada a Diretoria de Benefícios do INSS em Brasília. A IN do INSS n. 28/2008 tratou da matéria no seu art. 52. Traçada as premissas conceituais e legais acima, passo a apreciar o pleito declinado na petição inicial à luz das provas produzidas nos autos durante a instrução, a fim de aferir se o pedido deve ou não ser deferido. Da existência de provas a respeito do negócio jurídico. Compulsando dos autos, verifica-se que a controvérsia se cinge à ocorrência ou não de celebração de negócio jurídico pela parte autora. O caso se submete ao regime jurídico previsto no Código de Defesa do Consumidor, haja vista que as partes se amoldam nos conceitos de consumidor e fornecedor previstos nos arts. 2º, 3º, §2º e 29 do CDC. Vale destacar o enunciado da Súmula n. 297 do STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Analisando os autos, a parte autora comprovou, mediante prova nos autos que há desconto em seu benefício previdenciário oriundo dos contratos de empréstimo na modalidade consignado nº 0123494739473 e nº 0123486375968, se desincumbindo, desta forma, do ônus previsto no art. 373, inc. I, do Código de Processo Civil, como se vê no ID 128302159, página 3. Assim, a parte autora se desincumbiu do ônus de comprovar os fatos constitutivos de seu direito. Com a contestação, a parte promovida explicitou que os descontos são oriundos da utilização de contratos de empréstimos consignados realizados pela parte autora via terminal de autoatendimento. Desse modo, o cerne da presente lide consiste em determinar se os empréstimos consignados, descritos na inicial, efetivamente foram celebrados, de modo regular, pela parte requerente com o banco demandado ou se tal relação jurídica carece de existência ou validade, afigurando-se indevidos, pois, os descontos operados no benefício da autora. No caso dos autos, verifica-se que o demandante é pessoa analfabeta (ID 128302167) e a contratação dos empréstimos se deu por meio de caixa eletrônico, que exige a utilização de cartão magnético e senha pessoal, não havendo, portanto, que se falar em irregularidade da contratação. É que na legislação pátria não existe vedação ou especificações para a utilização do cartão bancário e senha por pessoas analfabetas, não podendo ser exigido das instituições financeiras que, para a realização de empréstimo por meio de caixa eletrônico, seja apresentada procuração por escritura pública. Assim, em que pese o demandado comprovar o tipo de contratação apenas através do sistema interno do Banco, há que se considerar os documentos acostados ao ID 135262576 e ID 135262578, nos quais é possível observar a realização da contratação dos empréstimos. Ademais, o requerido trouxe aos autos os extratos bancários demonstrando a disponibilização dos valores dos contratos, consoante se vê no ID 135262577. Ora, diante da informatização vivenciada nos tempos atuais, com consequente aumento de contratações realizadas eletronicamente, a simples afirmação de desconhecimento das contratações não merece guarida. Enfatizo que, embora a parte autora se insurja afirmando que não conhece o débito exigido, em contraprova, houve a apresentação de telas sistêmicas constando a existência de recebimento do aporte financeiro depositado pelo banco e transferências e diversas operações bancárias efetuadas pela autora, os quais certificam não só a existência de relação jurídica entre as partes, como também ser o recorrente contumaz na pactuação de empréstimos dessa espécie. Assim sendo, o banco demandado se desincumbiu de seu ônus probatório (art. 373, II, do CPC). Verifique-se: Ademais, ressalto que, no que tange a empréstimos realizados em terminais de autoatendimento, é de se atentar que essa modalidade de operação de empréstimo pessoal é menos burocrática que outras, pois se utiliza da segurança propiciada pelo fato de já existir, entre o Banco e o cliente, uma relação jurídica prévia e já consolidada, que, no caso, é a existência de uma conta corrente ativa. Desse modo, ainda que o contratante seja pessoa analfabeta, como no caso em exame, não há que se falar em irregularidade na contratação, tendo em vista a ausência de previsão legal de formalidade para o caso e considerando todo o arcabouço probatório que levam à conclusão da efetiva realização do negócio jurídico entre as partes. Nesse sentido, vem decidindo os Tribunais Brasileiros: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE NULIDADE C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C DANOS MORAIS - DESCONTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - EMPRÉSTIMOS CONTRATADOS EM CAIXA ELETRÔNICO - DEVER DO CORRENTISTA DE GUARDA DO CARTÃO E DE SIGILO DA SENHA PESSOAL - AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO BANCO - ILÍCITO - INOCORRÊNCIA - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. I- São chamados de analfabetos funcionais os indivíduos que, embora saibam reconhecer letras e números, são incapazes de compreender textos simples, bem como realizar operações matemáticas mais elaboradas, condição esta que o autor não comprovou se encaixar. Ademais, o Banco réu demonstrou que a contratação do empréstimo em questão se deu mediante utilização de terminal eletrônico, com uso de cartão, senha e biometria, sendo inaplicável a exigência de legal de contratação mediante assinatura a rogo e subscrição por duas testemunhas. II- O fato de as operações controvertidas terem sido efetuadas com o cartão, senha e biometria do consumidor em caixa eletrônico, sem noticias de perda/roubo ou de ter o correntista sofrido qualquer coação/violência no estabelecimento bancário, afasta o dever de indenizar da instituição financeira, por ausência de demonstração da falha do serviço prestado. III - Havendo prova de que o autor contratou o empréstimo questionado com o uso de cartão, senha pessoal e biometria, tendo sido disponibilizado o valor contratado em sua conta corrente, sem qualquer indício de fraude, de rigor a manutenção da sentença que afastou o pleito declaratório de nulidade das operações. IV- Ao dever de indenizar impõe-se configuração de ato ilícito, nexo causal e dano, nos termos dos arts. 927, 186 e 187 do CC/02, de modo que ausente demonstração de um destes requisitos a improcedência do pedido de reparação por danos morais é medida que se impõe. (TJ-MG - AC: 50011872220208130453, Relator: Des.(a) João Cancio, Data de Julgamento: 04/04/2023, 18ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 04/04/2023) EMENTA Apelação Cível - Civil e Consumidor – Ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c Repetição do Indébito e Pedido de Indenização por Danos Morais – Preliminar de cerceamento de defesa – Não acolhimento – Parte autora teve oportunidade de se manifestar sobre os documentos (extrato bancário) antes da prolação da sentença - Empréstimo consignado – Parcelas deduzidas do benefício previdenciário – Autor analfabeto – Modalidade de empréstimo realizada por meio de terminal de autoatendimento bancário com biometria e disponibilização de senha pessoal – Contratação válida – Acervo probatório dos autos que demonstram que o valor do empréstimo foi disponibilizado na conta do demandante – Saque total da quantia creditada no dia seguinte – Inexistência de ato ilícito – Pedidos julgados improcedentes – Sentença que não merece reforma – Recurso conhecido e desprovido. (Apelação Cível Nº 202200746593 Nº único: 0002194-76.2021.8.25.0062 - 1ª CÂMARA CÍVEL, Tribunal de Justiça de Sergipe - Relator (a): Iolanda Santos Guimarães - Julgado em 03/02/2023) (TJ-SE - AC: 00021947620218250062, Relator: Iolanda Santos Guimarães, Data de Julgamento: 03/02/2023, 1ª CÂMARA CÍVEL) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E RELAÇÃO CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO, INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS - ÔNUS DA PROVA - COMPROVAÇÃO DE CONTRATAÇÃO EM CAIXA ELETRÔNICO MEDIANTE APRESENTAÇÃO DE CARTÃO E SENHA - AUSÊNCIA DE ILICITUDE. - Em se tratando de contratação de empréstimo pessoal realizado por meio de caixa eletrônico com a utilização de cartão e senha pessoal, não há que se falar em prática de ato ilícito pelo banco que invalide o negócio jurídico ou possa gerar dano moral, ainda que o contratante seja analfabeto, tendo em vista a inexistência de previsão legal de formalidade para o caso. V .V. - Impõe-se declarar a nulidade dos contrato de empréstimo consignado celebrado eletronicamente, já que a instituição financeira não cumpriu o art. 3º, II, da Instrução Normativa INSS nº 28/2008, que exige contrato firmado e assinado, além da apresentação da carteira de identidade e/ou Carteira Nacional de Habilitação - CNH. A celebração de contrato de empréstimo consignado mediante desconto em benefício do INSS com idoso, sem a observância das formalidades legais, configura danos morais passíveis de indenização. No julgamento do EAREsp nº 676608/RS, a Corte Especial do STJ, por maioria, conheceu dos embargos de divergência e deu-lhes provimento, com modulação, nos termos do voto do Ministro Relator, restando definido, dentre outros pontos, que "A restituição em dobro do indébito ( parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que cobrou valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida conduta contrária à boa-fé objetiva". O valor da indenização por danos morais deve ser suficiente para que sirva de exemplo e punição para a empresa causadora do dano, a fim de evitar a repetição da conduta, mas por outro lado, nunca pode ser fonte de enriquecimento para a vítima, servindo-lhe ap enas como compensação pela dor sofrida. (TJ-MG - AC: 10000221099864001 MG, Relator: Marco Antônio de Melo (JD Convocado), Data de Julgamento: 08/11/2022, Câmaras Cíveis / 18ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 08/11/2022) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO - EMPRÉSTIMO FIRMADO COM ANALFABETO FUNCIONAL - VALIDADE DO CONTRATO. É válida a celebração de contrato de empréstimo, quando comprovada relação contratual bem como a transferência dos valores em benefício do autor. O analfabetismo funcional ou idade avançada não geram presunção de nulidade contratual por vício de consentimento, que deve ser comprovado por quem o alega. Isso porque, habitualmente, o semianalfabeto ou idoso pode praticar atos da vida civil por não se enquadrarem nas hipóteses legais de incapacidade civil (artigos 4º e 5º do Código Civil). (TJ-MG - AC: 10000211175666001 MG, Relator: Saldanha da Fonseca, Data de Julgamento: 07/10/2021, Câmaras Cíveis / 12ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 15/10/2021) Ainda neste raciocínio, é válido esclarecer que o cliente já tem um limite de crédito pré-aprovado, que contrata de maneira simplificada num terminal de autoatendimento do banco (caixa eletrônico), sendo o depósito do valor contraído realizado na respectiva conta corrente. Assim, entendo que tais empréstimos são plenamente possíveis na atualidade, principalmente no caso dos autos, em que a parte autora não demonstra qualquer indício de fraude na referida contratação. Como informado na peça de contestação, o empréstimo BDN (Bradesco Dia e Noite) é uma linha de crédito pessoal rápida e sem muita burocracia, disponibilizado aos clientes do Banco Bradesco S.A. A característica do limite de crédito contratado via BDN, é a inexistência de contrato físico, tendo em vista que a operação é realizada no caixa eletrônico, Internet Banking, ou pelo aplicativo do celular Bradesco, pelo próprio consumidor e para sua própria comodidade. Assim sendo, vê-se que a parte demandada comprovou documentalmente todos os fatos alegados, consoante os documentos anexados à peça contestatória. Corroborando este entendimento, é a jurisprudência das Turmas Recursais do Egrégio Tribunal de Justiça do Pará, senão veja-se: EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO REALIZADO EM TERMINAL DE AUTOATENDIMENTO LOCALIZADO NO MUNICÍPIO EM QUE RESIDE A AUTORA E COM UTILIZAÇÃO DE CARTÃO E SENHA PESSOAL. DISPONIBILIZAÇÃO DO CRÉDITO NA CONTA CORRENTE DA AUTORA. JUNTADA DO EXTRATO DA CONTA CORRENTE PELO BANCO RÉU. COMPROVAÇÃO DO FATO EXTINTIVO DO DIREITO AUTORAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 373, II DO CPC. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ AFASTADA. NÃO COMPROVAÇÃO DA MÁ FÉ. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPA – 1ª TURMA RECURSAL - 0800225-52.2019.8.14.0067 - RELATOR(A) LUANA DE NAZARETH AMARAL HENRIQUES SANTALICES – DATA DO JULGAMENTO: 16/03/2021) EMENTA: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. EMPRÉSTIMO REALIZADO EM AUTOATENDIMENTO. USO DO CARTÃO BANCÁRIO. OPERAÇÃO REALIZADA MEDIANTE SENHA PESSOAL. DEVER DE GUARDA. RESPONSABILIDADE DO CORRENTISTA. AUSÊNCIA DE FALHA NO SERVIÇO BANCÁRIO. DANOS MATERIAL E MORAL NÃO CONFIGURADOS. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. (TJPA – 2ª TURMA RECURSAL - 0809593-69.2019.8.14.0040- RELATOR(A) MIGUEL LIMA DOS REIS JUNIOR – DATA DO JULGAMENTO: 20/05/2022) Assim, não há que se falar em ilegalidade da conduta do promovido. Por fim, a parte autora afirma que se contrato houve, este foi feito sem a intenção da autora, conclusão esta que se encontra em dissonância com a prova dos autos posto que, repito, o contrato anexado aos autos se revela plenamente válido uma vez que atendeu a todos os requisitos previstos em lei. Verifica-se, portanto, que não está demonstrada ilegalidade nos descontos efetuados no benefício previdenciário, e, desta feita, incabíveis os pleitos de indenização por danos morais e materiais, bem como pedido de cancelamento do negócio com cessação dos descontos. De mais a mais, milita em desfavor da parte autora o fato de possuir vasto histórico de contratação de empréstimos consignados, não tendo a petição inicial informado se esses outros contratos também estão sendo contestados administrativa ou judicialmente. Ora, a ausência de qualquer insurgência da beneficiária quanto ao depósito de dinheiro em sua conta bancária a título de empréstimos consignados, e assim também a falta de irresignação quanto aos posteriores e reiterados descontos mensais das prestações respectivas no benefício previdenciário (autorizados pela Autarquia Previdenciária diante da documentação por ela recebida), que vem ocorrendo desde os anos de 2023 e 2024 são condutas omissivas que, se prolongadas por largos meses ou anos, caracterizam, a um só tempo, tanto o silêncio circunstanciado gerador da anuência tácita ao mútuo financeiro especial (art. 111 do Código Civil), como também o comportamento contraditório violador do princípio da boa-fé contratual (art. 422 do Código Civil) ao negar o crédito recebido e usufruído, ensejador da aplicação da teoria da supressio, tudo a inviabilizar a pretensão de arrependimento ou de reconhecimento da inexistência do negócio jurídico eficaz. De passagem, vale refletir que o Poder Judiciário tem sido acionado excessivamente por vários contratantes de empréstimos consignados, os quais, muitas vezes, aproveitando-se da incapacidade das instituições financeiras de produzir provas em todos os feitos, buscam indevidamente a anulação dos mútuos e indenização por danos morais, mesmo tendo efetivamente contratado e recebido o valor correspondente à época. Não se quer dizer, aqui, que esse é o caso da presente demanda, contudo, esse contexto, sem dúvidas, desperta cuidados adicionais, a fim de não interferir em transações legais, das quais todas as partes se beneficiaram oportunamente. Conclui-se que as provas documentais apresentadas pelo banco promovido são suficientes para demonstrar que a relação jurídica entre as partes de fato existiu, não estando eivada de qualquer vício nem sendo proveniente de fraude praticada por terceiro. DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial, nos termos do art. 487, I, do CPC. Sem custas e honorários sucumbenciais, nos termos dos arts. 54 e 55 da Lei nº 9.099/95. Após o trânsito em julgado, não havendo qualquer requerimento ou interposição de recurso, arquive-se os autos. P.R.I. Servirá a presente, por cópia digitada, como mandado, ofício, notificação e carta precatória para as comunicações necessárias (Provimento nº 003/2009CJRMB-TJPA). Cametá, data registrada no sistema. FRANCISCO WALTER RÊGO BATISTA Juiz de Direito integrante do Núcleo de Justiça 4.0 - Grupo de Assessoramento e Suporte do 1º Grau - Núcleo de Empréstimos Consignados e Contratos Bancários, Saúde, Violência Doméstica e Ações Com Aplicação Do Precedente Firmado No IRDR nº 4, auxiliando a 2ª Vara Cível de Cametá (Portaria nº 3.357/2024-GP, de 09 de julho de 2024) (documento assinado digitalmente na forma da Lei nº 11.419/2006)
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